Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 31 de maio de 2011

E por amar o Mário:


Da primeira vez em que me assassinaram

Da primeira vez em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, de cada vez em que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!

Vinde corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como ai,
A luz do morto não se apaga nunca.

(QUINTANA, Mário. Da primeira vez em que me mataram. IN: Nova Antologia Poética. 12 ed. São Paulo: Globo, 2007)

P.S.: E não é que minha vontade é postar "E por Mara amar o Mário"?

Mário? Que Mário?


Das utopias

Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que triste os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

Pois é, é do Mário, do Mário Quintana. É dele, mas é da minha vida, porque eu fui arrumar essa minha estante bagunçada, na verdade, à procura do meu Estrela da vida inteira, que desapareceu, como convém desaparecer quando emprestamos livros aos outros – e volto a dizer, **takiupariu, porque p%rra é que me pedem livros emprestados, quando sabem muito bem que eu odeio emprestar? Não obstante o ódio, a cada vez que empresto considero uma doação involuntária, porque os picaretas nunca devolvem meus livros – e nada dos meus livros de poemas.
Aí vi essa edição de onde retirei o poema acima, tão linda a edição, com compra datada do final de 2007 – Oh, que dor! Foi comprado na Escariz do Shopping Jardins, certamente num momento de tristeza meu, naquela cidade triste e má que é Aracaju – e eu lembro como eram as minhas tristezas da tarde, naquele lugar vazio, de gente vazia de sentimentos, da menor solidariedade, daquela cidade que não sabe acolher, nem integrar... mas aí eu acho que eu tinha reencontrado o Ex-grande Amor da Minha Vida, na cidade dele, ali perto, porque fui visitar meus estagiários, em novembro...
Vi o Ex-Grande Amor da Minha Vida, conversei, beijei, abracei, chorei e fui embora ( e tinha uns, sei lá, nove meses que a gente não se via).
E sei lá o que dá em mim, mas eu digo facilmente a um amigo que o amo, mas reconhecer o amor por um homem é muito difícil para mim. Às vezes eu ignoro, não é só coisa de orgulho e altivez, eu ignoro que amo... talvez isso esteja acontecendo exatamente agora, ou é que eu não digo que amo porque realmente tenho dúvidas. Ou pode ser que admitindo eu vá perceber o quanto me faz falta não ter... e esse poema aí é exatamente um poema do não ter.
Eu mandei para ele um pouco depois da relação acabar – é, era inatingível, não dava...
Depois, num outro contexto, um poeta interrompeu minha palestra, em 2008, e me perguntou mil coisas e me pediu soluções – poeta e cretino, termos pares neste caso, assim como em todos os outros em que namorei poetas cretinos – e aí ficou em minha cabeça o nome do poema Das utopias, enquanto ele destilava seu materialismo histórico e dizia que Marx pregava a rebelião pelas armas. Não, isso não é ficção. Aconteceu. E eu olhei dentro daqueles olhos azuis, azuis de ilusão e convicção, e lhe disse que o maior erro de Marx foi ignorar que os homens também sonham; que além da materialidade das coisas está nossa porção simbólica, contendo tantas coisas que ultrapassam ideais e deslumbramentos... e lhe disse, ainda, que o que ele fazia ali, sem assumir Utopias? e o u-topos, meu filho, é o não-lugar, é o lugar que não existe.
E para quem quiser saber, como toda boa história de amor e ódio, “nosso amor não deu certo, gargalhadas e lágrimas”, porque nunca passou de um flerte e morreu no dia em que ele me chamou de pequeno-burguesa e eu não sei que resposta eu dei neste dia, mas sei que talvez fosse o caso de ele nem merecer resposta, porque, definitivamente, ele, coitado, não sabia nada do que estava falando, um fantoche dentro de um Partido. O que ele merecia ouvir? um sonoro “ora, foda-se!”. Se eu não disse, fiz com que assim fosse entendido.
Mas, enfim, o Mário! Que figura o Mário!

domingo, 29 de maio de 2011

Assim falou...



Verdades Cruéis

Acreditar em mulheres
É coisa que não se faz;
Tudo quanto amor constrói
A inconstância desfaz.

Hoje amam, amanhã ‘squecem,
Ora dores, ora alegrias;
E o seu eternamente
Dura sempre uns oito dias!...

(Florbela Espanca)

Zapping (ou vapt vupt?)


Fala-se por aí que vivemos a era do zapping. E quanto mais tecnologia, mais zapping, mais superficialidade e menos paciência.
E olha que eu sou reconhecidamente impaciente.
Minha impaciência é limítrofe com a intolerância: eu não tenho a devida paciência para esperar e acompanhar a exposição de um raciocínio lento, tipo o Ronaldo Ex-fenômeno, por exemplo. Qualquer fala lenta, raciocínio lento, coisas lentas, gente paradona, me deixa irritada.
Gosto de respostas rápidas, de coisas para ontem, de objetividade e clareza – tem a ver com a minha hiperatividade, essa pressa com as coisas da vida, suponho eu.
Mas, então, essa conversa do zapping mexe comigo porque, no momento as pessoas abrem mil caixas de diálogo no MSN e vão respondendo, numa boa. As pessoas têm mil chips e sabem muito bem como é atender quem, em que operadora, em qual telefone; as pessoas têm 160 canais e não se fixam em nenhum. Aí é que está: eu faço zap, sim: troco canais, tiro daqui, coloco ali, mudo músicas e estações de rádio, nem sempre assisto, ouço ou vejo por completo nada – eis a teoria da superficialidade – mas se algo me conquista eu sou literalmente cem por cento atenta.
Isso em fez criar vícios, do tipo: assistir ao Café Filosófico todo domingo, às 22 horas, haja o que houver, desde que não falte luz. Faz parte de minha rotina de domingo, tanto quanto ir à academia às 17h30min quando estou em Feira.
Se não temos, no geral, a paciência de assistir, ouvir ou ver um conteúdo qualquer por inteiro, certamente isso resvala no outro lado da moeda, em conseguir se fazer ver, ouvir, assistir, em ter consistência para segurar o zappeador.
Mas a gente zappeia em tudo, né? Os namoros são ficância instantâneas, as amizades são troços descartáveis, nenhum relacionamento é eterno, ninguém é insubstituível e assim seguimos na era da pouca durabilidade de tudo. E não podemos reclamar: nós criamos isso tudo. Lembro bem desta frase que está em Nós que aqui estamos, por vós esperamos: “O homem cria as ferramentas, as ferramentas recriam os homens”, cuja autoria eu não lembro, mas deve ser de McLuhan ou algum filósofo contemporâneo.
Não parece que tem gente que vê a vida como um imenso Buffet de degustação? e aprendemos que é preciso experimentar de tudo e que para tudo há uma primeira vez. Entretanto, não há tempo, em nossa vida mundana, para experimentar.
Às vezes a qualidade da experiência vale bem mais do que o tempo – quantas coisas, meu Deus, eu já vivi em profundidade, em tão pouco tempo...quantas vezes a intensidade da experiência me fez duvidar do tempo, do passar do tempo!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A réplica


Classificados
CORREIO DO POVO 27-09-73
Informações

Maria Joana Knijnick, solteira, procura pessoa sensível do sexo oposto para fim de casamento. O interessado deve ser pessoa sensível, que goste de ouvir música, seja alegre, que goste de passear domingo de manhã, que goste de pescar, que goste de passear na relva úmida da manhã, que seja carinhoso, que sussurre aos meus ouvidos que me ama, que tenha bom humor, mas que também saiba chorar. Que saiba escutar o canto dos pássaros, que e não se importe de dormir ao relento, numa noite de lua, que sonhe acordado que goste muito do azul do céu. Prefere-se pessoa que saiba escutar os segredos de um riacho e que não ligue aos marulhos do mar; que goste de bife com arroz e feijão, mas que prefira peru com maçã; dá-se preferência a pessoas de pés quentes, que gostem de andar de barco; que goste de amar e que não puxem as cobertas de noite. Não se exige que seja rico, de boa aparência, que entenda Kafka ou saiba consertar eletrodomésticos, mas exige-se principalmente que goste de oferecer flores de vez em quando.
End: - Rua da Esperança, 43

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CORREIO DO POVO 02/10/73
Informações

Maria Joana Knijnick. Solteira, procura pessoa do sexo oposto para fim de casamento. O interessado deverá ser pessoa sensível e que tenha o hábito de oferecer flores.
End: - Rua da Esperança, 43

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CORREIO DO POVO 10/10/73
Informações

Maria Joana Knijnick procura pessoa que a ame e goste de oferecer flores de vez em quando.
End: - Rua da Esperança, 43

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CORREIO DO POVO 20/10/73
Informações
Maria Joana Knijnick pede que qualquer pessoa goste dela e suplica que lhe mande flores

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CORREIO DO POVO 14/11/73
Informações
A família da sempre lembrada Maria Joana Knijnick comunica o trágico desaparecimento daquele ente querido e convida parentes e amigos para seu sepultamento. Pede-se não enviar flores

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(LOPES, Artur Oscar. Contos jovens, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1974)

Réplica ao meu edital constante no post anterior, carinhosamente enviada por Tatiana, minha amiga!Mui amiga!!!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Gato e Sapato, Versão II: o retorno


