Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A melhor terapia


Outra do analista de Bagé
Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé, mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como “freudiano barbaridade”. E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço.
Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, “só se bate pra descarregá energia”. Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.
- Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.
- Ai! – diz o paciente.
- Toma um mate?
- Na-não... – geme o paciente.
- Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.
O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:
- Agora, qual o causo?
- É depressão, doutor.
O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.
- Tô te ouvindo – diz.
- É uma coisa existencial, entende?
- Continua, no más.
- Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico...
- Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.
- E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.
- Pos, vamos dar um jeito nisso agorita – diz o analista de Bagé, com uma baforada.
- O senhor vai curar a minha angústia?
- Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.
- Mudar o mundo?
- Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.
- Mas... Isso é impossível!
- Ainda bem que tu reconhece, animal!
- Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.
- Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda.
- Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta...
- Escuta aqui, tchê: Tu te alimenta bem?
- Me alimento.
- Tem casa com galpão?
-Bem... Apartamento.
- Não é veado?
- Não.
- Tá com os carnê em dia?
- Estou.
- Então, ó, Bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.
- O Freud não me diria isso.
- O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?
- Não.
- Então te fecha. E olha os pés no meu pelego!
- Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo.
- Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:
- É pior que joelhaço?

(VERÍSSIMO, Luís Fernando. O analista de Bagé. Record/Altaya: Rio de Janeiro, s/d)

P.S.: Joelhaço é mesmo uma pancada no joelho; veado quer mesmo dizer homossexual e Bagé é aquela cidade do Rio Grande do Sul, caso tenham restado dúvidas.
Postagem especialmente dedicada aos meus amigos mais íntimos e problemáticos.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Depois dos pecados


Depois do pecado sempre vem o dilúvio. E se o salário do pecado é a morte, sei bem que fiz hora extra e terei que aguentar os duros acréscimos no salário.
O dilúvio já veio.
Sábia é a voz do meu amigo Jota Neto me dizendo, a seu modo,há tantas semanas atrás, que eu procuro a repetição. Então ele sentencia: "Ele é igual ao dentista!". Acertou!
Ele é igual ao dentista em tudo de mal, em todos os piores defeitos - sinal de que sim, eu repito.
O dentista em questão é Thales, meu profissional ortodôntico preferido, que sempre me hipnotizava com aqueles olhos cor de violeta, que me paralizava com a beleza dele, aquela réplica de Hugh Grant, com uns 15 anos a menos de vantagem sobre o original.
E ali era o problema: namorar um homem lindo é um problema, até porque sou uma simples mortal enquanto ele é um deus. O encontro entre deuses e mortais alimentou todas as tragédias gregas.
Mas, Thales passou.
E era um vício tão perigoso este "estar-se preso por vontade", embora eu fosse lá consciente de que ele adorava que eu fosse instrumento da vaidade dele, que quando eu resolvi que era hora de extirpar o vício, saí cortando tudo - só me restaram os pulsos, que eu não cortei por me amar demais, apesar das burrices que eu cometo contra mim mesma. E cortei Thales de minha vida, das redes sociais, das coincidências do dia, das possibilidades de cruzarmos um mesmo caminho.
Mas, de fato, eles são muito parecidos - não fisicamente, porque eu reconheço que repito meus namorados, são em série, todos iguaiszinhos, sequenciais...até que depois algum outro quebre a sequência e comece outra.
Mas, em tempo de pecados e tentações - Por quê erro tanto, meu Deus? - desço eu mesma um dilúvio de impropérios, cobranças, ódios, faço a casa cair, digo absurdos, exponho verdades, quebro a mesa, parto os vidros, estilhaço cristais, solto os bichos, falo, grito, me exaspero, digo que nunca mais, mostro que não é assim, aciono terremotos, revolto as águas dos rios, disparo raios, não atendo, não respondo, não ouço, não estou, não quero,contesto, duvido, exijo, destruo... Ele olha em silêncio para minha cara, num silêncio aquiescente e diz: "Eu te adoro!".
Perco o senso. Perco tudo. Estou perdida.
"Seu corpo combina com o meu jeito,/nós dois fomos feito muito para nós dois,/não valem dramáticos efeitos, mas o que está depois..." - eu já conheço isso, eu já sei a trilha sonora.
Ou seria outra?
Dê amor, dê paixão.
Dê espera, dê esperma
Dê prazer, dê fogo,
Dê uma nela, de carinho,
De sacanagem, de sarro, de fato,
Dê amor, dê segurança,
De anca na anca dela
E amanheça de cabeça dentro dela
Dê amor, dê paixão
Dê espera, dê esperma
Dê prazer, dê fogo,
Dê uma nela, de carinho,
De sacanagem, de sarro, de fato,
Dê amor, dê segurança,
De anca na anca dela, cadela
E amanheça de cabeça dentro dela
E amanheça de cabeça dentro dela
E amanheça de cabeça dentro dela
E amanheça de cabeça dentro dela.

(Fernando Deluqui/Cérebro eletrônico - Dê)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ele


Pavão misterioso,
Pássaro formoso.
Tudo é mistério
Nesse teu voar
Ai, se eu corresse assim;
Tantos céus assim,
Muita história
Eu tinha pra contar...
Pavão misterioso
Nessa cauda
Aberta em leque
Me guarda moleque
De eterno brincar.
Me poupa do vexame
De morrer tão moço
Muita coisa ainda
Quero olhar...
Pavão misterioso,
Pássaro formoso,
No escuro dessa noite
Me ajuda a cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!
Que não é certo não...
Pavão misterioso
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar...

(Ney Matogrosso - Pavão misterioso)

O óbvio


Não, não há nada a declarar, nem resultados imprevisíveis, nem tecla de retrocesso, nem conserto, nem reparo, nem jeitinho,nem Engov para ressaca moral, nem ombro amigo, nem oração forte, nem bebida eficiente, nem remédio infalível, nem jeito que dê jeito, nem surpresas, nem em quem colocar a culpa ( ela é toda minha)...
"A única maneira de se livrar de uma tentação é ceder-lhe. Resistamo-lhe, e a nossa alma adoecerá de desejo do que proibimos a nós mesmos, do que as suas leis monstruosas tornaram monstruoso e ilegítimo. Tem-se dito que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. Também é no cérebro, e só nele, que ocorrem os grandes pecados do mundo".
(Wild, Oscar. O retrato de Dorian Gray.São Paulo: Martin Claret, 2001, pp.28-29)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Caindo em tentação


Acabei de cair em tentação em corpo, alma e pensamento e, embora não tenho feito mal a ninguém, o fiz a mim mesma porque fiz aquilo que sabia que não deveria ter feito. Então, só me resta honestamente me reportar ao Salmo 39:

1 Disse eu: Guardarei os meus caminhos para não pecar com a minha língua; guardarei a minha boca com uma mordaça, enquanto o ímpio estiver diante de mim.
2 Com silêncio fiquei qual um mudo; calava-me mesmo acerca do bem; mas a minha dor se agravou.
3 Encandeceu-se dentro de mim o meu coração; enquanto eu meditava acendeu-se o fogo; então com a minha língua, dizendo;
4 Faze-me conhecer, ó Senhor, o meu fim, e qual a medida dos meus dias, para que eu saiba quão frágil sou.
5 Eis que mediste os meus dias a palmos; o tempo da minha vida é como que nada diante de ti. Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é totalmente vaidade.
6 Na verdade, todo homem anda qual uma sombra; na verdade, em vão se inquieta, amontoa riquezas, e não sabe quem as levará.
7 Agora, pois, Senhor, que espero eu? a minha esperança está em ti.
8 Livra-me de todas as minhas transgressões; não me faças o opróbrio do insensato.
9 Emudecido estou, não abro a minha boca; pois tu és que agiste,
10 Tira de sobre mim o teu flagelo; estou desfalecido pelo golpe da tua mão.
11 Quando com repreensões castigas o homem por causa da iniqüidade, destruís, como traça, o que ele tem de precioso; na verdade todo homem é vaidade.
12 Ouve, Senhor, a minha oração, e inclina os teus ouvidos ao meu clamor; não te cales perante as minhas lágrimas, porque sou para contigo como um estranho, um peregrino como todos os meus pais.
13 Desvia de mim o teu olhar, para que eu tome alento, antes que me vá e não exista mais.

