Louquética

Incontinência verbal

sábado, 29 de dezembro de 2012

Rito de passagem

Passei o dia a me desviar das filas. Com isso, estou aqui sem ter comprado nada do que eu precisava.
Sinceramente, detesto filas. Se o preço a pagar por algo que preciso é estar à espera, numa fila, declino, reordeno as minhas necessidades.
Até na noite de Reveillon há filas para descer para a praia, filas de gente paralelas a mim, para pular as sete ondinhas das simpatias de todos os anos. Hoje até brinquei com minha amiga pelo telefone: "Num princípio era a fila" e depois Deus criou as outras coisas.
Estou de saída para o reveillon na Praia - fila no pedágio daqui a pouco! - e desde já antevejo o dissabor que é aturar a gritaria idiota e os idiotas propriamente ditos, que acham que todo mundo quer se sentir num podium de fórmula 1 e tomar banho de champagne. Imagine se eu vou querer me arrumar sabendo que vou demorar na rua, nas festas e desejar ser molha da champagne só pelo prazer de permanecer untada, melecada e desconfortável, possivelmente dizendo: "Faz parte!". Não, não autorizo ninguém a me molhar de bebidas. E que coisa mais sem sentido!quem gosta de champagne que beba! Esta é uma interpretação errada dos princípios da doutrina do Socialismo Etílico, viu?
Mas apesar de tudo, isso não estraga a minha festa.
A vida está difícil, os tempos são árduos, mas nestes momentos finais do ano vigente entro no clima do rito de passagem, aceito as ilusões, rezo para os deuses que sempre falham e para os que sempre vem em meu socorro, agradeço pelas graças e fico feliz só por um dia de sol na praia e pelas melancolias do caminho que eu tanto gosto.
Neste ano não pressionei os meus amigos a virem atrás de mim, nem para que procurassem as melhores festas de Salvador: já cresci e envelheci o bastante para saber que o melhor lugar do mundo é onde a gente se sente bem, onde não há a preocupação em voltar a tempo hábil para os compromisso que seguem à data comemorativa e mais que isso, aprendi que o dia 1º de janeiro é o dia mais triste do ano porque tudo está fechado, não há onde ir nem o que fazer. Já me planejei, já sei o que farei e, também, não me faltam livros nem CDs.
Preparo-me para as numerologias ilusórias e as previsões apocaliptícas que sempre acontecem no virar do calendário. Mas meu Deus é até mais forte que minha fé e sempre cuida de tudo. E daquilo que me cabe, cuido eu, em erros e acertos nas escolhas que faço e que determinam meu destino. O destino se faz por nossas escolhas.
Desejo aos meus amigos, leitores, aliados e correligionários um 2013 de decisões lúcidas e autônomas, de luz, paz, alegria, sorte e força e que tenhamos muitas histórias para contar.
Hasta la vista, baby