Eis-me aí, de novo, na foto, finalmente concretizando o desejo de reaver meu par de sapatos outrora destruído pelo meu cachorro e recém adquirido, após quase um ano de buscas.
Inaugurei este meu par no sábado, 14, depois de vagar um pouquinho pela cidade e ir almoçar no Thin Yen Bao com minha amiga Tella, visitar Cléo, que estava com virose e arrastar a minha amiga doente para ir se curar na night.
Interessante é que Cléo se disse agoniada por estar de molho, em casa, desde a terça-feira. De repente, chegamos lá na casa dela, umas quatro e meia da tarde, mais ou menos, e fomos descontar o período de quarentena.
Mas eu vou aproveitar essa minha cara aí exposta para mais uma vez prestar contas aos meus amigos, àqueles que não me vêem todo dia e que de vez em quando levam ao pé da letra o que eu falo, ou acreditam na ficção como se fosse verdade, ou entendem a verdade como se fosse ficção. Então, vamos aos esclarecimentos:
1 - Eu sei dançar, sim. E vocês sabem disso. Eu só não sei dançar a dois ( no plano real e metaforicamente também).
2 - Eu não tenho namorado. Na verdade, os candidatos L.E., C. e o Menino Deus foram reprovados em algumas das etapas da seleção.
3 - Na cidade em que vivo só há uma tribo indígena, que é aquela formada pelos índios Aquidaoânus. Contudo, eu continuo desejando encontrar qualquer índio da tribo Papachana, mas eu sei que estes já foram extintos, especialmente na minha cidade.
4 - Zé Bonitinho é N.M., tá? lembram da cozinha italiana? então é aquilo ali. No caso da seleção, este candidato teve sua inscrição indeferida por mim, mas anda recorrendo. Comigo, com certeza, ele não atingirá a nota mínima exigida e por isso eu continuarei a ser a mega-chata que vocês todos acham porque eu não estou na promoção, nem em ponta de estoque, nem em outlet.
5 - É, eu não viajei - o resto é fácil deduzir.
6 - Minha TPM não aumentou, minha paciência é que diminuiu e eu ando ocupada, estressada, cansada, pirada e transloucada com o texto de Qualificação.
7 - Vou reabrir o edital:
A louquética, no uso de suas atribuições, faz saber que estarão abertas as inscrições para o preenchimento de uma (01) vaga para o cargo de namorado, por tempo indeterminado.
O processo de seleção constará de:
a) Exame de qualificação de conduta, da qual deverá ser excluída a condição de: alcóolatra, drogado, casado, enrolado, endividado, cafajeste, estelionatário, poeta, indeciso, covarde,dependente de mamãe, bígamo, evangélico, pagodeiro e antropólogo.
b) Exame de capacitação em Língua Portuguesa - que deverá demonstrar a capacidade de interpretação do candidato,a coesão e a coerência de suas sentenças, além de seu poder de expressão verbal que exceda as interjeições e as frases lacônicas, tais como: "é!"; "sim" e "certo!".
Também será exigido que o candidato domine a norma culta da Língua Portuguesa, de modo a evitar expressões como : "Filé!", "Foi mal!", "Demorou" e "Já é!"
Serão admitidas as redundâncias e os pleonasmos (subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, repetir de novo, etc.), mas não as contradições, do tipo: "me inclua fora dessa!".
Espera-se, ainda, que o candidato tenha conhecimento em verbos, especialmente no tocante às flexões de tempo e modo, evitando gerúndios desnecessários e enganosos, do tipo: "Eu estou chegando" e "Eu estou saindo agora"
c) Exame de capacitação em Operações Matemáticas: O candidato deverá ser capaz de calcular quanto tempo eu levo para perder a paciência; deverá ter clara noção de que, dado que o salário que eu ganhar me pertence, os gastos com sapatos, salões, quinquilharias, livros, viagens, festas, os bens duráveis e não-duráveis que serão pagos por mim, não são de sua conta!
d) Capacidade de memorização: O candidato deve ter em mente as datas comemorativas realmente importantes e evitar solicitar que eu repita toda hora o que eu já disse ou expliquei anteriormente.
Espera-se, também, que o candidato saiba o meu nome, evitando estratégicos apelidos genéricos, do tipo "meu amor", "querida" e uns diminutivos suspeitos.
e) Exame de Qualificação Sexual: este concurso destina-se apenas aos candidatos heterossexuais (para ser clara, do sexo masculino, que goste de mulher e apenas de mulher)e, para tanto, requer que o mesmo tenha o mínimo conhecimento da anatomia feminina, de forma a ter a desejável desenvoltura, que não deverá ser confundida com habilidades circenses, contorcionismos e demais performances artificiais, mecânicas e ridículas. Outrossim, também o candidato deverá saber que o clitóris não é uma mancha suja a ser esfregada com vigor, tendo, obviamente, a capacidade de localizá-lo.
Serão sumariamente excluídos deste certamente aqueles que, erroneamente, julgarem estar num touro-mecânico, apressando-se no cumprimento do tempo de classificação, o equivalente a realizar um "bate-e-volta".
Pede-se aos candidatos a devida atenção com o senso cumum, especialmente em relação aos pressupostos de teor inapropriado ou inverídicos, do tipo: "tamanho não é documento" ou que "Na horizontal todo mundo é igual". Para tanto, estipula-se como altura mínima, 1,70, e para o resto... bem, se olhe muito bem no espelho antes de se candidatar e meça sua capacidade.
E, definitivamente, na horizontal as coisas se complicam se há diferenças de estatura.
As provas deverão ocorrer em lugares e datas a serem posteriormente informadas aos candidatos.
Fica proibido o uso de bonés, mocassins, pochetes, calças que mostrem o cofre, camisetas promocionais de blocos e de campanhas políticas, sarouel e correntes grossas em estilo cafetão do rap.
É expressamente proibido que o candidato faça uso de comidas de jagunço (maniçoba, saparatel, cozido e outras gororobas)e de músicas de conteúdo questionável (sertanejo, pagode, arrocha e brega), além de palitos no canto da boca.
Dos requisito básico para a investidura no cargo:
Uma vez aprovado para o cargo, o candidato deverá manter assiduamente a higiene, evitando barbas, pêlos, pés rachados, carequices e barrigudices.
O candidato aprovado deverá, ainda, demonstrar bom humor e sagacidade no desempenho de sua função.
Os demais casos deverão ser julgados pela Comissão organizadora, que, neste caso, é esta cambada de amigos chatos que ficam dizendo que a chata sou eu.
Esta é uma obra de ficção e a seleção nunca existiu, pelo menos desta forma.
É que quando querem ser educados, os meus amigos dizem que eu estou só porque sou seletiva. Porém, umas doses depois, eles estão me descendo a madeira, de modo a dar a entender que eu sou exigente e sem-noção.
Agora, vejam como os meus amigos me fazem de gato e sapato!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Para Tatiana


Nesta sexta será a defesa de Tatiana e eu só posso estar feliz e grata por nossos caminhos terem se cruzado há alguns anos.
Com muito orgulho, louvo a integridade moral de minha amiga,seu companheirismo, sua cumplicidade, sua compreensão, sua altivez... e aquela pouca vergonha de pedir amparo, de pedir conselhos, de estar presente, de dividir comigo as minhas neuras, confundido-as com as suas...
Amo as maluquices dela pela Cidade Maravilhosa, toda dela, que sabe a cartografia inteira da Glória, do Leblon, do Arpoador, dos metrôs, dos becos e dos camelôs e tal como eu, ama Petrópolis.
Tatiana é a melhor pessoa do mundo para atravessar as ruas de São Paulo, para reparar nos orientais e nos seus descendentes, preferidos dela; e para puxar minha orelha por sustentar tensões sexuais com meus flertes, em qualquer parte do planeta.
Tati é assim razão e sensibilidade, mas não clichê, porque sabe reconhecer quando as aflições de minha carne estão me deixando nervosa...ela entende tudo sobre minha pouca paciência.
E ela mandou este poema para mim, no ano passado.
Lindo o poema.
Linda minha amiga.
Linda, com seus respeitáveis defeitos.

Fala

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)

Orides Fontela

O nome do Pai


Estou nas sessões de psicanálise desde 2003 e sei o quanto é uma questão crucial matar o Pai no plano simbólico.
O Pai: primeiro namorado, primeira referência de homem, primeira grande paixão das neuróticas histéricas e falando assim, tudo pronunciadinho, ninguém percebe que para a Psicanálise este é o padrão-normal de mulher. Aliás, normal é ser neurótico e é por isso que "de perto ninguém é normal".
Pior seria se eu fosse uma daquelas pessoas que voltam duas vezes em casa para ver se trancaram mesmo a porta ou se desligaram o fogão, ensaiando o perfil do sujeito acometido por Transtorno Obsessivo Compulsivo; ou daquelas que ficam contando frestas de janela, quadradinho de piso,botões, contando qualquer coisa, neuroticamente, sem saber que aquilo é feito para que elas se desviem dos próprios problemas psíquicos ou para gerar a sensação de que a pessoa controla algo; ou se eu fosse um daqueles mega-medrosos que dão chiliques, armam barracos e gritarias por medo de entrar em algum lugar ou de experimentar coisas de que já têm medo antes mesmo de tentarem, tipo viajar de avião.
Mas eu já tive coisas assim, quando meu Complexo de Édipo se manifestou pela primeira vez. E era tão verdadeiramente Complexo de Édipo que eu fiquei com medo de ficar cega... e esse negócio de matar o Pai demorou, viu? até o ano passado eu nem sei se realmente eu havia matado meu Pai (não entendam isso num sentido Von Ritchofen do termo).
Mas o que eu queria dizer é que meu Pai veio aqui em casa na tarde desta segunda-feira e o substituto dele (o Substituto do Pai, que é outra mala em minha vida, meu Jesus!)estava no sofá, assistindo sei lá o quê, enquanto eu estava na minha amada mesa (pausa para dizer que eu amo a minha mesa, sou apaixonada por ela, me endividei por ela, mas ela é tudo que eu amo nesta vida, materialmente falando), lendo e escrevendo, porque minha vida agora é ler e escrever com um *uta medo do dia da Qualificação.
Eu emiti umas opiniões sobre não sei o quê, disse umas vagas interjeições aqui e ali e só me lembro que eu me fixei na conversa quando meu pai começou a contar um caso.
Eu falo como uma matraca - a incontinência verbal não é mera metáfora, nem repetição vazia da Bridget Jones, não - mas eu adoro ouvir. Eu adoro ouvir casos!
Adoro casos bestas de infância, do gato de um, das goiabas da fazenda da avó do outro, das histórias de família, de besteiras, de curiosidades... e eu já nem sei há quanto anos eu não ouvia o meu pai contar um caso.
Há um abismo entre mim e o meu Pai, especialmente depois da morte simbólica dele, porque eu parei de idealizar e, por conta disso, eu o vejo como o grande corrupto que ele é, o articulador político, a raposa velha... e moralmente isso me afeta. Para o povo, não: coisa corriqueira. Então, geralmente eu desço a madeira. Nem deve ter um mês a última vez em que eu descasquei a batata dele, no cara-crachá, porque eu não sou de mandar recados. Pessoalmente, eu não confiaria em meu Pai de forma algum, em se tratando de negócios - e ele não penetra em minha vida nem pela porta do fundo, porque ele e minha família sempre acham jeitos argutos de seguir meus passos.
Ouvir o caso que ele contava, e que era verdade, com testemunho de meu tio e tudo mais foi trazer meu Pai para o plano comum: não só porque não é mais meu Super-herói, mas porque é um ser humano de carne de ossos, com medos, fraquezas, pessoa comum, filha de Deus, enfim.
Um grande professor meu depreciou Jorge Amado ao chamá-lo de "contador de causo" - ele falou isso para contrapor mesmo a obra amadiana às canônicas em geral - mas a mim não disse nada: acho incrível quem sabe contar um caso, quem tem o dom da narratividade.E aliás, sou uma narratária atenciosa e amo meu Jorge Amado, sim.
Mas, então, o meu Pai me levou na oralidade - eram coisas sobre São Paulo, antes de eu nascer e antes que ele e minha mãe se casassem, não tinha a ver com a minha história, era muito anterior. Mas eram histórias. Adoro histórias. Ali eu me reconciliei subjetivamente com o meu Pai, que continua morto, como deve ser...

terça-feira, 24 de maio de 2011

Não sei dançar


Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.

Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal:
Tão Brasil!

De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugêlê banzai!

A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral.
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!

Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
o algodão do Seridó é o melhor do mundo? ... Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!

(Manuel Bandeira)

*Em homenagem ao aniversário de minha amiga Tella, que por si só já é um carnaval.
E afinal, o que é açafata, hein?

Conselhos


Falam muito mal dos conselhos, por aí. Fontes questionáveis chegaram a afirmar recentemente que conselho é arriscado para quem dá e para quem ouve - e, aliás, a máxima dos conselhos é que se fosse bom ninguém dava, vendia; além da sentença de que conselho só se dá a quem pede.
Não levo a mal os conselhos.
Acho que por ter convivido por muito tempo com certas feras sob pele inocente e inofensiva, aprendi que o que a gente deve avaliar, diante de um conselho não solicitado, é a qualidade da fonte. Se o conselho parte de gente do bem, que torce por nós, que tem intenções boas,que tem intimidade suficiente para isso, vale a pena ouvir o conselho.
De cara me falaram que minha vida não seria mais a mesma depois do resultado daquela batalha travada no começo de abril deste ano. Portanto, me disseram: "Não pense que as pessoas não sabem quem você é, não. Apenas tome cuidado, focalize o seu objetivo e saiba que haverá sempre um par de olhos na sua vida".
Isso aí representa que minha privacidade foi embora e disso eu me dou conta: desde o súbito acesso ao meu curriculo lattes, passando pelo proprio acesso à minha dissertação lá no Domínio Público, tudo tem mudado.
O problema é que assuntos ligados à vida acadêmica e profissional sempre excedem os limites normais das observações: deste modo, meu orkut continuará a ser vasculhado indiscriminadamente, porque sabemos o que pode ser feito com informações pessoais.
Até a brincadeira do meu amigo fez sentido, pelo contexto: "nada de sumir pelos matos da UFBA em amassos indecentes!"
Pois é, aquilo lá tira a espontaneidade da gente...
Quem quiser que pense que as pessoas sabem separar o pessoal do profissional. Não é assim: são os olhos dos colegas, dos alunos, dos funcionários, dos desocupados em geral, a vigiar a nossa vida, a inventar respostas para aquilo que é dúvida, a fazer certeza as mentiras que bem convém aos inimigos, enfim, coisas que eu já sei.
E se hoje eu pudesse dar um conselho a alguém, daria o mesmo que um dia eu recebi, tarde demais: não leve a vida pessoal para o trabalho e não permita que o trabalho exceda sua vida pessoal, sabendo que não há amigos no trabalho, só colegas.
Algumas amizades antecedem o trabalho, outras podem começar por lá, mas não se desenvolver com naturalidade lá.
Morar com o trabalho é a pior arma contra a saúde do trabalho e das amizades - casas separadas já!
Relações interpessoais boas são sempre bem vindas, mas não mais que isso: trabalho não é confessionário.
Outrossim, aquela carinha que a gente faz diante da simpatia sorridente dos puxa-saco atenta contra nós, portanto, outro conselho que eu dou: não vá às confraternizações!mas se resolver ir, tome um anti-ácido antes e dois depois.
Entendi agora minha amiga loira poderosa recém-casada: mudou seu perfil no blog , mudou seu próprio nome,forçou anonimatos e hoje o marido dela é apenas uma sigla naquilo que ela conta, porque desde sempre ele visitou a página e sendo quem ele é, um empresário mega-importante e conhecido na Bahia, uma hora alguém confunde as coisas.
Moro só porque eu gosto de privacidade e não suporto escrever com gente olhando por cima dos meus ombros. Sendo sincera,não suporto dar satisfações, explicações ou me privar de fazer o que eu quero por causa de olhos alheios.
Num casamento, assim como em qualquer união, porque podemos considerar que o trabalho é uma união de seres competitivos e fisicamente próximos embora afastadíssimos em seus propósitos,a privacidade é o item que primeiro é riscado da lista dos direitos.
E essa minha paciência, tão pequenininha, tão insuficiente para as demandas da vida prática, ah, essa minha pouca paciência sempre me deixando no limite de arranjar uma boa briga!
Na minha idade as pessoas já estão separadas ( pelo clássico, casam-se entre os 19 e os 25 anos e se separam um pouco depois dos 30, 35 anos), reclamando do tempo perdido e partindo para outra, preocupadas com o recomeço... Mas aí eu não dou conselho a ninguém, não me caberia. Minhas decisões são minhas, não são exemplos.
Inclusive, há pouco, num raro jantar, ouvi a sentença de sempre: "Mara, você é muito exigente!" - traduzindo, minhas amigas disseram que eu sou uma chata cheia de chiliques.
Contrariando alguns conselhos, dos quais aqueles de que eu deveria acatar as insinuações de uns caras ou estabelecer contato com outros arrependidos, deixo bem claro que eu quero apenas quem desperte em mim o desejo de querer estar com consigo.
Consumi uns 06 anos de análise para concluir que é melhor nenhum sexo a ter um sexo ruim; percebi que o melhor abraço do mundo é aquele dado com desejo; entendi que há uma força maravilhosa entre as pessoas que se desejam e que o desejo é o meu maior combustível; vi que quando alguém nos corresponde toma as providências para tornar real o que é apenas desejo.
Depois disso tudo, como é que dá para prescindir daquilo que eu quero verdadeiramente? é perda de tempo. E se elas, minhas amigas estão com pena ou acham os caras lá interessantes, bom proveito! peguem para si!
E, sim, sexo é importante num relacionamento.
[Se tiver parada dos remanescentes heterossexuais, eu estarei lá, amigas!Nós, as poucos mulheres e os poucos homens que ainda gostam de sexo com as pessoas do sexo oposto vamos tentar encontrar os nossos pares quase em extinção!]
No mais, ouvir um conselho é ouvir uma opinião, é ter mais uma opção para pensar alguma questão, é contar com um auxílio.
Mas dos conselhos que recebo eu só vejo que eu me encanto com algumas coisas, mas não me iludo: sei que se eu entrar para o clube, a" investigação social" vai ser constante - mas a prévia já está em andamento.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Zé Bonitinho não é ficção


Está reconhecendo a imagem? é ele mesmo, o Zé Bonitinho!
Se você pensa que ele é apenas uma personagem da ficção televisiva, desfaço agora mesmo o seu equívoco: eu conheço o Zé Bonitinho da vida real... e ele ligou para a minha casa ontem.
Zé Bonitinho se acha charmoso, lindo e irresistível - e aliás, ele acredita no poder de sua mandioca. Infelizmente, neste item hortifrutífero, o Zé Bonitinho da vida real está em assustadora desvantagem, se é que se pode chamar de mandioca um insuficiente protótipo de amendoim...mas eu sou moça de família, não vou falar desse assunto.
Zé Bonitinho da vida real só falta gritar: "Câmera, close! Microfone, please!" e ainda não percebeu que está fazendo papel de idiota e não de galã.
Zé Bonitinho da vida real, ao me ligar, falou, quando indagado quem era meu interlocutor: "Sou eu, o seu amor!" e não entendeu nada quando eu disse rispidamente: "Eu não tenho amores!".
Zé Bonitinho da vida real não me faz rir: apenas me irrita e me cansa, porque tem dificuldades em ver que eu não quero p%rra nenhuma com ele. Ele não presume que se eu tenho o telefone dele e não telefono, significa que eu não dou a mínima para ele, não estou ansiosa para falar com ele, não me importo com a vida dele, não quero saber dos planos dele e que ele tem tanta importância para mim quanto a marca da cueca do primeiro ministro britânico ou mesmo que os grandes pensamentos filosóficos de Mc Serginho.
Zé Bonitinho da vida real, aliás, não tem a menor graça. Nem tem sabor: é insípido, é sem graça e um dia teve acesso à minha vida porque minhas amigas influenciaram sua entrada, abrindo as portas e dando as senhas. Isso foi uma vez só. E nunca mais!E eu juro: desde fevereiro de 2007, quando eu estava para morrer de angústia e desespero por causa de quem eu amava e, tendo ouvido as meninas que diziam que o remédio para Um é Outro, resolvi dar a maldita chance ao presumido galã insistente.
Zé bonitinho da vida real precisa descolar uma Praça para atuar e se lembrar que eu não quero ser partner dele... e nestes quatro anos esta peste me liga presumindo que "água mole em pedra dura..." - se eu tivesse a pedra, atirava era nele.
Que minha experiência sirva de exemplo para vocês, minhas amigas chegadas: vejam no que dá o desespero de causa!