O tempo da tese


Há quem não entenda porque os meus capítulos não acabam nunca. O caso é que eles não acabam porque, agora que parei de andar em círculos, isto é, parei de passar pelos mesmos pontos e toda hora dizer a mesma coisa sem perceber, começo a me aprofundar em cada uma das partes. E acontece de as coisas ganharem fôlego.
É muito difícil tratar de um tempo que dialoga com outros tempos, que vai do passado e antevê futuros, especiamente porque se trata das configurações da nacionalidade brasileira e da portuguesa.
Neste ínterim, a minha vida prática e seus dilemas: trabalhos, relacionamentos, desejos, saudades, corporeidade, decepções, ansiedades, fantasias, bobagens e futilidades.
Enquanto a pesquisa segue, o mundo gira, de forma que a ficção se concretiza na realidade ou a desmente; e mesmo há poucas ocasiões em que a realidade desmente a ficção, mas em tempos de grandes crises econômicas na Europa, não se pode se furtar a dar os devidos créditos às ficções e às suas metáforas (mais próximas de profecias do que de processos imaginativos).
E então tenho um capítulo que trata especificamente sobre o tempo. Num momento é o tempo nos romances de Antônio Lobo Antunes e de Torero e Pimenta e daí que me apeguei no Paul Ricouer, em duas obras distintas, distribuídas em quatro volumes. E dei de cara com isso:
É em termos de lapso de tempo que "concedemos" um tanto de tempo, que "empregamos" bem ou mal nosso dia, esquecendo que não é o tempo que se esgota, mas nossa preocupação, a qual, ao se perder entre os objetos do Cuidado, também perde seu tempo. Somente a resolução antecipadora escapa ao dilema: sempre ter tempo ou não ter tempo. Somente ela faz do "agora" isolado um autêntico instante, um piscar de olhos (Aurnblick), que pretende conduzir o jogo, mas se contenta em "manter-se" (ständigkeit). Nessa manutenção consiste a constância de si (Selbst-Ständigkeit) que abarca futuro, passado e presente, e funde a atividade despendida pelo Cuidado com a passividade original de um ser-lançado-no-mundo" (RICOUER,2010, p. 142)
Esta passagem está no volume III de Tempo e Narrativa e, não obstante ser complicado perceber e esmiuçar o intrincamento filosófico tomado de empréstimo a Heidegger, tudo aí fascina a minha ignorância.
Acho que leio e produzo melhor quando interrompo o ciclo do desespero da responsabilidade e saio um pouquinho.
Seja pela ressaca moral de ter abandonado a obrigação, seja pelo gás que em vem da diversão, o certo é que dois dias depois tudo se faz melhor.
Dois dias depois porque perco a noite na festa. A festa foi sábado e não houve chato persistente que me pudesse dissuadir de ir lá.
O dia seguinte passo sonolenta e então durmo e, no outro dia, acordo inspirada, lendo melhor e depreendendo melhor o que li.
Se bem que ver os Cavern Beatles só tenha me mostrado que a Rock Forever é bem melhor e que a Groove, seja em que dia for, é sempre entupida de gente, aproveitei o que pude, com a ajuda do DJ que tocou os melhore sons possíveis.
Adoro qualquer cover dos Beatles, apesar de tudo.
Minhas amigas que fixaram residência na Ilha de Lésbos não foram comigo. Resolveram se enfiar em seus redutos temáticos - e eu, que já não vejo heterossexuais na vida comum, não iria a redutos GLBTTTT e quantos T mais couberem , além daquele povo que transa com todo mundo, os Intersexuais (nome elegante para tarados depravados, diria a minha avó; mas a vida é isso e, antes que a Terra nos coma, melhor comer os outros e ter o que contar depois, diria o meu primo.).
Fui à festa sozinha, dancei, dei risada, conheci uns sujeitos sem-noção-ridículos-patéticos, voltei ao prédio das meninas e, meio desconfiadas, dormimos na sala - Patrícia e eu, únicas remanescentes heterossexuais femininas, descendentes diretas das tribos pegagato e papapau, do sudeste do Brasil.
Dormimos desconfiadas porque, se elas não habitavam a Ilha de Lésbos e jamais estiveram antes lá nem por visita, agora eram residentes. fato este que colocou todas nós em estado de alerta, requerendo constantemente a afirmação de nossa heterossexualidade. Em meu caso é irreversível: não tem solidão no mundo que me coloque para dialogar com o corpo de uma mulher. Já basta o meu!
Bom, a vida prática de quem estuda e trabalha é isso: não vou a festa para resolver os problemas do mundo, nem para discutir que vai assumir a direção do FMI. Vou ser o que sou: um ser humano que estuda e trabalha. E problema dos gênios que eram anti-sociais.Não sou nada genial nem aspiro a ser.
Deixa meu Q.I. de ostra ir à futilidade, rir, dançar, errar, desejar, se cansar, dormir e fazer e falar bobagens: adoro não ser uma máquina nem ter o compromisso dos acertos.
E assim dá super certo para mim: discuto o tempo, na acepção cronológica, subjetiva e estrutural dos romances. E se tudo confluir, ótimo: quem sabe acabo os capítulos inacabáveis? vou escrevendo, em paralelo, capitulos diferentes em minha vida que, em tese, é a mesma.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Beba do momento (a todos os bêbados do momento)


Como de vez em quando acontece, embora eu não vá atrás de festas, as festas vão atrás de mim. E, apesar de minha rinite e de todos os outros fatores que me distanciam de festas juninas – não tomo licor, não gosto de bombas e não sei dançar forró nem qualquer outro ritmo que exija ser dançado a dois – a festa começou a me chamar antes mesmo das 19 horas.
Desde que na minha rua se instalou uma escola de samba e que pelo menos vinte e cinco por cento da agremiação resolveu vir morar aqui, qualquer batizado de boneca é motivo de festa. E fecham a garagem de minha casa, porque têm que interditar a rua, e enfeitam tudo, de cima a baixo, de modo que começo a questionar a masculinidade do meu cachorro mais novo, que fugiu e voltou cheio de colares ou eram coleiras feitas de material de frescura, uma verdadeira alegoria de plumas, lantejoulas, frufrus e purpurinas.
Mas o som estava bom, a dupla que cantava era boa e apesar de eu falar tantas coisas, gosto de qualquer expressão de alegria desde que não descambe para a baixaria. Então, a festa foi na minha rua e eu não precisei sair de casa, senão ficar ali mesmo na frente, dando risada dos bêbados, porque eu os acho muito engraçados. Bêbado, quando não e violento, é muito engraçado.
E tem bêbado de todo tipo: bêbado generoso, que quer pagar a cachaça para todo mundo; Bêbado megalomaníaco, que se diz dono de tudo que há no mundo; Bêbado amnésia, que não sabe quem ele é, nem aonde ele vai, nem o que está acontecendo (é daquele tipo que fala assim: “On co to?” e você tem que entender que ele está dizendo “onde que eu estou?”, no vocabulário etílico); bêbado galanteador, que fica de graça e quer pegar a gente de qualquer jeito; bêbado cantor, que vive ensaiando músicas sem o menor sentido; bêbado persistente, que é o tipo mais comum na minha rua, porque a rua que eu moro é tão grande quanto uma avenida. Os dois extremos da rua formam uma ladeira absurda. Convenhamos, bêbado na ladeira é uma aporia: não tem como resolver isso.
Ficam, então, os bêbados querendo seguir em frente. E como seguir em frente, se a gravidade os puxa para baixo, para a descida da ladeira, enquanto o mundo gira na velocidade do álcool?
Sem coordenação motora, tentam também fazer xixi – no poste, no muro de minha casa, onde for – e se conseguem abrir o zíper, não conseguem seguir adiante no processo. E se finalmente conseguem fazer xixi, não conseguem se recompor. E se há alguma verdade no ditado brasileiro que diz que “c* de bêbado não tem dono”, aumenta a vulnerabilidade desses sujeitos à medida em que não conseguem cobrir a citada parte após fazerem xixi.
Minha amiga me acha cruel porque eu rio dos bêbados: a ela tudo isso desperta pena. Sinto muito, mas acho engraçado e não sou de perturbar os bêbados. Observo tudo e não seria capaz de permitir que nenhum deles caísse num buraco ou sofresse acidentes de outra natureza, mas não me furto a dar risada com eles.
Entendo a minha amiga, porque a vivência dela com os bêbados foi outra, de observar violência e valentia de alcoólatras profissionais e não exatamente de Bêbados eventuais. Para ela, eu rio porque ninguém em minha família bebe e por isso eu me julgo imune. Digo-vos, entretanto, que a lógica é bem contrária a esta: o álcool me tirou tudo.
Desde que as pessoas sabem que eu não bebo, ficam cochichando sobre “como é que eu me divirto”; Quando algum rapaz finalmente se aproxima de mim, vem com um copo de cerveja e me oferece. Uma vez que eu declino da cerveja, os homens me julgam esnobe.
Da primeira vez que C. criou coragem e me chamou para sair, ele disse: “Vamos tomar um drink depois da aula?”. Fiquei vermelha, sem saber o que dizer para não afugentar quem eu tanto queria. Não teve jeito, eu disse que não tomava álcool e ele ficou sem graça, achando que aquilo era um “não” para ele, quando o “não” era para a bebida.
Mais recentemente, L. E. (porque minha amiga fica me enchendo o saco sobre o porquê de eu não escrever o nome de Luís Eduardo, já que ela fica traduzindo para os meus amigos chegados quem é quem neste universo de abreviações) me propôs: “Vamos tomar um vinho?”. Eu juro que eu fico muda, eu não sei o que dizer... mas quando eu quebrei o silêncio e lhe disse que não tomava vinho, o mundo caiu.
E coquetel sem álcool e tudo mais que eu bebo serve é de chacota para as minhas amigas que dizem que drinks sem álcool são sucos. Que humilhação!
Se eu tomasse álcool, minha vida seria diferente: eu iria rir mais, seria menos tímida, talvez perdesse o pudor – meu primo me diz que álcool dá problemas nas pernas das mulheres, que abrem com uma facilidade incrível... Porém, por questões congênitas, álcool me dá sono e mal-estar.
Por odiar o sabor do álcool, resolvi desafiar a mim mesma, em algumas vezes. Nada me converteu em usuária, nada agradou meu paladar – acho é terrível aquela porcaria quente atravessando a minha garganta, queimando, amargo, enfim, Deus me livre! – e o que eu senti foi sono, falta de coordenação motora, a sensação de que havia buracos no chão a cada vez que eu pisava e que o mundo girava rápido demais. E isso com uns 20 ml de álcool, porque toda a minha família é assim, acho que a intolerância é mesmo genética – pai, tio, tia, primos e só não posso dizer de irmãos porque não os tenho, mas ninguém mesmo de minha família é chegado na cana, nem socialmente. E por isso o álcool me tirou tudo, porque eu não pego ninguém, já que os homens preferem as que bebem e, além disso, a bebida dá pretextos e álibi para muitas coisas que a gente quer fazer, mas não pode fazer de cara limpa.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O preço da paz


Me deixa em paz
Que eu já não agüento mais
Me deixa em paz,
Sai de mim,
Me deixa em paz!
Vai...
Hoje o fogo se apagou,
Nosso jogo terminou,
Vai pra onde Deus quiser
Já é hora de você partir
Não adianta mais ficar
(Ivan Lins - Me Deixa Em Paz)


E deixa eu ser mais exata: lá fora está um frio cruel e festivo, porque é São João e a minha rua, assim como a cidade inteira, está em plena festa.
Odeio bombas, não sei como alguém pode literalmente "estourar" dinheiro para ouvir estrondos; detesto fumaça, não tomo licor e do período junino o que eu gosto é da culinária.
Ah, esqueci de dizer: tenho rinite.
Fico aqui escrevendo minhas coisas enquanto o barulho da rua ainda não aumentou. Dei uma pausa nos meus capítulos intermináveis e resolvi me distrair um pouco com as bobagens internéticas que eu gosto.
Então, antes disso tudo eu já tinha planejado ir, neste sábado, a uma festa na Groove, com os CavernBeatles, banda cover dos Beatles, claro, que eu ainda não ouvi.
Minhas amigas habitantes da Ilha de Lésbos já estão em Salvador, mas eu nem sei se elas irão, embora a festa fique a cem metros do prédio.
Acontece que um certo Zé Bonitinho(Oh, meu sagrado Coração de Jesus!), me liga, me manda torpedos SMS, porque ainda acha, ainda pensa que eu estou dando condições a ele,que julga que os meus "nãos" são só charminho e etc. E para reforçar o quadro desanimador, o pitbull problemático parece que andou frequentando esta mesma escola de idiotas.
Sonhei com a festa nesta noite, estou cem por cento concentrada, querendo sair no sábado...aí presumo que os malas vão me irritar e me desgastar a ponto de comprometer meu bom humor e minha disposição para sair.
Ah, me deixa em paz!

