Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 31 de março de 2011

Ignorar ignorantes: um ato de liberdade


Acho que ele, o Outro Lá, nunca vai entender que eu gosto da minha solidão.
Não é a solidão brava, de não ter um abraço para lhe acolher, um lado para o qual correr quando o bicho pega, um ouvido atento nas horas de angústia, nem olhos atenciosos para as nossas mágoas: é a minha solidão tranquila, quieta, bem minha, tão minha.
É este prazer de que minha cama esteja ali, à minha espera, sem incômodos, sem barulhos, sem explicações, tudo à minha escolha - inclusive de quem um dia possa, quiçá, estar em minha cama...mas é que eu não gosto disso sempre, todo dia...
Meu amigo hoje estava me dizendo que não se casará pela terceira vez caso o seu matrimônio venha a se dissolver: é que tudo vira obrigação, inclusive a companhia do outro - e o sexo, e as despesas, e as datas comemorativas em que não há o que se comemorar.
A minha solidão tem a ver com a minha liberdade, porque eu gosto de estar só, é escolha: por mais que eu goste de alguém, seja amigo, namorado, ficante, parente, etc., eu gosto de ficar sozinha. Talvez isso seja o egoísmo de gostar de mim mesma e precisar ficar a sós comigo mesma - ah, quem disse que eu estou à procura de explicação? É bom e eu gosto.
Gosto de todas as outras companhias, porque são companhias: não quero ninguém em meu osso vinte e quatro horas por dia.
Talvez tenha a ver com o fato de que sempre escrutinaram minha vida, minhas agendas, meus diários, meus escritos, minhas fotos: a vida toda houve um bisbilhoteiro em minha cola...
Tudo aquilo que a gente não conta, acaba criando lendas urbanas sobre nós mesmos, do tipo: traumas nunca sofridos, namoros que nunca ocorreram, atos que nunca cometemos, mas que, enfim, como criação coletiva acaba pegando. Nem ligo! ligo apenas quando é injúria real, fofoca; e quando o negócio é descabido. O resto, o que imaginam ou que criam, não me irrita.
E por falar em irritar, andei notando que eu estava me irritando pelo fato de que um certo Ser Humano fazia cara de paisagem ao me ver. Eu achava isso uma afronta: a gente se conhesse há uns 04 anos, tivemos uma certa aproximação; e a última vez em que ele me cumprimentou foi na Páscoa do ano passado.
O problema é que eu me importava, porque eu queria que a gente fosse amigo como começamos a ser, mas ele foi se distanciando inexplicavelmente.
Hoje eu o encontrei: passei por cima dele como se ele fosse transparente - ah, todos os fantasmas são.
Foi para ferir mesmo, porque sei que os que têm ego imenso, ao perceberem que não são significantes como pensam, quando finalmente viram passado e não despertam em nós nenhum desejo de lembrança, sofrem o impacto de nosso gelo.
Sei que fiz por maldade: passei por ele, na ida e na volta, como se ele fosse transparente, fiz cara de paisagem, ignorei, passei por cima. Fiz isso mais para mim do que para ele, para que eu visse que aquela minha desconfiança, na verdade uma dúvida, sobre cortar o contato mínimo, excluir das redes sociais, deletar de minha história, já estava mais do que clara como a certeza de algo que eu deveria fazer. E fiz. Não quero mais papo, nem contato, nem gracinha.
É que eu achava mesmo que ele tivessea algum significado para mim, mas,tanto faz: eu me interesso tanto por ele quanto pelos rumos da Economia do Sri Lanka ou pela territorialidade cíclica das formigas na Noruega...
Os cumprimentos não devem ser uma obrigação burocrática, no caso das nossas escolhas. Escolhi que não quero mais contato, qualquer que seja, nem mesmo aquele contato que a Educação exige.
Coisa boa é esvaziar gavetas, jogar fora o que apenas ocupa espaço,se livrar do que não é útil, se desfazer daquilo que não soma nada à nossa vida...
E estou me sentindo tão bem!

The suburbs, do Arcade Fire


Eu fico mesmo muito feliz quando surge alguma banda criativa, com uma música que consegue comunicar e seduzir os ouvintes. A banda canadense Arcade Fire, que todo mundo a esta altura já conhece porque The suburbs passa e toca em tudo quanto é canal de música, já havia lançado outros álbuns, mas mesmo se eles se tornassem uma banda de um só hit, valeria a pena.
Gosto do clipe da música The suburbs pelo meu velho argumento: é um curta-metragem. E bem feito.
Mas você não precisa dominar a língua inglesa para interagir com o conteúdo da música: a sonoridade é bem próxima ao que o pessoal do The Smiths já criou, ou seja, a música fala com você.
A letra, por si só, tem um suporte sociológico que merece ser entendido, mas se não chegarmos a uma decodificação direta, o clipe, sozinho, já explica tudo, já traz uma narrativa compreensível e boa, com imagens boas e atores juvenis excepcionais.
No clipe, os amigos estão no começo da adolescência, brincando e se divertindo juntos, brincando de guerra também. Aí, então, se instauram as imagens de guerra civil, com as pessoas que são do mesmo país, da mesma cidade, mas de bairros diferentes, em plena ação bélica.
O lado metafórico explora os binômios: centro X periferia, isto é o subúrbio, as partes depreciadas da cidade em oposição ao pólo hegemônico. Mas, ao mesmo tempo,nessa conversa de amigos, vão se desenhando as separações, os sonhos que se distanciam, os temores de que a vida futura não permita realizar os sonhos mais simples.
Acho que o meu blablablá aqui é só para dizer que eu gosto da música, antes mesmo de me aprofundar sobre qualquer coisa sobre a banda.
Arcade Fire - The Suburbs

In the suburbs,
I learned to drive
And you told me I'd never survive
Grab your mother's keys we're leaving
You always seemed so sure
That one day we'd be fighting
In a suburban war
Your part of town against mine
I saw you standing on the opposite shore
But by the time the first bombs fell
We were already bored
We were already, already bored
Sometimes I can't believe it
I'm moving past the feeling
Sometimes I can't believe it
I'm moving past the feeling again
The kids want to be so hard
But in my dreams we're still screaming
And running through the yard
When all of the walls that they built in the 70's finally all
And all of the houses they built in the 70's finally fall
Meant nothing at all?
It meant nothing at all,
It meant nothing
Sometimes I can't believe it
I'm moving past the feeling
Sometimes I can't believe it
I'm moving past the feeling into the night
So can you understand
Why I want a daughter while I'm still young?
I want to hold her hand
And show her some beauty,
before all this damage is done
But if it's too much to ask
If it's too much to ask
Then send me a son
Under the overpass
In the parking lot we're still waiting
It's already past
So move your feet from hot pavement
And into the grass
'Cause it's already past
It's already, already past
Sometimes I can't believe it
I'm moving past the feeling
Sometimes I can't believe it
I'm moving past the feeling again
I'm moving past the feeling
I'm moving past the feeling
In my dreams we're still screaming
We're still screaming
We're still screaming

terça-feira, 29 de março de 2011

Era uma vez... MTV


Já faz um tempo que a MTV não tem M, isto é, Música.
Quando a Music TeleVision chegou ao Brasil, nos anos 1990, foi uma revolução e muita gente que a gente vê estabelecida na televisão um dia já foi VJ.
No final da minha infância eu e muitos de minha geração ficávamos vigiando o Fantástico, que sempre trazia a estréia de algum clipe. Depois, com a MTV, quem tinha televisão por assinatura se esbaldava com tantos clipes e com VJs do tipo do louquético Thunderbird e até tempos atrás, com o asqueroso João Gordo – todo mundo muito louco, muito transruptivo.
Ultimamente, até mesmo a VH1 latina já nem tem clipes: é só um festival de programação alternativa besta, tipo Ru Paul e a Corrida das Loucas e outros realities shows sem graça. Pelo menos, tem ainda os Clipes para Levantar (com o qual, graças a Deus eu me levanto, tomo banho e tomo café), Zzzzzzzz e os 100 melhores clipes. Mas, a cada dia que passa, a música ocupa um lugar menor na programação dos canais que deveriam fazer jus aos seus nomes e exibir videoclipes de música.
O videoclipe trouxe exatamente o que o título sugere: o encontro da música e da imagem, tal como no cinema, exibindo uma narrativa e configurando um curta-metragem. Não é à toa que grandes diretores de cinema assinam vários clipes. Mas, vamos a um caso recente: Hurricane, do 30 Seconds to Mars.
Lançado no final do ano passado, o clipe, que está mais para filme, dura 13 minutos, sob a direção do próprio vocalista da banda (o gatésimo Jared Leto, que também é ator), tem um perfil de filme de ação e traz cenas de nudez, violência e sadomasoquismo – por conta disso, do conteúdo do clipe, a MTV norte-americana e outros canais, condicionaram a exibição do clipe a uma censura. Assim é que cerca de 40 cenas foram suprimidas da versão televisiva, mas no site d abanda e no You Tube se pode encontrar a versão sem cortes. Com ou sem cortes, o clipe é excelente.
Muitos artistas brasileiros que amargaram temporadas de ostracismo tiveram na MTV uma grande aliada para ocupar lugar na mídia: as versões acústicas dão um up grade na carreira de qualquer um, porque retomam o repertório antigo da banda, sucessos já consagrados; e raramente colocam uma ou duas faixas diferentes, mas é do velho sucesso que sai o novo sucesso e com isso, sorte do artista!
Acho que o clipe é a cara da música, é a personificação da música. E como a música acompanha o meu dia, há aquelas que compõe a trilha sonora dos momentos mais importantes de nossa vida – sejam os bons, os dolorosos, os felizes - aquelas cenas tão pessoais que foram acompanhadas de alguma música e que fizeram nossos videoclipes particulares.
Como cantou titia Rita Lee, "Quem M te viu, quem M te vê"!

segunda-feira, 28 de março de 2011

Toda nudez será bem vinda!



Vejam aí um excelente pretexto para gostar de futebol...vamos aprofundar este assunto aos poucos.
Vai parecer que este post é por pura auto-afirmação, mas, sinto muito, não é: é que depois de terminar o meu dia cara a cara com aqueles lindos olhos azuis, com aquele sorriso, com a promessa daquele abraço, com a surpresa de significar para ele o que ele significa para mim, nessas coincidências tão impossíveis de que só o acaso é capaz de fazer, eu volto a declarar o meu encantamento físico pelos homens.
Não, eu não acho homem barrigudo sexy; não vejo graça em careca; não gosto de gente peluda; não gosto de grosseria nem de homem agreste.
Sei que repito em L.E. o que havia em C.
Posso estar querendo compensar um pelo outro.
Posso estar apenas repetindo, tudo em série, tudo presumivelmente igual, embora cada um seja um. Ah, que seja!
Para quem precisa de um bom motivo para se render à beleza e gostosura dos homens realmente bonitos e gostosos, olha aí a imagem.