Teorema da mulher difícil


Lembrei-me de um aluno meu me perguntando sobre o que eu achava da assertiva que diz que “Não existe mulher difícil: existe cantada mal dada”. Daí que resolvi discutir a questão e explicar que existem, sim, mulheres difíceis. Elas, por sua podem ser de três tipos básicos:
a) Difíceis por questões morais introjetadas;
b) Difíceis por questões estratégicas;
c) Difíceis apenas para alguns homens que não lhe atiçam o menor interesse.
Ressalto, porém, que uma mesma mulher pode comportar dois tipos de dificuldade.
As que são moralmente difíceis optam por não dar bola para o homem porque convivem, dentro de si, com dilemas morais que opõem a mulher fácil e a mulher difícil enquanto categorias de comportamento. Elas não querem ser fáceis, não querem ser mal faladas, nem querem ser iguais àquelas que elas mesmas criticam.
As mulheres difíceis por questões morais podem, também, apresentar convicções religiosas e idéias de pecado que lhes impelem a não facilitar o acesso dos homens ao seu corpo, à sua vida e à sua intimidade e, também, podem ter em mente que precisam ser valorizadas a partir do seu comportamento exemplar. Neste ínterim, a criação e o círculo cultural também atuam como fatores que influenciam sua opção.
As mulheres difíceis por questões estratégicas partem de pressupostos determinados, visando a um objetivo específico: quando uma mulher pratica sexo com um homem no primeiro encontro, abre o precedente de que este homem julgue que a moça em questão é fácil, descartável. Entretanto, a mulher difícil por questões estratégicas sabe que ele também está praticando sexo com uma desconhecida, naquele primeiro encontro. Estrategicamente, ela sabe o que ele não sabe (afinal, a cultura é machista e não vê que sexo no primeiro encontro para a mulher, envolve um homem que também quis sexo no seu primeiro encontro – isso não é óbvio, apesar de ser tão claro!).
Contudo, se estrategicamente a mulher quer que ele se apaixone, vai manipular as intenções de sexo, de modo que o homem tenha tempo de conhecê-la. Aqui não é comportamento moral, mas meramente estratégico: ela precisa de tempo para se mostrar em seus aspectos humanos. Contudo, se ela quer apenas sexo, entra no jogo. Ou pode manipular o tempo para aguçar ainda mais o desejo do homem.
[Dizem por aí que uma vez que ela abandone suas estratégias, poderá vir a se transformar na Mulher Lanchonete – e lanchonete as pessoas procuram quando querem comer. Uma vez que comem, vão embora].
Conforme seja o objetivo, a estratégia poderá variar.
Vale ressaltar que as mulheres estrategicamente difíceis podem estar sendo difíceis porque estão avaliando, pesquisando e tirando conclusões sobre o homem e, para tanto, precisam de tempo.
As mulheres difíceis apenas para alguns homens costumam se cansar facilmente das investidas e das insistências de certos homens, porque realmente não querem nada com eles.
Há quem faça jogo, quem goste de chamar a atenção, quem seja indecisa, mas se uma mulher diz “não”, acredite no que você está ouvindo. Pense bem: por que uma mulher recusaria àquilo que ela quer, àquilo que ela deseja?
Então, como mulher, ela diz que daquela água não beberá, aquele homem não lhe desperta o menor interesse, equivale a nada. E ponto final!
Existem mulheres difíceis, sim. Mas aquelas que são ditas como fáceis, na maioria das vezes são mulheres que assumem seus desejos, que querem se divertir e que nem sempre idealizam relações com o homem. Daí que pouco se importam com os julgamentos dos homens e dos outros.
Estou me referindo, obviamente, às mulheres livres e não àquelas complicadas que têm rabo preso, pegações e histórias inacabadas com ex-namorados e afins e que são difíceis por serem indecisas mesmo.
Quanto à proposição referente à cantada mal dada, presumo que isso queira fazer referência à linguagem, às habilidades de sedução de um homem. E que mulher não gosta se sentir desejada, de ouvir uma cantada inteligente, de uma lisonja interessante? Mas entre gostar da cantada e do autor da cantada, aí rolam muitas águas, my friend.
Agora, para mim, pessoalmente, creio que toda mulher é difícil porque ser mulher não é fácil.

domingo, 22 de maio de 2011

Apocalipse now


Enquanto uns estão decepcionados porque o mundo não se acabou, outros estão aqui para transformar o mundo no inferno. E aliás, quem tem medo do inferno depois de viver num planeta como o nosso?
Só acho engraçado esse discursos apocalípticos e finalistas porque parece que o povo pensa que Deus criou os seres humanos, se arrependeu, destruiu com fogo; deixou outra geração, destruiu com água e assim segue a humanidade sem dar certo até hoje...Ora, pois, para mim isso não faz o menor sentido. E como eu não estou nem aí para a Eternidade, se é que ela existe, estou é preocupada com o presente, que é de arrepiar.
O mundo não acabou, conforme podemos verificar, mas, verdade seja dita,vivemos em meio a tantas atrocidades que isso só pode ser o fim dos tempos!
Apenas num noticiário de 50 minutos, transmitido pela Globonews, num desses dias da semana que passou, ouvi que uma avó, numa cidade do Rio Grande do Sul, permitia e facilitava o abuso sexual de sua neta (desde os cinco anos da criança até os seus nove anos atuais). E quem abusava? o padrasto, o padrinho e dois tios.
É, quem quiser que pense que pode sempre contar com a família!
Neste mesmo noticiário eu havia ouvido sobre aqueles dois seres humanos maravilhosos e inocentes de 15 anos, um dos quais matou a namorada e a amiga desta namorada, de 13 anos.
Observe-se, porém, que o assassino, digo, o adolescente,presumia a gravidez desta sua namorada de 13 anos. Então, as crianças de treze anos já estão na vida sexual ativamente barbarizando!e os de 15 anos contruindo uma sólida carreira no crime hediondo, do qual, naturalmente, sairão ilesos e sem responsabilização legal pelo crime cometido que, então, será tomado como uma infração, coitadinhos dos menores!
Astúcia para assassinar e habilidade para seduzir sexualmente, esse anjinhos têm, mas não podem responder pelos seus atos.
E quanto ao assassinato do estudante de Economia da USP, o que me choca são as velhas pessoas de sempre comentando que se o sujeito que foi vítima de latrocínio fosse um João-Ninguém, a mídia não faria alarde. Piedade que é bom, zero!
Diante de notícias tão chocantes, o que se nota hoje em dia é que a noção de vítima já não é mesma. E aí é tomar cuidado com as loiras de dezoito anos que entram em sua vida, viu?
Por outro lado, as campanhas de beatificação mostram que os bons já estão mortos, meu caro. Quem precisa pensar em fim do mundo com um mundo como este?
Vamos à vida real e imediata: puseram na minha porta (no portão, né?), ontem, um cachorro todo ensaguentado.
Em princípio eu achei que houvesse sido atropelamento, mas vi que ele ainda estava vivo e fiz o possível para me aproximar, colocá-lo para dentro e dar o devido socorro - isso com todo o medo de receber mordidas, claro.
O pescoço do cachorro, que depois vi se tratar de uma cadela, estava todo ferido, grave e profundamente, em toda a circunferência, como se alguém tivesse colocado um fio para enforcamento sob a forma de uma coleira.
Após obter ajuda de quem também defende os bichos, que neste caso não foi a sempre presente Raquel, mas Ninno, fizemos um curativo e alimentamos a pobrezinha da cadela.
Pelo nosso laudo há duas suspeitas principais no andamento do crime: a primeira foi que foi usado um arame para enforcamento mesmo, já que a profundidade dos ferimentos revelava força e peso na tração do arame; a segunda é que algum idiota, como os muitos que conhecemos, inventou de amarrar o cachorro com arame e acelerar na bicicleta ou na moto, para ver o que aconteceria.
E aí, diante das misérias mais distantes e das crueldades mais próximas, podemos ou não conceber que o ser humano é um ser para o mal?
Todos os dias nós temos escolhas, mas a tentação de fazer mal ao outro é sempre maior, é a inclinação coletiva da humanidade.
No mínimo, escolhemos a omissão - e é para isso que criamos o super-herói, porque ele faz a Justiça, ele defende os fracos e os oprimidos que, na vida real, a gente ajuda a chutar. Pena que eles não existem!
Olha que em torno do ano 2000 a senhora Adriana Calcanhoto já estava cantando isso aqui (E o mundo não se acabou):

Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar...
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada...
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando
De aproveitar...
Beijei a boca
De quem não devia,
Peguei na mão
De quem não conhecia
Dancei um samba
Em traje de maiô
E o tal do mundo
Não se acabou...
Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar...
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada...
Chamei um gajo
Com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele
Mais de quinhentão...
Agora eu soube
Que o gajo anda
Dizendo coisa
Que não se passou
E, vai ter barulho
E vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou...