Avião


Pode quebrar, sofrer,
Cair, descer,
Contorcer de dor,
Não vou mais me prender a você,
Fazer o mesmo show.

Vou bater na porta da vida,
Receber e pagar
Sem ter que me entregar a ninguém.
Seu muito pra mim é pouco,
Eu quero a paz de viver solto
Vai dizer que sou outro.
Sou não,
Eu me cansei de ser seu avião
Não vou voar, não
Dessa vez.
Pode quebrar, sofrer,
Cair, descer,
Contorcer de dor,
Não vou mais me prender a você.
Fazer o mesmo show
Vou bater na porta da vida,
Receber e pagar,
Sem ter que me entregar a ninguém.
Seu muito pra mim é pouco
Eu quero a paz de viver solto
Vai dizer que sou outro,
Sou não.
Eu me cansei de ser seu avião,
Não vou voar, não
Dessa vez
Pode quebrar, sofrer,
Cair, descer,
Contorcer de dor,
Não vou mais me prender a você,
Fazer o mesmo show.
Vou bater na porta da vida,
Receber e pagar,
Sem ter que me entregar a ninguém.
Seu muito pra mim é pouco
Eu quero a paz de viver solta,
Vai dizer que sou louca
Sou não
Eu me cansei de ser seu avião
Não vou voar, não
Dessa vez
É pouco,
Eu quero a paz de viver solta
Vai dizer que sou louca,
Sou não.

Eu me cansei de ser seu avião
Não vou voar, não
Dessa vez.


(Leny Andrade/Djavan - Avião)

Gente interessante


Há um desgaste semântico tão sério sofrido pela expressão "formador de opinião" que a gente já não leva em consideração o que está sendo dito. O certo é que dizer: "legal!"; "Gostei"; "Também acho" e "Interessante!" pelo menos para mim, não expressa opinião nenhuma. No máximo, exprime simpatia ou antipatia acerca de algum assunto. Em suma: isso está longe de exprimir um juízo sobre qualquer coisa.
Mas, para mim, dizer de algo ou de alguém: "Que interessante!" é, de fato, mostrar o quanto eu estou interessada.
Não é interesse sexual, é interesse mesmo - algo que nem chega perto da curiosidade maléfica pela vida alheia, nem se aproxima de conotações outras, de malícias variadas. Se alguém desperta o meu interesse, fico alerta, disparo querendo saber o máximo que eu puder pela pessoa.
Minha amizade com Tati começou a partir de quanto eu a achei interessante. E olha que em princípio, nós éramos distantes. Hoje, estou aqui morrendo de saudades de São Paulo e de Petrópolis,mas sem Tati faltaria alguma coisa, porque as pessoas interessantes parece que tornam todos os lugares e situações mais interessantes ainda.
Externamente, Tati parece uma evangélica das mais rígidas: se veste cobrindo o corpo inteiro; fala pouco; é discreta...mas ao abrir a boca, aquele tesouro que é a inteligência, se mostra. E o aparente moralismo se dissolve na hora: foi ela quem me aconselhou a adotar a fórmula do Carcará, porque ficou pasma por eu ser tímida, ser sem jeito e ser dependente da iniciativa masculina sempre, sendo incapaz de retribuir adequadamente a alguma investida.
Ela continua sendo uma pessoa interessante - e cá para nós, ela me acha uma chata castradora que fica fazendo seleção o tempo inteiro. De modo que, para ela, eu elimino mesmo os candidatos, quando o normal seria aplicar a lógica do Carcará e descomplicar minha cabeça. E esse negócio de eu gostar dos homens magrelos e clarinhos é, para ela, tão incompreensível quanto é para mim, o fato de que Tati adora os homens orientais e seus descendentes.
E por eu gostar de gente interessante, estou bastante interessada na vida de um determinado ser humano - se eu pudesse, eu saberia tudo sobre ele: o que ele gosta, o que ele faz, onde ele anda, o que ele quer, como o que ele sonha, o que ele pensa sobre mil assuntos...
Sabe, isso é análogo a consultar um oráculo (coisa que não me atrai nem um pouco, mas é análoga, por que negar?): a vontade de saber.
As pessoas administram esta vontade das mais variadas formas e se querem saber de si e dos outros, recorrem a regressão espiritual, a consultas esotéricas, aos amigos em comum, a uns enredamentos investigativos que mais parece uma versão individual do C.S.I.
Bem, para mim vale tudo, menos cartomante. Eu já disse!
Talvez que a minha busca por respostas seja na analista que, por sua vez, mostra as respostas que estão em mim. Acho que o cerne de tudo é isso: as respostas estão na gente. À medida que a Psicanálise ou a vidência conseguem ler a gente, decodificam esse texto que nós todos somos. Não há milagres: as pessoas acuram suas leituras, só isso.
Os melhores leitores de nós mesmos são os outros. Isso não significa que a leitura será sempre idônea e clara: pense na leitura que os nossos inimigos fazem de nós? e aquele povo que faz a primeira leitura e forma sua opinião de que somos egoístas, chatos, esnobes, antipáticos...e as leituras que são influenciadas por outras leituras? estas,então, um perigo em termos de tendenciosidade:ouve-se uma versão e uma interpretação sobre nós. Esta é uma antecipação, um conceito antecipado ou um pré-conceito, a depender da referência. Se o que ouvimos for bom, antecipamos nossa simpatia pelo Outro; se for um conceito negativo que ouvimos, previamente odiamos o Outro, e daí em processos sucessivos.
Mas eu falo da boa leitura, aquela que se acerca de nós, que olha as linhas, as entrelinhas, os gestos, as imagens, o conjunto - e em se tratando de Psicanálise, a leitura é tão extensa que não prescinde do nosso inconsciente, examinando o interior do texto que somos nós.
E esse meu blablablá vago, só por que uma pessoa me despertou o interesse nesses ultimos dias e eu aqui, louca para saber o que há por trás de um grande homem.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O lado quente do ser


Eu gosto de ser mulher
Sonhar, arder de amor
Desde que sou uma menina.
De ser feliz ou sofrer
Com quem eu faça calor
Esse querer me ilumina.
E eu só quero o amor, nada de menos!
Dispense os jogos desses mais ou menos
Para que pequenos vícios
Se o amor são fogos que se acendem
Sem artifícios?
Eu já quis ser bailarina,
São coisas que não esqueço
E continuo ainda a sê-la.
Minha vida me alucina,
É como um filme que faço,
Mas faço melhor ainda
Do que as estrelas
Então eu digo: amor, chegue mais perto
E prove ao certo qual é o meu sabor.
Ouça meu peito agora
Venha compor uma trilha sonora para o amor .
Eu gosto de ser mulher
Que mostra mais o que sente
O lado quente do ser
Que canta mais docemente
(Maria Bethânia - O Lado Quente do Ser)
E onde já se viu a arte imitar tanto a vida? ah, eu gosto de ser mulher!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Adorável psicose: você liga?