Onde os lobos se escondem

Interessante a forma como a gente se relaciona com certos tipos dissimulados com que nos deparamos. De minha parte, se todo mundo gosta de uma pessoa ou a tem acima de todas as críticas, penso que há algo errado comigo se não concordo ou não me afeiçoo por ela. Examino as possibilidades de ciúmes e de invejas, vejo se realmente não sou o problema.
Conversando há alguns dias com uma amiga, para a minha surpresa, soube que uma outra conhecida com quem não me dou bem praticou crocodilagens com esta com quem eu conversava. Quem lê uma coisa dessas deve pensar: "Mulher é mesmo bicho falso; juntas, um ninho de cobras". Mas o fato me surpreendeu porque nos caso dessa criatura e de mais uma outra, eu gostava da amizade ou do que eu pensava que era amizade.
Talvez o problema seja este: a gente gostava delas. E tanto minha amiga quanto eu, cada uma a seu tempo,descobriu as falsidades, os leva-e-traz. E quem deixaria de acreditar em pessoas tão dignas, pacíficas, sensíveis e conciliadoras para creditar em gente como eu e minha amiga, que jogamos o vatapá no ventilador?nós que subimos nas tamancas! Nem eu acreditei em minhas desconfianças.
Aos poucos estou vendo que a gente se deixa iludir e se permite seduzir pelas posturas frágeis, delicadas, amistosas e aparentemente prestativas das amigas ideais que só poderiam ser ilusão já que o lugar do ideal é na ideia e no abstrato. Gente de carne e osso perde a cabeça, diz verdades, se descontrola, além de ser amiga, solidária, companheira...Gente d everdade tem defeitos e qualidades; então, só poderia ser uma flor de plástico com suas verdades parciais e doçura de aspartame, tipo de pessoa que muda cara conforme o cenário e as conveniências.
Depois que li umas linhas de um conto de Lygia Fagundes Telles, O espartilho, contido no livro A estrutura da Bolha de Sabão, encontrei não somente estas duas mulheres falsas com que minha amiga e eu nos deparamos, mas as outras que estão a se desenhar nas fendas das conveniências da vida acadêmica, que requer amizades como trampolins nas horas de decisão (coisa que sempre me faz lembrar os Paralamas do Sucesso cantando um verso de Perplexo: "...E o espanto está nos olhos de quem vê um grande monstro a se criar").
Eis o trecho do conto:
“Tão segura eu me sentia sendo simpática, cordial. Fácil a hipocrisia. Tão fácil a vida. Com que naturalidade me empenhava em conquistar as pessoas, fortalecida no meu instinto de fazer sucesso naquela roda fechada. Como era rendoso o cálculo que vinha mascarado de improvisação. Envelhecer é calcular, aprendi mais tarde. E agora, uma menina ainda — mas como se desenvolvera tanto esse cálculo em mim? Dizer o que as pessoas esperam ouvir, fazer (ou fingir que fazia) o que as pessoas queriam que eu fizesse. Já nem sabia mais quando era sincera ou quando dissimulava, de tal modo me adaptava às conveniências.”
Qualquer semelhança tera sido acerto da ficção!

domingo, 23 de dezembro de 2012

Noite feliz!

Isso ia para a série Eu, hein?! mas aí pensei que nos improvisos da noite de natal, quando o astro da noite é o peru e todos querem comer noz (castanhas, passas, panetone, queijo e etc), a criatividade transforma as coisas... E vai que os desejos se realizem e o presente é tudo que você queria no tamanho que você merece? Quem não tem Camaro amarelo, vai de kombi; Quem não tem metamorfose ambulante, vai de motel ambulante. IMPROVISO: A gente vê por aqui!
Natal: noite feliz!

Mensagem natalina

Desejo que neste natal todos possam se despir de preconceitos e agir com caridade: cada um dá o que pode e só recebe aquilo que aguenta!o importante é não ignorar a possibilidade de ser feliz e de fazer alguém feliz.
Feliz natal a todos!

