Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Comparativos



Para quem ainda estava se perguntando para que servem as redes sociais...ora, pois...

Traduzindo o reveillon


Cá entre nós, inventaram que existe o idioma NASALÊS, falado apenas por quem é fanho, daí a pronúncia nasalisada justifica o adjetivo.
Como o Brasil é grande em variações linguísticas, também dizem que há o baianês e o nordestinês - além, é claro, do carioquês urbano e suburbano e dos paulistês interiorano e dos sotaques ABC paulista, e coisas tri-sulapentes dos guris do Rio Grande do Sul.
Resolvi postar uns conselhos de ano novo todo escrito em nordestinês cearense, segundo a fonte que me enviou.
O que não for diretamente inteligível, certamente será compreendido pelo contexto. Entonces, lá vai!

Conselhos de um potiguar (que vive no Ceará) para um 2012 bem pai d’égua:
Sobre as suas metas para o Ano Novo
Anote os seus querê e pendure num lugar que você enxergue todo dia.
Mesmo que seus objetivos estejam lá prá baixa da égua, vale a pena correr atrás. Não se agonie e nem esmoreça. Peleje.
Se vire num cão chupando manga e meta o pé na carreira, pois pra gente conseguir o que quer, tem é Zé.
Lembre que pra ficar estribado é preciso trabalhar. Não fique só frescando.
Sobre o amor
Não fique enrolando e arrodiando prá chegar junto de quem você gosta. Tome rumo, avie, se avexe
Dê um desconto prá peste daquela cabrita que só bate fofo com você. Aperreie ela. Vai que dá certo e nasce um bruguelim véi amarelo?
Você é um corrolindo! Se você ainda não tem ninguém, não pegue qualquer marmota. Escolha uma corralinda igual a você.
Não bula no que tá quieto. Num seja avexado, pois de tanto coisar com uma, coisar com outra, você acaba mesmo é com um chapéu de touro.
As cabritas não devem se agoniar. O certo é pastorar até encontrar alguém pai d'égua. Não devem se atracar com um cabra peba, amalamanhado e fuleragem. O segredo é pelejar e não desistir nunca. Não peça o penico e deixe quem quiser mangar. Um dia vai aparecer um macho véi da sua bitola.
Sobre o trabalho
Trabalhe!!! num se mêta a besta. Quem não dá um prego numa barra de sabão não tem vez não.
Se você vive fumando numa quenga, puto dentro das calças e não agüenta mais aquele seu chefe véi fuleragem, tenha calma, não adianta se espriritar.
Se ele não lhe notou até agora é porque não tá nem aí se você rala o bucho no trabalho. Procure algo melhor e cape o gato assim que puder.
Se a lida não está como você quer, não bote boneco, não se aperreie e nem fique de calundu. Saia cum aquele magote de amigos pra tomar uns merol.
Tome umas meiotas e uns celulá e conte uma ruma de piadas que tudo melhora.
Sobre a sua vidinha
Você já é um lascado de sorte só por estar vivo. Pense nisso e agradeça a Deus.
Cuide bem dos bruguelos e da mulher! Dê sempre mais que o sustento, pois eles lhe dão o aconchego no fim da lida.
Não fique resmungando e batendo no quengo por besteira. Seje macho e pense positivo.
Não se avexe, num se aperreie e nem se agonie. Num é nas carreira que se esfola um preá.
Arrumação motivacional
No forró da entrada do ano, coma aquela gororoba até encher o bucho. É prá dar sorte, mas cuidado, senão dá gastura.
Tome um burrim e tire o gosto com passarinha ou panelada que é prá num perder a mania.
Prá começar o ano dicunforça:
Reflita sobre as besteiras do ano passado e rebole no mato os maus pensamentos.
Murche as orêia, respire fundo e grite bem alto:
"Sai mundiça !!!"
Ah, e não esqueça do grito de guerra, que é prá dar mais sorte ainda:
"Queima raparigal !!"
Agora é só levantar a cabeça e desimbestar no rumo da venta que vai dar tudo certo em 2012, afinal de contas você é nordestino. E para os que não são da terrinha, mas são doidim prá ser, nosso desejo é que sejam tão felizes quanto nós.
Peeeeennnnse num ano que vai ser muito bom?! Respeite como vai ser pai d’égua o 2012.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Devaneios de veraneios


Tem dias em que tudo falta, mas nada faz falta: antagônico isso de estar bem apesar do que nos falta... já me aconteceu o contrário, também, de ter tudo e sentir falta sei lá do que, uma falta não identificada, mas uma falta. Se for questão de serotonina, se for questão humor, se for questão de sorte, seja lá qual for a explicação, tudo vai bem, ainda bem!
Com ou sem feriados a vida continua. Apesar das festividades, não encontro condescendência para dar uma trégua nas obrigações e assim é que meu orientador me deseja um feliz ano novo e diz para eu não esquecer o que falta na tese.
Para a minha sorte, gosto de estudar. Acho que faz parte das férias ler sem pressa, degustar as coisas que leio. Parar e reler, procurar entender, traçar paralelos e cadeias associativas; parar de ler, brincar com o gato e voltar a ler...sem o peso das obrigações com prazo fixo, apesar de não deixar de existir a obrigação, no sentido moral. Aliás, devo dizer que melhor seria substituir o termo obrigação por responsabilidade.
Devo desaparecer a partir deste final de semana, contrariando minhas obrigações morais e aproveitando o que eu posso do recesso verdadeiro. O reveillon vai nesse meio, mas ele é só o começo. Quero mesmo uma primeira semana de 2012 “Longe de qualquer problema/perto de um final feliz”, como aprendi na infância com a minha tia Rita Lee.
Quando estou fora, eu que já não sou muito de redes sociais, fico mais na vida social sossegada,com três ou quatro amigos chegados e algumas relações afetivas inclassificáveis, porque não tenho essas ansiedades com o celular nem com os e-mails. No fundo, não espero nenhuma mensagem que vá mudar a minha vida e descobri que desligando os telefones e me desligando do mundo tecnológico estabeleço outra maneira de folga, de férias, de ócio.
Chatas são as noites: para quem fica pelas praias sabe que não há o que fazer à noite, porque as festas acontecem a partir das quintas-feiras e ir ao bar, para quem não bebe, é péssimo programa. Passo o dia inteiro na praia, - eventualmente, saio da praia e vou aos Lagos ou a qualquer parte da Enseada - volto para casa com sono e depois de dormir um pouco após o banho, ainda é cedo para dormir até o dia seguinte. Por isso também preciso de livros, porque eles me distraem... não tenho uma novela a quem ser fiel, nada que a televisão cure...mas, às vezes, colocando a cara para fora de casa a gente tem motivos para não querer que a noite acabe ou, até, para a gente se acabar na noite...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A síntese


Todas as formas de relacionamento íntimo atualmente em voga portam a mesma máscara de falsa felicidade que foi usada pelo amor conjugal e mais tarde pelo amor livre... Ao olharmos mais de perto e afastarmos a máscara, descobrimos anseios não realizados, nervos em frangalhos, amores frustrados, sofrimentos, medo, solidão, hipocrisia, egoísmo e compulsão à repetição... As performances substituíram o êxtase, o físico está por dentro, a metafísica por fora... A abstinência, a monogamia e a promiscuidade estão todas igualmente distantes da livre vida da sensualidade que nenhum de nós conhece.
(Volkmar Sigusch, citado por Zygmunt Bauman em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, p. 64)