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Legítima defesa


As duas situações que vou descrever não são de ordem fictícia. Advirto logo, porque sei que vai parecer piada.
Há uns cinco ou seis anos (se não mais!) eu mandei um torpedo SMS para Valério, porque havia um tempo imenso que a gente não se falava, com o seguinte conteúdo aproximado: "Tudo bem? Sua defesa já aconteceu ou ainda vai acontecer neste mês? Dê notícias. Tchau!".
Ocorre que eu recebi como resposta um torpedo mal escrito e totalmente assustado, paranóico e desesperado, em que a pessoa me questionava quem eu era, como eu soube da defesa e o que eu queria.
Entendi que aquele não era mais o número de Valério e, claro, não respondi senão após o terceiro torpedo recebido, explicando que eu confundi o número e tal, mas, sinto muito, a pessoa definitivamente não tinha ideia do que fosse dissertação. Logo, não entendeu nada, mas entendeu que o papo não era com ela (ela a pessoa).
Depois, finalmente encontrei Valério, que explicou que o telefone dele havia sido roubado.
Deduzimos, de tudo, que a pessoa que recebeu os torpedos, estava devendo muito à lei, certamente iria a julgamento por outra coisa (esperava o julgamento em liberdade, quiçá) e entendeu que a defesa era a defesa legal, em Tribunal e etc.
Hoje deixei um recado no MSN para uma amiga, pedindo uns cintos que eu emprestei e que pretendia usar na defesa de Tati, daqui a alguns dias.
De forma ainda mais desesperada, recebi um telefonema que já foi descarregando: "Meu Deus, o que foi que Tati, fez? Qual das nossas Tatianas, Mara?Julgamento não é assim, Mara, você estava sabendo das coisas havia tempo, né? ninguém me conta nada! o que foi, foi roubo?"
Pior do que em qualquer drama, foi que eu ia começar a explicar, quando a ligação caiu. E haja Deus para eu recobrar o contato - em minha cabeça o pesadelo do dano moral à minha amiga se multiplicava, porque era bem capaz que a minha interlocutora fosse comentar com os outros que a defesa de Tati seria em breve, supondo problemas com a Justiça.
Somente há pouco eu pude explicar, tudo pormenorizado, o que era uma defesa.
Se bem que às vezes tem gente que assassina a obra literária e, sim, precisa alegar legítima defesa - e quem já não foi vítima de um desgraçado de um livro ruim? você sabe os riscos que corremos diante de um livro miserável, obrigatório? é de matar! mas às vezes é a gente que tem impulsos insanos e quer morrer (Oh, meu Pai, senti isso quando tive que ler Viagens na minha terra, de Almeida Garret; com a Sagarana de Guimarães Rosa e, claro, com Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro. Não saí dessas leituras sem traumas, sem sequelas horríveis e ainda por cima, tendo que fazer "o social" e fingir que eu gostei dessas obras. Eu tinha era que ser indenizada pelos traumas sofridos!).
Há um lado sádico no cânone, não é?e eu, que sou professora, tenho que enrolar meus alunos toda vez que repito as lições do meu carrasco e lhes digo: "Não se lê apenas aquilo de que se gosta!"
Deus castiga minha hipocrisia e me põe diante das teorias de Frederic Jameson e do desagradavelmente tautológico Compagnon - apropriadamente aquela obra maligna que se chama O demônio da teoria - é, obra do demo mesmo!.
Agora, voltando aos problemas de comunicação, como é que pode acontecer equívoco dessa ordem? eu falando de defesa de dissertação e a pessoa pensa que é defesa jurídica!
Daí a gente vê o que os amigos esperam da gente.
Vou até dar logo o nome do padre, já que eu rezei a missa toda: Tella. Foi ela quem fez essa confusão - e olha que ela é louca por advogados (e ultimamente por pais-de-santo também)e deve ter imaginado que a pobre da Tatiana, com minha cumplicidade, atropelou e matou alguém, desviou verbas, cometeu atentado ao pudor...qualquer coisa é provável, menos ser a defesa de dissertação.
Como disse Belchior:
"Mas não se preocupe, meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é muito diferente,
Quer, dizer, a vida é muito pior".
Donde esta que vos escreve preferia que tudo fosse ficção mesmo - se bem que agora eu já estou rindo da tragédia.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A cartomante


“Hamlet observa a Horácio que há mais cousas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras”.
Assim começa o conto A cartomante, de Machado de Assis. Não deixo de pensar no conto, não apenas porque gosto dele, como porque coincidentemente duas amigas minhas estão me enchendo o saco para eu ir a uma cartomante.
O problema é que eu não acredito em cartomantes. E eu já disse, não é mentira: tenho tia astróloga, astróloga mesmo, que sabe tudo de planetas , de conjunções astrais, de mapa astral e todo o resto e que, diante do que eu já vi, nem poderia duvidar. Mas dentro de mim eu tenho resistência, não tem jeito.
Olha quanto eu repito que não vou a cartomantes porque o passado já passou e, portanto, sei tudo sobre ele; o presente eu estou vivendo e, por isso, sei tudo sobre ele também. E sobre o futuro ninguém sabe. Logo, não há função em ir à cartomante.
Já senti curiosidade, já tentei ir, já tentei acreditar, mas a idéia não decola.
Acho engraçado é fazer a sabatina, o jogo dos acertos com as cartomantes: Cléo me fala que Ana ficou calada, que ela própria ficou calada, só esperando ver o que a cartomante acertava. E ela acertou tudo.
Pelo amor de Deus! Os problemas das mulheres são previsíveis. Retomo o mesmo conto de Machado de Assis:
“ – Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois, saiba que eu fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: “ A senhora gosta de uma pessoa...” Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...”
Também os crentes quando querem nos converter perguntam se temos problemas financeiros, problemas familiares e propõem: “pare de sofrer agora!”. Receita velha para eternos problemas.
Assim como Camilo, todas as vezes em que cogito acompanhar alguém é por curiosidade ou por algum desespero interior. A reflexão sempre acaba me dissuadindo mas, já me deixei perturbar acerca de previsões que ouvi sobre os outros, mas coisa de bruxo de casa que não faz milagre, lá no meu trabalho mesmo.
E, neste caso, como atingia de vez duas pessoas que eu amo, embora só se referisse a uma, me deixei perturbar – previsão feita para ele e que eu nunca ouvi da boca da própria adivinha. O caso é que, como Lévy-Strauss, eu acredito na eficácia do simbólico. Esta sim, não erra nunca.
E acredito em um bando de coisas, que vão do poder destrutivo da inveja ao mau-olhado, passando pela eficiência das benzeduras e dos banhos de descarregos, orações , novenas, qualquer coisa, menos previsões sobre o futuro.
Agora, Tella se enroscou com um pai-de-santo. Ela, que é adventista, quer porque quer que eu vá à mesma cartomante que ela freqüenta – e eu nunca fui a um babalorixá embora no meu emprego anterior tenha tido um colega que era babalaô e a quem eu visitei.
Cléo se sente ofendida pela minha descrença. Tella, nem se fala mais. O problema é que são cartomantes diferentes, cada uma ao preço de setenta reais a consulta. Aí eu vou ficar sem fé e sem dinheiro, né?
O final de A cartomante de Machado de Assis é tão trágico quanto o final de Hamlet, que é aludido na primeira linha do conto: acreditando na cartomante, Camilo vai encontrar Vilela, o marido de Rita, que também é seu amigo, e leva dois tiros fatais (após constatar que Rita também fora morta por Vilela).
Mas somos seres simbólicos, eu entendo isso. Só não consigo acreditar em cartomantes.
(Excertos retirados do livro Contos escolhidos de Machado de Assis, editado pela Martin Claret, em 2004)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Por enquanto


"Como ele não tinha nada o que fazer, foi fazer pipi. E depois ficou a zero mesmo.
Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.
Hoje me telefonou uma moça chorando, dizendo que seu pai morrera. É assim: sem mais nem menos.
Um dos meus filhos está fora do Brasil, o outro veio almoçar comigo. A carne estava tão dura que mal se podia mastigar. Mas bebemos um vinho rosé gelado. E conversamos. Eu tinha pedido para ele não sucumbir à imposição do comércio que explora o dia da mães. Ele fez o que pedi: não me deu nada. Ou melhor, me deu tudo: a sua presença.
Trabalhei o dia inteiro, são dez para as seis. o telefone não toca. Estou sozinha. Sozinha no mundo e no espaço. E quando telefono,o telefone chama e ninguém atende. Ou dizem: está dormindo.
A questão é saber aguentar. Pois a coisa é assim mesmo. Às vezes não e tem nada a fazer e então se faz pipi.
Mas se Deus nos fez assim, que assim sejamos. De mãos abanando. Sem assunto.
Sexta-feira de noite fui a uma festa, eu nem sabia que era o aniversário do meu amigo, sua mulher não me dissera.
Tinha muita gente. Notei que muitas pessoas se sentiam pouco à vontade.
Que faço? telefono a mim mesma? Vai dar um triste sinal de ocupado, eu sei, uma vez já liguei distraída para o meu próprio número. Como acordo quem está dormindo? como chamo quem eu quero chamar? o que fazer? Nada; porque é domingo e até Deus descansou. Mas eu trabalhei sozinha o dia inteiro.
Mas agora quem estava dormindo já acordou e vem em ver às oito horas. São seis e cinco.
Estamos no chamado "veranico de maio": muito calor. Meus dedos doem de tanto eu bater à máquina. Com a ponta dos dedos não e brinca. É pela ponta dos dedos que se recebem os fluidos.
Eu devia ter me oferecido para ir ao enterro do pai da moça? A morte seria hoje demais para mim. Já sei o que vou fazer: vou comer. Depois eu volto. Fui à cozinha, a cozinheira por acaso não está de folga e vai esquentar comida para mim. Minha cozinheira é enorme de gorda: pesa noventa quilos. Noventa quilos de insegurança, noventa quilos de medo. Tenho vontade de beijar seu rosto preto e liso mas ela não entenderia. Voltei à máquina enquanto ela esquentava a comida. Descobri que estou morrendo de fome. Mal posso esperar que ela me chame.
Ah, já sei o que vou fazer: vou mudar de roupa. Depois eu como, e depois volto à máquina. Até já.
Já comi. Estava ótimo. Tomei um pouco de rosé. Agora vou tomar café. E refrigerar a sala: no Brasil ar refrigerado não é um luxo, é uma necessidade. Sobretudo para pessoa que, como eu, sofre demais com o calor. São seis e meia. Liguei meu rádio de pilha. Para o Ministério da Educação. Mas que música triste! não é preciso ser triste para ser bem-educado. Vou convidar Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano Veloso e que cada um traga a sua viola. Quero a alegria, a melancolia me mata aos poucos.
Quando a gente começa se perguntar: para quê? então as coisas não vão bem. E eu estou me perguntando para quê. Mas bem sei que é apenas "por enquanto". São vinte para as sete. E para que é que são vinte para as sete?
Nesse intervalo dei um telefonema e, para o meu gáudio, já são dez para as sete. Nunca na vida eu disse essa coisa de "para o meu gáudio". É muito esquisito. De vez em quando eu fico meio machadiana. Por falar em Machado de Assis, estou com saudade dele. Parece mentira mas não tenho nenhum livro dele em minha estante. José de Alencar, eu nem lembro se li alguma vez.
Estou com saudade. Saudade de meus filhos, sim, carne da minha carne. Carne fraca e eu não li todos os livros. La chair est triste.
Mas a gente fuma e melhora logo. São cinco para as sete. Se me descuido, morro. É muito fácil. É uma questão do relógio parar. faltam trê minutos para as sete. Ligo ou não ligo a televisão? Mas é que é tão chato ver televisão sozinha.
Mas finalmente resolvi e vou ligar a televisão. A gente morre às vezes."
(LISPECTOS, Clarice.A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 - pp. 45-47).