Eu estava assistindo a um episódio de "Adorável psicose" e não apenas ri como me senti como se estivesse em meio às minhas amigas. É que o tema era algo ligado ao fato de que o cara não vai ligar no dia seguinte. Não que já não tenha acontecido comigo, mas é que eu acho que aprendi a me comportar como esses homens. E não é mera imitação de comportamento alheio, porque eu não quero ser homem. Até vou me reportar a "O lado quente do ser', de Maria Bethânia, porque eu gosto de ser mulher.
Contudo, está difícil de eu ligar para algum rolo circunstancial.
Mas,então, foi muito engraçado ver a Natália desesperada porque depois de uma semana saindo juntos o Cláudio Henrique desapareceu.
Escutem, amigas, homens são mágicos: de repente, desaparecem.
E há os homens-rímel: desaparecem ao menor sinal de emoção. E nem tente comprar um rímel à prova d'água: mera ilusão - se você lacrimejar, ele vai escorregar pelo seu rosto e sumir.
Mas, então: quem não quer repetir o que foi bom? Logo, se o cara desaparece, ou ele não quer repetir ou simplesmente, não quer repetir porque não foi bom. E pode ser bom se for apenas momentâneo. Ao se repetir, as coisas se banalizam.
Imagino, porém, que se a pessoa está interessada, sabe te localizar, tem nome, endereço, telefone, caixa postal e seu mapa astral e, se ainda assim, não liga para você, se toca! e nem pense em forçar a barra.
Geralmente os sujeitos têm mil e um casinhos, têm namoradas (uma por semana...pode ter sido aquela a sua semana, né?), têm complicações variadas e simplesmente curtem as situações de forma avulsa.
É claro que a gente projeta nos homens coisas que eles nem têm; a gente sonha, faz planos, conta o tempo...
Ah, se durar mais de um dia já corre o risco de ser namoro.
Mas, pense aí o contrario: aquele sujeito todo-poderoso que atrai todos os nosos instintos Brasileirinhas (kkk!)finalmente caiu na rede.
O cara é ótimo e confirma todas as expectativas.
De repente você percebe algo de intolerável nele; ou de perto ele é nojento e esnobe; ou é vazio e fútil; ou fez Estudos Avançados em cafajestice I, II e III; Fundamentos das Práticas de Pilantragem I e II ou tem rolos imperdoáveis e inadministráveis. Você ligaria para ele?
Sorry, baby, mas tem situações que devem ser únicas mesmo.
Há outras que se tornam encantadoras porque não houve tempo para que se tornassem ruins.
E há algumas que não se repetem porque o cara tem medo de se amarrar e está indisponível interiormente.
Quem me conhece sabe: sou impaciente. E se já não tenho paciência, paradoxalmente, perco aquilo que não tenho, porque minha paciência chega ao limite por qualquer coisa. Às vezes eu sumo porque perco a paciência.
Agora é um desses momentos: não sai para quase nada hoje, exceto para o almoço, porque estou concentrada no texto de Qualificação.
Nada é mais importante para mim neste momento e, francamente, também não amo ninguém e dificilmente amar alguém me desviaria do que tenho a fazer.
(PAUSA DRAMÁTICA: Olha, lembrei que um dos brutos que eu amei achava isso insuportável e que arremessava meus livros do mestrado pelo quarto. Isso é que é violência! Odeio que maltratem meus livros!
Curiosamente, agora notei que sempre há um livro sobre a minha cama...que coisa! e assim foi com aquela história de O futuro de uma ilusão)
Dizem também que aquilo que é nosso não por ser nossa posse, mas porque carrega uma pertença subjetiva voluntária, sempre volta para nós. Acho isso muito Cinderela, mas não me sinto bem forçando a barra com ninguém. Nem tenho saco para viver vigiando o comportamento de nenhum homem.
O fato é que quem quer a gente tem iniciativa de dar sinais de que nos corresponde.
Entendo que é cruel você se sentir descartável, principalmente porque toda mulher precisa de tempo para mostrar ao homem suas qualidades que excedem a grossura de suas pernas, mas isso só é válido quando o outro quer conhecer também.
E aí achei mega-engraçado quando a Natália vai a uma palestra de auto-ajuda e observa um bando de mulheres cantando: "Eu sou uma estrela de luz/e mereço ser feliz (blabláblá)...Morra miserável, sofra miserável".
Poxa, eu já fiz isso: desci a praga! nuns casos eu apenas disse: "Deus te dê o que você merece!"; num outro, eu desci o repertório de pragas e pronunciei silenciosa e interiormente minhas palavras de ódio da mesma forma que Samuel L. Jackson disse aquelas suas palavras lá no Pulp Fiction, sabe?
Quer lembrar? só para arrepiar mesmo? Então, é algo assim:
"O caminho do homem de bem é cercado por todos os lados pelas iniquidades do egoísmo e tirania dos homens maus. Abençoados os que, em nome da caridade e boa vontade, conduzem os fracos pelos vales das sombras, pois ele é o guardião do seu irmão e o que encontra os filhos perdidos. E eu vou atacar com vingança e fúria os que tentarem envenenar e destruir o meu irmão. E quando minha vingança se abater sobre eles saberão que eu sou o Senhor".
Yes, eu adoro Quentin Tarantino.
E para quem tem medo de vingança de mulher, não assista Kill Bill ( que é claro, é de Tarantino).
Mas, poxa, que horror a gente se sentir rejeitada e incorporar os desejos de vingança.
Se há uma coisa que as mulheres sabem pouco é a hora de desistir. E sabem menos ainda administrar o fato de serem preteridas.
Aí, de perseguições a mensagens, simpatias, rezas, novenas, promessas, cestas de café da manhã, acasos forjados, coincidências pré-fabricadas e lingerie sensual, tudo é possível na inútil caçada.
Quando a gente se coloca no lugar do outro é que vê o quanto é irritante você dar de cara com alguém como aquele meu Zé Bonitinho, que não tem a menor noção do que signifique NÃO!
O não pode ser direto ou silencioso. Por quê cortar os pulsos se o que lhe parece maravilhoso não foi maravilhoso para o outro? vai fazer o que, comprar o livro Ele simplesmente não está a fim de você e ler 12 vezes?
Ainda bem que tudo isso é ficção, não é?

domingo, 19 de junho de 2011

Vivendo e aprendo ( e esquecendo tudo depois)


Desde que aprendi este provérbio, não deixo de repeti-lo: "Aos que os deuses odeiam, tornam-no professor". Interessante é ser professor porque voluntariamente aceita-se o castigo.
Gosto de minha profissão, que me dá também muito repertório para rir, que multiplica o pouco que sei, que me põe em contato com gente diferente que, na maioria é bem interessante.
Isso, claro, não encobre o cansaço que vem: das atividades, das reuniões inúteis ou supérfluas, dos horários que parecem sempre feitos pelos nossos inimigos, pela decepção de corrigir trabalhos que são plágios, das mágoas dos alunos injustos que se sentem injustiçados quando o resultado deles são aquém do esperado, das desavenças com os colegas de profissão, das limitações materiais, dos conchavos para beneficiar queridinhos e preferidos de X e de Y, enfim, esta lista realment enão teria fim. Mas, ainda assim, eu gosto de ser professora.
O mais chato é a perda da privacidade real: os alunos esquecem que somos seres humanos como quaisquer outros. Então, se a gente está na praia com um biquíne pouco ortodoxo e dá de cara com alunos, esperem o resultado; se a gente é professor de universidade e der uns pegas em alunos de outros cursos, de outras faculdades ou for flagrado namorando no cinema e nas festas,esperem os comentários; ir ao supermecado de short ou mini-saia e dar de cara com aluno, ih...aguarde o comentário; se descabelar de dançar ou gritar num show ou numa festa e dar de cara com aluno? prepara-te: o constrangimento te espera.
Pelo menos o vexame de ser flagrada bêbada por qualquer aluno meu está fora de cogitação: não bebo. E de resto, também nunca tive ou teria rolo com aluno, jamais. Mas, se aparecer um pai de aluno interessante, bom, aí eu já não dou garantias.
De tanto falar e brincar, recebo e-mails mega-bem-humorados sobre esta interessante profissão de professor.
O e-mail abaixo é apócrifo,por isso eu só posso registrar que foi minha amiga Leila quem mandou para mim. E é deveras interessante a versão Sermão da Montanha Aplicado ao Magistério. Aleluia!

Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado
sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem.
Ele os preparava para serem os educadores capazes de transmitir a lição da Boa Nova a todos os homens.
Tomando a palavra, disse-lhes:
- Em verdade, em verdade vos digo:
Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Felizes os misericordiosos, porque eles...
Pedro o interrompeu:
- Mestre, vamos ter que saber isso de cor?
André perguntou:
- É para copiar?
Filipe lamentou-se:
- Esqueci meu papiro!
Bartolomeu quis saber:
- Vai cair na prova?
João levantou a mão:
- Posso ir ao banheiro?
Judas Iscariotes resmungou:
- O que é que a gente vai ganhar com isso?
Judas Tadeu defendeu-se:
- Foi o outro Judas que perguntou!
Tomé questionou:
- Tem uma fórmula para provar que isso está certo?
Tiago Maior indagou:
- Vai valer nota?
Tiago Menor reclamou:
- Não ouvi nada, com esse grandão na minha frente.
Simão Zelote gritou, nervoso:
- Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?
Mateus queixou-se:
- Eu não entendi nada, ninguém entendeu nada!

Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:
- Isso que o senhor está fazendo é uma aula?
- Onde está o seu plano de curso e a avaliação diagnóstica?
- Quais são os objetivos gerais e específicos?
- Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?

Caifás emendou:
- Fez uma programação que inclua os temas transversais e atividades integradoras com outras disciplinas?
- E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais?
- Elaborou os conteúdos conceituais, processuais e atitudinais?


Pilatos, sentado lá no fundão, disse a Jesus:
- Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, ao final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade.
- Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto.
- E vê lá se não vai reprovar alguém!


E, foi nesse momento que Jesus disse: "Senhor, por que me abandonastes..."

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Besame mucho, versão III (ou, mera semelhança)


Entendeu?
ôpa, não era carnaval, não, meu amigo! é que tem gente que realmente sabe comemorar o pós-guerra.
Ah, a iniciativa, sempre ela! E, claro, os descendentes da tribo Papachana, os maiores e mais qualificados heterossexuais que já caminharam sobre a face da Terra.

Besame mucho, versão II


Eu tive vontade de falar sobre as mulheres sauditas que estão desafiando as leis tácitas (porque não é expressamente proibido, no sentido da lei) e dirigindo, porque isso me deixa particularmente contente, mas, lá vai minha pulsão louquética tomar conta do cenário. Então, nesta noite chuvosa e fria em que eu não saí, destaco a imagem acima, maravilhosa, que mostra o que um homem deveria estar fazendo, se fosse inteligente: enquanto fanáticos e babacas digladiam, quebram o pau e assumem sua porção Neanderthal de ser, após uma partida de hóquei, no Canadá, o espirituoso rapaz ignora bombas e conflitos e mostra a que veio.
O inteligentíssimo rapaz, identificado como Scott Jones, é autraliano. O banco de dados e o Serviço de Inteligência e Investigação da rede Louquética, após intensas pesquisas, concluiu que ele é um dos raros descendentes dos índios papachanas.
Iniciativa: quem tem, vai longe!

Da necessidade da comunicação, parte IV (auto-mensagem)


E eu, que desgarrada andei nesse rebanho...ah, como eu pastei!

Da necessidade da comunicação, parte III


Entendeu? partamos com toda força para o Acordo Ortográfico e a confusão estará feita: será que este "Eça" da imagem é o pronome demonstrativo ou uma referência codificada para Eça de Queirós (Ih, é com S ou com Z?)... E que coiZa é essa? ou melhor, eça? deixa para lá, o recado está devidamente comunicado e o resto é mero preconceito linguístico.

Da necessidade da comunicação, parte II


Sim, hoje em dia dizem que a Comunicação não se consubstancia àquilo que a gente diz, mas à maneira como o outro nos entende.
Neste mundo globalizado, tanto faz se é LAN HOUSE ou LÃ RAUSE, né? com tanta gente desempregada, quem aí vai ficar se importando com o emprego correto das classes gramaticais?