O show do palhaço velho

Bem-aventurada seja a vida dos outros, para a qual a gente sempre olha com olhos críticos. Assim é que encontrei subsídios para narrar o episódio e as aprendizagens com o show do palhaço velho. Antes, porém, preciso explicar que estou mega-mal-dormida como há muito não tenho estado: saldo da festa de ontem à noite e das berrarias da fé daquela igreja que fica em meu quintal, que interromperam meu sono.
Passei a tarde de ontem na piscina, num lugar bem longe e entocado nas brenhas de Oliveira dos Campinhos, cidade aqui perto. O longe não é longe em distância direta: é o difícil acesso. O nome do lugar é engraçado: Pedra da Égua. Brincadeira aí com a represa de Pedra do cavalo, mas meio mundo de doido se mete por lá para fazer trilhas, ver cachoeiras, desfrutar das frescuras ecológico-esportivas da moda. Lá fui eu. Fiquei até às seis da tarde, parando aqui e ali para roubar caju e mesmo para apenas derrubar as frutas e jogar para os bois das fazendas que margeiam a estrada. Não nego que me diverti, mas queria mais.
Ao chegar em casa liguei para amiga 01, aquela que nunca quer ir a lugar algum. Esta, por sua vez, falou que a amiga 02 – amiga de minha amiga – estava com fogo no espírito para sair. Juntamos a questão, amealhamos mais uma amiga 03, que é irmã da zero dois e combinamos de ir ao Antiquário que elas pensavam ter show do Nil Beatles. Segundo minha agenda cultural, não teria.
Enquanto não chegava o horário de sair, isto é, 22 horas, vai o sujeito que supostamente namora a zero dois e diz que quer vê-la. Ela propôs levá-lo. Por mim, tudo bem.
Cheguei depois delas. Fiquei feliz: era show da banda 80 na pista e ninguém sabia. Surpresa boa. Casa cheia. Diversão garantida.
Olhei a mesa, o terceiro elemento: o palhaço velho. Bateu um monte de interrogações na minha cabeça: “Como?”; “Hein?”; “Será?” e, finalmente, “Por que, meu Deus? Por quê?”.
O velho palhaço já passou dos sessenta anos. E não, ele não é sexy: é somente sexagenário e é a cara do Ronald Golias, subtraído o ar pitoresco do falecido humorista.
Pensamento de gente é a terra do capeta: pensei muito mal da zero dois. Concluí que aquilo ali só tinha uma resposta possível: dinheiro. A outra alternativa é o velho conhecido das mulheres: desespero de causa. Depois pedi perdão silenciosa e interiormente por tal absurdo, já que preço nenhum pagaria o vexame explícito.
Posso dizer que o palhaço velho berrava, fazia vergonha, gritava e cantava no meio do bar, que, para piorar, ainda não tinha som rolando. Um espetáculo de horror. Mas não sou monstruosa, atenuei a situação com a amiga zero dois.
Ela contou que ele chegou à casa dela já dopado de álcool, trôpego e com o carro fumaçando e que ela preferiu arrastá-lo e evitar que ele dirigisse naquele estado. Coitada: apostou na noite e no homem. Ele, quando eu cheguei, estava tomando um gim-tônica. Vez por outra, relinchava coisas. Nas ironias da vida, ela dizia para nós que ele era o cowboy, sabe-se lá por que. E eu saio da Pedra da Égua para conhecer o cowboy, que mais poderia ser o clownboy (clown=palhaço; boy=garoto... fica só o trocadilho raso porque de garoto ele não tinha nada a não ser o comportamento infantil).