Além da ceia


Passei o natal com a cara no forno, até que aos poucos chegaram meus colaboradores de cozinha, Márcia e Héber. Eles também me deram um golpe neste ano: trouxeram para cá um vinho Casal García e um chileno Carta Vieja, propondo instalar um clube do vinho por aqui, mas que eu sei que é mentira pura, é para ver se pela curiosidade eu experimentaria algum e com menos de 10 ml bebidos, daria uma crise de choro e riso simultâneos, como eles já testemunharam há anos atrás.
A intolerância ao álcool faz desses ridículos: qualquer quantia enche o sangue de álcool e se ousarmos passar de mera meia taça, a dor de cabeça, o enjôo e a ânsia podem nos levar a uma pequena estada no hospital.
“Enquanto seu lobo não vem”, assistimos ao filme A mulher do lado, com Gerárd Depardieu: poxa, não assistimos filmes impunemente, sempre nos envolvemos, pensamos e os debatemos – e dizendo isso, digo implicitamente que tenho um certo medo social dessas coisas, porque soa tão arrogante que a gente fique discutindo teorias, produtos culturais, coisas existenciais, quando estamos juntos atrás de diversão. É que essas coisas nos divertem, sim, mas temos em mente que o conceito social da diversão é desprovido de discussões, é para limpar a mente, é como fazem os que bebem cerveja para aliviar o peso do dia de trabalho... Aí quando a gente está juntos, fica assim, falando bobagens, mas discutindo coisas sérias.
Para mim, o caso do filme é que nenhum dos dois personagens centrais tinha coragem ou firmeza de decisão.
O filme conta a história de um casal que, na juventude, houvera sido namorado. Oito anos depois, ocorre a coincidência de a moça ir morar na casa ao lado desse ex-namorado e a surpresa não é bem recebida por ele.
Pouco tempo depois, como ambos são casados, começam a ressuscitar o antigo caso. Ele se torna ciumento e um dia dá um escândalo público que põe a limpo o envolvimento deles...
Em meio a um histórico de desequilíbrios, ela, Matilde, fica internada. O marido dela convence o amante a ir visitá-la periodicamente, em nome da sua recuperação.
Quando ela deixa o hospital, eles se mudam da casa ao lado. O final trágico é que ela atrai o amante à casa de que se mudou, o mata e se suicida.
O tempo todo eles se desejaram e se amaram. Contudo, não tiveram coragem para apostar na relação, nem para romper os laços matrimoniais com as outras pessoas que eram seus cônjuges. Neste ponto é que os meus amigos disseram: já vi esse filme. Ora, vemos esse filme todo dia, na vida real.
Não nego que odeio todas as protagonistas que matam seus amantes. Odeio. Acho um absurdo essa covardia de matar as pessoas que não são como nós queríamos que fossem ou que achamos que não nos correspondem como merecemos. Gosto muito do Vanilla Sky. Mas me intriga muito que a moça interpretada por Cameron Días cause o acidente que deveria matar a ela e ao protagonista, Tom Cruiser.
Amor de mulher é amor neurótico, possessivo e desequilibrado. Mas condenar à morte quem não corresponde às idealizações afetivas é monstruoso. Acho que ninguém tem a tecla que faça converter em amor o que não é amor ou o que é atração física.
As neuroses do amor são bem femininas mesmo, porque também as mulheres amam mais e amam demais. Mas um homem apaixonado é mais histérico que uma mãe judia, se desequilibra, fica obsessivo... Amor, realmente, é dramático e quase sempre o drama é só uma face da tragédia.
Eu havia assistido também a um filme japonês chamado Time: o amor contra a passagem do tempo.
Em mais uma pérola da neurose amorosa, a protagonista é escandalosamente ciumenta e insegura. Num dado momento ela supõe que o namorado enjoou da cara dela, chega a pedir que ele pense em outra durante o sexo e fica infeliz por ver que ele tomou a sério a ideia de imaginar aquela outra mulher em vez de si. Resolve, então, ir a uma clínica de cirurgia plástica para mudar de rosto e conquistar o mesmo rapaz, de modo a manter a paixão dele.
Ela some por seis meses – tempo da recuperação da cirurgia – e ele enlouquece enquanto isso.
Ao reaparecer, ela diz ser outra pessoa, sente ciúmes de si mesma, porque percebe que ele não a esqueceu, isto é, não esqueceu quem ela era antes da cirurgia. E quando finalmente ele descobre que ela é a mesma outrora desaparecida, é ele quem busca mudar de rosto e deixá-la louca. Dito e feito. E o final, claramente trágico, é que ele é atropelado ao correr dela, ao tentar fugir.
Os seres humanos adoram complicar o que é simples, está na cara. A ficção não perdoa e pega emprestado nossos piores papéis na vida real.
Também tenho uma amiga assim, aliás, uma em particular no tocante às cirurgia, mas nós todos somos um pouco assim, apenas variando no ciúme: entende-se que os homens se entediam rapidamente.
Você pinta o cabelo, você corta o cabelo, ele não nota. Não nota porque se familiarizou com sua fisionomia... Às vezes olha para as feias quando está em sua frente. E o problema é apenas isso: a busca por novidade.
O mesmo drama atinge a mais linda das mulheres e a menos provida de beleza. O desejo dos homens tem certas instabilidades: dormir ao lado da mulher mais linda do planeta, todos os dias, cansa.
Acredito no que eu já disse aqui quarenta vezes: tudo piora se a mulher faz o tipo desleixado. Está difícil ser sexy com uma touca na cabeça (aquela que já foi uma meia-calça) e uma camiseta de campanha de vereador. Perder o glamour é terrível: favor trancar a porta do banheiro antes de usá-lo para qualquer coisa – exceto em caso de banhos compartilhados.
Beth, minha amiga linda – olha, parece a Isabelle Adjani – está no velho conflito: namorado legal com sexo ruim. Que pena, viu? Por isso é que se cai nas mãos dos cafajestes, que são sexualmente habilidosos.
Interessante que dizem que “quando a esmola é demais, o santo desconfia”: quem viu Beth sozinha tanto tempo certamente pensou que era porque, sendo tão bonita, ela é fútil, interesseira ou problemática. Quem pensou errou: conversamos muito sobre isso ontem, porque há mil, dentre nossas amigas, na mesma situação. São bonitas, interessante, independentes e sozinhas porque não há boas opções e é melhor estar só a pensar que se está acompanhado quando, na verdade, a suposta companhia não soma nada à nossa vida.
O natal da gente teve, assim, uma boa dose de nostalgia, de gargalhadas, de vida dos outros para criticar, de piadas novas e situações velhas, de nossos defeitos e de exageros... Duas da manhã a maioria se foi, o vinho também, a conversa continuou, os pratos ficaram e eu acordei mega tarde, sem disposição nem para almoçar. “A vida não é filme, você não entendeu...”

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Aos amigos secretos


Gostaria de agradecer aos cento e poucos loucos que passam por aqui diariamente, seja para pescar imagens, seja para ler besteiras e loucuras.
Agradeço especialmente aos meus corajosos seguidores - aos explícitos e aos implícitos; aos que eu conheço e aos que eu nunca vi; aos semelhantes e aos diferentes, a todos e a todas eu desejo um natal especial e um 2012 de muito boas loucuras!

Os Remédios do Amor


Transcrevo abaixo passagens de um sermão do Padre António Vieira sobre Os remédios de Amor.
Prescrevo os mesmos remédios aos meus amigos enfermos e já apliquei tantos deles aos meus próprios ferimentos que bem sei que a receita é antiga, cheia de efeitos colaterais e de resultados lentos. Bem, um dia a dor passa!

Os remédios, pois, de amor mais poderosos e eficazes, que até agora tem descoberto a natureza, aprovado a experiência, e receitado a arte, são estes quatro: o tempo, a ausência, a ingratidão, e sobretudo, o melhorar de objeto. Todos temos nas palavras que tomei por tema; e tão expressos que não há mister comento: Cum dilexisset, eis aí o tempo: Suos qui erant in mundo, eis aí a ingratidão: Ut transeat, eis aí a ausência: Ex hoc mundo ad patrem, eis aí a melhoria do objeto. E como se aplicarem todos estes remédios à enfermidade, todos estes defensivos ao coração, e todos estes contrários ao amor do divino Amante, nem o tempo diminuiu, nem a ingratidão o esfriou, nem a ausência enfraqueceu, nem a melhoria do objeto mudou um ponto:
In finem vilext eos. Estas são as quatro partes do nosso discurso: vamos acreditando no amor e desacreditando dos remédios.
O primeiro remédio que dizíamos é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera? São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas, quer partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amor é causa de não amar, de amar menos.
O segundo remédio de amor é a ausência. Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar: o amor com a da terra. É o amor como a Lua, que em havendo Terra em meio, vai-o eclipsando. À sepultura chamou David discretamente terra do esquecimento: Terra abbionis. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passaste à outra terra? Se os mortos são tão esquecidos havendo tão pouca terra entre eles e os vivos; que podem esperar e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos; tantas léguas, que farão? Em outros longes passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor.
O terceiro remédio do amor é a ingratidão. Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos; assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem ter razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa, que privar do amor a um ingrato? O tempo é a natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão, sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado: se o deixamos de amar, não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo ódio.
Finalmente, o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver?
É, pois o quarto e último remédio do amor, e com o qual ninguém deixou de sarar, o melhorar de objeto. Dizem que um amor com outro amor se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim, como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito; assim no mesmo coração não podem caber dois amores; porque o amor que não é intenso, não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que se, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos, como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz, é outra luz ainda maior. As estrelas no meio das trevas luzem, e resplandecem mais; mas em aparecendo o Sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas.
(Fragmentos do Sermão do Mandato, do Padre Antônio Vieira)

Um natal nu e cru


Se eu fosse naturista como o pessoal aí da imagem,eu escreveria uma mensagem assim:
"Um amigo secreto deveria ser um momento de confraternização em que cada um desse o que bem entendesse. Muita gente pratica a generosidade sexual o ano todo, bem escondidinho, dando aos necessitados ou distribuindo aos carentes - é seu, dê a quem você quiser. Faça o bem sem olhar a quem, porque pode ser no escuro, desde que você se sinta confortável. Só não deixe de dar porque depois quem acaba te comendo é a terra.
Abra seu coração, seu zíper, sua carteira, abra a sua mente, seus olhos e até as suas pernas e deixe o natal entrar em você."
Mas, como este é um blog de respeito, não vou poder dizer nada disso.

Script de Natal


Não apenas choveu como também está fazendo frio por aqui: mais contradições deste verão que começou às duas da manhã de ontem... Já adverti meus companheiros de réveillon que o 31 de dezembro certamente vai zombar da escova do meu cabelo e a água vai descer num réveillon chuvoso. E chuva, basta aparecer que não acaba mais.
Eu estava falando com o meu amigo Léo, ontem. Indaguei a vida profissional dele, questionando se ele já estava levando trabalhos para casa e já começava a reclamar do salário. Ele confirmou e eu disse: “Rito de passagem feito com sucesso. Parabéns, você já um professor!”. E lá ficou ele, tratando das chateações e das burocracias dos sistemas informatizados de lançamento de notas e de preenchimentos de caderneta.
Bem vindo ao clube, Léo!
A namorada dele está na Europa, porque os pais dela moram lá... e ele só pensa em ir embora também, porque nunca se ajustou a Salvador, ao contrário do que acontece à maioria dos paulistas. Engraçado que exatamente há um ano, eu fui encontrá-lo lá na Avenida Paulista, conversar, discutir coisas e depois perambular pela 25 de março e pela Rua São Pedro, porque ele é o único heterossexual que eu conheço que não faz birra e beicinho para reclamar de acompanhar as compras de cosméticos de uma mulher. Pelo contrário, ele comprou gel para o cabelo, me perguntou coisas e ainda comprou um jeans onde eu costumava ir comprar vestidos, numa das tantas boas Out-lets que ficam ali no Centro de São Paulo.
E um ano depois tudo mudou: ele defendeu a dissertação, desmanchou o namoro que eu julgava inabalável e irremediável e agora vive “a sorte de um amor tranqüilo” e aquela alma toda inquieta para ir para longe.
Temos essas duas diferenças marcantes: eu preciso e gosto de ficar sozinha e amo a minha casa, fato que me prende aqui. Ele tem pavor de ficar só, acha que é um duro aprendizado em que ele sempre será reprovado e acha que o mundo é pequeno para tudo quanto ele ainda quer caminhar.
No resto somos bem par/pares: do louvor aos Beatles às insistentes angústias da existência; do gosto pela Filosofia e pela Literatura; dos amigos loucos à observações sobre os olhos turvos dos turistas; dos filmes aos atores; das cores aos sonhos...somos muito, muito parecidos. E ontem também um traço nosso voltou a ser discutido: ele reclamou da casa dos trinta anos, dos 31 anos que ele tem, de se sentir velhos e não se encaixar em outro time etário, tendo saudades dos amigos lisos e malucos de antes. Eu começo a me despedir da casa dos trinta e tal como ele, me sentir muito jovem para estar velha e me sentir muito velha para estar jovem. Coisas que nos tornam anacrônicos – já falei, as pessoas prolongam a adolescência. Está aí Supla, na casa dos cinqüenta anos e ainda na primeira infância; Billy Idol também pode ser adolescente na casa dos sessenta e Mick Jaggar, um fóssil, ainda é o fodão do pop rock e come as modelos brasileiras fazendo sexo inadvertidamente como nem todo adolescente burro de 16 anos faria.
Há um problema sério com o tempo em nosso tempo. Mas estou sem tempo para isso agora, porque se você não vai ao natal, ele vem até você: aí inventaram de aparecer aqui amanhã e o jantar tem que ser temperado desde hoje; e eu comprei um queijo caro por causa disso e um série de sementes que me devoraram as finanças e, no fundo, me sinto lisonjeada por meus amigos saberem que eu cozinho bem. Sei que eles vem aqui porque se sentem sozinhos e porque julgam que talvez eu esteja só num dia em que não é bom estar só. Acho que depois eles vão lavar os pratos para mim, rir do meu tio, ir lá fora brincar no balanço, dar pausa para falar dos desesperos de cada um e depois ver o Telecine. Depois todo mundo some, por causa do réveillon, porque cada um vai para um lado.
Queria que minha amiga louca viesse. Queria muito: ela faz a festa. Acho que guardo um pouco de revolta contra a rivotrilização da vida por isso, porque sinto falta dela. Mas depois da comodidade de se obter alegria através de um comprido e de se fazer uma fuga segura dos sintomas, quem vai se esforçar para atingir a causa? Aí ela preguiçosamente se ampara nos comprimidos.
Talvez a minha noite feliz seja ver Héber sonolento no sofá, com um dos meus gatos puxando os cabelos dele e outro mordendo o pé – está aí um menino que sabe fazer chá e sopas! – depois olho a cara sonolenta dele, os cabelos desgrenhados e uma indisposição doida para voltar para casa (a casa dele fica a quatro quarteirões da minha) e ele acaba dormindo no sofá mesmo. Ao contrário de Márcia, que faz visitas cronometradas e de Ninno, que já chega com sono. Antes de tudo isso e das piadinhas maldosas reciprocamente distribuídas, riremos juntos das berrarias da fé cujo barulho invadirá nossas conversas: toda esta semana tem culto na igreja evangélica que fica no fundo de minha casa. Aleluia!