Serial dater: quando os perdidos se encontram



Minhas amigas quando se revoltam contra a minha falta de iniciativa no plano dos relacionamentos, ah, elas vão fundo!
Hoje eu me senti uma serial dater. Sim, date= encontro! Então, tive dois encontros num dia e me senti uma serial dater, graças a elas, em plena segunda-feira.
No primeiro caso, aconteceu de I. ter uma audiência aqui em Feira, excepcionalmente.
Entrei em contato com I. por causa de Tella, que o conhece há mais de três anos, mas nunca havíamos nos visto exceto através daquelas fotos minúsculas do Messenger. Contudo, eu sempre desconfiei que pelo seu suposto porte físico, ele fosse capaz de quebrar meus ossos.
Ainda bem que ela estava lá, na praça de alimentação do shopping, com ele, de modo a fazer as devidas apresentações e mediar aquele encontro. Mas, Jesus Cristo, como é que se corre para longe num momento desses? Olhei para aquele ser humano engravatado e formal, num terno azul marinho, e pus em dúvida o grau da amizade de Tella por mim: aquele não era o homem que falava comigo pelo Messenger.
Sim, os olhos eram os mesmos; a boca, igualzinha; e o nariz ainda mais bonito do que pela web, mas, entre estes itens isoladamente pensados e o conjunto da obra, totalmente desarmônico, estava lá uma ausência de cabelos até bem depois do meio da cabeça.
Ele não só era careca (ou meio careca, se você considerar a área devastada na frente da cabeça) como tinha umas coxas de dinossauro, pesadíssimas, apesar de não configurar um gordo-padrão, um obeso, mas quase lá.
Bastou uma brincadeira entre nós três e Tella, que tinha intimidade para isso, brincou de colocar minha mão no coração dele, sobre a camisa. Ali tive a horrenda sensação de tocar fios de arame ou de alisar um porco-espinho.
Depois de educadas desculpas, quando nós nos desvencilhamos dele após pretextos e embromations bem elaborados, questionei à minha amiga por que foi que ela não revelou que ele, I., tinha essas coisas que eu odeio: pêlos, peso e carequice. Ela então me disse que não se lembrava dos detalhes físicos dele e deixou bem claras as suas boas intenções de me tirar da caretice e da solteirice que tanto incomodam às meninas.
Depois, naturalmente, demos risada de tudo, até porque minha amiga, antes de me encontrar foi encontrar um amigo by web, de mais de quatro anos de contato, mas nesse caso era pura amizade, sem terceiras intenções e, surpresa: o sujeito só não tinha um metro e meio porque tinha 1,51m. KKKKK! Ah, gente, fala sério: como a internet engana!
Graças a Deus que pelo menos eu posso garantir que quando I. falou que eu era igualzinha à minha imagem de exibição no MSN, ele não estava mentindo: pareço comigo mesma e isso talvez seja reflexo de que faço uso de minha imagem verdadeira e, no caso dele, a careca esteve oculta naquele jovial boné – jovial mesmo, porque ao vivo ele tem uns 10 anos a mais.
Cléo estava comigo também, mas passeando em outras lojas, até nos juntarmos para mancomunar novas aventuras e dar risada das saias justas. Assim é que Cléo resolveu ir lá no trabalho de L.E., juntando o útil ao agradável, já que ela precisava mesmo dos serviços oferecidos por lá, com claras intenções de fazer com que ele soubesse do meu interesse por ele.
Logo que eu cheguei Cléo se derreteu, pulando de alegria, porque L.E. havia me olhado. E eu, envergonhada e sem jeito.
Não demorou a Cléo me espantar para longe, mandando que eu fosse buscar os produtos que eu precisava e, quando eu estava distraída, ela veio com L.E. pelas mãos, promovendo o nosso encontro – meu Deus!eu fiquei gelada e ele ficou feliz.
Diante do meu constrangimento, L.E. deixou bem evidente que prestava atenção em mim há tempos (e eu pensando que ele nem sabia que eu existisse!), falou das roupas que eu já usei para ir lá, que sabia qual academia eu freqüentava e soube falar de mim nos últimos meses em extremos detalhes, confirmando que ele olhou para mim antes que eu o notasse.
Este meu segundo encontro foi incrível: ah, aqueles olhos! Nem Cléo agüentou: desceu todos os adjetivos elogiosos, todas as lisonjas que L.E. merecia. Aliás, desde que a gente chegou lá, ela revisou: - “amiga, ele é demais! Ele é muito ...muito...muito...” e eu interrompi: “Muita areia para o meu caminhão?” e ela: - “Ah, ele é muito gato, muito gostoso! Eu não tinha visto ainda o conjunto da obra, não tinha olhado como devia!”, completou Cléo.
Poxa, o miserável é lindo mesmo... e eu estou tão feliz por ele estar interessado! Nem acredito! Valeu o segundo encontro do dia. Espero deixar de ser uma serial dater, mas ele deixou por minha conta o próximo encontro da gente. Estou pensando a respeito.

domingo, 27 de março de 2011

Não é o que parece ser, versão II




Ontem, quando estávamos na boate, olhei meio espantada o abraço grudento entre duas amigas, supostamente amigas, gente que eu não conheço. Desde que se instaurou entre o meu grupo o germe da Ilha de Lésbos, ganhamos um cuidado esquisito em não levantar dúvidas sobre nossa sexualidade.
E, como sempre ocorre, homossexual odeia ser chamado de homossexual e agora acontece que a gente é “todo cuidados” para não ofender as devidas partes, sensibilíssimas, como é de se esperar, montadas na teoria de que tudo é rótulo, inclusive identificar sexualmente alguém.
Mas, andamos mesmo ressabiadas. Ora é um receio do abraço e do carinho comuns às amigas, ora é esse negócio do cuidado com a imagem, porque no nosso caso o problema é diferente. Parto do meu próprio exemplo: saio, no carnaval, em bloco de gay e zapatista (porque se eu escrever sapatão, tomo uma sapatada na cara; e se eu disser lésbica, a minha amiga vai fazer cara de nojo); sou muito independente e isso soa como se eu dissesse que sou muito macho em minhas atitudes: troco resistência de chuveiro, entendo relativamente de mecânica de carros; troco botijão de gás e transporto meu garrafão de água mineral de vinte litros, cheio, a uma distância média de 08 a 10 metros, distância entre o portão e a cozinha. Daí que tudo isso me coloca sob suspeita e essa suspeita se reforça porque dentre os meus amigos não tenho mais que dois que sejam heterossexuais.
Uma outra amiga minha que me alertou que, por contexto, é bem capaz de os homens deduzirem que eu sou do babado, por conta disso tudo.
Estou brincando, mas o caso é sério: perdemos a naturalidade do elogio à outra mulher, a naturalidade do amparo e do contato, porque realmente tememos ser confundidas. Imagine, se quem é, esconde e odeia ser reconhecido (a) como homossexual, imagine quem não é.
Mas, não gosto de afetos visguentos com mulher nenhuma – aceito e dou abraços, gosto que peguem em meu cabelo, não interpreto mal os contatos, mas odeio abraços frente a frente. Que coisa mais esquisita é a gente abraçar uma mulher e sentir aquele volume de peitos contra os nossos próprios peitos!
Continuo gostando de homem. Exclusivamente de homem. Minha sexualidade é definida, bem resolvida e imutável - quem tiver sua identidade líquida que vá colocar em outro frasco e não inclua o meu nessa parada. Tudo bem, anda faltando homem, pelo menos homens do sexo masculino.
Dos poucos que restam, os remanescente heterossexuais masculinos que andam pelo Ville Gourmet são dos extremos etários: ou velhinhos velhuscos, ou novinhos bebês.
Ainda ontem à noite, na The House, eu que sou perseguida por alguns estereótipos, tive que agüentar as brincadeiras de Tella, porque havia um adolescente me bebendo com os olhos. Eu não disse me comendo com os olhos porque o pobrezinho certamente ainda não comeu ninguém. Por isso Tella ficou pegando no meu pé, mostrando que o menino queria perder a virgindade comigo, dizendo coisas maldosas quando o pobrezinho ia até o banheiro , suscitando que eu seria inspiração para os momentos íntimos e solitários do rapaz. Vejam como o ser humano é maldoso.
Falando nessas coisas da sexualidade,de gente maldosa e etc., ainda acho bastante interessante a nossa relação com o nu:é algo que prescruta a curiosidade, a moralidade e a admiração. Todo mundo fica nu, mas interessante é a nudez do outro.
Todo mundo sonha andando nu, num momento ou outro da vida. Vive aquela vergonha do circuito imaginativo do sonho - quando crianças, andamos nus, porque nascemos nus; depois, tudo é pura vergonha.
Também dos remanescente heterossexuais masculinos, muitos são cafajestes, espécie imprópria para o consumo.
Meu primo cafajeste comprou uma camisa para ele, a caráter, quer dizer, a mau caráter, em que está escrito: Adora sopa. Se der sopa, eu como! ah, mundo maldoso S/A.

sexta-feira, 25 de março de 2011

E o tempo levou...