Minha amiga zero dois é uma lady: educada, independente, elegante, de bom gosto. Ficava lá, num comportamento de mãe, ralhando o mau comportamento do velho palhaço, ameaçando ir embora... E a coisa foi a tal ponto que ela chamou o táxi e encerrou a festa ali. Coitada: partner improvisando o número do desaparecimento! Deixou a zero dois comigo e voltou para casa carregando seu fardo, um homem velho e ridículo, sem atrativos subjetivos, sem noção.
Poderia ter sido uma exceção, coisa de má impressão que tive porque só houve esse contato entre nós. Mas sei que não é só isso. Há bêbados engraçados, quietos, tristes, agitados e agradáveis... Aquele era só um palhaço velho e desrespeitoso, querendo aparecer. Eu só consegui ver um ser humano fracassado que continua com comportamento infantilizado, que não sabe o que fazer de si: espetáculo triste.
Respeitável público, ele gritou, cantou, foi indiscreto, pediu beijos de despedida da garçonete e, não obstante, deixou um legado desabonador: logo que ele saiu e fechou a própria conta, abrimos os pedidos meus e da zero três.
Esta mesma garçonete nos serviu e perguntou o que queríamos. Quando me ouviu pedir um cocktail sem álcool, perguntou em assombro: “Sem álcool?!" e eu disse: “Sim, sem álcool. E não bebo bebidas alcoólicas. Sei que você deve ter se influenciado por causa do homem que acabou de sair desta mesa!”.
Meu telhado é de vidro: o ser humano, com quem sou enrolada, bebe e dá vexames vez por outra. São vexames contidos, normais para bêbados e sob controle. Daí porque tenho conhecimento de causa, sei dos bêbados e olhando a vida alheia mais vi da minha vida. E que espetáculo triste, lastimável! Olha, a vida da gente é uma coisa que se os laços certos não são cortados, a gente se arrasta no que é desagradável, a gente arrasta o que é desagradável a vida toda e vende barato o que não tem preço, ou até fica de graça...
E como coincidência é o que não falta em minha vida, estava eu curtindo a festa, na loucura natural de quem gosta de dançar, quando de repente uma presença que eu já havia percebido de relance há um tempo, chegou mais perto, forjou uma trombada (de drink na mão e tudo), e eu pedi desculpas ao mesmo tempo em que ele. Não satisfeito, acariciou meu braço, apertou firme e levemente meu ombro esquerdo. Não foi qualquer contato: meu vestido tinha uma só alça, de modo que o apertinho foi gostoso mesmo. Trocamos gentilezas e, de repente, eu ainda dançando, lá vem uma figura sem-graça, presumível companhia do rapaz. E qual foi a coincidência: ele estava bêbado e insistiu em ficar me olhando dançar, procurando pretexto para estar perto... Sou ética, não pego gente acompanhada. E ele estava acompanhado pela coitada da sem-graça, por um drink e por um esquadrão de cervejas prévias. Era o bêbado mais bonito do lugar! Para quem acredita em destino, está claro... E para mim, que curto as coincidências, nada está escrito em lugar algum: a gente é quem cria o texto da vida da gente, com muitas co-autorias, autorizadas ou não, lógico. Tim-Tim!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Depois que o fim do mundo acabou!