Coisas que me impressionam...


Gente, das coisas que já me impressionaram nessa vida, duas são especialmente chocantes e recentes: o recall anunciado pelos preservativos da Blowtex (80 mil camisinhas, gente!!!) e o outro recall, encetado pelo Governo francês, das próteses de silicone.
Isso é que é sentir no peito os prejuízos de um silicone de qualidadee questionável!
E para não deixar de lado outras coisas que me impressionaram aqui, embaixo do meu nariz, a primeira foi o cirurgião plástico dizendo à minha tia: " A senhora pode optar por Botox mesmo, sem cirurgia, para corrigir o código de barras acima de sua boca" (KKK! estou rindo até agora. Minha tia também não é mal humorada e riu, foi para casa e está pensando no caso do Botox);
A outra foi do filme A trilogia do Corpo, em que o narrador fala que uma das maneiras mais eficientes de fechar o corpo é adquirindo um carro blindado (munido de ar condicionado).
E ainda tem gente que cobra sanidade...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Breve recado


Ora bolas, não me amola, não me enfarta
Não me telefone, não me mande carta
Ora bolas, vá às favas, vá plantar batata
Desembaça, desencana, desentorta
Não me desacata
Eu não tenho sangue de barata
Eu não tenho suingue de mulata
Eu só sei fazer conta exata
Dane-se quem vier me destratar

Esse amor não ata nem desata
Não ata e nem desata
Não ata e nem desata não
Esse amor não ata nem desata
Não ata e nem desata
Não ata e nem desata não

Pelas flores que me deste fico grata
Pelas horas de conversa
De lorota e de cascata

Esse amor não ata nem desata
Não ata e nem desata
Não ata e nem desata não

Juro pela Bíblia e pelo Mahabarata
Nunca mais te ver a partir desta data

Esse amor não ata nem desata
Não ata e nem desata
Não ata e nem desata não

Faça bom proveito do seu coração de lata
Como o sol minh'alma continua intacta

Esse amor não ata nem desata
Não ata e nem desata
Não ata e nem desata não.

(Zeca Baleiro - Não me mande carta)).
Mais uma vez, estou disponibilizando o transporte...

Através da janela


Tem gente pensa que é escritor; tem que gente que pensa que é poeta; tem gente que pensa que é cineasta e tem gente que até pensa que pensa – o que pode ser o meu caso. E este preâmbulo é para dizer que perdi o meu tempo para assistir Através da janela, por gostar da Laura Cardoso. Mais um filme a decepcionar: todo óbvio. E meu problema com filmes óbvios é que começo a duvidar que aquilo vá dar exatamente no que obviamente daria. E o óbvio se confirma, sem a menor graça.
Quando trouxe à baila o escritor, o poeta e o cineasta foi não apenas pela capacidade criativa que se espera daqueles que fazem jus a cada uma dessas funções, como também porque ao atacar os livros de auto-ajuda (que, como se sabe, só ajudam ao autor da obra), dizemos que tais livros trazem respostas prontas e que a Literatura do L maiúsculo traz inquietações, angústias e possibilidades que não se fecham numa só resposta, numa só opção interpretativa. Esse troço a gente diz para seduzir alunos. No fundo, a literatura metida a besta de que eu gosto também dá respostas. E das boas.
Quando não há respostas e a gente se deslumbra com a “obra aberta”, há o indício. Será que Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Será que a heroína do romance “xis” encontrou o mocinho após aquele final narrado? O que terá acontecido à personagem “Y”? enfim...
Dos casos literários de Machado de Assis eu já falei aqui em outras oportunidades, deixando claro o quanto é deslumbrante a capacidade de sedução dos narradores, de modo a nos convencer de seus pontos de vistas como se fossem verdade.
O narrador de Dom Casmurro quer nos convencer que Capitu traiu Bentinho tanto quanto o Nogueira de A missa do galo quer nos mostrar que ele estava inocente e confuso sobre aquele clima erótico diante de Dona Conceição... esses são narradores excepcionais que me seduzem tanto quanto a simplicidade da voz poética de Mário de Quintana nos versos que se fazem repetir ao longo de minha vida: “Todos esses que aí estão/atravancancando meu caminho,/ eles passarão,/eu passarinho”. E nem precisou rimar prisma com crisma, nem “romã com travesseiro”: quem pode, pode; quem é, é: não adianta escola nem as artificialidades técnicas que se vende nas esquinas.
Quanto à suspensão, essa não resposta, ela é para quem pode. É preciso saber escrever e saber narrar para chegar ao fim de um livro e não dar respostas.
Em Ninguém escreve ao coronel, Gabriel García Márquez deixa a gente com uma acidez horrorosa na boca, porque não dá respostas. Apenas mostra a decepção do coronel e o livro acaba com a resposta desta personagem à indagação da esposa sobre “o que vamos comer amanhã” e ele diz “merda!”.
Desses transtornos de fechar respostas sobre uma correspondência que vem ou não, uma descoberta a fazer, expectativas que o livro não mostra se foram cumpridas ou não, essas coisas aí tem que ter “cuñones” para fazer. Aí vem uma leva de imitadores de terceira categoria que querem colocar as respostas em suspenso sem saber criar suspense e o fim do filme torna-se, então, a réplica da última palavra dita pelo coronel lá do García Márquez.
Ora, faça o favor: mais uma vez o desperdício do talento de uma atriz de bagagem... Colocar uma atriz de bagagem para fazer um filme que é uma mala sem alça é o cúmulo da ironia e do trocadilho de péssimo gosto. Essa janela em nada lembra a Janela indiscreta de Hitchcock - no máximo, se aproxima das janelas do Windows mesmo. Eu fecharia as minhas.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Outra receita