Hoje de manhã eu estava vendo a polvorosa que uma nova pesquisa sobre longevidade despertou na imprensa e na opinião pública.
Sou uma pessoa muito mal humorada com a idéia de viver demais - já sabem, papo de Eternidade não me conquista. Acho que a grandiosidade das coisas está, justamente, no fato de que nada é eterno, tudo tem seu tempo de acabar,tudo tem seu tempo de durar.
Quanto à morte, a gente pode adiar, mas não evitar.
Vivemos um dia a mais, sacrificamos isso e aquilo, acreditamos em bons hábitos de vida e etc., mas não tem jeito: todo mundo vai morrer.
Contudo, cada um decide que preço quer pagar por uns tempos a mais de vida.
Em meu caso, é bem possível que eu não pague o preço de uma vida sem açúcar, sem prazeres alimentares, sem pequenos hábitos, em troca de permanecer sobre a face da Terra por mais 01, 05 ou 10 anos.
Eu digo isso e nem me reconheço , porque eu sou daquelas pessoas que pisam no chão devagarinho, que são comedidas, que pensam muito antes de arriscar, que têm um bom cuidado consigo mesmas no sentido de evitar perigos desnecessários.
Tem um trechinho de uma música de Léo Jayme, Nada mudou, que sempre ficou em minha cabeça:
Os velhos jogam dama na praça
Professores de tudo que é dor
Fingindo esconder a falta que faz
Viver um grande amor.
E eu penso que viver a vida sem amores, assim como estar vivo sem uma série de outras coisas, nem é viver.
Diz a velhíssima mãe de um amigo meu, que, por sinal, é meu ex-namorado além de amigo, que a vida tem outros valores.
Tenho uma ironia com a vida, sabe? quando vejo aqueles anúncios estatais sobre a educação e Lázaro Ramos fala que o bom professor deve ter brilho nos olhos, dentro de mim eu fico pensando em comprar sombra-glitter, porque, francamente, brilho nos olhos diante do quadro geral da educação, só se for com maquiagem de qualidade.
A Psicanálise até diz algo similar em relação às pessoas, nos tempos atuais: queremos parecer jovens para dar este efeito de maquiagem, para esconder que caminhamos para a morte. Envelhecer é caminhar para a morte. Se a velhice está na cara, se está evidente, se está na aparência,pensamos que estamos passando.
A meu tempo, na primeira série, quando a professora nos falava e eu repetia com a classe que os seres vivos:"Nascem, crescem, reproduzem-se e morrem", demorou para eu ver que esquecia um item: envelhecem. Eu esquecia disso ou penso não ter ouvido senão bem mais tarde.
É que eu não queria ser uma velhinha descompreendida, não queria ser anacrônica, extemporânea, tipo Serguey ou Mick Jaegger, tá? e do jeito que eu sou, como é que eu vou deixar de gostar de rock and roll, como vou viver sem aventuras amorosas e sem sexo?como é que eu vou me adaptar à velhice, caso eu chegue lá?
Para a sorte de minha geração, já não somos sessentões aos sessenta, embora continuemos quarentões aos quarenta - mudou tudo: de hábitos a sonhos e aparências.
Mas eu comecei a, assim como minhas amigas, ter medo de quando os quarenta chegarem: é que Ilmara me convenceu de que a gente faz quarenta anos num dia e no dia seguinte todas as doenças do mundo pegam a gente. Daí que é essa a nossa primeira morte, que dá uma crise do cacete! que nada nunca mais será como era antes, que a gente se percebe velha, velha, velha. E tudo dá errado!
Todas as doenças que você só ouviu falar através de estatísticas aparecerão nos seus exames.
Minha amiga Cléo, que está na fase da revolução, espantada consigo mesmo, atribui suas mudanças - ela que era Sandy e agora é Lady Gaga - a uma crise pré-quarenta anos.
Tatiana conta, desesperada, que está nesta crise também, achando que não conquistou nada enquanto o tempo passou - um absurdo! minha amiga é incrível, fantástica, produtiva...
Aí eu fiquei pensando em Vanilla Sky, no filme que eu adoro, sabe?não que eu quisesse me congelar e acordar numa outra era um século ou mais após ter morrido, mas se eu pudesse eu ficaria trancadinha aqui, na casa dos trinta.
Veja a confusão: antes de termos quarenta anos sofremos com medo que este dia chegue. Aí daqui a uns anos o dia chega e nós já teremos sofrido com bastante antecedência.
Agora olha o meu pavor: tenho pavor de passar por uma mamografia, porque parece que colocam nossos seios numa sanduicheira e achatam.
Aí em todo concurso tem lá o dispositivo legal, a exigência de que a coitada da aprovada tem que apresentar este exame, caso ela tenha a partir de 40 anos.
Ouvi na Globo News que o exame é cobrado a partir dos 40 anos porque é nessa fase que a consistência dos seios está menor, permitindo que o aparelho ( a sanduicheira de peitos) detecte qualquer anomalia.
Agora eu não sei se tenho mais medo do aparelho ou de que a consistência dos meus seios vire esse negócio aí...
Como bem disse o senhor Machado de Assis: "Matamos o tempo;ele nos enterra!"

quinta-feira, 24 de março de 2011

O rei está nu!


Eu sei que eu não sou um exemplo de moralismo, mas agora eu vou entrar em crise geral:
Minha amiga quer que eu peça à minha médica homeopata uma receita de remédio que a ajude a acender o desejo sexual. O caso é que ela quer ter apetite sexual por mulheres e quanto a isso, não há remédio.
Meu ex-namorado agora é gay, pensa que é bissexual e acabou de me chamar para umas aventuras baratas com ele e com o rapaz com quem ele está tendo um caso...Poxa, gente, espera aí! o que há com o mundo, hein?
Minha amiga virou - ou está virando lésbica - e meu ex está se aboiolando geral e ainda me convida para ser compartilhado sexualmente ou sei lá se é o contrário, para compartilharmos o rapaz ou serei eu a refeição, tanto faz...que loucura!
Da última vez em que ouvi dessas coisas foi num encontro regional de História, que aconteceu na Universidade Católica de Salvador, no final dos anos 1990, quando Eliseu me disse: "Mara, fiquei tão a fim de você e do seu namorado!" e aí lá vinha a lesma do meu namorado e Eliseu disse a ele: "E aí, fiquei tãoa fim de você dois! vai rolar?"
Não, mano véio, não vai rolar não.
Apesar de sermos contemporâneos, parece que nessa hora alguém grita: "O rei está nu!" e as roupas invisíveis do rei são desmascaradas... a propósito, neste post, o rei está nu: é Pelé mesmo, o rei. O outro nu que tenho dele está no post chamado Rivalidades com a Argentina, o mais acessado no meu blog.
Numa hora dessas, só a filosofia me salva. E tem que ser filosofia de forró mesmo.
Socorro, Genival Lacerda!

Aqui tudo pirou, tudo tá mudado
Aqui tudo pirou, tudo mudou, tá tudo americanizado
Até logo é ciao, rapaz é boy
Eu não entendo o que se fala por aqui
Na lanchonete só se serve sandwich,
Só se veste stone washed, jeans e calça Lee,
Até no radio o locutor só fala inglês,
Só se ouve som pauleira e rock and roll
Um tal de love me, quer dizer amor,
Até Paulinho de Quitéria, mudou o nome para Paul.
Aqui tudo pirou, tudo tá mudado
Aqui tudo pirou, tudo mudou tá tudo americanizado.
Um cachorro de pano se chama Snoopy,
Um OK quer dizer tudo acertado,
Uma loja variada é Shopping Center,
Um motel é pro casal sem tá casado,
Mamãe aqui tá tão americano,
que as crianças so brincam com o Odissey
Meu gravador só toca apertando o play,
Mãe, aquele povo "macho e fêmea", agora é gay.
Aqui tudo pirou, tudo tá mudado
Aqui tudo pirou, tudo mudou tá tudo americanizado
Aqui tudo pirou, tudo tá mudado
Aqui tudo pirou, tudo mudou tá tudo americanizado
Tudo pirou, tá tudo americanizado

Cenas de cinema


Sou apaixonada por cinema, de verdade.
Assim como os autores com os quais trabalho na disciplina Literatura e outras artes, como Marinyze Prates e Walter Benjamin, acho que o cinema é uma criação revolucionária.
Hierarquizar a Literatura e o Cinema, colocando a primeira em posição superior ao segundo, além de um preconceito barato, é descuidar das relações entre ambos e desprezar que tanto uma como outro têm linguagens diferentes e suas peculiaridades.
É comum que as adaptações dos livros para as telas sofram inúmeras crítica negativas. Na maioria dos casos, não há inferioridade do cinema em relação à literatura, mas diferenças.
Ao transformar uma narrativa literária numa narrativa cinematográfica claro está que há necessidade de editar partes da obra.
Desse modo se revela uma relação cruel com o tempo: a primeira é que um filme deve durar em torno de 120 minutos, o que implica que dar contar de 150, 200,300 páginas num tempo desse significa selecionar partes do livro para transformar em cenas; o outro lado do tempo é que os prováveis dois anos de filmagem que o filme levou para ser concluído sejam julgados superficialmente por suas duas horas de exibição.
Claro, tem filme ruim, que por si só é um filme ruim: ruim de atores, de roteiro, de iluminação, de tudo, enfim – e aí tanto faz se é adaptação ou não.
Falo agora da minha decepção com um filme de 2004, que eu vi recentemente, tem um mês, eu acho: Nina.
Digo de antemão que eu não sabia que o filme era uma adaptação de Crime e castigo: que filme ruim! Um desperdício de elenco, porque a Guta Strasser, Wagner Moura, Matheus Nachtergaele, Renata Sorrah e Lázaro Ramos,estão figurativamente num filme sem tom, sem ritmo, sem graça, sem tensões, sem nada. O filme não tem nada: pode assistir uns 20 minutos e voltar 40 minutos depois e nada aconteceu, porque o filme não decola.
Fora isso, a cena patética e gratuita de Guta Strasser dançando nua, aliás, só de calcinha, na frente de Wagner Moura, que interpreta um cego, não diz a que veio, não relaciona com nada, fica um apelativo vazio demais.
Se eu fosse crítica de cinema, diria: não assista, é um tédio. Não tem nada a ver com a obra em que se baseia, não tem nada a ver com cinema, aquilo nem parece cinema. Vejam: é o filme que não presta, independentemente da idéia de roteiro, porque não há quem o salve.
Por outro lado, Terra estrangeira é um filme que me fascina, o melhor filme de Walter Salles. Se a gente olhar bem de perto, é um filme de arte em preto e branco, com uma fotografia deslumbrante e fala muito independentemente dos diálogos – as imagens são maravilhosas, exercem uma comunicabilidade absurda.
Fernando Alves Pinto, que interpreta Paco; e Fernanda Torres, que interpreta Álex, protagonizam o filme que tem um fundo político importantíssimo, porque tem como pano de fundo o governo de Fernando Collor e a repercussão de sua política econômica sob o comando de Zélia Cardoso de Mello. É o confisco da poupança que desenvolve a narrativa, pois com o choque da notícia, a mãe de Paco morre, o dinheiro fica retido e isso abre uma odisséia para Paco.
Em meu modo de ver, também como na Odisséia, o filme mostra a vida como jornada e como batalha. Assim, Paco entra na Europa através de Portugal – e lá estão vários imigrantes de países africanos colonizados por Portugal – o que já configura uma ótima possibilidade de pensarmos criticamente o contexto.
Em mim fica a mágoa pelo papel desempenhado pelas mulheres, porque elas são a causa de todas as desgraças: a mãe, a ministra, a namorada (Álex) e as outras mulheres que se insinuam no filme agem na direção de afundar o fosso de infortúnios de Paco. Mas, exceto por esta lógica, que pode ser só um ponto de vista particular, o filme é excelente mesmo.
Essa receita noir, preto-e-branco, não funciona no filme contemporâneo Abril despedaçado, também de Walter Salles – sustenta uma angústia chata, quase sem devir, num tom insosso de narrativa, numa lentidão injustificável, enfim. Acho que a mágoa, aqui, é pela ausência de um happy end. Aliás, nenhum dos citados filmes têm final feliz e aí eu fico achando que nesses momentos em que a arte imita a vida (que nunca tem final feliz), está boicotando a merecida catarse que nós merecemos.
Precisamos de ilusão, porque a crueldade da vida já nos dá muita violência e miséria para interiorizar. Declaro para os devidos fins que sou favorável aos finais felizes e à punição dos vilões, como não ocorre na vida real. Mas, não tem que ter pacto com o real mesmo, se não, não seria ficção.
Caso em contrário, em que a aproximação extremada entre a ficção e a realidade deu super certo foi em Tropa de Elite - tanto o primeiro quando o segundo filme.
Pode não ser o gênero preferido de muita gente, mas temos que admitir: o filme é bem feito, é bom, sabe dosar os ápices de tensão com os momentos de inércia crítica.
Temos desconfiança com todo tipo de best-seller, mas muitos livros se tornam best-sellers por causa dos filmes que foram baseados nessas obras.
No caso de Tropa de Elite, sinto muito aos mal humorados críticos, mas o filme não é maniqueísta, não: mostra vários vértices de um problema e desloca o eixo de visão que polariza os mocinhos e os bandidos - ah, aí os lobos vestidos de cordeiro não gostam mesmo.
E Wagner Moura excedeu todos os limites que um bom ator pode exceder: ele realmente confirma sua consagração nos dois filmes de José Padilha.
Não se pode deixar de citar que semanas depois da estréia do filme, a ficção seria confirmada pela realidade do Rio de janeiro.
E para quem gosta de hierarquia e chama o cinema de sétima arte, digo que pode ser a sétima, mas é de primeira grandeza.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Inveja: o monstro poderoso!