Este conto transcrito na íntegra se chama Por enquanto. E nem parece conto, parece um diário, um relato, uma página de blog.
Facilmente a gente se ilude com a auto-referencialidade, com as correspondências supostas entre narradora e autora...e que diferença faz, nesse caso? não estamos fazendo análise estrutural mesmo!
Interessante é que muitos de meus amigos se identificam com essa narrativa, com o seu conteúdo, com suas filosofias implícitas e explícitas... e eu, que já fiz xixi (ôpa, pipi!) e estou escrevendo, também me identifico em alguns aspectos com a narradora.
E eu tinha que me distrair da densidade cansativa de estar lendo e escrevendo para a Qualificação - aprendi isso a duras penas, apesar de pequenos atos de teimosia: a gente escreve enquanto lê, se não a idéia foge.
Sei que isso desnorteia toda a noção de metodologia, mas o certo é esse mesmo: ir lendo e ir escrevendo, para não se perder.
Quando leio este conto lembro das pressões de minhas amigas para que eu tenha um celular com dois chips - ora, mas eu nem teria com quem falar tanto, nem vejo sentido em me pendurar no telefone sempre, se bem que o faça de vez em quando.
Para quê eu iria querer dois celulares, ou dois chips, sei lá? estou perguntando "para quê"!.
Gosto de ficar em paz.
Há coisas tão inúteis para a minha vida! por isso eu nunca terei um microonda, nem máquina de lavar roupas, nem um celular com dois chips...para quê?
E para que o telefone não se torne um instrumento de aborrecimentos, desligo quando vou dormir, desligo para namorar, desligo para trabalhar e para estudar, pelo menos, "por enquanto".

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Corpo e mente


Nesta intensa medicamentalização da vida, nem sei como a gente sobrevive: inventa-se o remédio para as vicissitudes normais do ser humano, mas que nunca serão resolvidas de fato e, em contrapartida, todo desfrute gastronômico é condenável.
Não se pode consumir ovos, nem óleo, nem farináceos, nem isso e nem aquilo, segundo os aconselhamentos médicos via mídia televisiva.
Também nos desacostumamos a sentir as emoções comuns a qualquer ser vivo de carne, osso e ectoplasma e, por conta disso, para tudo há remédio. Claro, tarja preta.
Para angústia, qualquer lítio ou diazepínico e seus correlatos; para tristeza, vide bula; sensações de perda e de luto?disk-pharmacon, recomendada desde os tempos de Platão!
Para tudo tem que haver uma classificação clínica, um número de C.I.D, porque todo mundo tem alguma coisa, ninguém passa incólume à indústria farmacêutica e aos grandes deuses da medicina. Mas, se por ventura, você apresentar sintomas inclassificáveis, com certeza será dito que você tem virose.
É, meu filho, de perto ninguém é normal; e sob o microscópio ninguém é saudável.
Não estou ironizando para simplesmente execrar os desesperos clínicos, não.
Olha que eu estou na academia há 09 meses - e cuidar do corpo é, hoje, uma recomendação médica. No meu caso é que foi minha vontade mesmo - e incorporei a musculação à minha rotina.
Reconhecidamente eu sou hiper-ativa: tenho fogo no espírito, não aguento ficar paradinha e quieta, tipo uma mumiazinha bem-comportada; não gosto de bebida alcóolica e, por isso, me impaciento em sentar num bar para ficar contemplativamente me enchendo de álcool, do que quer que seja ou, traduzindo melhor, preciso me movimentar.
Indo à academia eu queimo energia, me movimento, consigo expurgar toda energia que eu tenho e que não descarrego no meu cotidiano. Não sou, entretanto, uma pessoa nervosa, que viva no limite da paciência, descarregando ódios e frustrações sobre os outros...mas tenho pouca paciência com meu semelhante, sim, em várias situações.
Aí eu, que também não sou dada a comidas gordurosas, aprendi o real sentido das chamadas gorduras TRANS.
Além de qualquer gordura, ou lipídio, para quem quiser ser chique, ser efetivamente, uma base oleosa, um ácido graxo, as gorduras trans são aquelas que foram muito processadas, passaram por tantas transformações que perdem seus nutrientes essenciais, constituindo uma verdadeira gordura saturada que, uma vez no organismo, aciona o aumento dos níveis de colesterol.
Mas estas explicações são bastante abstratas. Portanto, os Laboratórios Louquética de Alimentos e Administração de Drogas observa que a melhor forma de entender a presença, os efeitos e a tudo mais sobre as gorduras trans é observar que este tipo de gordura está presente em sua alimentação quando:
TRANSborda gordura pelos lados dos cós de sua calça, formando flancos e pneus em seu corpo;
TRANSforma sua barriga numa montanha íngreme que lhe impede de enxergar os seus próprios pés;
TRANSfigura um bumbum feminino em uma cratera lunar, afundada por vário buracos de celulite;
TRANSmite a sensação de que estamos com uma silhueta redonda, rotunda, em estilo rolha de poço e cintura de ovo;
Interessante notar que em tempos de tanta invenção e nomeclatura médica, dentre as coisas que eu mais admiro estão as anestesias.
Tenho alergias a algumas delas e resistência neurológicas a outras tantas, especialmente lidocaínas, o que para mim é um absurdo porque eu vivo repetindo a metáfora de que para as dores existenciais não há anestesias. Em meu caso, nem para as dores físicas tenho anestesias a contento.
Mas, voltando a elas, não é incrível que alguém corte a gente, invada o nosso corpo, faça incisões e mil procedimentos e, entretanto, os dispositivos de dor estejam bloqueados?
É uma ilusão humana e gostosa essa de não sentir dor... Claro, são ilusões, coisas artificializadas... E depois o efeito da anestesia passa, meu amigo. E vem a dor. E haja outro arsenal de remédios para evitar a dor.
Daí que eu acho um absurdo partos com dor. Para quê? já é tão difícil parir, por que não usar anestesias?
E eu sou covarde, não quero ser mãe nunca! mas reconheço que também para isso aí deveria haver um atenuante da dor.
Mentira pura isso da covardia: é preciso muita coragem para assumir que não vejo graça na maternidade, não é meu objetivo, não está em meus planos e eu jamais tive a menor vontade de ser mãe.
Mas esse meu papo todo cheio de farmacopéias é porque eu estou irada por estar em casa, doente, caindo aos pedaços, com o meu nariz dolorido de tanta crise de rinite, com uma dor de cabeça tamanho King Size, toda sem energia, lerdinha e lenta, tanto que agora, neste horário eu estaria na academia mas, nem fui lá - nem daria mesmo: eu estou espirrando por minuto, tossindo como um motor de carro enguiçado e iria sufocar se fosse me exercitar.
No momento, mens insana in corpore insano!

domingo, 15 de maio de 2011

Deu a louca no conto infantil


Tenho contra a elite intelectual as mais sólidas acusações de incompreensão frente aos fenômenos da indústria cultural.
Observe-se que esta fonte maravilhosa de lirismo e criticidade, que é a música baiana, costuma ser incompreendida e negligenciada pelos pensadores brasileiros que, acima de tudo, desprezam a criatividade de certos compositores.
Lembrai-vos, irmãos, que há pouco mais de um ano uma banda baiana de axé nos presenteava com uma fantástica releitura do conto infantil da Chapeuzinho Vermelho, propondo a modernização desta enigmática figura dos nossos imaginários, cantando assim:

Eu sou o lobo mau (au, au)
Eu sou o lobo mau (au, au)
E o que você vai fazer?, haaaaaaa!
Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
Vou te comer, vou te comer, vou te comer.
Chapeuzinho pra onde você vai? diz aí menina que eu vou atrás
Chapeuzinho pra onde você vai? diz aí menina que eu vou atrás
Chapeuzinho pra onde você vai? diz aí menina que eu vou atrás
Chapeuzinho pra onde você vai? diz aí menina que eu vou atrás
Oxe,pra que você quer saber?
Eu sou o lobo mau, au, au
Eu sou o lobo mau, au, au
E o que você vai fazer?
Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
Merenda boa, bem gostozinha
Quem preparou foi a mamãezinha.
Êta danada, êta!
Merenda boa, bem gostozinha
Quem preparou foi a Ivetinha
Êta danada, êta!
Vou te comer, vou te comer, vou te comer...

Atente-se que o sujeito lírico oscila entre o predador e o ser desejante, exercendo uma certa sedução sobre a Chapeuzinho que, em sua desfarçatez, pergunta o que o lobo irá fazer, apenas para obter a resposta: "vou te comer!", porque em tempos de bicharada solta e moderninha, não é todo dia que se acha um lobo heterossexual dando sopa.
A profundidade filosófica desta letra também se aplica ao fato de que nas entrelinhas desta inteligente composição encontramos referências a Hobbes, filósofo para o qual "o homem é o lobo do homem".
Poderíamos adotar uma interpretação sexualizante ou homossexualizante, porque "o homem é o lobo do homem", logo, devora à sua própria espécie, ao seu próprio semelhante, é inimigo dos seus iguais, o que não parece se aplicar a este lobo especificamente, que é macho e bem resolvido.
Educadamente, o sujeito lírico não segue a Chapeuzinho sem o seu consentimento, denotando a aquiescência da moça para tudo o que a partir dali acontecer. Por isso ele pergunta: "Chapeuzinho, onde você vai? diga aí, menina que eu vou atrás". Contudo,o lobo confuso não concatena bem suas proposições e quando é a Chapeuzinho que, num volteio articulado com a oralidade baiana chega a dizer; "oxe, para quê você quer saber?", ele simplesmente diz: "Eu sou o lobo mau - au, au!", resposta totalmente incongruente, desconectada da pergunta. Aliás, lobo mau, au-au,parece ser a onomatopéia errada porque lobos uivam, não latem.
Mas vai que o criador da poética letra queira dizer que sob a pele do lobo, assim como sob a pele da maioria dos homens, esconde-se um tremendo de um cachorro? sei lá...
Interessante é, pois,notar que a "merenda boa bem gostosinha" é sempre preparada pelas familiares da Chapeuzinho, todas mulheres, o que confirma a vocação heterossexual do lobo e seu desprendimento em relação à idade destas mulheres, pois que ele pretende comer a merenda boa da Chapeuzinho, da mãe dela (que provavelmente está na Idade da Loba) e da vovozinha, pois esta pode dar um bom caldo.
E agora a gente sabe porque certas narrativas entram para os cânones da literatura e outras não: não se pode negar a Escola dos Tempos, a forma como cada geração faz permanecer viva a mesma história contada, ouvida, lida, discutida. E neste ínterim, não é possível descuidar que a música baiana faz reverberar histórias e narrativas em que se contemplam tantos os clássicos da literatura infantil quanto as modernas HQ, como agora ocorre com a Liga da Justiça.
É preciso ver que há um alerta nessas músicas, além de importantes convites à reflexão sobre heróis e vilões; frente à violência que não poupa nem a Mulher Maravilha, nem o Superman que, desprovidos de equipamentos de proteção, têm que fugir ("Foge, foge, Mulher Maravilha; Foge, foge, Superman).
E enquanto isso, na sala de Justiça, meus livros me esperam porque eu estou aqui de bobeira e meus dois capítulos da tese não estão prontos.
P.S.: Procura-se um lobo mau, com bons olhos, bom nariz, boas orelhas e boca igualmente fantástica. Interessados, passar aqui em casa fora do horário comercial.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Palavras, apenas