Receitas de Felicidade


Há uns doidos que ficam fazendo cálculos sobre quanto tempo de nossa vida nós passamos a dormir e outros que calculam o tempo que perdemos nas filas. Fazem isso convertendo as horas em dias e, depois, nos deixam assustados com seus diagnósticos de que passamos, em média, uns 10 anos dormindo ou uns 05 anos nas filas... Eu não sei esses valores, que são divulgados vez por outra nas estatísticas alarmantes, mas acho interessante essa preocupação.
Penso que se eu for calcular, até o presente momento, o tempo que gastei tomando banho, o tempo que gastei me deslocando até a padaria, o tempo que eu levei no supermercado, o tempo que eu gastei telefonando, o tempo em que eu dormi, o tempo em que eu fiquei me arrumando para sair, o tempo que eu usei para beber água, o tempo em que eu fiquei paparicando meus gatos, o tempo em que eu fiquei escolhendo roupas numa loja, bem, bastaria isso para que eu soubesse que eu tive pouco tempo de vida conscientemente vivida.
Mas, ontem, eu concluí que o que eu mais fiz nessa vida foi esperar. Acho que o fenômeno não é assim tão particularmente meu: todos nós esperamos pela morte, só para começar esse ranking. Não que a escolha seja voluntária, mas é uma espera.
Esperamos um grande amor, esperamos que o tempo mude e que a sorte chegue, esperamos que o tempo cure o que nos aflige, esperamos esquecer com o tempo, esperamos nossos amigos passarem em nossas casas, esperamos em filas, esperamos para a prova do concurso começar, esperamos resultados, esperamos pelo atendimento, esperamos para pagar a conta, esperamos vagas no estacionamento e esperamos tanto por tantas coisas que, se alguém aqui me viu misturar a espera com a esperança, não se enganou: olha, elas não são diferentes como parecem. A vida é mesmo uma longa espera – e pode ser a espera pelo que não virá, pelo messias que não virá, pelo grande amor que ficou para a próxima (se houver próxima vida), pelas coisas e pelas graças que nunca passarão de esperas. Isso é encantador: a espera, a realização e a frustração são, com suas dores, decepções, expectativas e satisfações, tudo que se pode levar de uma vida.
Não deixo de me surpreender com a incapacidade de meu pai em aceitar coisas assim. Meu pai não consegue superar uma angústia ou reconhecer como angústia aquilo que é só angústia. Falo dele hoje menos por questões de psicanálise, do que por estranhar que eu, sendo parte dessa geração que promove a medicamentalização da vida, isto é, faço parte de uma geração que tem medo de angústia, que acha que tristeza requer remédio e que é incapaz de lidar com as dores comuns da existência, aceite como normal as vicissitudes da angústia de existir, enquanto o meu pai, que cresceu em outra era, apele para os recursos da artificialização da dor e encare com pavor o que é próprio da existência.
Onde será que o meu pai guardou a angústia dele esse tempo todo? Como ele conseguiu fugir dela até aqui? Por que será que ela finalmente venceu? Por que ele se lamenta tanto, se sentindo injustiçado pela vida por sentir angústia? Que processo de alienação foi esse que se manteve por todo esse tempo? Afinal, onde ele estava enquanto a vida dele acontecia?
Acho que as literaturas de auto-ajuda, na verdade, funcionam como um curso rápido sobre como enfrentar a vida. As lições são óbvias, simplórias, previsíveis, fáceis e não tem nada ali que as pessoas já não saibam previamente. Porém, se essa literatura de que eu não gosto existe e vende muito, é porque ela dialoga com o seu tempo e encontra ouvidos que a ouçam.
De minhas brincadeiras de dizer que eu passaria a um amigo de confiança a minha vida para que ele a resolvesse, concluí que também isso não é algo meu: todo mundo de que sou contemporânea faz isso por outros meios: paga à babá para não viver as vicissitudes da maternidade; paga remédios para não ter que resolver seus problemas reais; paga a um e a outro profissional para que ele se encarregue de resolver a sua vida.
Entrei na análise em 2003 com a ilusão de que alguém ali, devidamente pago resolveria a minha vida. Resolveu, mas não foi o profissional: fui eu – que, aliás, não sou bem resolvida em tudo. Mas paguei a alguém que me ensinasse a cuidar melhor de minha vida.
Tem dias em que a vida é um saco. Os sofrimentos gratuitos são os aspectos que mais contribuem para isso. A falta de razão para certos sofrimentos deixam a gente indignada. Mas isso vai acontecer sempre.
No fundo os viventes se bipartem. Só há, na mais profunda generalização, a seguinte polarização: os que acham a vida linda, maravilhosa e um dom a ser preservado haja o que houver; e os que acham que a vida não presta. Os problemas destes últimos foram criados pelos primeiros, isto é, são os mega-otimistas que trazem suas versões de felicidade, de famílias felizes, de pessoas perfeitas e de vida magnânima, são eles que divulgam uma imagem de vida que não corresponde à realidade.
Os que acham que a vida não presta constatam que há insuficiências, faltas, perdas e lacunas em sua própria vida. Portanto, tendem a se sentir inaptos a atingir aquela felicidade dos otimistas.
Felicidade são lapsos, hiatos, pequenos eventos de duração maior ou menor, mas nunca constante e ininterrupta. O resto é angústia e vida mesmo. Não precisa muita filosofia e não precisa ter vergonha de ser feliz naquele momento em que comer um petit gateau dá um prazer incomensurável e a gente se sente medíocre ou bobo por uma felicidade tão simples.
Tive um sonho maravilhoso na noite de ontem para hoje. Alguém poderá dizer por que nunca falo dos pesadelos: é que raramente eles me pegam. Mas os sonhos bons me fazem feliz, me fazem querer dormir um pouco mais, me trazem realizações só possíveis ali e me dão alimento para que o dia seja melhor e para que o meu humor ajude meu dia a ser melhor.
Qualquer possibilidade de felicidade deve ser aproveitada. A felicidade artificial do paraíso artificial nunca me satisfaria – drogas, remédios e poções mágicas ou alcoólicas não funcionariam comigo. Aí Taty me diz que é porque felicidade é determinada geneticamente – sei lá. Seja como for, odeio as pessoas super-felizes: aquilo, com certeza, têm um pouco de fluoxetina...
A receita da felicidade quem pode dar é o psiquiatra: talvez um pouquinho de Prozac, uma Risperidona (se a vida te enlouquece), um benzodiazepínico, um maravilhoso Rivotril, coisas assim, simples e com tarja preta.
Quanto Valium a felicidade? - diria alguém mais louco que eu.
Outros loucos diriam: Rivotril: não vá para a cama sem ele!
Meus amigos amam todos esse medicamentos. Amam, assumem dependências, louvam, idolatram e, como eu já disse, até meu pai chama carinhosamente "Meu Lexotanzinho"! Ai, que fofo!
A receita da felicidade, na vida real, é pessoal e intransferível, não passa de mãe para filho, não tem ingredientes pré-definidos, não tem modo de preparo nem tempo certo para acontecer.
Já fui feliz com dinheiro e sem ele – embora, reconheço, melhor ser triste com dinheiro no bolso; já fui feliz apesar dos medos, já fui feliz com bobagens e com coisas incríveis que eu conquistei; já fui feliz sozinha e bem acompanhada e só posso dizer, como conselho a quem quiser aceitar, que sempre vale a pena abrir as portas para a felicidade. Se ela for embora logo, que pena. Se entrar e ficar mais um pouco, melhor ainda. Só acho que felicidade não entra onde não é chamada.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Inveja: o olho do mal


A igualdade é um ideal. E como qualquer ideal, tende a não passar do plano das idéias. Como discurso dos nossos pais, a igualdade tem uma função pedagógica e ideológica de contenção dos conflitos e um dia, quando alguns de nós amadurece, descobre, finalmente, que nenhum pai e nenhuma mãe ama aos filhos com igualdade. Isso seria impossível, porque todo mundo tem as suas preferências e os seus preferidos.
Tive que dizer à minha amiga, após mais uma sessão de discussão da admitida inveja que ela sente da irmã, que a culpa de tudo era da mãe dela, que realmente amava mais àquela irmã tão invejada. Amor explícito.
Inveja é um troço complicado. Piora quando a pessoa não admite e não percebe que os comparativos feitos são inveja pura.
Minha amiga acha que a irmã é a preferida dos pais, que a irmã é mais bonita, que a irmã teve mais sorte que ela, que todas as portas se abriram sempre para a irmã dela... Coisas que se arrastam desde a infância.
Estabelecida a disputa pelo amor dos pais e pelo amor dos homens, minha amiga se esforçou para ser a mais bem formada, a mais bem sucedida profissionalmente, aquela de quem se pode orgulhar... Não deu certo. E creio que não deu certo porque a outra é a mais feliz, a outra tem tudo que ela não tem e a outra não está nem aí para a inveja.
Não se conquista amor de pai e mãe com notas altas na escola; nem com bom comportamento; nem com sucesso e conduta exemplar: amor não se explica assim racional e calculadamente. Eles amam um mais que os outros e ponto final. E quando a gente se torna pai e mãe volta a reproduzir a cadeia infinita das injustiças sentimentais.
Mas os pais, claro, gostam dela. A mãe sempre gostou dela, apenas ela não é, não foi e nunca será a preferida.
Quando em psicanálise somos induzidos a matar o pai e mãe no simbólico, é para a gente se libertar desse cordão umbilical invisível, essa dependência emocional, essa disputa cansativa que se trava ao longo da vida, querendo ser o preferido. É preciso mudar de objeto, encerrar capítulos. Mas a minha amiga anda em círculos.
Inveja é um troço perigoso mesmo: quantos crimes não foram motivados por ela? Quantas pessoas não odeiam a gente por termos o que elas não têm? Quantas pessoas invejosas não plantam as sementes da discórdia no nosso ambiente de trabalho? Quem nunca se deparou com maldades inexplicáveis, aparentemente gratuitas que depois se revelaram embebidas pela inveja? Quantas vezes duvidamos do olho grosso que nos circunda porque julgamos não termos nada que possa causar inveja em alguém, mas depois descobrimos que há inveja de tudo nessa vida? Por falar nisso, ontem certa pessoa declarou com todas as letras que sentia inveja da minha saúde... onde já se viu isso?
A irmã do meu amigo acabou de ser demitida do emprego. Indagando as razões para isso, o empregador disse não ter motivos para aquela demissão, sem justa causa, mas horas depois se soube que foi um pedido pessoal de uma colega de trabalho que era parente do empregador e se sentiu incomodada com os atributos profissionais da moça. Onde eu estudo houve caso semelhante: uma professora decana e assentada em seu posto de trabalho forçou a exoneração de uma professora substituta porque a moça trouxe visões e interpretações inovadoras sobre a matéria que ambas lecionavam e isso implicava numa ameaça ao status quo, ao estabelecimento das coisas. Traduzindo: todos são casos de inveja.
O invejoso acha que o outro está com algo que lhe pertence.
O invejoso deseja para si aquilo que é do outro e que nunca poderá ser dele... O mundo está entupido de Talentosos Ripleys.
Minha amiga Cléo desmanchou o namoro com o cara que ela amava por causa do boato de um invejoso: ele fez Cléo acreditar que o sujeito a havia traído e alimentou a fogueira da discórdia de tal modo que nenhum argumento do namorado dela conseguiu se fazer crível.
Meses depois o invejoso admitiu que nada daquilo jamais existiu e que ele se incomodou com a felicidade do casal, querendo abrir condições para que fosse ele a namorar Cléo. A esta altura nada mais poderia ser feito e o amor foi destruído pela obra da inveja alheia e gratuita.
Recentemente vi algo assim num filme e quando desmascarado o invejoso, o casal separado já havia constituído outras relações. Ao perguntar ao invejoso porque ele mentiu para separá-los, ele respondeu: “Menti porque eu podia fazer aquilo. Eu podia e queria. E fiz.”
Nunca duvide da ficção!
Várias civilizações têm seus mitos constituídos que alertam para a inveja. Há amuletos, há orações, há plantas para defender a gente da inveja e essa temerosidade não é à toa: a inveja é o olho do mal secando as pimenteiras da prosperidade da gente, do amor da gente, da vida da gente, da saúde da gente... Fique sempre de olho no olho gordo!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Por trás do espírito natalino