Da necessidade da comunicação


Olhe bem para esta imagem: não é ótimo contar com alguém disposto a ouvir a gente?
A meu tempo, também tive um poeta que me ouvia.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Para Júlio



A VIDA ASSIM NOS AFEIÇOA
(Manuel Bandeira)

Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - “vem! ’
“Quer para a bem-aventurança
“Leves de um mundo espiritual
“A minha essência, onde a esperança
“Pôs o seu hálito vital;
“Quer no mistério que te esconde,
“Tu sejas, tão-somente, o fim:
“ – Olvido impertubável, onde
“Não restará nada de mim!”
Mas horas há que marcam fundo...
Feitas em cada um de nós,
Da eternidade do segundo,
Cuja saudade extingue a voz.
Ao nosso ouvido, embaladora,
A ama de todos os mortais,
A esperança prometedora,
Segreda coisas irreais.
E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.
A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel...

O que é que há?


Tem dias que eu me sinto acometida por alguma espécie de crise de auto-ajuda, mas, depois que passa, vejo que não é nada demais, é apenas uma mudança se desenhando em minhas posturas diante da vida.
É que eu já reclamei demais. Precisava mesmo reclamar e reconhecer que estava tudo errado, que me faltava tudo, que não valia a pena fazer como os idiotas com crachá de idiotas que vêm para cima de nós com a eterna balela fraca, fútil e vazia e de que o pensamento positivo move montanhas, que palavra é força e que projetamos nas palavras as energias do que falamos. Sim, o pensamento positivo move montanhas: montanhas de pensamento inúteis que nos ajudam a ficar parados; palavra é força e a força vem do pulmão e de todo esforço fisiológico que a gente faz para falar. Ao tropeçar na pedra, pense positivo, desde que o seu dedão continue no seu pé. Claro, aí vai depender da força da topada. Ora, pelo amor de Deus!
Mas aí me grudou na mente alguma coisa parecida com isso, que certamente é fruto das séries que assisto no Sony:
-“Quando a minha vida vai mudar?”
- “Quando você mudar a sua vida!”
E deste diálogo de autoria não identificada, fica claro que se a gente fica parado, reclamando, pensando positivo ou esperando que tudo que a gente lança no Universo volte para nós, aí é que nada muda mesmo.
Às vezes eu acho que é sintoma de velhice, isso de eu não amar ninguém. Deve ser que meu coração está velho, desgastado e quer mais ficar em paz e tocar a vida em frente, na maior batida. Mas eu me sinto esquisita, porque vivi de amor romântico tanto tempo!
Em outros tempos saí correndo para longe de sentimentos, mas eu sei que eles me tornam mais humana. No caso, sei que sou um isopor agora.
Tenho amizade, carinho, solidariedade e simpatia por muita gente. Amo a maioria dos meus amigos, e é amor que sobrepuja diferenças e defeitos recíprocos, mas não amo homem algum e acho realmente isso muito esquisito. Será que dá para ver? será que se percebe que às vezes eu só me interesso pelo lado interessante dos homens, pelo charme, pela inteligência, pela beleza, por alguns desafios, por algumas discrepâncias, mas se erguem aquele edifício lindo e grandioso facilmente confundido com a paixão, tudo implode à primeira decepção...às vezes nem é preciso a decepção e eu simplesmente desisto, ou tudo perde a graça.
Por que eu me importo com isso?

Então tá combinado, é quase nada,
É tudo somente sexo e amizade.
Não tem nenhum engano nem mistério,
É tudo só brincadeira e verdade.
Podemos ver o mundo juntos,
Sermos dois e sermos muitos,
Nos sabermos sós sem estarmos sós.
Abrirmos a cabeça
Para que afinal floresça
O mais que humano em nós.
Então tá tudo dito e é tão bonito
E eu acredito num claro futuro
de música, ternura e aventura
Pro equilibrista em cima do muro.
Mas e se o amor pra nós chegar,
De nós, de algum lugar
Com todo o seu tenebroso esplendor?
Mas e se o amor já está,
se há muito tempo que chegou
E só nos enganou?
Então não fale nada, apague a estrada
Que seu caminhar já desenhou
Porque toda razão, toda palavra
Vale nada quando chega o amor...
(Maria Bethânia - Tá Combinado)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Como escrever uma tese?


O pior não é nem esta sensação de que escrevo em círculos, de que sou tautológica e que como quem se perdeu, repara toda hora a mesma árvore no caminho. O pior mesmo é essa minha neurose de escrever à mão, manuscrito literal de tudo que articulo nos sempre incompletos capítulos.
Depois, fico aqui, com essa cara de desespero, de quem já cansou os dedos – e se meus dedos falassem, estariam roucos, afônicos – achando que esse trabalho nunca vai terminar. Bom, e se ele terminar, mas for substancialmente raso? E se o que eu pensei não fizer sentido? Numa pós-graduação strictu sensu não há lugar para louquéticas, mesmo que isso signifique que a louca é ética.
E das irresponsabilidades de ontem à noite, o que eu direi? Direi que me sobrou esta bruta dor de cabeça, uma sensação de machucado nas têmporas, porque eu fiquei com ele até duas da manhã. Como a gente tem assunto que não acaba mais, haja conversa, haja televisão, haja música, troca de Bluetooth, troca de beijos e troca de uma série de coisas que eu não posso dizer agora. E o tempo passa! E quando a acaba o que fazer, gastamos tempos em brincadeiras infantis como duas crianças que se admiram – é, fiquei muito tempo sozinha, me façam essa concessão, por favor!
Aqui tudo está frio e chuvoso e ele dirige na neblina, tentando adivinhar o caminho de casa. Eu deveria ter piedade, mas morro de rir quando ele me conta, porque ele bem sabe que tenho acessos de idiotices e até num dia em que ele sofreu um bruta acidente, quer dizer, o segundo acidente, há mais de oito anos, eu fui lá, dar risada da cara dele e ainda cantar uma música dos Raimundos: “Fizera pouco em tê-lo deixado, todo quebrado, desfigurado, irreconhecível até para a mãe...” – poético, não? Nem queiram saber o resto da música. Fosse o meu ex-namorado paranóico a ouvir uma coisa dessas de mim, daria um chilique, daria gritos nervosos que abalariam as estruturas do hospital e me faria um discurso moralista que me encheria de culpa. Glória a Deus que as pessoas não são iguais!
Os cachorros da minha casa fogem quando abro o portão para ele ir embora e passam a madrugada latindo para entrar. Se eu ceder aos latidos e for abrir o portão, eles fogem de mim e decidem não entrar nem sob ameaça. E aí, se consigo dormir depois e se um entra e os outros ficam na rua, os latidos são intermináveis – não, eu não tenho mais medo do Inferno: fiz estágio lá ontem e minha cabeça dói.
Almocei as coisas mais deliciosas do mundo, mas a dor de cabeça não passou e interferiu em minha degustação. E digitei, digitei, digitei, formatei, formatei, formatei, digitei e fiquei com sono à tarde.
Parei para ler o que eu escrevia. E se isso acontece, eu começo a discordar dos meus raciocínios anteriores e crio um texto em cima do texto.
E se constato que pensei que disse, mas não disse? Ah, meu dois neurônios!!!
Achei por bem ir à academia, já que faltei ontem: desgastei minha ansiedade na esteira e peguei uma bateria de exercício perversa, de deixar qualquer sádico com água na boca: mudaram minhas séries para 15 repetições e puseram pelo menos 10 e 20 quilos a mais em cada exercício. Oh, como eu sofro! E não há resultados extraordinários, não. E o ritual de auto-flagelação, com um instrutor mais sádico do que todos os tenentes do meu tempo de recruta, me deixa em dúvidas quando finalmente acabo essa tortura voluntária: terei eu acabado os exercícios ou terão os exercícios acabado comigo? Concluo que a segunda opção faz mais sentido.
Bem, meus dedos doem e minha orientadora não vai nem querer saber dessa história, porque hoje eu deveria estar em Salvador, na UFBA, mas joguei uma embromation, postergando o encontro para a outra semana, e prometi enviar o texto provisório (esse que eu não acabei ainda) e me faltam apenas 30 páginas para digitar. O que posso fazer é rogar a Nossa Senhora dos Doutorandos que me conceda a graça de que minha orientadora esteja tão cansada quanto eu, para não consultar o e-mail hoje e constatar minha inadimplência intelectual.
Não sei quantas vezes eu já li As naus, muito menos Terra Papagalli: só sei que no momento parece que eu não sei nem do que se trata. E sei que as irresponsabilidades da segunda-feira à noite têm tudo a ver com a minha busca por leveza – juro, o peso todo que levanto com as pernas e com os braços na academia estão, neste momento, em minhas têmporas. Poxa, Umberto Eco, me diz objetivamente: “Como escrever uma tese?”

domingo, 12 de junho de 2011

De certos amores


Foi tão bom abraçá-lo de novo, calmamente, pausadamente e ao mesmo tempo com o desespero dos desejos.
E o beijo, claro, foi o melhor do mundo.
E tudo que não será dito aqui, foi esplêndido, como sempre foi em outros tempos, até quando um Continente separou a gente e a saudade se transformou num tempero ímpar para o reencontro. Nunca houve distância entre nós além do meu orgulho.
Tanta coisa para falar, para perguntar, para entender, para resolver, para pensar, para combinar, para esclarecer... Ah, era tanta coisa que ficamos mudos!
E foi tão engraçado, quando ele foi embora, já às três da manhã, e eu notei que em cima da cama havia ficado o livro de Freud: “O futuro de uma ilusão”... Coincidência ou profecia, pouco me importa – a vida é bem melhor com ele.

Se amavam
Com a sede dos marujos,
Lavando os olhos sujos
De mar e de embarcações.
Se devoravam com a fome dos presídios,
Com a festa dos sentidos
Guardados em seus porões.
Um amor cheio de gula,
Desvairado e febril
Como a gente nunca viu.
Um amor cheio de fúria,
Tão selvagem que por mim
Condenado não ter fim...
Se adoravam
Mas tanto, tanto, tanto
Que eu já não me espanto
De um dia te amar assim.