Falávamos há uns dias sobre ela, felizes, todos nós pelas conquistas obtidas, honestamente obtidas. Daí que alguém escancarou, disse na cara o que todos nós dizemos por trás (e se não o dizemos, pensamos): ela não consegue comemorar uma conquista porque acha que alguém está com o que lhe pertence, que o que o outro tem é sempre melhor do que a quilo que ela tem ou, traduzindo: nossa amiga é invejosa.
Ela pode ter o que for; ganhar o que for, nada será suficiente, porque ela não consegue desfrutar da própria vitória, aliás, ao que pareceu, ela vive mesmo de olho na vida de outras pessoas, julgando que o mínimo que estas pessoas têm é tanto mais do que ela tem.
Gostamos das pessoas apesar de. Nem sempre gostamos porque. E gostar apesar de é assumir que a pessoa pode ser intragável, ter defeitos absurdos e, ainda assim, nutrirmos amor e compaixão por tal pessoa.
Também nos decepcionamos recentemente com a outra amiga que vivia do sintagma: “Eu não vou mentir” e “Quem tem boca fala o que quer”.
Até então, achávamos que a amiga número 2 era apenas uma pessoa desconfiada, incrédula, que achava que todos os outros seres humanos se ocupavam em tecer falsas narrativas favoráveis a si mesmos. Então ela confessou a avalanche de mentiras próprias, admitiu para nós, após anos em que estivemos ouvindo lorotas sem saber, que, afinal, tudo era lorota.
E os detalhes: tudo hiperbolizado – a idade, mentida para bem menos do que o real; o peso, nem se fala, apesar de nossos olhos desmentirem a balança; as histórias de família; as vantagens, as viagens e os acidentes narrados, tudo era mentira. E aí é mentira mesmo: mentira moral.
E quantos de nós ficamos calados e ofendidos quando comentávamos alguma publicação, alguma coisa da vida acadêmica e ela duvidava, pedindo provas através de um interrogatório absurdo... E, quando não havia o que questionar ou se por acaso, ela via que tínhamos algum ganho subjetivo não-declarado, se espantava porque nós não comentamos o fato.
Estava na cara: ela iria duvidar. E se o comentário partisse de amigos dos nossos amigos, vinha a sentença: “Quem tem boca fala o que quer!”.
Era claro que ela tinha mesmo que dizer que “Quem tem boca fala o que quer” e que “Eu não vou mentir”: ela estava mentindo. Todo o tempo, ouvíamos mentiras e acreditamos na mentira porque ela se antecipou para mostrar que não teria porquê sustentar mentiras e, fosse como fosse, não vemos razões para mentir aos chegados.
Não digo em termos de você sofrer violência doméstica e ter vergonha das demais amigas, que sempre questionarão por quê seguir num casamento desses ou por quê não acionar a lei; não digo que a pessoa não esconda o filho drogado, a filha promíscua, o marido viciado, as próprias aventuras sexuais em situações anômalas, do tipo, transar com o cunhado ou ir a uma casa de swing...para tudo isso, a gente sabe que é facultativo compartilhar aquilo que nos causa vergonha, temor de rejeição ou crises morais...mas o resto é pura falta de caráter mesmo.
Se a pessoa mente gratuitamente para os amigos, o que não fará aos inimigos?
Nossa amiga número 1, infelizmente, não usufrui de nada que poderia usufruir: atualmente ela ganha um salário astronômico, que não lhe serve de nada. Primeiro, porque ela é pão-duro, nunca compraria uma calcinha sem lastimar que aquele dinheiro daria para outras coisas. Daí que ela se veste mal e vive mal, materialmente falando.
Segundo, porque ela entoca o dinheiro: gosta de saber que tem, mesmo que seja para não usar para nada. É a total síndrome do Tio Patinhas: ver que o dinheiro está lá.
A parcimônia de ter uma reserva, de ponderar antes de comprar, de ter prudência com as finanças, isso é bom e desejável. Aliás, saudável! Mas não é o caso dela.
Se isso ocorresse porque ela quer comprar um carro, uma casa, fazer uma viagem, fazer qualquer coisa para si, ótimo; se ao invés de usar a grana para si, ela quisesse dar uma casa à mãe, ajudar um amigo ou um parente doente, ótimo! Se ela gastasse tudo com drogas, com garotos de programa, com jóias, perfumes, futilidades, qualquer coisa, enfim, seria compreensível. Mas, como é que se faz tão mal uso de uma grana? Parece coleção de moedas.
Dinheiro é para ajudar a gente a ser feliz e a fazer feliz quem a gente gosta: a miserável não consegue compartilhar. Nem para um tratamento para si mesma ela seria capaz de desviar qualquer 200 reais.
E não consegue ser feliz com nada do que tem, porque tem sempre alguém que tem algo melhor do que o que ela tem e ai, não há dinheiro que pague.
Quando eu digo que os amigos reais confundem nossas vitórias com as suas próprias, também digo que estes confundem as dores alheias com as próprias dores: nunca tivemos atitudes de inveja pelo que ela tem, porque foi fruto honesto da batalha e pensávamos que passar num concurso com um salário de marajá iria ajudá-la a curtir a vida, a ter segurança financeira, tranqüilidade, estabilidade e finalmente trabalhar num lugar dos sonhos.
Na época de suas dores, todos nós corremos lá, numa assistência ininterrupta, num amparo sincero e constante, porque, aliás, ela sempre foi amada por nós e por muitas outras pessoas. Mas, para ela, isso pouco importa porque a outra pessoa, a outra mulher de quem ela tem inveja, comparativamente, foi mais amada, tem mais amigos, tem tudo que ela pensa ter menos ou não ter.

Bem, pode ser um caso de Erva venenosa, by banda Herva Doce regravada por Rita Lee...

Parece uma rosa
De longe é formosa
É toda recalcada
A alegria alheia incomoda...
Venenosa!
Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa
Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
De longe não é feia
Tem voz de uma sereia
Cuidado não a toque
Ela é má pode
Até te dar um choque...
Venenosa!Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa, Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
Se porta como louca
Achata bem a boca
Parece uma bruxa
Um anjo mau
Detesta todo mundo
Não pára um segundo
Fazer maldade é seu ideal...
Como um cão danado
Seu grito é abafado
É vil e mentirosa
Deus do céu!
Como ela é maldosa...
Venenosa!Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa,Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel...

Ou pode ser um misto da versão feminina com a versão masculina da inveja:
O carro do vizinho é muito mais possante
E aquela mulher dele é tão interessante
Por isso ele parece muito mais potente
Sua casa foi pintada recentemente
E quando encontra o seu colega de trabalho
Só pensa em quanto deve ser o seu salário
Queria ter a secretária do patrão
Mas sua conta bancária já chegou no chão
Na hora do almoço vai pra lanchonete
Tomar seu copo d'água e comer um croquete
Enquanto imagina aquele restaurante
Aonde os outros devem estar nesse instante
Invejoso
Querer o que é dos outros é o seu gozo
E fica remoendo até o osso
Mas sua fruta só lhe dá caroço
Invejoso
O bem alheio é o seu desgosto
Queria um palácio suntuoso
mas acabou no fundo desse poço
Depois você caminha até a academia
Sem automóvel e também sem companhia
Queria ter o corpo um pouco mais sarado
Como aquele rapaz que malha do seu lado
E se envergonha de sua própria namorada
Achando que os amigos vão fazer piada
Queria uma mulher daquelas de revista
Uma aeromoça, uma recepcionista
E quando chega em casa liga a tevê
Vê tanta gente mais feliz do que você
Apaga a luz na cama e antes de dormir
Fica pensando o que fazer pra conseguir
O que é dos outros
Querer o que é dos outros é o seu gozo
E fica remoendo até o osso
Mas sua fruta só lhe dá caroço
Invejoso
O bem alheio é o seu desgosto
Queria um palácio suntuoso
mas acabou no fundo desse poço.


(Arnaldo Antunes - Invejoso )

terça-feira, 22 de março de 2011

Andy, I love you!


Sabe aquele quadro que o Andy Worhol fez, juntando uma porção de imagens de Marilyn Monroe? Essa coisa da reprodução em série rende muitos panos para mangas, tanto para analisar a indústria cultural, a dessacralização da arte, o consumo de massa (para você, mano véio, que pensa que consumo de massa é ingestão de lasanha e pizza), os ícones do pop e , claro, guarda uma silenciosa comunicação com os postulados filosóficos de Walter Benjamin, quando este discute a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.
Acontece que, enfim, eu começo a ver que os meus mais íntimos amigos estão certos: meus namorados são como uma reprodução em série das mesmas caras. E, se não das caras, das mesmas características.
Inventei de arrastar Cléo para ir ver L.E., por quem ando muito interessada – duvido que ele saiba que eu exista, apesar de a gente se ver pelo menos uma vez por semana, por conta das circunstâncias comerciais que regem as minhas necessidades e o emprego dele – ele trabalha num lugar a que vou com freqüência.
Andei dizendo que ele parece com C., antes de levar Cléo até lá.
Assim que Cléo viu L. E., me falou dos olhos dele. Aí eu pude ver que eram os mesmos olhos de C., olhos que não se encontra por aí, em qualquer um. Mas são um tanto mais vivos.
Cléo comentou que já havia notado ele. Concluímos que não há mulher que não note aquela obra máxima de Deus, ali, exposta ao público. Ela comentou que ele parece alheio e eu repliquei que ele parece altivo – não metido, nem indiferente, mas alguém que tem que lidar com muitas mulheres, o tempo todo, e manter a devida dignidade. Concluo que ele não seja cafajeste, afinal, não gosto de cafajestes.
Depois comentei, antes de vermos que ele estava realmente lá, que eu acreditava que ele não estaria ali, num domingo, porque eu creio tê-lo visto ao longo da semana, todo o dia, o dia todo. Mas ele estava e não sei por que, passou por trás de mim, de modo que eu só vi que ele era ele um pouco depois. Mas acho que ele não me vê.
Entretanto, isso revela outro detalhe dos meus namorados em série: eu gosto dos homens ocupados, me apaixono pelos workaholic num piscar de olhos. C. é workaholic, tanto quanto o Ex-Grande Amor da Minha Vida: viciado em trabalho. Eis os problemas da minha neurose!
Hoje, quando eu saí da UFBA, de manhã, procurei nem pensar em nada que me lembrasse C.
O dia estava horrível, numa chuvinha desanimadora, na maior paisagem de velório...lá fui eu, dar uma circulada com a minha amiga – chatésima amiga porque está apaixonada e, não sei se por preconceito meu ou por outro motivo, acho que o grude de amor de mulher com mulher é mais controlador que entre os heterossexuais. Enche o meu saco o grude das duas, a todo momento na procura e no interrogatório: “Você está onde?”, “Tá fazendo o que?”; “Tá com quem?”; “Blablablá!”.
Para ter mais privacidade em seu blábláblá, ela se sentou no café lá da Saraiva, pediu um café e resolveu ir se esconder atrás de umas prateleiras de CDs, me largando sozinha na mesa e deixando o café mais frio do que coração de psicopata.
Aí é quando vem a idiotice: toda vez que alguém nos pergunta por que fizemos determinada coisa e a resposta é “sei lá”, acredite: você fez por mera idiotice. Por isso não há resposta, porque responder é confrontar com nossa capacidade de fazer idiotices. Bom, eu mandei um torpedo para C., como eu não devia, sei lá por que...
E sabe o que é você ser idiota e infantil, prescindindo do bom senso, da sensatez, do orgulho... aí eu escrevi tatibitate: “Já que você não tem coração, faça um transplante. Ou aceite o meu, que é todo seu.” Não fosse só a vergonha de escrever coisas ridículas (está vendo aí porque “Todas as cartas de amor são ridículas”?), eu é que me pergunto: onde eu estava com a cabeça?
Aí minha amiga voltou bem na hora em que eu estava rindo de mim.
Confessei meu delito e ela quase me matou – porque eu me traí e porque, de fato, esses omitidos “blábláblás” diziam coisas que não se diz sem suscitar uma promessa.
Como a mensagem foi lida e comentada em tom de voz normal, o povo da mesa ao lado ouviu e inventou de me perguntar uns negócios que não tinham nada a ver, sobre internet e wireless, ali, na livraria do shopping, certamente procurando um pretexto para falar sobre a mensagem e coisas correlatas, mas eu tive vergonha, respondi – ah, gente, **taqueopariu! Eu respondi sobre a p%rra do wireless que eu não tinha nada a ver, tornando natural uma conversa totalmente fora do prumo – respondi com naturalidade, sem demoras, avançando pela escada para fugir do ridículo que havia se tornado público...e ainda não me perdôo pela falha.
Aí, voltamos ao ponto da reprodução em série: acho que procuro compensar as coisas, buscando homens com a mesma fisionomia, como se a história fosse a mesma.
Certo, tem as minhas preferências; tem processos de identificação; tem outros fatores em jogo, mas eles são muito parecidos – lembrei de coisa bem piores e impublicáveis, não por serem relativas a sexo, mas por serem coisas antiéticas, nesses negócios de estar com pessoas que têm a mesma cara.
Mas, acima dessas coisas, poxa, eles são muito bonitos. São homens bonitos mesmo: de porte, de expressividade fisionômica, de uns olhos tão incríveis, de mãos fantasticamente lindas e firmes, com a devida habilidade para carícias...Eles são tão iguais e tão outros!