O espírito natalino que se instala nas cidades, pelo menos para mim, passa uma visão infernal: engarrafamento, ruas cheias, lojas cheias, supermercados cheios, bancos cheios e eu mais cheia ainda das filas que acompanham qualquer dessas coisas.
Atônita, vejo perus anabolizados nos freezers dos supermercados: lembra muito as pessoas que freqüentam a mesma academia que eu, daí porque já comparei alguns a avestruzes. Mas agora são os perus que parecem avestruzes, com pesos absurdos que os levam a custar noventa e tantos reais ou mais. Não comeria nunca uma ave dessas. Não comeria nunca uma coisa qualquer que me parecesse anabolizada – nem mesmo um homem. Credo!No fundo acredito que aquela artificialidade toda de tamanho possa gerar algumas desproporções absurdas.
Temos estes preconceitos. Sei que vocês imaginam a qual desproporção eu me referia, mas aquela outra é muita comum de ser arrolada pelos nossos preconceitos: a sentença de que a capacidade intelectual é inversamente proporcional ao desenvolvimento dos músculos, ou seja, achamos que provavelmente grandes corpos ocultam pequenos cérebros. Preconceito é preconceito e todo mundo tem algum.
Vi na UFBA, nesta segunda-feira, o cartaz do espetáculo de teatro Baianidade Baiana. Pela redundância do título, já dá para imaginar que é uma comédia que gira em torno dos estereótipos negativos dos baianos e coisas afins. O Cabaré da RRRRRRRRraça também explora os estereótipos, mas focaliza os estereótipos sobre os negros e não há estereótipo negativo que não seja primo-irmão de um preconceito.
Também assisti, recentemente, ao filme Jardim das Folhas Sagradas. Achei o conteúdo didático, no tocante à desmistificação dos estereótipos contra negros candomblecistas. Ali, devolve-se na mesma moeda a perseguição religiosa que os crentes evangélicos praticam contra os adeptos das religiões de matrizes africanas. O filme não descarta, entretanto, a introjeção dos preconceitos pelos próprios sujeitos que são vítimas deles: nosso problema cultural é assim algo que perpassa a psicologia. De tão repetidos certos atos e valores, vamos nos acostumando a eles, incorporando, traduzindo, praticando e transformando a repetição em naturalização.
Em relação aos preconceitos de gênero, gosto muito do filme Mulheres Perfeitas: elas são maquinalmente perfeitas, reificadas, impecáveis em sua função de objeto. Até que depois descobrimos que são literalmente máquinas, mas que o macho alfa que ali está no controle – e isso é muito marcante -, ao perder também literalmente a cabeça, mostra-se um robô. Mas a cabeça daquele homem foi projetada por uma mulher. A mulher, então, reproduz, incorpora e reproduz os valores machistas.
Numa acepção mais próxima, isso é o mesmo que observar o quanto uma mãe pode desejar para o filho uma mulher de bem. Como cantou Luiz Melodia: ”Uma moça sem mancadas/uma mulher não pode vacilar...”.
A mulher que a mãe quer para o filho é moralmente impecável, é virgem, é pura e subserviente. Todas as que desviarem desse ideal, não servem para ele. Imagino, entretanto, que para a filha dela, essa mesma mãe não vá querer um marido virgem, nem puro, nem subserviente – afinal, que coisa feia é m homem obediente e submisso, não é? Por essas e outras o natal em que os seres humanos de minha família se aproximam sempre acaba em divergência, porque eu puxo a toalha da mesa desde que me entendo por gente... mas, desconsiderem essas conversas loucas... É que o natal me enlouquece um pouco mais.
Excedendo o meu blábláblá pessoal, eu nem gosto nem desgosto do natal. Não viajo nos protestos de quem acertadamente reconhece o aspecto comercial da data e seu vínculo com o capital. Sei disso e não estou nem aí. Não aumento meu consumo nem mais nem menos, nada se altera para mim a não ser a decoração de minha casa, os votos de felicidade que faço aos meus amigos, a culinária peculiar que me deixa mais perto das sementes que eu adoro: adoro mix de castanhas do Pará, amêndoas,nozes e castanha. Poxa, adoro comer isso e adoro aquela “doçaria” natalina toda.
Na verdade, o pior do natal vem depois do natal, nas reportagens de sempre, que tratam das trocas dos artigos com que se foi presenteado e com as mesmíssimas receitas para aproveitar o que sobrou da ceia. Aí fica só um pouco de letargia para esperar o Ano Novo. Depois, tudo passa e as contas vêm.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Para Pensar Direito


Há pouco o Jornal Globo News estava discutindo o direito dos animais. Melhor dizendo, a ausência de formulações de direito para os animais, em que apenas há referências contra abusos e maus tratos contra eles e cujas penas são leves e quase sempre negligenciadas.
O especialista em Direito, então, argumentou que o Direito é antropocêntrico. Assim sendo, os animais são considerados como coisas ou objetos. Deste modo, se um vizinho maltrata nosso animal de estimação, no âmbito da Justiça, o crime é posto como sendo contra nós e não contra o bicho. Por conta disso, crimes desta natureza são tidos como de “ordem menor”.
Ninguém está a salvo de analogias, por mais incoerentes e aparentemente anacrônicas que possam parecer. Fiz as minhas: Pensei em Caetano Veloso cantando aqueles versos de O estrangeiro: “O macho, adulto, branco, sempre no comando”.
Esse negócio de um Direito antropocêntrico é deveras interessante. Usamos termos como “O homem” para nos referir à Humanidade, reconhecendo um gênero dominante. Na minha redundância de ter o antropocêntrico literalmente entendido como o homem enquanto referência e centro, constatei o óbvio, ou seja, nem todo homem é reconhecido como homem, humanamente falando. A humanidade é para poucos e é hierárquica.
O homem pobre é menos humano que o homem rico, pelo menos na sociedade e para o Direito. Por isso ficamos ainda perplexos diante da impunidade dos ricos criminosos.
Uma mulher, numa sociedade machista e patriarcal é menos gente do que o pior dos homens. Com uma humanidade maior, o Direito dos homens é também maior do que o das mulheres.
Um homem negro é menos gente do que uma mulher branca e rica assim como um homossexual é menos gente do que um homem negro. Não sou eu que digo isso, somos nós que constatamos, que deduzimos ante às práticas recorrentes. Acredito na realidade não declarada do Direito, porque é o que a vida mostra.
Em meu país criam-se leis para proteger os direitos desses que são chamados minorias e onde eu me incluo. Mas há um outro lado da sociedade que acha um absurdo criar leis para isso e que preconiza um país democrático e igualitário. Eu, ironicamente, só tenho a lamentar a perda de tempo dos magistrados que ficam criando leis para coisas que não existem, como discriminação, violência contra mulheres, homossexuais, crianças, idosos ou contra preconceitos de gênero, classe, cor e etnia.
A criação de leis para tais pessoas que socialmente são menos gente do que o Humano-padrão não é concessão: é fruto de luta, é bilhete de negociação para conter revoltas.
Infeliz de quem ignora o passado: também por analogia não deveríamos esquecer-nos da experiência escrava do povo negro em nosso país e pelo mundo afora. Também deles retiraram a alma para considerá-los coisas; também sua humanidade foi ignorada, para tratá-los como peças e coisas. Mas é bom lembrar do passado para conhecê-lo e lutar contra a permanência deletéria de suas práticas perversas: fomos escravos. Fomos. Não são poucos os que têm saudades da escravidão, que relembram o passado para inferiorizar os negros e não para procurar saldar a dívida moral de anos de exploração e de práticas desumanas. Diz-se, ainda, nas palavras dos conservadores, que negro não é gente; que índio não é gente... E a cada vez que somos testemunhas dessas declarações voltamos à questão da centralidade do que é ser gente, do que é ser humano, do que é ser homem e o que a antropocentralidade do Direito significa.
É problemático estar no “Brasil: um país de todos” e acreditar nisso. É mais problemático ainda acreditar na “Bahia: terra de todos nós”, numa igualdade forjada que desafia o teor do “todos”. Não é muito diferente daquele que crê que Sergipe é “a capital da qualidade de vida no país”: muitos lemas, muitas bandeiras, muitas “cidades maravilhosas cheias de encanto mil” e outras garoas perigosamente igualitárias nas suas igualdades para poucos.

Os valores do matrimônio


É, meus amigos, teoricamente isso vai ser "até que a morte os separe". E já tem gente pedindo a morte durante a cerimônia.
Mas não quero desencorajar ninguém porque pode ser que meus queixumes sejam coisa de uma mulher amarga e encalhada. Eu, na verdade, defendo os verdadeiros valores do matrimônio: o valor da festa; do apartamento, do carro, da casa de praia e da pensão. Pense nisso antes de querer desmanchar seu matrimônio. Meu bem, meus bens!

No fundo, propagandas


Até os países católicos e conservadores estão mais flexíveis aos apelos da indústria do entretenimento sexual, não é? é o efeito sex shop!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Tribos (segunda versão)


Eu estava começando esta postagem pensando apenas no Baila comigo da Rita Lee, julgando bem mais próprio para a postagem anterior do que o Chico Science e cuja escolha tinha sido no "par ou ímpar". Mas, então,a página anunciou: "Namoro evangélico".
Concluí, então, que a coisa está feia: poxa, tem que rotular o tipo de namoro. E o que não terá num namoro evangélico? anunciar o adjetivo religioso junto ao serviço ofertado faz presumir uma pretensa garantia moral, a coisa séria do relacionamento sério com as pessoas sérias (e certas).
Muitas coisas funcionam a partir de dispositivos simples: respeito, carinho, amizade, resiliência, humanidade, justiça, humildade. Simples, mas tão difícil de achar...
As coisas não funcionam assim como na propaganda: no apagar das luzes acontecem coisas que até Deus já parou de duvidar. O que pode haver num namoro evangélico é um pouquinho mais de discrição, mas entre seres humanos as reações, os desejos, as vontades, os apelos do corpo, as necessidades são as mesmas, no cristão ou no herege, no candomblecista ou no ateu.
Tem supergo mais vigilante aqui e ali, tem repressão, tem escolhas,tem convicções, tem de tudo nessa vida onde quer que haja um ser humano. Mas não vou deixar de achar pitoresco dar de cara com uma coisa dessas, com um anúncio de namoro evangélico. Engraçado. Muito engraçado!
E eu, inocente que sou, penso que os pecados da carne se resumem aos exageros que cometemos numa churrascaria...