(Ivan Lins - Sede dos Marujos)

A imagem e a sombra


Eu já disse: felicidade é teimosia, é uma contravenção, é a desobediência à designação máxima da vida dos seres humanos, já que somos seres para a angústia ( e problema de Heidegger, que nos viu como seres para a morte – esta é solução para muitos e, para mim, a morte não é uma preocupação).
Há um tempo eu dizia de mim, repetindo o que um grande professor meu disse acerca do meu poeta-tema-de-dissertação: “Sou só uma menina triste”. E me cansei disso. E parei de ficar entrando em guerra com os deuses e de me lastimar pela falta de sol, e de chorar os desesperos sofridos todos os dias e, conforme eu também já disse, deixei de me ver como vítima e passei a me ver como sobrevivente.
Há imagem e há a sombra - nem vale se preocupar com a verdade.
Tenho a maior honestidade moral com os que eu odeio. E assumo ódios, porque as mentiras a que as convenções sociais nos forçam cristalizam nossas frustrações – e permito sem muitos dramas, ser odiada. Seria muita pretensão esperar agradar todo mundo e, como um tirano carismático, viver de jogos para ser amada e temida.
Dizem também que a felicidade é uma questão de postura, por isso procuro me manter ereta (kkkkk!!!), porque o lado bom de ser louca é não ter compromisso com a lógica. Enfim, ando preocupada com a minha vida prática, mas continuo bem humorada. Afirmo isso como quem se auto-avalia, porque também parei para olhar o que havia mudado em mim, desde que notei que não tenho medo do futuro, e sim, do presente. Com isso, devo ter parado de pensar no além, no longínquo, o que não me fez adotar atitudes que resvalem para o carpe diem, mas, enfim, o hoje é que me preocupa - se é que se pode chamar preocupação a importância que o presente imediato passou a ter para mim.
Não quero uma vida com gosto de isopor, Deus me livre! Nem quero ter preguiça de procurar sabores para colocar em minha vida.
Dito isto metaforicamente, fiz, há pouco um bolo de abacaxi. E fiz com bastante felicidade em fazer, mais pelo prazer de degustar dos ingredientes do que por ver o bolo pronto. Mas o bolo está em pauta porque eu me confirmo como uma pessoa meio desconfiada com as tecnologias: não tenho microondas, nem máquinas de lavar roupas, meu aparelho de som tem uma década e eu só busco a high-tech para computador, celular, câmeras fotográficas. Salvo isso, acho tudo muito inútil ou supérfluo.
Inventei de fazer um bolo num outro dia, usando a batedeira: que desastre!
Acho que tem algo de gostoso no artesanal (ou é esta a minha desculpa para minha inabilidade com os eletrodomésticos de cozinha), algo de mágico e de alquímico na composição do sabor. E eu fiz o bolo na maior felicidade, como disse o Chico Buarque, “Com açúcar, com afeto”; nesta tarde fria e levemente chuvosa.
Fiz o bolo como quem faz higiene mental, curtindo, aproveitando esse fazer, entremeando as páginas dos capítulos que eu ainda escrevo com o prazer de ir até à cozinha, vigiar o estado do bolo, beliscar o bolo, aproveitar o cheiro doce e bom que está em minha casa.
Talvez eu tenha escrito tudo isso apenas para concluir sem a menor sabedoria que a vida tem muitas coisas gostosas - umas a gente conquista, outras nos aparecem de presente e, entre as duas, há as que nós podemos tomar a iniciativa de criar.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Vestindo fantasias


Ele me perguntou se eu tinha fantasias. Ora, todo mundo tem, algumas das quais inconfessáveis.
Mas eu sou irônica e faço as trocas semânticas necessárias para esvaziar as malícias implícitas na pergunta. Então, respondendo ainda mais precisamente à pergunta, eu tenho fantasias, sim. Esta aí da imagem foi do carnaval deste ano, em março.
Eu acho super interessante pensar nas fantasias não pelo contorno sexual da questão, mas pelo enlevo de criatividade que isso suscita, onde todo mundo quer ser ator, quer interpretar, quer viver outras situações, usar outras máscaras, retirar algumas mais.
Acho engraçado que um homem tenha tido dúvidas sobre a capacidade imaginativa das mulheres, sobre esta intersecção entre homens e mulheres (e outros gêneros) no tocante a querer viver fantasias – das quais, muitas irão ser realizadas e muitas também se mostrarão como meras curiosidades, como quando imaginamos o sexo dos evangélicos (que não é nada diferente das práticas de crentes de outras vertentes).
A vida sexual das pessoas é algo que interessa a todo mundo, é ponto em que todo mundo tem curiosidade e eu penso no que eu sempre cito, da letra de Caetano Veloso: “Todo mundo quer saber com quem você se deita,/nada pode prosperar.” Sexo vigiado, condutas morais em suspeita, muitos holofotes. Mesmo em tempos de sexo explícito, parece que ninguém viu ainda o quanto realmente queria ver.
Recentemente eu me impressionei com um fato: eu estava no shopping, com Tella, porque ela estava procurando uma lingerie específica, diferente, para impressionar o entediado crente-sonso-cafajeste com quem ela tem o secular rolo. Então, sugeri que a gente entrasse na lojinha de lingerie ali do shopping, que nós sabemos ser também uma sex shop.
Olhamos, olhamos e olhamos e, dentre fantasias, géis, joguinhos eróticos, óleos e acessórios diversos, uma senhora já sexagenária nos apresentou um vibrador poderosíssimo e falou; “ É melhor que homem!”.
De fato, o modelo era instigante, para dizer o mínimo: cheio de funções, de um material excelente, gelatinoso na extremidade, flexível, anatomicamente perfeito, tinha uma vibração ritmada, várias intensidades de vibração e vários movimentos, além de umas bifurcações capazes de atingir todas as terminações nervosas da área a que se destina. Com um desses, não há ponto G que se esconda, nem há qualquer possibilidade de que quem ainda não o conhece, se furte a ser apresentada finalmente ao Doutor Orgasmo, meu médico preferido e o profissional que eu recomendo para dar um up grade na vida sem graça das minhas amigas entristecidas. Ah, e resolve minhas tristezas muito bem, também – este Doutor é altamente qualificado, mas não é todo mundo que sabe conduzir a gente até ele, daí que muitas o procuram sozinhas, quando o melhor seria fazê-lo acompanhadas. Bem, só ou acompanhada, as visitas periódicas a este doutor tornam a vida mais alegre.
O que me impressionou foi a desenvoltura daquela senhora do balcão; ora, já não se fazem mais mulheres mais velhas como antigamente! Elas dominam muitas artes, muitas técnicas e muito conhecimento de causa. E não que sejam exatamente paritárias, ao contrário, mas ela me lembrou a protagonista do conto de Clarice Lispector, Ruído de Passos , que reproduzo abaixo:
“Tinha oitenta e um anos de idade. Chamava-se dona Cândida Raposo.
Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passar dias numa fazenda: a altitude, o verde das árvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora linda na juventude. E tinha vertigem quando cheirava profundamente uma rosa.
Pois foi com dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.
Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista. E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:
- Quando é que passa?
- Passa o quê, minha senhora?
- A coisa.
- Que coisa?
- A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.
- Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.
Olhou-o espantada.
- Mas eu tenho oitenta e um anos de idade!
- Não importa, minha senhora. É até morrer.
- Mas isso é o inferno!
- É a vida, senhora Raposo.
A vida era isso, então? Essa falta de vergonha?
- E o que é que eu faço? Ninguém me quer mais...
O médico olhou-a com piedade.
- Não há remédio, minha senhora.
- E se eu pagasse?
- Não ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade.
- E... se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que eu quero dizer?
- É, disse o médico. Pode ser um remédio.
Então saiu do consultório. A filha esperava-a embaixo, de carro. Um filho Cândida Raposo perdera na guerra, era um pracinha. Tinha essa intolerável dor no coração: a de sobreviver a um ser adorado.
Nessa mesma noite deu um jeito e solitária satisfez-se. Mudos fogos de artifícios. Depois chorou. Tinha vergonha. Daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste. É a vida, senhora Raposo, é a vida. Até a bênção da morte.
A morte.
Pareceu-lhe ouvir ruído de passos. Os passos de seu marido Antenor Raposo.
(LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, PP. 55-56)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A mesma coisa


Não quero sugar todo seu leite,
Nem quero você enfeite do meu ser.
Apenas te peço que respeite
O meu louco querer
Não importa com quem você se deite,
Que você se deleite seja com quem for,
Apenas te peço que aceite
O meu estranho amor.
Ah, Mainha!deixa o ciúme chegar,
Deixa o ciúme passar
E sigamos juntos.
Ah, Neguinha! deixa eu gostar de você
Pra lá do meu coração
Não me diga nunca não
Teu corpo combina com meu jeito,
Nós dois fomos feitos muito pra nós dois
Não valem dramáticos efeitos,
Mas o que está depois.
Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas do rancor
Lutemos mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor.
(Caetano Veloso - Nosso Estranho Amor)

Enquanto está passando...


Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme
O ciúme lançou sua flecha preta
E se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta
Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti,
Não me ensinas
E eu sou só, eu só, eu só, eu
Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas, na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?
Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme
(Caetano Veloso - O Ciúme)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

" O ciúme lançou sua flecha preta"


Eu acho mesmo que os desejos não cabem numa relação: sempre ultrapassam.
Eu acho mesmo o ciúme um negócio difícil de entender, algo que gira em torno de querer ter a posse do outro. E eu não quero a posse de ninguém, bem como quero seguir pertencendo a mim mesma.
Desde que a cultura inventou a fidelidade e a religião descobriu sua impossibilidade, fabricam-se arsenais de coerções morais para as pessoas.
Um dia o meu segundo namorado citou Caetano Veloso para mim: “Não importa com quem você se deite,/que você se deleite seja com quem for,/apenas te peço que aceite o meu estranho amor”, mas não citou concordando, citou para dizer se isso era possível.
Incrível, juro, sem a menor hipocrisia, não me lembro de quando eu senti inveja de alguém. E da mesma forma, me espantei por ter sentido ciúme.
Pior: não era ciúme de uma mulher, era ciúme de um contexto todo como se eu estivesse numa festa em que eu não conhecesse ninguém e para qual eu não fui convidada – e era ciúme da atenção dele, que era o centro das atenções após a apresentação do Agualusa. Era o caso de que na minha conta a equação mostrava que todo mundo prestava atenção a ele e ele dava atenção a todo muno, de modo que fiquei em terceiro plano, no fim da fila.
Dizia, de mim, minha analista há um tempo:” você gosta de homens ocupados. É o seu tipo, é do que você gosta.”Mas estranha esta minha repetição com os workaholics. Estranheza proporcional ao fato de que nesta minha vida recente já três seres humanos saíram correndo atrás de mim porque têm taras e fetiches por sapatos de salto e batatas de pernas (aleluia, meu pé é mais feio do que o do King Kong). De onde vem este radar que faz a gente fazer escolhas repetidas ou atrair tipos repetidos? Dos sapatos, tudo bem, é coisa externa, visível... Mas ninguém nunca correu atrás de mim para me dar flores.
E nessa coisa da análise, desde que eu comecei a assumir que não tinha priorizado relacionamentos, desde que assumi que estava sozinha e sem namorado verdadeiro (em tempos de amores líquidos, não me venham com esta de que não há relacionamentos instantâneos e descartáveis – ora, e se eu achar eu quero! E que os moralistas queixem-se ao bispo), tive que aprender o que estava em jogo.
Então, essa minha vontade feminina-infantil de ter “a sorte de um amor tranqüilo”, além de ser utópica, corre o risco da concretização. Explico o paradoxo: não dá para ter amor tranqüilo, porque amar um homem pressupõe uma eterna disputa com todas as outras mulheres da humanidade que estarão no caminho dele. E se eu encontrar um dos raros exemplares masculinos que são fiéis, disse a analista, melhor correr para bem longe, pois todo homem fiel é extremamente problemático em algum ponto. E não é qualquer neurose, é daquelas que são insuportáveis e absurdas, quando não, hediondas.
O mesmo ela diz dos homens sozinhos. Primeiro: eles não existem; segundo: os que parecem sozinhos podem estar na entressafra, isto é, terminaram um namoro hoje e saíram para beber na mesma noite, estão algo de muito recente na briguinha de separação. Os homens nunca estão sós, todos têm uma mulher, mesmo que seja uma relação não-assumida, uma amizade erótica, aquela ex com quem sempre ele transa.
Meu namorinho medieval (ex-namorinho, eu acho) é certinho demais para o nosso século, porque o insuportável do C. faz parte do quantitativo dos homens extremamente neuróticos e, no caso dele, ser fiel é um sacrifício que se faz para não ser traído também. E os ciúmes dele são ridículos e infundados desde sempre.
Um certo escritor velhinho, de quem sou fã, esteve na Bahia há uns meses. Lá fui eu, ver, tietar, tirar fotos, conversar... E quando C. viu as fotos e os meus relatos, foi capaz de dizer claramente que o velhinho simpático era galanteador e blábláblá perguntas indiscretas para cima de mim. Pelo menos meu ciúme não é absurdo.
Mas acho que ciúme é um negócio fora da lei, uma violência: como é que eu posso querer controlar os passos do outro? Como posso vigiar os desejos de alguém, ser elemento de culpa a surgir na mente da pessoa sempre que ela se envolver por outras fisionomias? Como posso fazer feliz a alguém que, para não trair, trai aos seus desejos?Esta não sou eu e essas não são apenas teorizações que descartam o medo maior de que alguém possa tirar de mim o que prezo, o que amo, o que também desejo, porque também não é esse caso, o caso é ser preterida, é que alguém mobilize mais os desejos dele do que eu. Esse alguém tem sido o trabalho, que se personifica como se fosse alguém e não algo.
E, no caso, se é insuportável ver o pavão de cauda aberta à contemplação da platéia feminina que o cerca todos os dias, os dias inteiros, porque afinal é a profissão dele, pior é assumir um estado de vigilância que ultrapassa as tensões de traição sexual, mas traição do tipo daquela de ontem, figurativamente mostrando que aquilo ali é importante para ele, que aquilo ali vai se repetir o resto da vida dele e que, se eu estiver na vida dele, estarei também à mercê das investidas da platéia, daquele povo todo, daquele mar de gente que, de perto, é formado por puxa-sacos, mulheres flerteiras, gente oportunista, gente interessante, gente inteligente, gente que também quer holofotes, todo tipo de gente que quer ver e ser vista e faz de tudo por uma visibilidade.
Impossível negar que eu estou triste, especialmente porque eu sei que não agüentaria isso o resto do tempo que durasse o namorinho medieval (agora entendo Otelo bem melhor que antes). Então, vou ficar aqui, no alto da minha torre, contemplando o caminho até que passe a dor-de-cotovelo.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Do encontro com Agualusa ( ou, a noite do pavão)


Acabei de acompanhar a palestra do José Eduardo Agualusa, este ser humano da imagem acima, escritor badaladíssimo do contexto atual, no Teatro Castro Alves, aqui em Salvador.
Foi uma palestra sob forma de entrevista ou talk show brilhantemente conduzida pelo professor Doutor Henrique Freitas, daqui da UFBA - pessoa a quem Deus deu mais do que inteligência, porque o entrevistador em muito excedeu ao também excelente entrevistado.
Surpreendente foi ver que o Agualusa é natural, espontâneo, não deu resposta de lobby, não inventou o que não sabia...
E pergunta recorrente foi sobre seu livro Nação Crioula, em especial, e as várias recorrências, em outros livros seus,de sereias, de lagartixas,de anões e de albinos, de que nós que trabalhamos com teorias, gostamos de nos apropriar e oferecer outras leituras e outras interpretações que exploram estas metáforas. Nesse fosso, o próprio entrevistador também se atirou, formulando uma pergunta que girava em torno desta questão.
Acontece que Agualusa disse claramente que não havia resposta para isso, porque ele não pensava nisso para escrever, que era uma obsessão a que ele não pretendia buscar respostas e que, aliás, ele tinha medo das respostas.
Adorei todo o bom humor dele, a sagacidade, alegria, o jeito sábio com que ele lida com as incontáves confusões que fazem com ele e com o Mia Couto, trocando um pelo outro.
Mas, esta não é uma história de ficção, então eu vou começar do começo verdadeiro: sei lá o que houve, mas eu titubeei se viria ou não a Salvador ver o Agualusa.
Tatiana afirmou:"Eu não sabia que você era fã do Agualusa!Poxa, você quer mesmo ver o Agualusa? está se mexendo tanto só para ver o Agualusa?".
Mais do que afirmações interrogativas, isso era o indício de que minha amiga estava desconfiada de que havia algo por trás do meu interesse. E eu confessei: "Vou ver o pavão!". Eu estava me referindo a C., que me convocou a ir e a quem eu devia a minha presença, porque eu nunca cumpri minha palavra Uma só vez; eu sempre prometi ir aos eventos dele e nunca fui. E aí, o pavão queria se exibir e não seria mal dar uma massagem no ego dele.
Com Cléo foi essa mesma conversa, com um agravante: Minha amiga formulou um ultimatum, ou seja, propôs que se eu não me entendesse de vez com C. hoje, que eu deixasse ele em paz, que deixasse o namorinho medieval terminado, nada de reconsiderar, nada de porcaria nenhuma (porque agora as minhas amigas estão desesperadas para me verem namorando) - eu devo estar insuportável!
Eis que saí de casa às 16 horas, sabendo que o evento seria às 19 horas e 30 minutos, ressalvada a minha antecedência para pegar o ingresso na bilheteria do teatro.
Como me ocorre em momentos decisivos, mais forte que o meu desejo de ir, foi o poder do engarrafamento que em pegou na BR, já na entrada de Salvador, me deixando à deriva por 45 minutos.
Finalmente cheguei a Salvador, desci, fui procurar um caixa eletrônico porque saí sem dinheiro para táxi, despesas e etc. E haja fila!
Procuro um táxi: não adianta pegar ali, onde estou, porque toda a avenida está paralisada pelo engarrafamento urbano da área, no sentido que eu iria.
Atravesso a passarela, mudo de lado: tudo é caos. Pego um carro. Penso em desistir. o tempo passa. Em Ondina, 19 horas.
Meu ex me liga para me encher o saco, porque agora que ele está namorando, fica com medo de que eu namore também - perco a paciência, me sinto desafiada, resolvi ir, atrasada e sem a menor esperança de entrar no teatro.
Dez para as oito da noite: cheguei. Falo com o guarda do teatro que estou sem ingresso e que a bilheteria já está fechada: ele se comove, diz para eu tentar falar com o segurança do saguão.
A abertura já começou.
Faço cara de cachorro na chuva. O segurança me ouve e me dá uma esperança.
O segurança olha para as minhs pernas e facilita a minha vida. Penso:"Pernas, para que te quero?"e rio internamente do meu trocadilho idiota.
O segurança olha para os meus olhos e diz que eles têm tudo a ver comigo (e eu quase rio daquela conclusão!): ele me dá um ingresso, que eu não vou usar para nada, já que estou lá dentro. Ele diz que posso esperar no hall pelo toque de entrada. Vou!
E sigo pensando:" Benditos sejam os homens heterossexuais, porque estes gostam de pernas e de olhos de mulheres".
Entro e aí os melhores lugares já estavam tomados: olho o mar de gente e imagino que o pavão e sua imensa cauda estejam na primeira fila.
Procuro um lugar: gosto de estar só, gosto de estar quieta. Assisto bem quieta e atenta ao espetáculo do escritor e do entrevistador - brihantes!
Penso na minha tese e naquilo que eles dizem - as marcas traumáticas da experiência colonial portuguesa em nossas terras, que feriu aos meus antepassados e aos deles e que hoje alquimicamente vira poesia, ficção, discussão, apesar das feridas.
Penso com ódio no meu ex. Penso com apreensão em C., o pavão. Que frio! ar condicionado de louco, capaz de congelar as brasas do inferno e o Fogo do Juízo Final.
Acaba a entrevista.
Lá vou eu descendo a escada, procurando o pretexto, forçando a coincidência... Pluft! no meio de um mar de gente, C., o pavão: cauda aberta em leque no escuro.
Pego a câmera fotográfica: quero fotografar a cauda do pavão. Não funciona a câmera. Do nada abre-se uma linha no visor. Ele me vê. Eu o vejo. Todo mundo vê a gente e separa a gente, para perguntar bobagens.
Ele me diz qualquer coisa. Eu respondo qualquer coisa. Ele passa por mim e acaricia minhas costas, mas seguindo.
Penso que deveria ir falar com os meus conhecidos que hoje não são mais meus amigos. Não vou. Todo mundo circunda o pavão. Meu coração e só ciúme. P%rra!(penso, mas não digo!). Morro de ciúme. Ciúme, meu nome é ciúme. Nem tenho nervos de aguentar tanta gente em cima do meu pavão, que vai abrir a cauda de novo.
Que raiva!
Juro: parei no saguão e contei até dez, para me segurar.
Vejo que o pavão está a trabalho também. Oxalá terá sua vaidade magoada,porque o nome da instituição que ele representa foi citado, mas não o dele diretamente.
Ele é um pavão e agora não lhe falta público: abre a cauda em leque de novo e toda a platéia saúda sua beleza.
Olho o meu pavão no meio de muita gente e concluo que não aguento aquilo, não aguento disputar a atenção dele. Desisto. Pego o meu táxi. Tchau.
The end.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Preconceitos ancestrais