domingo, 20 de março de 2011

"...E não tem mais nada, negro amor!"



Tudo pode ser uma aprendizado, inclusive as nossas decepções e as nossas relações com as angústias. É que desejamos que nossa vida seja sempre feita de flores, em tons agradáveis, sem más surpresas, sem dores insuportáveis, sem as chatices e dissabores da existência, negando o caráter maior da existência que é o de conviver com o que se deseja e não se pode ter, isto é, com a frustração do desejo. Eu nunca achei que existirmos se destina a sermos felizes: acho que estar feliz é uma conquista, uma ousadia, um desafio e um ato de desobediência – adoro desobedecer e me sentir feliz, e estar em paz com a vida, olhar no espelho e dizer: “Hoje vale a pena existir”. E gosto de entrar no clichezinho do cotidiano e agradecer por estar viva, viver as tristezas de um dia e saber que ao acordar tudo pode mudar. E se não mudar hoje, mudará amanhã, porque nada é permanente. Mas vai que nada mude: então, mudo eu. Ou me mudo, conforme seja.
Eu poderia estar um pouco mais indignada pela calúnia: contaram ao meu ex e a uma cacetada de gente que eu estava no carnaval com um homem maduro, de idade avançada, sendo ele meu ficante daquela ocasião. E foi um alarido.
O suposto ficante é marido da minha amiga, que estava comigo. Estávamos todos ali ( os dois filhos dela e a namorada de um deles, eu e um bando de outros amigos), no meio da Avenida Oceânica. Mas, enfim, deu o maior bafafá na minha reputação, porque o povo do quartel acredita que eu não tenho o direito de reconstruir minha vida amorosa. Também se decepcionam porque eu saí e nunca mais voltei, contrariando os prognósticos de meu arrependimento.
Obviamente, minha vida é muito importante para eles, ainda. E pelo jeito, meu ex vive uma angústia ainda pior, porque tem pavor de saber que eu segui em frente, que eu tenho outro namorado. Não tenho não: não só ali aquele lá em quem eu nem toquei era o marido de minha amiga, como também desfiz os nós que me prendiam ao meu namorinho medieval, embora não dê para negar que eu queria jogar meu orgulho na lata do lixo e dizer a ele que eu estava louca quando terminei, que eu sinto a falta dele, que ele deu sentido a muita coisa em minha vida e me fez sonhar...mas esta não sou eu: eu terminei. Ponto final.
Vejo pelo meu ex e por mim mesma, claro, porque já fiz das minhas, que às vezes a gente se demora na relação que não nos agrada, não é por covardia: é para não deixar o outro livre para seguir seu caminho. É medo de que a pessoa que estava conosco possa ter um caminho lindo, viver coisas diferentes, “Go on”mesmo...e acho que dói um pouco saber que a gente passou, que o outro nos tornou passado, que o outro superou o término, que o outro vive muito bem, sim senhor, sem a gente. Tudo vaidade, ego ferido, egolatria barata que todo mundo tem. E a gente se amarra.
Penso que para aquele povo lá que vive de atravessar minha vida, seja uma dor se saberem superados: minha vida prossegue com ou sem calúnias, com outros personagens, em outras etapas – e como toda vida, com seus altos e baixos, mas com o tesouro maior (e sempre duvidoso) da liberdade: pertenço a mim, sou livre, faço o que eu quero, vou para onde quero, não devo satisfações, não tenho a esconder nada de ninguém exceto aquilo que eu escolho para guardar apenas para mim. E isso deve ser super desagradável para eles.
Mas ele também seguiu em frente, a seu tempo, este citado ex: reconstruiu a vida, morou com uma mulher, pagou o que me devia em termos morais, porque eu sou vingativa e sempre espero que algo aconteça de modo a que as coisas ruins possam ter sua resposta – e essa resposta quem vive dando é o tempo, não depende de minha intervenção direta. Assim, ele me pagou direitinho e ela foi morar com o melhor amigo dele – uma dívida velha que ele tinha comigo, dos tantos chifres que eu levei ao longo dos anos, do meu namoro que ele desmanchou antes de acontecer, se intrometendo e ameaçando meu candidato a namorado; das lições de moral que ele me deu quando soube que eu estava de rolo com Allan em Campinas, a lista é interminável, mas ele saldou a dívida.
Temos um bom companheirismo para as outras coisas, o que nos tornou sócios. Só não imaginava que ele se envolveria desta forma por uma calúnia, nem que se importasse com meu destino, ou que a vaidade dele gritasse tanto contra meu ato de seguir em frente.
Administro minhas crises e não jogo meu destino nas costas dos outros: é preciso ter atitude e sair da casca, que é confortável e quentinha. Estamos expostos aos riscos quando deixamos nossas cascas, mas até mesmo com ela, há quem possa pisar em nossa casca e quebrá-la com violência ou acidentalmente.
No fundo, essas coisas passam por nossas escolhas. Olhar o monstro ou a paisagem; responsabilizar a janela pela paisagem ou encarar as coisas como são; largar a barra da saia da mãe; parar de inventar doenças para ser visitado (ah, como Robson me dizia isso!); assumir uma dor ou uma necessidade; gastar dinheiro e realizar um desejo; se meter em aventuras de alto risco; pagar para ver; ver para crer, fazer ou deixar de fazer, é tudo nossa escolha.
Se a escolha do outro repercutir em nossa vida, é hora de fazer outras escolhas próprias, se afastar, lutar, ponderar se vale a pena parar e esperar – ah, eu não sou dessas: não tenho paciência, não sei parar e sentar na pedra enquanto o sol vai diminuindo de intensidade.
Apesar de tudo,não sei se por mania de professora ou pela ínfima parcela de otimismo que eu tenho, mas julgo tudo como um aprendizado. E neste caso, aprendi que as pessoas, de fato, não são preparadas para serem superadas, para comporem uma página do passado. Então, o que posso dizer é:
Vá, se mande, junte tudo que você puder levar.
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
e não tem mais nada negro amor
A estrada é pra você e o jogo é a indecência
junte tudo que você conseguiu por coincidência
e o pintor de rua que anda só
desenha maluquice em seu lençol
sob seus pés o céu também rachou
e não tem mais nada negro amor
Seus marinheiros mareados abandonam o mar
seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
seu namorado já vai dando o fora
levando os cobertores? E agora?
até o tapete sem você voou
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada...
As pedras do caminho deixe para trás
esqueça os mortos que eles não levantam mais
o vagabundo esmola pela rua
vestindo a mesma roupa que foi sua
risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor.
(Gal Costa - Negro Amor)

sábado, 19 de março de 2011

A dor dos mais fortes



Já não me lembro qual foi o filósofo (?) que disse que o desespero dos homens é silencioso, mas essa é uma das poucas exceções dadas às mulheres de que muito me orgulho: posso sofrer e berrar; posso chorar até doer as têmporas; posso subir nas tamancas e fazer uma cena de ciúme com o meu orgulho ferido e com meu sentimento de posse elevado a mil; posso esbravejar ódios e revelar todas as dores sentidas.
No mundo dos homens tudo é comedido, as frases são lacônicas, não pode haver franqueza nem fraqueza, nem pode haver choro também. Por isso eu entendo o luto dele e perco meu tempo para explicar a ela que aquele silêncio ali não é frieza nem indiferença.
Numa vez em que eu voltava de Aracaju, com as lágrimas já avançando para os cílios, finalmente me acomodei na poltrona e quando eu estava em paz para chorar, me apareceu não sei quem, uma daquelas pessoas que estão em todo lugar, que encontramos em toda parte, mas não sabemos exatamente quem é e por causa dela eu experimentei um incômodo controle de emoções.
Pior do que não poder chorar é ter que explicar ao outro o nosso choro, porque cada um lida à sua maneira com a dor. Nesse dia eu vi que mesmo com a liberdade de poder chorar por ser mulher é terrível ter que participar aos outros as suas dores íntimas, aquelas que a gente não quer dividir com ninguém, nem explicar, nem ouvir palavras vãs de conforto.
Pensei, porém, que para os homens é ainda pior. E somente dois homens que eu namorei assumiram seus caos interiores e desabaram em lágrimas, em correntezas de dores. E somente um deles assumiu sua perturbação e pisoteou a insônia, andando para lá e para cá, num desespero de dor que nenhum de nós poderia explicar...e depois chorou e nunca mais se referiu à causa daquela dor.
Dizem muito do peso da cultura sobre as nossas emoções e, sendo um dado verdadeiro, isso me espanta, porque há até mesmo essa diferença de gênero, uma necessidade de flexionar a dor no masculino e no feminino de maneira diferentes, como se a dor não fosse universalmente humana.
E é assim: a cultura nos diz como sentir o luto, como sentir o amor, quando chorar, o que é a dor e quando ela é permitida. O mais interessante é nossa pouca percepção de que manipulam nossas emoções e que o meio sócio-cultural é que faz essa manipulação.
Sempre vou duvidar de que amor só existe um - é o nosso coração que é único, é a experiência de amor que é diferente conforme sejam seus entornos; que amor é para sempre, que homem não chora...