O homem é um ser de angústias. Assumo aqui a paráfrase de Heidegger para quem o “homem é um ser para a morte”. Lógico: em momento nenhum nós nos pertencemos. Pertencemos a quem nos devora, isto é, ao tempo. E com o passar do tempo a nos devorar, vem a mais clara evidência da finitude, como quer o filósofo.
Gente que é gente – e não uma ostra fútil, vazia e sem pérolas – tem angústia. Claro que tem o bando de sacanas tarja-preta que a qualquer turbulência existencial está aí chantageando a mãe, o pai, os irmãos, responsabilizando o primeiro amor ou a professora negligente que tiveram, tudo a pretexto de não cuidar de si mesmo. E como eu costumo afirmar, remédio controla sintomas, não cura causas. Logo, a vida e suas angústias são para a gente resolver. E as que são insolúveis e mais fortes que nós, merecem uma trégua e o reconhecimento que vamos conviver até o último suspiro com elas.Tomar remédio controlado para não perder o controle deveria ser exclusividade dos esquizofrênicos
Bem, o caso é que o mundo não acabou e eu estou com a conta da televisão por assinatura atrasada porque todo dia em que chego à lotérica, as filas estão um pandemônio, o retrato do fim do mundo. E isso me dá uma angústia filha da puta tremenda porque toda hora a Sky mete uma tarjeta pedindo para eu ligar, o que se traduz por: “Porra, você tem que pagar a gente!”.
Não tenho nada contra o natal, não. É igual ao período junino: me entoco em casa. Vez por outra, as festas vêm até mim e tal e coisa e coisa e tal. O que me aflige é que o azeite de oliva acabou e até ir à padaria me dá angústia porque é gente demais.
Olha, quando o IBGE divulga que o Brasil é habitado por duzentos milhões de habitantes (dados meramente ilustrativos porque parei de contar quando atingimos os 160 que não sei se bilhões ou milhões), a gente entende isso de forma muito abstrata e imprecisa. É na hora da fila, é na hora do natal que a gente vê o que isso significa. A rua fica cheia de pés, cotovelos, joelhos, cabelos, barulhos, numa massa também abstrata que nem parece gente. Quem diz que a multidão traz o anonimato, descurou de que junto com o anonimato vem uma anamorfia, uma desfiguração, sabe? Uma massa de gente.
Ironizo minha amiga que diz que vai sair: “Ah,é?”, digo eu, “Vai se divertir mergulhando nas multidões das lojas, das ruas, das filas?”... Isso é porque aqui em Feira de Santana o Feiraguay está para a cidade assim como a 25 de março está para São Paulo. Não existe natal, do rico ou do pobre, sem Feiraguay.
Aviso aos caras-pálidas: Feiraguay é lugar onde se revendem contrabandos não somente provenientes do Paraguai, mas de diversas partes do mundo. No Feiraguai é possível conseguir roupas, perfumes, peças para carros, objetos de decoração, eletroeletrônicos e até órgãos para transplante.
Hoje a muamba vem mais da China, mas o nome prevaleceu. Daí o nome Feira Guai, obviamente. E como eu sou inimiga declarada da Receita Federal, também declaro que não considero contrabando como crime e já expliquei isso aqui antes: a mercadoria é comprada, é paga com dinheiro em outro país. Portanto, o comerciante não roubou. Para entrar no Brasil, teria que passar pela alfândega e sofrer as tarifas absurdas que a União estipula, a fim de comer sua parte de lucros... Na minha lógica, se alguém está fora da lei é exatamente o representante do governo que quer morder o coitado do sacoleiro ou seja quem for que pagou pelo que está levando. Mas isso é problema velho e a julgar pelo que fez Gérard Depardieu para escapar à tributação francesa – ou seja, ele rejeitou a cidadania francesa e picou a mula para a Bélgica – essas gulas dos impostos não são exclusividades do Brasil. Se já disse que a tribo dos Papachanas tem poucos remanescentes e que os índios Aquidaoânus se multiplicam, acrescento aos estudos étnico-indígenas que fiz, que a Tribo Tação vai dizimar os pobres e ameaçar os ricos, apesar destes últimos sempre se livrarem das armadilhas e entrar em conchavos e negociatas para escapar.
E eu não estaria escrevendo agora se não fossem outras angústias – ah, está bom, vou confessar: estou com uma PUTA bruta enxaqueca e a angústia é toda movida pela TPM – e porque estou de passagem aérea comprada bem para perto de uma fronteira (a quatro horas da fronteira), para ir trabalhar. É que a pressa é inimiga da paciência e como estou financeiramente quebrada, topei de cara a proposta de emprego no fim do mundo porque é como se eu assinasse o cheque do fim das minhas pindaíbas. Se afirmo que é próprio ao ser humano ter angústias, admito que sou desesperada para resolver as minhas. Sentir angústias e não ter dinheiro eleva em 198% a sensação depressiva e tudo de ruim que a angústia tem. Na verdade é um agravante potente.
Então, sofro porque gosto da minha casa, gosto do ser humano com quem sou enrolada afetivamente, gosto dos meus bichos e constituo laços com tudo que há em meu entorno, até mesmo com a ingrata cidade em que vivo.Não troco isso por nada, não troco minha vida de angústias por certos ouros, mas cá está o eixo da angústia.
E tudo isso é culpa do mundo que não chegou ao fim. Se chegasse, resolveria essas porcariazinhas dessa minha existenciazinha medíocre. Agora, tenho que pegar filas!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Eu, hein?! (XXXII)