Eu estava tomando café, nesta manhã, quando ele ligou para mim - e eu, desatenta, pensando que era Tatiana, atendi sem nem olhar o identificador do celular, quando ele começou a falar meu nome inteiro, seguido de "vulgo, Mara?", com sotaque ABC paulista e tudo, esperando que eu soubesse quem estava falando comigo.
Ora, mas ao meu questinamento ("Quem é, por favor?!"), ele disse:
- "O cara em quem você deu um bolo!"
Ora, mas mesmos com os meus "mas..mas", falei logo o nome dele, toda sem jeito.
E conversamos muito, de uma maneira até que eu nem achava possível - é , não ponho fé na importância que os homens dão aos encontros, às mulheres - e foi excelente falar com ele, saber que ele ainda me espera.
Eu tinha viagem marcada, reserva em hotel, roteiro e tudo, uma semana atrás. Mas eu não fui.
Senti saudades de São Paulo e coincidentemente ele ligou para mim, vejam só, que incrível!
Eu respeito tanto as pessoas que me deixam feliz, a cada uma dessas pessoas que acrescentam uma expectativa ou um prazer à minha vida...
Assim fazemos cada capítulo de nossa vida, na cotidianidade, nos dissensos e consensos entre o ideal e o possível - e sobre o ideal e o possível vou aprendendo.
Aliás, esta é uma pauta tão importante, isso de ponderar entre o que queremos, o que idealizamos e o que podemos ter, efetivamente.
Mas houve um tempo em que eu não me contentei com menos do que aquilo que eu merecia. E tem sido assim até hoje, quando não quero "migalhas dormidas do teu pão, /raspas e restos..."
Por isso eu falo apavorada sobre paixão, algo muito superior às forças da gente - amarras que prendem e viciam. E talvez seja o momento de ver que ainda há receio e luto dentro de mim, e se não houvesse eu não citaria sempre o Ex-Grande Amor da Minha Vida, de modo a que eu não queira mais nenhum sentimento grande por ninguém.
Vi o amor como um problema e vi que a vida sem problemas desta ordem é bem mais calma - e sempre tenho fugido, admitidamente, das amarras e dos problemas.
Minha analista me disse, outro dia, que quanto ao apego não há repelente, porque você não percebe que já se apegou a não ser quando é tarde demais.
É que deixar a gaiola, as amarras e todo o resto me deixou com receio de me lascar de novo.
Quem ama se lasca! Não vou procurar palavras bonitinhas e comedidas para dizer isso.
Quando vi que seria assim com todas os homens que eu já citei aqui, seja declarando o nome, seja colocando as iniciais, resolvi que seria melhor o contato esporádico ou nenhum contato. E ponto final, que aliás, são reticências.
E se há uma emoção nova, se há um novo sol brilhando no meu dia, se há uma lisonja naquela conquista incrível que nem eu acredito ter sido capaz, levo tudo como pequenos adereços do meu ego, repetindo, infelizmente, o que já fizeram comigo. Mas sou cuidadosa, afetuosa e presente com meus contatos, não uso as pessoas e todas elas têm significado para mim.
E para ele, Cássia Eller que diga por mim, Palavras ao vento:

Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva
Minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será
Palavras apenas
Palavras pequenas
Palavras
Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva
Minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será
Palavras apenas
Palavras pequenas
Palavras, momento
Palavras, palavras
Palavras, palavras
Palavras ao vento
Palavras, palavras
Palavras, palavras
Palavras ao vento
Palavras apenas
Apenas palavras pequenas
Palavras...

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Põe-me as mãos nos ombros


Põe-me as mãos nos ombros...
Beija-me na fronte...
Minha vida é escombros,
A minha alma, insonte.

Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê
E vê tudo estranho.

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão
Viver é sabê-lo.

(Fernando Pessoa - citado e repetido, por meras saudades de umas certas mãos)

Gato e sapato


Esta aí da foto sou eu, claro, mas não olhe para mim: olhe para a minha paixão!
É, estou pisando sobre ela: minha paixão são os meus sapatos e é sapato em geral e este em especial.
Esta foto foi tirada em 27 de julho do ano passado, num stand da Sony, no Shopping Salvador.
Estes sapatos, coitados, não existem mais. Quer dizer, mais ou menos: o cachorro roeu o pé direito do par (foi o direito mesmo?). Roeu destruindo, coçando as gengivas no salto, estraçalhando o couro que reveste o salto, fazendo buracos ao longo do sapato, do bico ao calcanhar... e era a segunda ou terceira vez em que eu o usava.
Ninguém poderia fazer nada, mas eu tentei adquirir outro: não havia outro. Tudo esgotado, na loja, nos sites...
Lembro que eu chorei tanto que fiquei com dor de cabeça, que liguei desesperada para os meus amigos, que sem entenderem minha voz, pensavam que o meu cachorro tivesse morrido.
Meu tio guardou os sapatos - o roído e o intacto.
Achei que fosse uma questão cósmica tudo aquilo, já que minha amiga que nem usa salto esteve em minha casa e calçou o bendito, porque eu havia deixado o par na sala para limpar e colocar para secar na janela. Como a janela tem grades, eu nunca imaginei que o cachorro fosse avançar e destruir meus queridinhos.
Para as fatalidades procuramos explicações que não há. Só há o fato: coloquei na janela e o cachorro destruiu.
Bater no cachorro não resolveria e além disso eu sei que ele é irracional, não destruiu o sapato para me fazer mal. Nada há a fazer, então.
O caso é que semana passada eu encontrei os meus sapatos no Mercado Livre.
Exatamente o mesmo e um único par exatamente do meu número: 37.
Eu não comentaria nada até que o sapato chegasse, tamanho o medo de que algo acontecesse a ele. Mas, eis aí o meu Carmen Steffens, off white zebrado, lindo, lindo, lindo e desejado.
Adoro sapatos, sou louca por sapatos, sou uma assumida centopéia - tenho é inveja da centopéia que tem a possibilidade de ter 50 pares de uma só vez.
Houve um tempo em que eu tinha medo de usar sapatos de salto. E ter medo não significa não ter o desejo. E foi assim que eu me resolvi.
E como as coisas do coração andam melhorando bastante - será Santo Antônio me agraciando? - espero ter uma oportunidade toda especial de usar estes sapatos para comemorar o reencontro com minha paixão (que fique bem claro: minha paixão são os sapatos, apenas eles...pelo menos por enquanto...se me apaixono, me fazem de gato e sapato).

terça-feira, 10 de maio de 2011

Um caso de saudade


Há umas saudades que nos tomam de assalto. E hoje eu senti muitas saudades de Allan e de Campinas.
Acho que foi a mais gostosa sensação que eu tive nos últimos tempos tudo o que eu vivi ali.
Saudades do abraço, do corpo, da cumplicidade, da companhia, do encontro, do beijo, da cara dele que às vezes eu encontro em outras caras.
Às vezes eu mensuro a importância dos meus relacionamentos a partir da intensidade com que eu os vivo, a partir das coisas que eu vivencio, da forma como alguns deles se inscrevem em minha história...
Fiquei com a imagem dele em todas as noites em que a gente namorou no Taquaral e em especial com a cara sonolenta dele, ao acordar às três da manhã e ir me ver no hotel, na véspera de minha volta... e eu, toda racional, não cedi aos pedidos de ficar mais um dia; assim como antes não havia cedido a ir a uma festa com ele na UNICAMP, porque eu tinha acabado de conhecê-lo - daí a minha aceitação da máxima que diz que a gente se arrepende bem mais daquilo que não fez. Ah, que arrependimento!
Eu tinha passagem comprada para São Paulo no último dia 30/05,semana passada, mas não fui.
O caso agora é que estou com saudades de Campinas e de São Paulo - sentindo falta das caras que eu nunca mais vi e daquelas que eu ainda vou conhecer.
Anteontem eu estava vendo um documentário no Canal Brasil e reconheci na hora umas ruas de Campinas - e bateu saudades das cantinas, de Felipe, dos meus amigos temporários da UNICAMP, da soprano lírica da Livraria Cultura, tão gente fina, tão prestativa comigo, Bárbara; de Helen e das duas Alines, em nossas peregrinações no campus e no Iguatemi, nas conversas sobre os Beatles e sobre o show de Paul MCartney a que eu não iria, dali a poucos dias...deu saudades da própria estrada que separa São Paulo de Campinas - e dos chocolates quentes do aeroporto Viracopos,quando eu chego e quando eu vou embora.
Ah, um soneto, Pessoa. Ah, um outro soneto, Soneto da saudade:
Quando sentires a saudade retroar,
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada dia está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungido
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábio sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.

Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos
Sempre que, juntos, a emoção que partilhamos
Nem a distância apaga a chama da paixão...


(Dizem que este soneto é obra e graça de Guimarães Rosa...)

Pocotó!