Homem não chora
Nem por dor,
Nem por amor.
E antes que eu me esqueça:
Nunca me passou pela cabeça
Lhe pedir perdão.
E só porque eu estou aqui,
Ajoelhado no chão,
Com o coração na mão,
Não quer dizer
Que tudo mudou,
Que o tempo parou,
Que você ganhou,
Meu rosto vermelho e molhado
É só dos olhos pra fora.
Todo mundo sabe
Que homem não chora.
Esse meu rosto vermelho e molhado
É só dos olhos pra fora.
Todo mundo sabe
Que homem não chora.
Homem não chora
Nem por ter,
Nem por perder:
Lágrimas são água,
Caem do meu queixo
E secam sem tocar o chão.
E só porque você me viu
Cair em contradição
Dormindo em sua mão
Não vai fazer
A chuva passar,
O mundo ficar
No mesmo lugar.

(Frejat - Homem não chora )

segunda-feira, 14 de março de 2011

Em terna idade



Como eu sempre saúdo as coincidências da vida, eis que ontem indaguei minhas duas amigas acerca da maternidade, cada uma com suas particularidades de relacionamento e uma discreta propensão ao desespero biológico – já sabem, né? Chamamos de desespero biológico o momento em que as mulheres começam a contabilizar os óvulos, se sentindo velhas, perto dos quarenta, loucas para parir antes que seja tarde, custe o que custar e seja com quem for.
Foi uma demolição de certezas e a pergunta caiu como uma coisa desesperadora; a primeira disse que o namorado já antevê o término da relação, porque ele não quer filhos; a segunda, como está namorando uma mulher e vê firmeza na relação, acredita que não pode prescindir dos filhos, mas se propôs à adoção. Nos dois casos, angústia pura.
Por sua vez, elas disseram para mim, que nunca tive encantamentos por maternidade, que o meu não-querer ser mãe atenta contra os valores da sobrevivência, que a má recepção à minha escolha, por parte das pessoas, se deve ao fato de que não querer ter filhos é confirmar a pouca validade da vida, é confirmar meu desprezo machadiano pela vida, é desfazer a ilusão de eternidade, porque todos os homens se eternizam ao se perpetuarem na espécie. Eu nunca vi assim. Para mim, era uma escolha pessoal, muito minha... E problema de quem quiser ser mãe.
A imposição da cultura não disse nada a esse respeito: desprezei os imperativos e disse um não redondo à maternidade. É que eu não tenho ilusões nem curiosidades biológicas, ou seja, não quero saber, não tenho curiosidade em ver como seria fisicamente um filho, se seria parecido comigo e não me iludo achando que ao ser mãe eu garantiria o meu enfermeiro do futuro, teria quem cuidasse de mim na velhice, se a velhice chegar ou se eu chegar até à velhice.
Não gosto de ver o rosto do meu pai no meu rosto, por exemplo. E pouco sei de onde vêm essas buscas fisionômicas. Nisso uma Grande ex-amiga é igual a mim: não copiamos nossos pais. No caso dela e no meu, olhamos nossos modelos, nossas referências e concluímos inconscientemente que não queríamos parecer com eles. Contraditório, face ao nosso Complexo de Édipo.
Héber é que me dizia que saímos de nossas mães e depois lutamos para que nossas mães saiam de nós.
Um ponto em comum que todos eles têm entre si é que me aconselham a evitar a sinceridade, porque minhas verdades pessoais são incômodas aos outros; disseram que eu inventasse traumas ou restrições médicas do tipo: “Não posso ter filhos”... não sei se isso dá certo, porque eu acho as mentiras desnecessárias, parece que eu não me reconheço, enfim.
Bem, a coincidência foi que o tema do Café Filosófico de ontem foi justamente Filhos: melhor não tê-los?
E para essa provocação não há resposta, mas até lá a Rosely Sayão desceu a madeira na construção social da maternidade, porque não tem nada a ver com a vida real, oculta decepções e dificuldades, fica no núcleo do comercial de margarina e sua família feliz, esconde que a função de mãe foi perpassada para outros profissionais além da babá (e função não é presença, porque às vezes estão presentes a mãe e a babá, por exemplo), e que tudo só confirma o filho como objeto de consumo. A este propósito, família contemporânea confraterniza no shopping, nas compras.
Também estiveram em pauta as referencialidades etárias. E aí está certo: a infância foi encurtada e a adolescência anda durando mesmo até após os 40 anos, embora a palestrante tenha se voltado mais às aparências das populações de mulheres.
Então, meninas se vestem como mulheres, crianças passam a pré-adolescentes (ora, mas são crianças) e aí as gerações seguintes, com seus aparatos de vaidade e de saúde, começam a aparentar cada vez menos idade, de modo que na cabeça das crianças fica difícil estabelecer diferenças de fases.
De fato, há bem pouco tempo, aos 30 nós éramos senhoras enrugadinhas, discretamente vestidas em cores neutras, com um lar para cuidar e nenhuma vida própria. Agora, a gente nem reconhece mais as próprias avós, porque aos sessenta e uns de idade elas estão saradas, com vida sexual ativa, tentando se encontrar com a dita terceira idade.
Odeio essa gente mal amada que finge que não liga para a aparência, especialmente uma: essa pessoinha até tempos atrás falava mal do mega-hair da colega, dizendo: “blábláblá...com aquele cabelo que não é dela”, detonando as negras que adotam outras estéticas (alisam o cabelo, usam lentes de contato, descolorem os cabelos e os pêlos, etc.), depreciando outras que investiam em novidades estéticas, mas, por outro lado, escondendo o peso e a idade próprias, declaradamente sentenciando que havia tempo que ela parou de contar ambos.
Agora ela está magra e feliz, esbanjando a felicidade de estar na beleza-padrão, usando roupas e sapatos “nunca d’antes” usados e bastante jovial. E aí é que está: boa parte dessas críticas é feita por quem não assume seu desejo (seja de corresponder a modelos, seja de ter uma outra aparência). Coletivamente queremos parecer mais jovens, porque isso denota um cuidar de si. Todos nós temos carteira de identidade e não vamos mentir para nós mesmos nossas idades. Entretanto, é preciso colecionar rugas, se dar ao desprezo, não assumir desejos, parecer desleixado para sermos leais à idade real? Desprezível é ser infantilizado, infantilóide – de resto, quem tiver grana que faça o que bem entender; e que não tiver que dê seu jeito, não é ilícito que a aparência traia os documentos, nesse caso. Não há falsidade ideológica aí.
Então, no caso de quem quer ser mãe, os cercames culturais ainda ditam data de validade dos óvulos e outras chateações. Eu já fiz minha escolha desde os 13 anos e o tempo só me ajudou a confirmar a sinceridade dessa escolha (melhor não tê-los!).
Poema Enjoadinho (Vinicius De Moraes)
Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

E, como bem disse o Barão vermelho, "Saudações a quem tem coragem!" e boa maternidade a todos e a todas.

domingo, 13 de março de 2011

Mortal Kombat ou Dias de luta


Sabe aquela música do Belchior, Comentário a respeito de John, que diz:
Saia do meu caminho
Eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam
De que lado nasce o sol
Porque bate lá meu coração
Sonho e escrevo em letras grandes,
de novo!
pelos muros do país
João,
O tempo
andou mexendo Com a gente,sim!
John,
Eu não esqueço
A felicidade
É uma arma quente
Saia do meu caminho
Eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam
De que lado nasce o sol
Porque bate lá meu coração
Sob a luz do teu cigarro na cama
Teu gosto ruge,
Teu batom me diz
João,
O tempo
andou mexendo com a gente, sim!
John,
Eu não esqueço
A felicidade
É uma arma quente.

Pois é, eu lembro de ter visto não sei onde, uma entrevista do próprio Belchior dizendo que tinha um amigo que dizia que John Lennon andava conversando com ele, perseguindo ele e tudo mais, revelando, claro, que tal amigo estava era em franco estado de esquizofrenia.
Quantas vezes a gente não se sente perseguido? E também nesse quadro, recentemente foi Lobão quem declarou no programa Pânico (da Jovem Pan) que ou ele, o próprio Lobão, era um paranóico ou o Hebert Vianna copiava as idéias dele. E explicou, com muita clareza e propriedade que ao lançar a música Me chama, na sequência Os Paralamas do Sucesso lançaram Me liga; Lobão fez Cena de Cinema e os Paralamas fizeram Cinema mudo e daí ele engata as várias paridades de títulos e conteúdos diversos que confirmam que não há nada de paranóico, sendo tão explícitos os beira-plágios que comparando-se Canos silenciosos e Alagados, além de outras experiências com samba-funk, não tem remédio: Lobão foi, sim, mais que uma inspiração para as experiências musicais dos Paralamas.
Excedendo as circunstâncias patológicas, tem vezes em que a gente é tão perseguida na vida real, que sequer acredita. Pelo menos assim ocorre comigo... besta sou eu, se não acreditar.
Mas tem outras vezes em que o nosso perseguidor somos nós mesmos.
Isso faz com que a gente até antecipe o fracasso numa luta, porque presumimos que já há um vencedor; isso faz com que a gente fique impossibilitado de lutar ou de concorrer porque a batalha é julgada previamente perdida.
Para Tati a reação deveria ser outra: mesmo cantando derrota antes do tempo, o melhor a fazer é dar trabalho para ser derrotado.
Se você se sente perseguido ou preterido, o melhor caminho é se aperfeiçoar, melhorar, se fortalecer, de modo a que, aquele que você pensa antecipadamente vitorioso, o queridinho, o favorito, tão ciente de sua superioridade e da sua própria vitória tenha que suar para vencer – se é que vencerá mesmo.
É muito comum que na vida da gente nós não apliquemos os próprios conselhos que damos, mas eu não entendo direito isso, salvo, claro, pelos dispositivos internalizados e inconscientes.
Tem gente que se sente perseguido, preterido, vigiado, e tem outros que se sentem amparados, como se houvesse um ente ao seu lado, o tempo inteiro, invisivelmente lhe dando força.
Sou defensora da ética: para mim, não teria sabor uma vitória de cartas marcadas, uma luta desigual, um duelo sabotado. Eu nunca me permitiria o aproveitamento de contatos e amizades para ser aprovada em nada nessa vida, de tese a concursos, fosse lá o que fosse, porque a vitória suja não é vitória e contradiz a minha necessidade de lutar um bom combate, sem golpes baixos, sem recorrer às atitudes baixas, mas é também notório que há quem manipule as nossas inseguranças e manipule nossa força – e nem sempre isso é feito pelos nossos inimigos.
Hoje a minha amiga Tati me deixou bem claro isso, de que é preciso ver quem está ao nosso lado e quem está ao nosso lado para manipular a gente, porque pode ser confortável fazer da confiança depositada um cartão de acesso a uma intimidade que dispense nosso bom senso e que nos ponha a serviço dos interesses do outro.
Também falávamos de que é preciso mesmo saber dar trabalho aos favoritos. Então, se há gente que vai levar a melhor em relação a você, se há os que vencem as batalhas utilizando a lei do menor esforço, procure você se esforçar! Dê trabalho!Já viu como é que acontecem os jogos de Baleado, na nossa infância (é o mesmo Queimado ou Baleou, viu, gente? Diferenças regionais na nomenclatura)? Você pode ir arremessando a bola para acertar as pessoas, mas tem lá os fortes, que sempre vão se desvencilhar da rota da bola. Nessa, você pode perder a bola e se tornar o alvo.
Entretanto, você pode cansar seu adversário, fazendo com que ele corra e se desgaste. Mesmo que ele vença, você deu trabalho.
No boxe é bem parecido: tem horas em que o mais fraco está ocupado em se esquivar e, para isso, vale ficar correndo pelo ringue, aumentando a fúria do adversário, mas cansando muito ele.
Em termos práticos, todo mundo pode articular um bom contra-ataque, mesmo que o prêmio seja apenas a preservação da dignidade e por isso há a expressão "vá à luta", porque não é correndo dela que se resolverá a questão.