Se Deus quiser
Um dia eu quero ser índio
Viver pelado
Pintado de verde
Num eterno domingo
Ser um bicho preguiça
Espantar turista
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Sol!...
Se Deus quiser
Um dia acabo voando
Tão banal assim
Como um pardal
Meio de contrabando
Desviar do estilingue
Deixar que me xingue
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Banho de sol!...
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo...
Se Deus quiser
Um dia eu viro semente
E quando a chuva
Molhar o jardim
Ah! Eu fico contente
E na primavera
Vou brotar na terra
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Sol!...

Se Deus quiser
Um dia eu morro bem velha
Na hora "H"
Quando a bomba estourar
Quero ver da janela
E entrar no pacote
De camarote...
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Banho de sol!...
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila,
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo...
(Baila Comigo - Rita Lee)

Tribos


Não sou mais desqualificada: passei honradamente em meu Exame de Qualificação. Fiquei preocupada comigo mesma apenas porque não fiquei nervosa, o que poderia ser interpretado como excesso de autoconfiança ou convencimento, mas, ainda bem nada disso aconteceu.
Vi minha banca surpresa, conforme assumido por uma das professoras, porque eles presumiam que eu tivesse problemas com a escrita e problemas com criatividade e com metodologia, porque a isso poderia ser atribuído o processo de minha ruptura com a ex-orientadora. A leitura de minha tese, segundo a banca, eliminou o equívoco. Fiquei ainda mais feliz pelo meu orientador ter dito: não consigo entender o que houve com “X” (a orientadora) para perder, assim, uma orientanda com um trabalho deste nível, com uma escrita fluente e com uma postura acadêmica tão responsável.
Mais do que a aprovação, fiquei feliz pelo resultado subjetivo.
Gosto muito do meu orientador e volto a repetir a necessidade de trabalharmos com quem nos é simpático. Ficar ao lado do inimigo, do antipático e do desafeto incomoda e prejudica a pesquisa e o nosso desenvolvimento.
Tenho, pois, um imenso compromisso moral com meu orientador. Gosto dele e sei dos esforços dele para driblar a greve dos aeronautas no aeroporto de Lisboa horas antes do vôo dele para Brasil, para honrar os compromissos de minha defesa. Deu certo, mas antes ele já havia acionado mil contatos por aqui pelo Brasil só para salvaguardar o compromisso. Se já sou responsável, ele reforça em mim a preocupação em continuar sendo.
Não quero jamais ser uma aluna medíocre. Fazer qualquer coisa, escrever qualquer coisa, fazer da vida acadêmica uma coisa qualquer.. Isso não é comigo: entro no jogo, me comprometo.
Achei que meu orientador ficaria retido na alfândega, cheio de vinhos do Porto mal declarados, mas ele foi prudente. A bagagem veio foi cheia de histórias e observações interessante sobre o povo português, sobre Portugal, país tão adorado por ele. E como não poderia deixar de ser, as gafes culturais ocorrem: Por aqui, chamamos a qualquer homem de “Moço”. É um vocativo comum: “Moço, por favor, onde fica isso?”; “Obrigada, moço!”; “Certo, moço!”, até que o homem português se declara ofendido porque “moço” por lá é referência para os homossexuais. Interessante como universalmente qualquer coisa afeta a integridade moral masculina. Para nós, moço é só um homem jovem, uma maneira cortês de chamar um homem. Que pena!!!nós, seres humanos, em nossas eternas lutas interiores com essa dificuldade de reconhecer o outro, o diferente como sendo tão humano quanto nós mesmos.
Com todas as brincadeiras que eu faço, acho que é uma dádiva ter um orientador que nunca passou perto da mediocridade.
Achei por bem, após tudo isso, aproveitar aquela oportunidade em que as coisas eram favoráveis e o sol resolveu aparecer: me mandei para Guarajuba, aceitei os paparicos da minha tia, desisti de sair no sábado à noite e resolvi curtir a preguiça pós-sol, com minha pele à là Zeca Baleiro, ou seja, com o “Fogo do juízo final”, porque nunca mais eu tinha visto sol e muito menos o mar. Vi e exagerei.
A praia tinha mais homens do que mulheres. Melhor ainda: tinha homens bonitos e prováveis heterossexuais. A praia se faz também pela sua paisagem humana...
Falando nisso, nesta segunda-feira eu fui à UFBA auxiliar as escolhas de disciplinas de um dos meus amigos aprovados no doutorado. Nos poucos minutos em que fiquei no quadro de avisos, apareceu um moreno lindo, maravilhoso de rosto e corpo e me pediu ajuda e informações que eu, prontamente atendi.
Meu amigo lascou meio mundo de indiretas que eu ignorei. Depois, fui sentar num canto e o moreno apareceu de novo, se esparramando entre a cadeira e a mesa como um gato se espreguiçaria ao sol. E lá vem o meu amigo... E lá vem as indiretas... Somente depois de observar bem o jeitinho do moreno, suas poses, caras e bocas; e que um outro amigo em comum surgiu e o abraçou, sacudiu e fosforesceu é que o meu amigo constatou que aquele moreno lindo era gay. Poxa, demorou, hein? De minha parte nunca houve dúvidas.
Gosto de gays. Sinceramente, tenho respeito e carinho por eles, apesar de fazer piadas de mal gosto e de me contaminar pela minha cultura em algumas falas. Sou simpática a eles, por defender seus direitos políticos, por conviver com eles e por depreender o sofrimento de muitos (tendo vergonha de si, escamoteando por temer a família e a discriminação social, por temer o desrespeito...). Tenho maravilhosos amigos gays. O chato é que quanto mais gays, menos heterossexuais sobram para nós, mulheres.
Ainda neste tópico, em meu fim de semana na praia, até comentei com minha tia sobre o ato dos homens dali mexerem conosco, terem iniciativa, fazerem gracejos... Pode ser que a ausência de homens 'do sexo masculino" seja muito próprio dos lugares onde ando e de onde eu moro: vi dúzias de heterossexuais por ali... A menos que seja área de preservação da espécie ou reserva ecológica dos índios Papachanas...


Somos todos juntos uma miscigenação
E não podemos fugir da nossa etnia
Índios, brancos, negros e mestiços
Nada de errado em seus princípios
O seu e o meu são iguais
Corre nas veias sem parar
Costumes, é folclore é tradição
Capoeira que rasga o chão
Samba que sai da favela acabada
É hip hop na minha embolada
É o povo na arte
É arte no povo
E não o povo na arte
De quem faz arte com o povo
Por de trás de algo que se esconde
Há sempre uma grande mina de conhecimentos
e sentimentos
Não há mistérios em descobrir
O que você tem e o que gosta
Não há mistérios em descobrir
O que você é e o que você faz
Maracatu psicodélico
Capoeira da Pesada
Bumba meu rádio
Berimbau elétrico
Frevo, Samba e Cores
Cores unidas e alegria
Nada de errado em nossa etnia.
(Etnia - Chico Science e Nação Zumbi)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A trilha sonora de hoje


Acordei cedo e penso que acordei sem ter dormido, como costuma acontecer às vezes. Não foi nem por preocupação ou por ansiedade que se ligue à proximidade da hora de meu Exame de Qualificação, mas por ter outra pessoa dormindo em minha casa. Nada contra a pessoa, ao contrário, mas essa minha inquietude é cruel comigo. Basta uma pessoa para que meu inconsciente capte como "um intruso". Há o agravante de que a pessoa acordava a toda hora e que eu tenho o sono sensível e desperto se uma pena cair no chão...desisti de dormir, suponho.
E me veio a música de Manu Chao (Me gustas tu) na cabeça logo que saí da cama... Bom, fico pensando "Que voy hacer? je suis perdu!" e " Que horas son, mi corazón", repetitivamente.

¿Qué horas son mi corazón?
Te lo dije muy clarito
Doce de la noche en la Habana, Cuba
Once de la noche en San Salvador, El Salvador
Once de la noche en Managua, Nicaragua
Me gustan los aviones, me gustas tú.
Me gusta viajar, me gustas tú.
Me gusta la mañana, me gustas tú.
Me gusta el viento, me gustas tú.
Me gusta soñar, me gustas tú.
Me gusta la mar, me gustas tú.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.

Me gusta la moto, me gustas tú.
Me gusta correr, me gustas tú.
Me gusta la lluvia, me gustas tú.
Me gusta volver, me gustas tú.
Me gusta marijuana, me gustas tú.
Me gusta colombiana, me gustas tú.
Me gusta la montaña, me gustas tú.
Me gusta la noche...

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.

Doce un minuto
Me gusta la cena, me gustas tú.
Me gusta la vecina, me gustas tú.
Radio relojio
Me gusta su cocina, me gustas tú.
Una de la mañana
Me gusta camelar, me gustas tú.
Me gusta la guitarra, me gustas tú.
Me gusta el reggae, me gustas tú.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.

Me gusta la canela, me gustas tú.
Me gusta el fuego, me gustas tú.
Me gusta menear, me gustas tú.
Me gusta la Coruña, me gustas tú.
Me gusta Malasaña, me gustas tú.
Me gusta la castaña, me gustas tú.
Me gusta Guatemala, me gustas tú.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.