Futebol:o adversário deve ser encarado com humildade.

Eu, hein?! (XXXI)

Futebol:uma mão amiga sempre cai bem!

Caixa preta

Não é todo mundo que sabe que eu tenho um blog. Há certas pessoas para as quais é fundamental nem desconfiarem que eu tenha um blog, até porque, se lerem vão encontrar o que eu realmente penso sobre elas. Os exemplos vão longe, desde os meus ex-colegas de farda até os meus familiares e muita gente que socialmente faz parte de minha vida. Coisa estratégica.
Acho que coisas deste tipo estão por trás da minha resistência a ter página no Facebook – não somente porque eu não vivo a glamourosa vida como também por não gosto de compartilhar certos capítulos de minha existência. Aliás, vê se pode? Tem cabimento se colocar numa rede social onde você trabalha ou trabalhou? E o rastro deixado pelos lugares e pessoas que compõe e compuseram nosso dia-a-dia?
Da mesma forma que há acesso restrito para certas coisas e conteúdos, acho que vale a identidade secreta nos blogs. Sou Mara mesmo. Moro onde digo que moro e sou muito mais verdadeira aqui do que seria numa rede social, basicamente pela possibilidade do anonimato. Semianonimato, para ser exata, mas de alguma forma não permito que certas pessoas vejam o que escrevo e se vejam aqui. O que mais acontece é o oposto: a pessoa mantém contato, me liga, achando que eu estava falando dela.
Hoje um amigo que um dia não foi apenas amigo – porque eu não sabia que gostava dele apenas como amigo, já que o contato começou com um flerte há 06 anos e eu só vi que ali só daria amizade depois de concretizados amassos e intimidades eróticas que me frustraram – veio aqui ver um caso com minha impressora.
Após instalar isso e aquilo, ele inventou de abrir meus arquivos e imprimir qualquer coisa para testar. Deu de cara com um texto do blog, bem aquele em que declaro ter mais fantasias do que barracão de escola de samba e festa de Halloween juntas. Não obstante o meu constrangimento, e hoje que a amizade é sólida e ele casou, tendo trazido a esposa para minha sala, inventou ele de perguntar se a pessoa para que eu disse que pagaria 20 sessões de psicanálise se me sobrasse dinheiro, era ele.
O caso é que respondi que não era, mas não sei não. É que não lembro!
Quando o Pitbull Problemático leu todos os meus diários eu pirei! Que constrangimento! É como se a pessoa lesse nossa mente.
Quando minha tia escrutinou gavetas, armários e fotos, eu entrei em coma psicológico, de tanta raiva. Mas decidi que era melhor revelar a verdade, admitir o que escrevi, o que fiz, o que penso, a estar com a constante ameaça na minha cara. E foi o que fiz.
No dia em que quebrei a cara e escondi as pancadas emotivas que levei, admiti para os próximos muito próximos; e quando desmascarada, depois de muito resistir admiti e acabei logo com aquilo. Acho que quem cata nossos segredos se desarma quando a gente escancara as coisas.
Há um gozo embutido em quem descobre nossos segredos e um jogo implícito de chantagens. Por coisas assim eu aconselho meus amigos íntimos a saírem do armário logo que podem. Deixa de ser segredo, deixa de ser tabu e o outro finalmente vê que a gente não esconde porque não se envergonha daquilo.
Meus segredos são diferentes: fui militar e tinha coisas que eu não poderia fazer devido à hierarquia. Será segredo eternamente e não está escrito em lugar algum; os outros são as intimidades, os pensamentos íntimos e as coisas íntimas que muito me preocuparam quando em 2006, durante o assalto em que conheci Thales, meu diário foi roubado junto com todos os meus pertences.
E tem coisa que é segredo devido à profissão: não vou querer chefes, diretores e alunos sabendo quais são minhas fantasia, quais foram realizadas, o que penso de temas que são tabus e etc., porque a intimidade e a privacidade não são apenas aquilo que a gente institui por lei ou por convenção, mas o que internamente a gente delimita como fronteira do público e do privado.
Tenho sempre que repetir que não tomo bebidas alcoólicas, que sou solteira, que não tenho filhos nem devo satisfações a ninguém para que as pessoas se toquem que por mais que eu tenha segredos, não abalam em nada a vida de ninguém: são meus.
Tem gente cujo segredo é estar fazendo concurso, porque têm vergonha do que vão dizer caso percam no certame. Outros segredos, como é o meu caso, têm a ver com as dúvidas, aceitar ou não aceitar, ir ou ficar, perdoar ou rejeitar, este ou aquele, isto ou aquilo.
De resto, carrego os segredos que não são meus: amigos de meus amigos que não são tão amigos quanto parecem, eu não entrego não. Salvo se a punhalada for resultar em prejuízo. Imagine só a minha cara numa situação dessas? Tem inimigo meu que é amigo de meu amigo. Aceito e não faço inferno.
Mas se alguém diz: não leia, não pegue, não veja, não conte, é melhor ouvir. Nem sempre é nada demais, mas é coisa que traz desconforto. Hoje meu amigo me desrespeitou e leu algo que ele não deveria, independentemente de aquele ser um texto em que há referências a ele... Nem sei se é ele.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Previsões