sábado, 12 de março de 2011

Os opostos


Basta a gente inverter um termo para mudar todo o sentido das coisas:
Pequenos prazeres é algo diferente de prazeres pequenos;
Lábios grandes é uma coisa bem diferente de grandes lábios;
Grande homem é deveras diferente de homem grande, e assim sucessivamente.
Mas, vamos lá a uma inversão que nem sequer se inverte: nos relacionamentos de hoje em dia, tem gente que casa e quer morar separado e tem gente que mora junto, mas não casa. Não acho mal nenhum destes casos, apenas, de modo particular, não tenho saco para morar com ninguém.
Também confirmo que não sou de fazer birra por causa das diferenças, desde que estas não sejam diferenças que me assustem. Daí que quem me conhece sabe que odeio pêlos; que eu detesto gente inimiga do banho e de perfumes; que eu defendo os direitos das mulheres e, portanto, tenha cuidado com palavras machistas; que eu não suporto discurso evangelizador salvacionista nem paranóicos religiosos e sua fé manipulada; que eu odeio cigarro e água gelada, e que não, eu não acredito em cartomantes e não leio auto-ajuda (ora, sinto muito, mas eu não acredito que ninguém me traga a pessoa amada em 03 dias e muito menos em quem me promete a vida eterna), e jogo meus próprios defeitos no ventilador porque acho uma afronta alguém não assumir erros e defeitos.
Há diferenças administráveis e outras que detonam guerras.
Acho que comecei a falar dessas coisas porque tem um casal de amigos meus que, definitivamente, não dão certo,não se querem, se alimentam de brigas, mas nenhum dos dois tem a iniciativa de encerrar a relação.
O oposto é verdadeiro: é preciso ser muito besta, muito quadrúpede, muito imbecil para ficar esperando quem nunca virá.
Na perda de tempo dessa espera vã, a pessoa fica lá, "esperando, parada, pregada na pedra do porto", como disse Chico Buarque, deixando a vida passar e as oportunidades sumirem. Claro: quem quer a gente, fica com a gente! o resto é ilusão de cabeças apaixonadas.
Mas, então, num casamento,quando a pessoa já não quer a outra, fica cozinhando, esperando ver quem vai ceder primeiro, num joguinho besta...
Uns arrolam o nome dos filhos, outros se dizem velhos e cansados, uns tantos, alegam que todo mundo é igual mesmo,então, melhor ficar no tédio... e arrastam a porcaria da relação mais em ruína do que prédio depois de terremoto.
As pessoas morrem em nós, à medida em que, sendo os mesmos, nos tornamos outros. Tudo muda e aí as peças não encaixam mais, o par já não funciona. Lembra que quando a gente perde um dos pés do sapato ou da meia, a gente fala que "descasou"? é, já não forma um par.
Lembrei de minha amiga, por falar em par,que entrou no Par Perfeito, pagando uma assinatura mensal em troca de pretensos contatos que nunca vieram. Estão aí coisas que eu nunca vi na vida: gente que ganhou no sorteio da capitalização, nem gente que constituiu par através de agências virtuais de relacionamentos.
Não digo que a pessoa entre ali no Bate-papo, jogue umas mentiras e escute outras em dobro e acabe dando uma saidinha com o loiro, alto, de olhos azuis e bem sucedido que, na vida real, não passa de um baixinho problemático,de cabelo descolorido por água oxigenada a là pagodeiros, estagiário ou officeboy da empresa do tio, com duvidosas habilidades sexuais. Esses aí existem, mas o resto é pura invencionice.
Bem, minha amiga jogou dinheiro fora e partiu para outra, literalmente.
Os meus amigos, estes de que trato, seriam mais felizes separados, esse é o caso.
Juntos eles são infelizes e fracos - a força do costume arrasa com tudo e talvez seja o caso de quando um deles cair fora, se é que isso possa acontecer, distantes eles encontrem meios de reatar - nesse caso,seria o mero prazer de ter por perto alguém para azucrinar.
O casal neura existe, não é ficção...só espero que as torturas recíprocas não durem até que a morte os separe.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Recadinhos



Já que eu andei mandando uma certa pessoa para esta localidade, resolvi dar o endereço completo.
Além disso, para não ter erro, estou cedendo o transporte também.
Boa viagem!

Ou isto ou aquilo, segunda versão


Ter que fazer escolhas não é apenas difícil: é uma responsabilidade pesada, conforme seja o entorno da decisão e o fim a que ela se destina.
No momento, tendo que optar, me senti como a pessoa lírica do Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles “ou se tem chuva e não se tem sol/ou se tem sol e não se tem chuva!/ Ou se calça a luva e não se põe o anel/ Ou se põe o anel e não se calça a luva!”. E fica assim tudo tão binário, tão polarizado, sem meio-termo...
Em termos práticos seria a seguinte querela: ou perco ou deixo de ganhar. Optei por deixar de ganhar, porque das duas maneiras eu estaria em desvantagem, só muda o fato de perder agora ou deixar para perder depois. Analisei os danos e os prejuízos e concluí, não sem um certo senso de tragicidade, que, como há coisas inevitáveis, o melhor a fazer é agir para reduzir os impactos do prejuízo e, assim, antecipo as coisas, deixo de ganhar.
Há umas vantagens indiretas mesmo naquilo que diretamente seria uma perda: umas são imediatas, mas outras são frutos colhidos à base de paciência, esse ingredientezinho existencial de que Deus me privou.

Pretérito, porque tudo passa.


Sempre causa alguma estranheza o fato de que pessoas que um dia foram importantes para nós, seja como amigas, seja como amores, depois que perdem o significado para nós, passam a ser realmente uma instância nula.
É perturbador você olhar para aquele ser que um dia foi a razão de sua existência e ver que, agora, entre ele, uma parede, um pé de alface ou uma caixa de isopor, nem dá para diferir.
Bem assim com quem a gente já teve por amigo, apostou, depositou confiança e fez confidências e planos, depois que a gente nota alguma falsidade, alguma frieza, não vale mesmo nada além do que uma lembrança de consternação.
Se a relação valeu a pena, ela apenas muda de tipologia, se transmuta, mas permanece.
Às vezes vamos dizendo adeus bem devagarzinho, sinalizando, fechando uma porta atrás de nós, deixando de compactuar, desatando os nós, compartilhando menos momentos com essas pessoas e aí, quando você nota mesmo, tudo é só lembrança.
Continuo, num erro crasso, atribuindo ao outro o poder de me fazer apaixonar.
Acho que eu nunca me apaixonei por ninguém: as pessoas se fizeram amar, se fizeram amáveis, apaixonantes. Pelo menos é isso que eu digo para esse meu coração fraudulento de emoções. Também pudera! Eu estive cansada. Amor é coisa que cansa.
Se tem uma coisa que eu gosto em Clarice Lispector é o fato de que ela enxerga a crueldade do amor e que ela não diviniza as crianças que, nos seus contos, tendem a ser cruéis, sádicas, malvadas (exemplo maior está lá na Felicidade clandestina). Isso quebra as expectativas porque as pessoas cristalizam seus ideais e odeiam olhar a realidade. Aí foi que o amor me cansou...
Mesmo em minhas relações inconsistentes, tenho uma imensa gratidão por quem me fez sonhar, por quem me fez feliz naqueles instantes, por quem me fez mudar e ter mais coragem. Apesar dessa coragem eu arrisco pouco, eu acho. Talvez seja, também, que eu já não perca meu tempo para estar com quem não é quem eu quero, apesar da pressão das amigas.
Tenho estado mais feliz por estar perto delas, mesmo sendo grupos diferentes de amigas e que, soma-se a isso, a minha dificuldade em explicar em texto a qual das seis Tatianas eu esteja me referindo... Também, nem é necessário, mas é que de vez em quando uma pode ser interpretada como outra.
Gosto de estar só e fiquei feliz por ver que I. também gosta: ela não gosta de namorados infiltrados na casa dela. Homem tem isso de não entender o espaço da gente, de querer fazer demarcações de território... Quando não, faz como aquele idiota fez no meu banheiro, contando as escovas e me interrogando por que eram três, das quais uma aparentemente masculina e uma infantil. Oh, pobre idiota, a infantil é porque eu sigo orientação médica para não machucar minha gengiva; a outra é a minha escova regular e a terceira, ah, essa não tem justificativa, foi deixada aí de propósito, por quem pensou demarcar território.
Estamos todas bem e assumimos nossas escolhas e o preço da liberdade. Eu já estive mais só quando eu estava mal acompanhada, eu já estive mal em outros tempos e apesar de pequenas tempestades, estou bem e sem desesperos.
Quando eu falo nessa desimportância que certas pessoas passam a ter para nós, falo também do impacto que anulação tem para elas que, de vez em quando, demoram a notar o fim das coisas. De todo modo, eu também me assombro porque já tive muita dependência emocional, já tive neuras maiores por me sentir em dívida moral com alguém – se eu pudesse retroceder no tempo, nunca teria aceitado certas ajudas, nem pedido conselhos à pessoa errada, mas agora o que o posso fazer é o que o tempo se encarregou de fazer sozinho. Pode ser a mais banal das imagens, mas vocês notam que quanto mais a gente se distancia de uma coisa, mais ela diminui ante nossos olhos? Deve ser isso que ocorre na verdade dos distanciamentos emocionais.
Viciamos as pessoas a quem amamos em serem amadas.
Viciamos as pessoas de quem dependemos emocionalmente em nossa própria dependência.
Elas, sem dúvida, sentem a abstinência que causamos ao cortar o vício e seguir em frente. Tive um amigo, hoje distante afetiva e geograficamente que, ao me encontrar na UFS, em 2008, ficou deslocado, demorou a entender que eu estava ali como professora, abrindo um evento regional. Ele olhou como se eu não fosse eu e admitiu que me queria dependente e cabisbaixa, como fui frente a ele, por muitos anos.
Isso é até recorrente entre alguns ex-colegas de trabalho meus, do Corpo de bombeiros: um desconserto em me ver fora da cadeia de opressão, fora daquele lugar, em outros lugares.
Hoje, para mim, tudo isso é pretérito - mais-que-perfeitos, porque bem resolvidos.
Dois ex-namorados meus, muito amados, também ficaram estarrecidos ao notarem que eu não nutria nenhuma fração dos sentimentos de antes e tiveram uma postura saudosa e igualmente deslocada, como se houvessem congelado uma imagem de mim, tipo:" esta é aquela que me ama", "louca por mim!". Ah, essa, realmente, não existe mais.
Assim é o que o Grande Amor já não é grande, o Maior Amigo já não é tanto, até alguns inimigos se tornam um nada, um pozinho incômodo a manchar nossas vistas e qualquer água remove isso para longe e abre nosso olhar para outras paisagens.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Todo carnaval tem seu fim!