Cuatro de la mañana
A la bin, a la ban a la bin bon ba
A la bin, a la ban a la bin bon ba
Obladi Obladá Obladidada
A la bin, a la ban a la bin bon ban

Radio relojio
Cinco de la mañana
No todo lo que es oro brilla
Remedio chino es infalible

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O anel que tu me deste


Não gosto de jóias. Uso sempre os mesmos brincos, não dou bola para ouro, pedras preciosas, essas coisas...
Além de ser impossível alguém me ver, nesta encarnação, com as unhas pintadas de vermelho ou de café (que eu acho brega, extremamente brega e esquisito), ninguém nunca me verá de brincos pendurados. A minha porção perua é outra. Glu-glu...
Detesto anéis. Detesto pulseiras, custem o quanto for.
Lembrei do assunto porque fui ali remexer minha gaveta em busca de um broche e dei de cara com o anel que o meu padrinho me deu há treze anos. Só uso o anel para tirar fotos e lembro muito bem a manobra dele para conseguir que eu fosse escolher e comprar um, por causa de uma cerimônia.
Glória Maria exibiu, uma vez, numa entrevista, brincos que ela assumiu custarem mais do que um apartamento na Vieira Souto...eu nunca daria tanto por uma jóia. Acho que isso é muito transparente em mim. Acho jóias uns troços supérfluos.
Meu padrinho me fez escolher uma anel. Escolhi a contragosto, sabendo que poderia estar gerando despesas inúteis... Para mim, era o verdadeiro consumo marginal, mas escolhi, questionei o valor e ele cortou pelo menos dois zeros no preço que me disse. Acreditei. Acreditei que aquilo nem era uma jóia e sim uma tal semi-jóia. Mas aí se passaram estes 13 anos e, independentemente do uso, o dourado do anel continua intacto, sem manchas verdes de iodo aderindo à peça, os cristais continuam idênticos ao que eram na hora da compra e aquela pedra gigantesca é uma baita de uma ametista verdadeira, segundo observou um perito na questão, amigo meu, Vítor, da sessão de penhores da Caixa Econômica. Não levei o anel para avaliação, não, foi mera coincidência e ele viu, brincou, perguntou se eu estava rica, gargalhou e pegou minha mão, comentou sobre meu anel,e sob minha cara estupefata e incrédula acerca do valor do que eu levava literalmente nas mãos, fez manobras riscou, bateu e riu de mim, achando que eu estava querendo ser modesta.
Pobre com jóia é um contra-senso...e anel precioso nas mãos erradas, pior ainda.
O valor sentimental ultrapassa, para mim, o valor que aquilo lá deve ter. Eu nunca irei me desfazer do anel. Nem dos outros anéis inúteis que eu tenho, porque ganhei um de uma amiga e outro de um ficante argentino generoso e romântico. Eu espero nunca terem desconfiado que eu tenho agonia nos dedos, pavor de usar alianças, anéis, seja lá o que for. Achei o gesto deles, de me presentearem, extremamente cortês.
O problema é que realmente mulheres gostam de jóias. Eu gosto de bijouterias, eu repito constantemente todas elas e já paguei caro por peças de zircônio e por pedrarias brutas,vidros, plásticos, por reles águas vivas e cobre, mas dar mais de dois mil reais num anel não é coisa que eu aceite ou pratique.
Ainda penso no meu padrinho que posssivelmente deve ter interpretado o meu mau gosto como rebeldia, deve ter achado que eu era uma pessoa birrenta, mal-criada...e os da minha família, então,devem ter julgado um absurdo uma mulher ter tanta resistência a um metal precioso,a essas coisas que brilham e deslumbram todo mundo. Juro: não faço questão.
Quando vi um colar de pérolas verdadeiras ao alcance do meu pescoço, "Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto..." porque as pérolas falsas são bem mais lindas, não pesam, são idênticas entre si... Ficar com uns mariscos no pescoço me fez me sentir um crustáceo.
Adoro acessórios, tenho minhas "peruíces",gosto de colares, de cintos, de adereços de cabelo, sou louca por sapatos - tenho vários sapatos trazidos de São Paulo em 2009 e que até hoje não usei, mas não consigo achar que isso seja supérfluo. Acho que todo sapato tem a sua hora. O que acontece é que é a roupa quem convoca o sapato. Ou o meu humor. Tenho certos pares que estão aguardando sua vez. Tenho outros que amo tanto que não consigo usar, por medo que acabem. E tem outros que me trazem recordaçõs de um tempo aí que eu não quero lembrar.
Mas as jóias, não estou nem aí para elas. Meu padrinho sabia que se eu soubesse do preço verdadeiro do anel eu jamais o aceitaria... Agora está aí a peça de museu, aguardando a próxima cerimônia metida besta a que eu tenha que ir.

Moda praia verão 2011/2012


Daqui a menos de 15 dias começará o verão. Dizem que as estampas navy, as rendas e as listras estarão com tudo na estação. Eu aprendi a gostar de listras, especialmente destas aí da imagem... e como eu costumo dizer, com M é moda, Com R é roda, com S é soda e com F é fashion.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Mr John and Me


Quando eu cheguei tudo,
Tudo estava virado
Apenas viro me viro
Mas eu mesma viro os olhinhos
Só entro no jogo porque
Estou mesmo depois
Depois de esgotar
O tempo regulamentar
De um lado o olho desaforo
Que diz meu nariz arrebitado
E não levo para casa, mas se você vem perto eu vou lá
Eu vou lá!
No canto do cisco
No canto do olho
A menina dança
E dentro da menina
A menina dança
E se você fecha o olho
A menina ainda dança
Dentro da menina
Ainda dança
Até o sol raiar
Até o sol raiar
Até dentro de você nascer
Nascer o que há!
Quando eu cheguei tudo, tudo
Tudo estava virado
Apenas viro me viro
Mas eu mesma viro os olhinhos.

( A menina dança - Novos Baianos -
.
Em homenagem ao 05 de dezembro, aniversário de meu amigo...Parabéns, Mr. John!

Rolam as pedras...


Tudo se transforma, tudo se transtorna, tudo passa, tudo muda: há quanto tempo convivemos com constatações como estas? Há mudanças discretas e outras abruptas; há surpresas e há previsibilidades, há improbabilidades e há meras coincidências e acasos, mas realmente tudo passa. Passa, inclusive, o prazer que a gente quer prolongar e a dor que parece infinita. No caso das dores, o seu término não indica que não ficarão cicatrizes.
Hoje saiu a publicação do meu texto apresentado num evento a que fui na UNICAMP. Julguei que só saísse no ano que vem, mas fiquei feliz por ver lá a minha “obra”.
Para a minha surpresa, ter seguido o protocolo da publicação não garantiu a formatação do meu texto, que está esteticamente horrível, mas recebi tudo com verdadeiro amor, fiquei feliz mesmo: contemplei o meu trabalho e fui direto aos erros e às supressões. Nestas horas a gente olha para trás e pergunta “onde eu estava com a cabeça? Como eu não vi isso aqui? Como eu esqueci aquilo ali?!”. Mas já está feito. E como o tempo passou, minha pesquisa já não é mais aquela, os rumos do que escrevo mudaram com os ventos da própria mudança. E, falando nisso, quem quiser ver em que pé andam as coisas, o meu exame de Qualificação será na UFBA, no Instituto de Letras, na sala 02 da Pós-graduação, às 14 horas desta sexta-feira, dia 09, porque afinal a defesa é publica mesmo. E se eu fizer feio, a vergonha também será pública.
E aos meus amigos que, nesta data, já terão confirmado a aprovação na seleção do doutorado deste ano, apareçam e vamos comemorar juntos a superação de mais uma etapa difícil para cada um de nós. Por mim, confirma-se happyhour no Shopping Barra após a sessão de Defesa...
Pois é, a gente fala, mas nem percebe que pesquisa é um troço que amadurece: daí porque meu texto de tempos atrás não corresponde ao que faço agora.
As amizades sofrem processo similar: algumas existem não por aquilo em que se tornaram, mas pelo que um dia foram. Infelizmente, nem tudo que muda, muda para melhor. Que bom que pelo menos elas deixam saudades...
Um grande amigo meu declarou que vai mudar, que vai largar uns hábitos deletérios... Agora, como cabe aos amigos, eu acredito nele. Quem quer mudar não espera pela segunda-feira, nem pelo ano-novo, nem por qualquer pretexto que deixe para depois o que se decidiu agora. Aprendi com os humoristas: “Antes tarde do que MAIS tarde.” E por que será que a gente se apega ao que reconhecidamente não é bom? Ao que não é bom para nós ou não s eliberta daquilo cujo preço é alto demais em relação aos benefícios? Que fraqueza é essa? Quantos apegos frágeis e dependências emocionais de gente, lugares, hábitos e etc.? Para mudar é preciso iniciativa. Voltamos ao ponto: A iniciativa é a mãe do resultado. Gostamos de transferir para outrem a responsabilidade de mudar as coisas para e por nós...
Rolling Stones: pedras que rolam (não criam limo). E Raul Seixas, queixoso: “Vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar”. Para mim, o verdadeiro louco de pedra é aquele que não faz nada para que as pedras rolem.

domingo, 4 de dezembro de 2011

À procura


Quando em 2006 eu defendi minha dissertação de mestrado e falei sobre a solidão e a poesia, o mundo era completamente outro, porque em cinco anos a humanidade dá saltos imprevisíveis, especialmente no nível tecnológico. Mas eu não sabia que as coisas viriam a ser como estão sendo, apesar de tanta rede social, apesar de tanta webcam e de tanto sexo virtual, apesar de tantas salas de bate-papo e de tanta gente junta sem estar próxima. Nossa solidão é assombrosa.
Parece, também, que as pessoas estão percebendo que filho não cura a solidão.
Parece, ainda, que a "solidão a dois", de que falava Cazuza, apesar de resistir, já é bem transparente.
Todo mundo quer "a sorte de um amor tranquilo", apesar das comunidades orkutianas que pregam "Solteiro sim, sozinho nunca".
Vi, uma vez, uma mulher dar chiliques no ônibus que nos levava a Xique-Xique, porque estava passando o filme Avassaladoras e, devido ao horário de reclusão dos passageiros, o motorista suspendeu o DVD antes do final.
Avassaladoras é um filme que impregna gerações de mulheres, mesmo sendo recente: estão ali todas as mulheres do meu tempo e de outros tempos que, por seu turno, vieram a perdurar neste tempo atual. Estão ali todas elas, por isso há um fascínio de reconhecimento, uma percepção autobiográfica, como se o filme fosse feito para elas, para cada uma de nós.
Minha amiga que passou a residir na Ilha de Lesbos comprou o filme. Minha amiga viveu o filme: se cadastrou numa agência de encontros que, tudo bem, não se chamava Honeymoon, mas cumpria a função; tentou de tudo e acabou mesmo achando a sua "Marília Gabriela".
Ontem eu não acompanhei as meninas: foram todas a Salvador dar uma força a A., que tinha se cadastrado numa agência de encontros de lá e tinha um encontro marcado. Todas estavam desesperadas, especialmente a parte interessada.
Já não apresentamos os amigos em comum; as pessoas não têm iniciativa na vida real; os encontros não dão em nada, não passam de formalidades e agora há a mercantilização da solidão.
Sou sozinha. Quem não é? Querer o companheirismo é mais do que querer companhia. Querer cumplicidade é mais do que querer um namorado... o resto é esse vazio besta que faz a gente ser descartável e tratar os outros como descartáveis, nessa efemeridade que deixa todo mundo na mesma.
Gostava quando os meus amigos faziam suas armações para apresentar um ao outro; uma ao outro, enfim...isso era bem mais natural...
Já fizeram um perfil para mim, certa vez, porque eu não conseguia superar o Ex-grande Amor da Minha Vida, porque eu não tinha olhos para ninguém...e eu dei foi risada dos tipos que me mandaram e-mails, uns caras que não tinham nada a ver...
Acho que quem tem grana, tempo e interesse, que vá à agência, que durma no bar, ora...mas o problema é o desespero de causa, é pegar qualquer coisa para dizer a si mesma que tem companhia...depois de um tempo o saldo moral é terrível e a insatisfação é total.
Fiquei em casa ontem e fui assistir Carne trêmula, de Almodóvar. Fiquei pensando, dessa vez, não nas frases de conteúdo político, mas naquela em que o personagem nos diz:
"...Deus criou a noite, para que os apaixonados năo pudessem dormir.
Criou a água...
para que caísse continuamente do teto dos mercados.
E criou os peixes, năo para encher os mares com eles...
mas para eu tirá-los do caminhăo antes do amanhecer."