Não sei como ele não conseguiu mudar.
Não precisava mudar demais, nem precisa mudar por dentro, mas sempre se espera que as pessoas mudem com o tempo, junto com o tempo que, cultural e coletivamente dita novas regras nos comportamentos.
O caso é que quando a gente fala em preconceito, a genta fala muito abstratamente, como se fala de uma perseguição, um detratar, uma humilhação...e aqui e ali, vai um gesto, uma palavra, uma expressão que atinge as minorias.
O preconceito, contudo, parece não ser percebido na crueldade com que se tratam as pessoas, de modo a desumanizar tais pessoas. Mas eu estou falando é do machismo, que a todo momento é perdoado, relevado, diminuído, porque as pessoas reconhecem que o machismo é constitutivo da nação brasileira: patriarcal na estrutura, patriarcal na religião ocidentalizada e, claro, "o macho, adulto, branco, sempre no comando".
Mas a gente ver o machismo cara a cara - e não pela televisão, e não por ouvir falar dele, e não por saber que ele está em nossa casa, escondidinho nos primos e nas mães - é um espetáculo de horror.
Só sei que o meu amigo correu mundo. Morou dois anos no Rio, três em Miami, um em São Paulo, alguns no interior baiano e muitos em Salvador. E não tem jeito: ele é machista.
Não é machista à toa, desses que dizem frases depreciativas no trânsito ou mandam a gente ir procurar um fogão. Não,esses são só ignorantes: ele é machista na prática, no seu cotidiano,tem ação o seu machismo. Então, ele oprime as mulheres e subestima todas as mulheres moralmente. Uma mulher, na concepção dele, não está apta a falar a verdade, pois mulheres são mentirosas compulsivas.
Mulher não pode ter sexo, não pode ser dona dos seus desejos porque, na concepção dele, só há dois tipos de mulheres: as santas e as putas. Com as primeiras, se casa; com as segundas, sexo e desprezo. Elas são feitas para isso.
O machismo do meu amigo supera qualquer explicação, qualquer definição, desafia a lógica, o bom senso, a sanidade: de fato, ele me fere.
O machismo de meu amigo é caricato: "Homem tem sovaco; axila quem tem é viado"; "Sou o chefe da família"; "Sou o cabeça da relação"; "Mulher minha tem que obedecer".
Ele só tem 36 anos. E já está assim, perdido.
Eu achava que o Brutus de Neanderthal houvesse crescido interiormente, percebido o mundo. Mas, não: e se vai me elogiar, o faz como se eu tivesse testículos e diz algo próximo a "Você deveria ter nascido homem" ou "Você é tão inteligente que nem parece mulher". E como é difícil suportar isso.
Acontece que os amigos ganham os nossos afetos...assim, suportam-se os defeitos.
Vejo com ódio, sempre que ligo a televisão, a propaganda ridícula da Sky, com a Gisele Bundchen esfregando o chão, ou fazendo seja lá o que for, naquela posição submissa, perto de uma televisão, enquanto o ator que interpreta o marido, fica contemplando a televisão e pedindo cerveja...e isso ainda vende, meu Deus! como pode uma propaganda dessa fazer efeito comercial? Só faz porque a sociedade compactua e se identifica.
Por que será que esta minha vontade de partir o maxilar do meu amigo machista em vinte pedacinhos não passa? será que estou meio, sei lá, homem?
Machismo: a gente vê por aí.

Para C. (II)


CHAMA E FUMO

Amor – chama, e depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor – chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! E, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor – chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor – chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas...tem de ser...
Amor?... – chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa....


(Manuel Bandeira)

Estrela de Minha Vida


Valeu a pena ter feito o queixume: devolveram, aleluia, o meu Estrela da vida inteira! E, para matar as saudades do meu livro – que voltou, mas com manchas e páginas marcadas - segue abaixo uma quadrinha que eu adoro:

TROVA

Atirei um limão doce
Na janela do meu bem:
Quando as mulheres não amam,
Que sono as mulheres têm!

(Manuel Bandeira)

P.S.: O caloteiro de livros não leu minha postagem, mas nosso amigo em comum leu e me ajudou. Ficam os agradecimentos a ele, especialmente porque eu não consigo entender o que uma pessoa que não gosta de ler pode querer com um livro (será pretexto?)

domingo, 5 de junho de 2011

Quebrando o silêncio


Sou daquelas pessoas que odeiam a ‘não-resposta’. Aliás, acho que alguns silêncios são altamente suspeitos. Deste assunto, entre o que eu mais detesto é a incapacidade que algumas pessoas têm de completar as informações que dão.
Prefiro que me digam na cara: “Por favor, não fale mais comigo, porque X, Y ou Z me contaram que você falou mal de mim” e agüentaria perfeitamente bem se um homem me dissesse: “Bem, valeu o nosso encontro, mas a gente não vai namorar porque você não me agradou em vários aspectos”. Tudo é sempre melhor do que o silêncio. Acho este tipo de silêncio uma covardia. E é covardia frustrante, porque ficamos sem saber o que houve. Uma vez não sabendo qual o motivo das coisas, construimos nossas próprias respostas, que podem ser falhas, insuficientes, incompletas, enganosas.
Eu esperei onze anos para obter uma resposta. E onze anos é tempo de sobra para todas as partes esquecerem o ocorrido, os nomes, as circunstâncias, todo o contexto. Mas eu não esqueci e tampouco perdi a oportunidade de tirar a limpo a traição do amigo. E tirei mesmo. Sou rancorosa. Assumidamente, não esqueço nada do que me dizem ou em fazem.
Lamento muito uma outra amizade que eu perdi, porque a pessoa acreditou na minha inimiga, que à época até eu julgava que fosse minha amiga. O tempo passou, a máscara caiu, mas eu nunca reconstruiria a amizade com quem não confiou em mim e me negou o direito de defesa. No meu coração, nada muda: gosta dela, dos familiares dela que eu conheço, continuo achando que ela é uma pessoa esplêndida, linda, inteligente e generosa com os amigos, mas amizade, nunca mais. Eu que perdi a confiança, porque foi tudo tão frágil que qualquer fofoca destruiu. Não tive chance de defesa, nem voto de confiança, e muito menos a pessoa me deu o benefício da dúvida.
No meu caso de mais de uma década, eu pensei muito bem se eu realmente queria saber da verdade. Ao notar que a vontade de saber não passou, corri atrás, corri o risco e agora vou poder descansar minha consciência em paz porque eu sei muito bem que tipo de pessoa o amigo traidor é. Talvez fosse melhor sofrer uma decepção que, neste caso, mostraria que malvada fui eu, ao atribuir esta capacidade de vilania a ele. Eu adoraria estar errada.
Dói muito menos a verdade: ela pode ser dura, cruel, terrível, mas se recuperar da verdade é bem mais fácil do que suportar a eterna dúvida ou o convívio com a mentira. Geralmente a verdade não é dita para preservar o fofoqueiro, que não assume que está ali porque odeia a pessoa que é objeto de fofoca e está empenhado em contar o que supostamente ouviu, para tentar fazer o mal para esta. No trabalho, por exemplo, se tem aquela deixa do “não diga que eu te disse”, já está na cara que este que deseja o anonimato está a fim de destruir o terceiro elemento desta tríade.
Há aquela agonia das famílias que buscam os corpos dos filhos e parentes, vítimas de tortura ou de acidentes, mesmo contando com todos os indícios da morte, seguem procurando, como se precisassem do corpo para completar o seu luto, sua experiência de luto. Sou assim também: enquanto não há a chance de tirar a limpo, meu coração não sossega, eu perco a noite, eu perco a paciência e, se um dia, como aconteceu agora, a oportunidade aparece na minha frente, ah, eu vou lá reclamar a minha parte.
Também em silêncio contemplo os meus inimigos. O que acho é que eles não sabem que eu sei que eles são os meus inimigos: para estes eu nunca abrirei a porta, nem darei as senhas de acesso à minha vida e aos meus segredos reais. Vão espreitar nas frestas dos muros, vão fazer elucubrações, vão procurar informações em outra freguesia, porque inimigo que é inimigo vive vigiando os passos da gente e, claro, tentando conseguir mais inimizades para nós, de modo a nos deixar isolados, no ostracismo.
Às vezes dá certo, porque todo mundo toma partido, especialmente da parte que parece ser a mais frágil, inocente, delicada e sensível...o problema é que, de tão sensível e delicada a pessoa, o vento bate e leva a máscara da bondade e da inocência junto. Que bom, hein?
Mas, os verdadeiros amigos se machucam com a verdade, para não permitirem se destruir com a mentira.