Comparativamente, o meu carnaval na pipoca foi bem melhor do que no bloco.
Saí, mais uma vez, no Afropop, com Margareth Menezes, que eu acho uma cantora excelente. Contudo, dessa vez ela errou feio no repertório mega-repetitivo, não o dela próprio, mas aquelas outras músicas de empréstimos que ela pega dos sertanejos, tocadas novamente no mesmo ponto, ali na subida do Cristo da Barra até a frente do antigo Clube Espanhol - mega chato!
Eu me meto nessa porque o barato do bloco é a companhia, é ver o povo todo junto, se descabelando de dançar, dando uns vexames, porque ninguém é perfeito...
A minha maior surpresa foi ver Andreas Kisser, do Sepultura (grupo um pouco Sepultado da mídia ultimamente), tocando com Margareth Menezes uma versão horrorosa, tétrica e sem noção de O Quereres, de Caetano Veloso.
Em compensação, surpreendentemente, um desse grupos sertanejos que inventam de puxar blocos cantou e acertou quase toda a letra de uma música do King of Leon (Use somebody)
Neste ano, não tenho beijos argentinos para contar. Pelo contrário: depois de umas coisas que eu vi, tive foi medo de beijar um cara e depois encontrá-lo beijando outro homem no bloco.
É, eu não acredito em bissexuais: acho que é a velha receita de usar a mulher como fachada, para encobrir a homossexualidade, sabe? bem assim o oposto, porque há mulheres que têm que manter a aparência ou querem ser mães, ainda que homossexuais.
Oh, negócio difícil, hein? todo mundo quer disfarçar.
Para meu espanto, um quase pretendente arranjado por uma amiga nos tempo de meu mestrado estava no bloco também. E ,pelo jeito,ele deu um pontapé na porta do armário dele - olha que tem gente que tem caso velho e blinda o seu confortável e aquecido armário, mas o Cris foi lá e abriu o dele. E o que saiu de dentro?um homossexual debutante e fechativo, como se diz aqui na Bahia.
Eu penso que o cara é Fashion Ativo e ele é Fechativo. Pode? fechativo é a biba que fecha, escandaliza, arrasa, adora holofotes, nem tem campanhia em casa só para o povo ter que bater palmas para ele todo dia, entenderam?
E como na vida a gente aprende é coisa, vi uma camiseta incrível na qual estava escrito: CAMPANHA PELA VIDA: CUIDE DA SUA!
Adorei!
Vi minhas duas criaturas idiotas de Oceanografia, bem perto de mim, mas comprovei que todos os dois são mais idiotas do que eu poderia imaginar...Olha do que eu escapei! Aleluia!
Sei que desta maratona toda me restou um sono besta, que parece que não passa.
Eu me diverti muito, mas se eu me canso, eu quero voltar para meu nicho logo. Daí que não sou paciente com aquelas enrolações pós-festas.
Devo dizer que até os Filhos de Gandhi, neste ano, estavam feiosinhos. Pouco mais de dez por cento dos homens que eu vi eram bonitos.
Tinha muito filho de Gandhi oriental - o que me fez pensar que Gandhi não perdeu tempo e foi conquistar as japas.
Graças a Deus ainda não tive nenhum carnaval que eu possa chamar de ruim, mas é de espantar que eu não tenha me deslumbrado tanto quanto em anos anteriores, independentemente de argentinos.
A propósito, observamos o marasmo dos camarotes. E tinha uns três muito engraçados, porque se chamavam algo como Camarote da Alegria ou nome similar, alternando palavras como alegria, energia, (até o Harém, sabe?) e o povo parecia um bando de viúvas mal humoradas. Só queria saber qual foi a funerária que patrocinou esses camarotes...antes mesmo da quarta-feira, tudo ali já era cinza.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Para todas, versão II


Esta é uma música de Geraldo Azevedo que eu conheci em 1994, num LP do acervo grandiosíssimo do meu namorado daquela época: foi paixão á primeira audição, mas nem se ouve falar dessa música hoje em dia.
MULHER:
Eu sou a mãe da Praça de Maio
Sou alma dilacerada
Sou Zuzu Angel, sou Sharon Tate
O espectro da mulher assassinada
Em nome do amor.
Sou a mulher abandonada
Pelo homem que inventou
Outra mais menina.
Sou Cecília, Adélia, Cora Coralina,
Sou Leila e Angela Diniz,
Eu sou Elis,
Eu sou assim.
Sou o grito que reclama a paz,
Eu sou a chama da transformação.
Sorriso meu, meus ais
Grande emoção
Que privilégio poder trazer
No ventre a luz capaz de eternizar
Em nós sonho de criança
Tua herança.
Eu sou a moça violentada
Sou Mônica, sou a Cláudia,
Eu sou Marilyn, Aída sou
A dona de casa enjaulada,
Sem poder sair.
Sou Janis Joplin drogada,
Eu sou Rita Lee.
Sou a mulher da rua,
Sou a que posa na revista nua,
Sou Simone de Beauvoir,
Eu sou Dadá
Eu sou assim...
Ainda sou a operária,
Doméstica, humilhada.
Eu sou a fiel e safada
Aquela que vê a novela
A que disse não
Sou a que sonha com artista
De televisão
A que faz a feira
Sou o feitiço, sou a feiticeira
Sou a que cedeu ao patrão
Sou a solidão
Eu sou assim

Para todas, versão I


Ontem foi o Dia Internacional da Mulher, data que eu nunca deixo passar em branco em minhas postagens, exceto por motivos de força maior que, como agora, determinam o atraso na postagem.
Gostaria de lembrar esta data a partir daquela história mitológica tão apreciada por nós, quando graduandos, porque é uma narrativa fascinante e atual, apesar de secular.
Recorro a um romance que eu também adoro: Atire em Sofia, de Sônia Coutinho (Rocco:1989, p.13):
Eu, lilith. A primeira companheira de Adão, a mulher suja de sangue e saliva que lhe perguntou:"Por que devo me deitar embaixo de você? Porque devo me abrir debaixo do seu corpo? Por que ser dominada por você? Mas eu também fui feita de pó e por isso sou sua igual"
Voei então para muito longe, em direção às margens do Mar Vermelho, e Jeová decretou: "O desejo de uma mulher é para seu marido.Volte para ele". Ao que eu respondi: "Não quero mais nada com o meu marido."
Jeová mandou à minha procura uma formação de anjos, que me alcançaram nas charnecas desertas do Mar Arábico, cujas águas atraem os demônios. Estava cercada de criaturas das trevas, quando chegaram os anjos enviados por Jeová. Disse a eles: "Não vou, este é meu lugar". E fiquei e conquistei minha liberdade e minha solidão.
A narrativa se torna ainda mais fascinante porque Lilith é exclu[ída da bíblia, mas, não só a sua história permanece como também a sua sucessora, Eva,confirmará a predisposição da mulher a não aceitar passivamente o comando e o poder de mando masculino - apesar de todos os preços pagos.
O que esperar para as mulheres se a história da mulheres foi escrita pelos homens? o que esperar que as narrativas patriarcais digam sobre "ser sábia e ser tola", se ela serve a quem comanda?"O macho adulto, branco, sempre no comando!", nos diz Caetano Veloso.
Voltemos a Sônia Coutinho, já no final do romance, nas páginas 177-178, de Atire em Sofia:
Eu, Lilith. O ssumérios me representaram num baixo-relevo,severa e poderosa, com serpentes em vez de cabelos, duas asas e, no lugar dos pés, garras de abutre.
Já os gregos me chamavam de Hécate e situaram meu reino no Tártaro, na confluência de rios malditos: Estige, Aqueronte, Averno, Lete. À entrada, havia um bosque de álamos brancos que balouçavam constantemente ao sabor da brisa e, mais além, o palácio ond emoravam Hades e Perséfone, a quem eu fazia companhia. Minha casa era cercada de ciprestes e dela eu partia a cada 28 dias e espalhava o pavor pela Terra, ao aparecer repentinamente precedida de Cérbero, o guardião dos infernos, que ladrava para advertir os agonizantes. Uma multidão d efantasmas fazia parte do meu cortejo.
Também fui Empusa, com cabelo e tórax de mulher, mas com nádegas de asno e, no lugar de um dos pés, um casco de cavalo. Às vezes assumia a forma de cadela ou de vaca e despertava a luxúria e o terror. Eu, a deusa das perversões secretas.
E fui Equidna, metade serpente, metade uma jovem linda que morava numa caverna imensa, no côncavo de um penhasco. Fui, ainda, Circe, rainha dos encantamentos maléficos, manipulando filtors e venenos, drogas sombrias. Alta, bela e altiva, morando numa ilha banhada por quentes mares - mas os êxtases que eu proporcionava custavam a destruição.
Sou eu, Lilith. Encarnada também nas Hápias, na Medusa. Eu, o íncubo. Quem, durante a noite, sofria de terrores, tinha delírios, quem saltava da cama apavorada e corria, era do meu ataque que estava fugindo. Cubro o corpo dos homens com meu corpo quente e dizem que meu abraço é tão furioso que sufoca. Minhas vítimas têm o maior orgasmo de suas vidas, mas depois desfalecem e entram em crises de melancolia.
um dos meus privilégios é causar a loucura.
Assim me viram os homens, porque eu era livre e solitária.

Como não é possível fugir da verdade que é o fato de que somos quem somos e somos quem dizem que nós somos, isto é, somos quem somos, mas, tragicamente, somos todas as intepretações e todas as narrativas que fazem sobre nós, então, dizer que "Assim me viram os homens" é dizer que a representação da mulher, a visão da mulher honesta, da mulher casta, sábia e pura e seus opostos sempre serão ícones manipulados nas próprias consciências femininas que repetem esses modelos de comportamento e de ideais de mulher.
Mas eu passo de Sônia Coutinho a Florbela Espanca (do compêndio Trocando Olhares), para favorecer aquela outra parte de minhas amigas - que nem sabem que são Lilith e se pensam Maria:

A MULHER II
Ó, mulher! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!

Quantas morrem saudosas duma imagem
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!

Paixão que faria felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!