Filha da mãe


Um dia o cafajeste encontra a periguete e, neste dia, nada será como antes para as duas partes. E assim foi.
Num reino longínquo chamado Laemcasa, aconteceu da mãe do meu primo entrar em desespero pelo fato dele ter 18 anos e ainda ser virgem. Por isso, essa ocupada mãe deu um jeito e entrou em acordo com a empregada da vizinha para que aquela profissional dos serviços domésticos fizesse uma hora extra nos serviços sexuais.
E assim foi – o que novamente fundamenta a minha dor de cotovelo eterna porque eu não achei estas facilidades em minha vida. Pelo contrário, meu primeiro namorado recebeu tiros de sal grosso no traseiro e meu pai evitou o quanto pôde qualquer contato meu com meninos que pudesse resultar em perda da virgindade.
Os tempos se passaram em Laemcasa e depois de uns quatro anos aquela moça que auxiliou meu primo e tranqüilizou a mãe dele acerca da heterossexualidade do rapaz apareceu, trazendo uma menina de quatro anos que ela alegava ser filha dele.
Meu primo, futuro cafajeste, entrou em polvorosa, apesar de alegar ter usado preservativo, e disse que se a moça estava interessada no assunto, ela que desse providência no teste de DNA.
Naquele tempo não havia ainda a ideia de paternidade presumida, isto é, atualmente, se o homem se recusa a fazer o teste, presume-se que ele é o pai. Ponto final e cartório para todos.
O tempo voltou a correr, agora em mais de uma década.
Meu primo se firmou no cargo de cafajeste, tendo mais mulheres que o mais rico sultão da Arábia, praticando salto sobre cerca sem barreiras, duzentos metros livres da casa dele à casa das mulheres casadas; entrando em aglomerações sexuais; transando com qualquer mulher que respirasse e estivesse a fim e, já no final da temporada, após o cansaço decorrente de tanta olimpíada sexual e talvez alguns traumatismos penianos, optou – como convém a quase todos que estudam na universidade – por casar com a coleguinha, competente, inteligente, esforçada e de um mau humor de afugentar multidão.
Dois anos depois, meu primo cafajeste se tornou pai. Pai exemplar. Pai que qualquer ser humano merece, porque ele participa, ele brinca, ele planeja, ela conversa com a criança... coincidentemente, os cafajeste que eu conheço são excelente pais...
Então, lá vem a moça de novo, alegar a paternidade não reconhecida. Desta vez a Justiça patrocinou o teste de DNA.
Até a esposa chata do meu primo cafajeste presumiu que a mocinha era filha dele e toda a família foi aquiescente com a ideia. De minha parte, não para ser do contra, lembrei bem que acreditava que ele não tinha a menor chance de ser o pai, por mais que houvesse a tentativa escusa da parte da”mãe” de armar qualquer coisa: eu confio no preservativo. Ok, há acidentes e há sabotagens, mas estava na cara que ali estava se armando um grande golpe.
ACREDITO que ela, a que iniciou meu primo, apostou que ele se recusaria ao teste. Outra chance de herdar bens e de conseguir uma grana mensal e outros benefícios ela não teria e ele seria um alvo fácil.
Nesta sexta-feira saiu o resultado: Negativo para a paternidade de meu primo. Eu, de cá, ri: DNA, ou seja, De Nada Adiantou. E a parte reclamante esbravejando impropérios no Fórum, em meio aos seus “não pode ser”; “tem alguma coisa errada”; “Eu quero outro teste” a que a Oficial de Justiça replicou.
Ao dar os parabéns ao meu primo ele estava triste, infeliz, arrasado: se limitou a dizer que eu tinha razão, que só eu acreditei nele, arrolou argumentos e conclusões que eu usei e transferiu os parabéns para mim, pela lógica. Ele, na verdade, aceitou a mocinha como filha subjetivamente.
Ele teve pena da mocinha, assim como eu tive. Não deve ser fácil perceber que a mãe não tem a menor ideia sobre quem seja o pai dela, encarar as expectativas frustradas, sentir o desamparo...
Deve ser esquisito pensar que se é apenas "filha da mãe"...
Meu primo saiu de lá e foi até o Shopping Iguatemi com as duas, comprou um celular para a mocinha e voltaram todos aqui para Feira, cada um, a seu modo, bastante triste.
Ontem ele me ligou de novo, querendo desabafar: acho que ele entendeu que perdeu uma filha. Mesmo não sendo a filha dele, em poucos meses ele realmente aceitou a ideia. Sorte dela, porque ele já discutiu comigo o quanto a mocinha, que eu vou chamar de D., porque é a inicial do nome dela, era boa em Matemática e que ele faria o possível para ajudá-la.
Ele continua triste, bem triste... E me dá muita pena deles. Por outro lado, confirmam minha tese: família é aquela que o coração escolhe. Não tem jeito, consangüinidade não supera afeto.
Olha aí, também, o machismo nosso de cada dia, desde o começo da história, quando a mãe do meu primo quis garantir a vida heterossexual dele; quando a empregada da vizinha (mãe da mocinha) negociou o sexo; quando, posteriormente, ela se mostrou mega-periguete; quando, ainda depois, nós todos (a saber, eu, a filha dela e os demais) concluímos que sob todos os interesses materiais estava uma mulher promíscua – e os cafajestes também não são promíscuos?.
E ali não foi apenas a Justiça a emitir julgamentos e sentenças, porque humanamente somos assim, dominados pelos desígnios de uma cultura machista. E, claro, não é toda mulher que é boazinha e muitas se valem de artimanhas calculadas para levar vantagem nas coisas. Não dá para negar.
Sei que meu primo é um bom pai e seria um bom pai de qualquer pessoa que ele escolhesse como filho ou filha. Considero isso um atenuante na carreira de cafajeste. Sem mais, Meritíssimos!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Estava escrito!


É preciso ter carro blindado e um serviço de segurança para atingir os totens sem risco de represálias. Mas, e daí que a gente cutuca os intocáveis? Com Literatura, todo mundo sabe: atacar o cânone é ser condenado à fogueira. Mas o que se há de fazer se os gênios também falham? E o cara pode ser gênio para o crítico literário e não ser para o público em geral e vice-versa.
Entendo que há, também, encruzilhadas morais. Eis ao que atribuo o final enrolado que Tolstói dá a Ana Karênina.
Eu já perguntei a especialistas, a amigos, a gente do meu entorno por que é mesmo que ela se suicida na trama de ficção e todo mundo me dá respostas clássicas. Não é esse o problema: o problema é que a narrativa tem um ritmo e quando o narrador começa a querer dar forma ao destino da Anna, anda em círculos, perde o gás, perde o ritmo, não sustenta o que quer fazer e dá o final mais sem graça que alguém pode esperar.
Já estamos acostumadas à condenação das protagonistas que transgridem as leis e as expectativas morais: Momentos em que a ficção perde a liberdade e tem que trazer o exemplo. Está certo... mas em Ana Karênina, digam o que quiserem dizer, o final trágico não é bem articulado. Parece que o próprio narrador fica segurando as coisas com uma indecisão absurda...
Os problemas vividos por Ana são os mesmo desde as primeiras páginas do livro. O destino dela não convence e o destino de Vronski muito menos – uma simples menção superficial do que lhe acontece após a morte de Ana, indo ele aderir e compor um exército, sem pormenores, sem ligações com nada. Para quem julga um livro pelo seu final, com certeza verá a dívida do escritor com seu público.
Adorei quando li a história há uns dois anos, porque eu não esperava happy end, embora eu goste de finais felizes. Mas, sinto muito, povo chique e culto, o final do livro é muito superficial e insuficiente...
Mais interessante é o outro bom engodo que sofremos deliberadamente com Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Este livro aí eu não sei como se tornou canônico. A história é boa, mas é bastante óbvia, tudo óbvio, previsível e delicioso.
Embora eu já não lembre dos romances de banca de revista que eu lia do acervo de minha tia, aqueles volumes de Júlia, Bárbara e Sabrina, (não me lembro de outros títulos, mas estes existiam) seguiam a mesma velha receita da Austen.
Engraçado como o óbvio pode ser agradável e interessante: gostei de ler. Li muito recentemente, por sinal. Parei tudo e fui ler as 308 páginas do romance. Adorei o final feliz, o conto de fadas, todo o temperamento de Elizabeth e imaginei o Sr. Darcy bem de acordo com o meu ideal de homem: alto, elegante, com olhos castanhos claríssimos, lindo, lindo, lindo. E li como se eu tivesse 15 anos... Foi ótimo, porque eu estava precisando de fantasia e torci muito pelos finais felizes das personagens. Não me frustrei em nada, porque também tudo foi óbvio... Esperei, claro, por uns suspenses, por umas contrariedades... que não vieram.
O que eu deduzo dessas leituras literárias é que cada leitor cria expectativas. O que nos prende à trama é a expectativa. Se o escritor for sagaz e criativo, ele saberá confirmar umas expectativas e frustrar adequadamente outras, de modo a manter a boa tensão. Mas, então, vi, li e gostei da água com açúcar que adoçou minha mente cansada de tanta realidade desgastante. Agora, só me falta ir à praia.