É, virou purpurina, raio-laser, enfim, ofuscou a Constelação a nossa queridísisma Lacraia!
Meu amigos cult e metidinhos que costumam ler os meus posts vão fazer carinha de paisagem, vão fingir que nem sabem o que é funk, vão execrar minha homenagem a esta pitoresca pessoa que deixou nosso Planeta.
Decerto, eu ando abalada, me sentindo a verdadeira viúva de Bin Laden. Ah, coitadinho do barbudo! e depois desta ocorrência, nem sei o que será de mim!
Mas, eu nem acreditei quando ouvi no noticiário; "Morreu hoje a dançarina Lacraia"! para mim ela era uma respeitável Centopéia, engraçadíssima, rebolativa, alegre, bem parecida com meus amigos gays sonsos quando tomam umas e escancaram as portas dos armários.
E para os malvados que estão aí dizendo: "Morreu? antes ela do que eu", ela deve estar no além, "Mandando um beijinho/Pra a titia e pra vovó"...

After drink


Para vocês que pensam que eu vivo inventado coisas, está certo, eu admito: o nome do saquinho para vômito que a gente recebe nos aviões não é saquinho vomitório.
Mas agora um bar adotou a nomenclatura que eu uso e eu sugiro a todos os outros bares, especialmente aqueles que são frequentados pelas minhas amigas, que adotem o modelo vomitório em lide.
Sim, eu tenho amigas pé de cana, fubuia, pudim de cana, canabrava, gente que chama o Hugo e vomita tudo no final da noite - antes de serem minhas amigas são potenciais consumidoras.
Estão vendo? o mal é o que sai da boca!
P.S.: Especialmente dedicado a Cléo. E a Leandra, vice-miss-fubuia 2011.

A solução perfeita


Nesses tempos de cavernosos desesperos, de runas, baralhos, tarôs, tarados, cartomantes, astrólogos, espíritas, ciganos made in China, videntes e afins, em que cada um desses profissionais, quando mulher, se intitula Professora; e quando homem, se intitula Pai, eu fico é com medo de me declarar professora.
Vai ver que é por isso que vivem me perguntando sobre o futuro da Educação. Ora, vá perguntar à cartomante, que tudo sabe e tudo vê.
Aliás, esse povo todo que se intitula professor é que entende de Educação. Se resolveram trocar as bolas, fica assim: eu adivinho o futuro e a galera esotérica trata da educação, certo? afinal, na prática docente não me faltam certas assombrações, encostos, espíritos de porco e outros fenômenos que fazem qualquer profissional da área começar a ver coisas.
Educação, no Brasil é coisa do outro mundo, viu?
Mas, veja neste anúncio a solução para o seu problema!
Eu, que não trago a pessoa amada de volta em três dias, nem faço ninguém perder 10kg em uma semana, proponho o seguinte adesivo para carro: Perca dinheiro agora. Pergunte-me como!
Veja que o sujeito deste anúncio que eu pesquei lá no Kibeloco resolve tudo, cura tudo, exceto problemas relacionados à gramática. Então, se sequestraram a lógica e assassinaram a gramática, o cara não fornece pista nem soluções.
Pessoalmente, acho que ele é o principal suspeito!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ainda para C.


Ah, um soneto!

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava...e onde diabos estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...

(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa)

Weekend


O fim de semana foi bom, mas foi cansativo, no sentido de que a toda hora eu estava saindo.
Na sexta nós quatro (eu, Paty, Cléo e Dominique) saimos para dançar na The House, já à meia-noite.
Lá estava uma testosterona só, graças a Deus! Parece que soltaram todos os bonitões que esta cidade não tem e os puseram ali, na festa.
As meninas funcionam movidas a cerveja - e, como sempre olham para a minha cara de alien, pulando e me lascando de dançar, à base de água de coco. E aí, no segundo balde de cerveja (porque elas compram uns baldinhos cheios de longnecks), Cléo passou de baiana a oriental e, com aqueles olhinhos apertadinhos,descreveu um tortuoso caminho até o banheiro, de onde saiu com o vestido rasgado e uns olhos vermelhos, o que foi motivo para nossos comentários maldosos.
Cá entre nós: ela ficou tri-bêbada, sem coordenação motora e foi "chamar o Hugo" no vaso sanitário da boate, mas não admite. Daí que saiu o Dj e entrou uma banda de música brega sertaneja que tocou até Amado Batista ("No hospital, na sala de cirurgia..."), o que determinou nossa saída da festa imediatamente.
Lá vamos nós ao Jeca Total: os maconhistas e os maconheiros de sempre, às três da manhã; gente doida, mulheres de graça em busca de diversões sexuais; drogados em geral, que vieram do pó e buscavam pó para cheirar no banheiro; três ou quatro rapazes normais ortodoxos cristãos numa mesa do canto; fumaça, muita fumaça; e nada de comida.
Às três da manhã, sob uma chuvinha desanimadora, não havia comida no Bar.
Dominique e Paty, perplexas com o lugar, olhavam para Cléo e para mim, reclamando do ambiente - e a gente rindo da situação e das caras perplexas, do tipo: "O que é que eu estou fazendo aqui?".
Em zique-zague, caimos fora e arrastamos o carro ( arrastamos mesmo, bem devagarinho, a uns 30km por hora), até o Habib's, onde já às quatro da manhã poderíamos achar comida.
Achamos.
Comemos.
Cléo deu uns vexames, se desvencilhou da gente após o lanche, foi ao banheiro e voltou vinte quilos mais magra, porque chamou o "Hugo" e todos os trocadilhos e onomatopéias vomitórias que se possa ter.
Mas saiu na pose...trôpega, mas na pose.
Fui para minha casa e ainda consegui assistir Anos Dourados às quatro e meia da madruga, porque perdi o capítulo de sexta-feira à noite. Então dormi às cinco e meia e só acordei ao meio-dia e meia. E mal eu ligo os telefones, me vem a enxurrada de gente me perguntar sobre meu suco de cenoura e se eu tinha Engov em casa...
Meus livros me esperavam na sala, já em cima da mesa, mas aí Tella apareceu e aí blablabláblábláblábláblá a tarde inteira - e nem livros, nem almoço.
Saimos para o shopping numa noite de sábado véspera de Dia das mães - tudo cheio e Tella com disposição para paquerar o manobrista realmente tesudo que estava na área.
Não sei o que fizemos por lá, exatamente, a ponto de sairmos às 23h30min - acho que o tempo parou porque eu fiquei mumificada ante minha própria inconsequência em comprar os lindíssimos sapatos que eu desejava, mas que, com certeza, fizeram um rombo em minha conta, abalaram meu orçamento.
Pausa: andei fragilizada porque acho que meus sentimentos se deixam coagir pelos meus hormônios. Então liguei para Léo, que só estava esperando por isso para soltar os cachorros em mim, porque realmente eu andei pisando na bola. Aquele meu desespero de causa era obra dos meus hormônios - os mesmos que me fazem acordar beijando o travesseiro e sonhar com C. E esclareço: tenho um orgulho de dois metros e trinta e por isso não consigo colocar em pauta meus assuntos reais com C., nem ter um "cara-crachá" com ele. Léo, que não é tão bobo quanto foi, procurou ser evasivo, mas não perdeu a chance de me devolver os agravos que eu mesma fiz contra ele.
Tella, ao meu lado, com seus problemas com o crente-cafajeste de sempre. Deus salve os Adventistas!
Eu estava com fogo no espírito para sair para dançar de novo, apesar de ter bocejado desde que saí da cama. Mas o povo estava devagar e minhas amigas foram fazer D. R entre si e, depois, F.M.D.O. na casa de Paty.
Fugi, vim dormir e tive sossego até às 10 da manhã do domingo, quando eu lembrei que tinha que ir ao amoço da Família Buscapé, no Dia das Mães.
Aí foi aquela peregrinação: Jeguerina Master não fez a reserva na Cantina Aprille; fomos a outros três restaurantes e nada de vagas; fomos ao Feira VI e nada de alternativa. Por fim, almoçamos num rodízio de Posto de Gasolina na Cidade Nova.
À tarde, eu e mais duas amigas fomos ao Vanille Cafetière.
Os livros continuavam me esperando...aí, que dor na consciência!
Após mais de duas horas de bláblábláblábláblábláblá, voltei para minha casa - com a rua tomada de carros que saíam do estádio lotado e uns machistas gostosos que me gritavam gracinhas enquanto eu abria o portão de casa - ah, meus hormônios!
Abri meu livro, com fome mesmo, porque eu juro que adoro estudar.
Leio porque gosto e neste caso, então, vou dizer:esses volumes de Paul Ricouer eram meu desejo de consumo intelectual e estavam esgotados e indisponíveis para venda.
Ocorre que fizerem um box comemorativo, lindíssimo, com os três volumes de Tempo e Narrativa
, cujo conteúdo tem tudo a ver com a minha tese e eu, sinceramente, gosto da temática.
No volume I, onde eu estou, Ricouer começa a tratar do tempo no livro XI das Confissões de Santo Agostinho e através de um enredamento teórico fantástico com Aristóteles, elucida várias questões acerca da narrativa, do tempo e da narrativa histórica. O problema é que eu gosto de estudar, eu gosto desse livro, eu gosto do autor e é um prazer, antes de ser uma obrigação, ler a obra em todos os seus três volumes.
Mas meu final de semana é complicado de visitas e de amigas, que também sabem fazer chatagem emocional como ninguém, tipo essa, agora, que me impele a ir ao aeroporto daqui a duas horas, porque eu sei que ao deixar uma delas no aeroporto, a outra voltará trêmula de tanto chorar.
E eu bem me aproveito para não perder a cabeça com C., para não ceder nem aos hormônios, nem aos sentimentos, nem às tentações.
E este foi meu final de semana.

domingo, 8 de maio de 2011

Para C.


" E agora não estou tomando tua mão para mim. Sou eu quem está te dando a mão.
Agora eu preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo será, no começo, tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor. Como eu, não terás medo de agregar-te à extrema doçura enérgica do Deus. Solidão é ter apenas o destino humano.
E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só. Ah, precisar não isola a pessoa, a coisa precisa da coisa: basta ver o pinto andando para ver que o seu destino será aquilo que a carência fizer dele, seu destino é juntar-se como gotas de mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele tenha em si próprio uma existência toda completa e redonda.
Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão."
(LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco,1998, pp.169-170)