Meus amigos, chegados, correligionários e demais companheiros estão como baratas dedetizadas, sem saber para onde ir no réveillon. No auge dos desvarios, propõem sair à toa e ver no que dá. Aviso aos navegantes: não é preciso ser vidente para ver no que dá. Dá em fila, espera, desespero, cansaço, stress e raiva.
Imaginem que o réveillon vai cair numa segunda-feira para terça. Durante o final de semana as praias já estarão povoadas (e poluídas), as estradas já estarão cheias e as cidades estarão num movimento além do previsível. Movimento, gente, é nome educado que uso para muvuca. Muvuca mesmo, com um bando de doidos bebendo cerveja e dirigindo, com o som do carro no último volume, tocando, claro, pérolas da música brasileira como arrocha, axé do Chiclete e Sertanejo. Tudo estará cheio no fim de ano – do pedágio ao caixa eletrônico. Eu já estou é cheia dessas coisas.
Bom mesmo é o pós-natal. Eu, que não tenho labaredas saindo do meu espírito, fico quietinha em casa no natal; não gosto de confraternização que me obrigada a saudar os desafetos, nem de ceias para olhar os parentes omissos. Mas quando vem o dia 26 e o dia 27/12, tudo está mais barato (exceto roupas brancas!) e o supermercado já não tem tantas filas.
Todos os itens da ceia caem cerca de 30 a 50% e o inferno só volta a imperar do dia 29 em diante.
Partes dos meus amigos acharam proposta para ir a Porto Seguro. Eu recomendo: o réveillon lá é bom até no meio da rua. Porém, o melhor réveillon ainda depende de bons repertórios. Mas, se você é uma múmia que já morreu e ninguém avisou de sua morte, pode ficar quieto e contemplativo num canto qualquer, encostado e bebendo.
Em Porto Seguro a ‘pegação’ é geral, tem sexo, drogas e axé para todos os gostos, bolsos e crenças, e o que se faz por lá, lá mesmo fica desde que você não dê o número do telefone nem leve testemunhas. Para as meninas heterossexuais, tem uns manos de Brasília e uns tantos de Minas Gerais que são excelentes em aulas de canto (canto de muro, canto de boate e até canto de praia, encostado no coqueiro). Para o pessoal de outra orientação, sempre rolam diversões, mas já não sei dar meu aval sobre o caso.
A viagem é que é longa. Se for de avião, a passagem é uma fortuna. Mas, uma vez em Porto Seguro, tudo é possível.
Para quem prefere, como eu, ficar mais perto, Guarajuba e Praia do Forte são excelentes no réveillon, além de serem lugares organizados. Lá tem praia boa, som legal, gente bonita, gente conhecida, várias coisas para fazer e basta não se reduzir à praia que as opções aparecem: cachoeiras, trilhas, voos panorâmicos, shoppings, praia de nudismo e, em certos trechos, gente esnobe e antipática. Contudo, em cima da hora não dá certo: a Linha Verde fica congestionada e após a ponte do Rio Sonrisal, toda hora rola batida e não é de limão - o povo dá trabalho para a Via Bahia.
Mais um aviso aos iludidos: uma coisa é a Costa do Sauípe e outra coisa é o Porto de Sauípe. A Costa é toda tomada pelo complexo hoteleiro, a preços de fortuna, mas é mega-divertido, tem festas boas, hotéis maravilhosos e vale a pena. O Porto tem só preços altos e serviços abaixo do esperado.
Salvador está morta faz tempo: não me iludo com mais nenhum réveillon de lá. Já experimentei tudo e não vi graça alguma porque sem festa boa, não dá.
Enquanto o mundo gira, meus outros amigos estão mais confusos do que noiva traída e devem acabar no Beco da Off, tomando cerveja quente e esperando o Por-do-Som com Daniela Mercury no domingo, se é que vai haver.
E eu devo ir pular sete ondinhas, pedir bênçãos que não virão, receber uns torpedos de quem gosta de mim, tropeçar nuns amigos na Vila dos Pescadores, rir das pessoas que vomitam depois de tanto beberem, dançar na festa e voltar quebrada para dormir na Reserva da Sapiranga, sabendo que vão me acordar cedo para ir para a lagoa Aruá, andar de caiaque e ouvir gritos de crianças mal-educadas. Tudo previsível. Não preciso de videntes.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Zero Grau

Ontem o mundo não acabou. Não será dia 21 que ele vai acabar. Aliás, já cansei dessas conversas de fim do mundo e não sei como alguém pode perder seu tempo acreditando nisso. Mas, quem somos nós se não acreditarmos em nada?
Isso é também um contrassenso se a gente limitar esta pauta aos aspectos da credulidade espiritual, pois há os que não acreditam em Deus mas acreditam na Humanidade.
Niemeyer morreu recentemente e, sendo ateu, com certeza está mais próximo dos preceitos divinos do que muita gente que se pensa crente. É absurda a perseguição aos ateus, a discriminação e a intolerância – li até um relato pessoal lá no blog do Júlio Ávila, o que me faz presumir que a intolerância é em escala mundial e não exclusividade da América católica que, aliás, é América Evangélica Protestante há muito.
Sei que o nosso mais famoso arquiteto era generoso, dividia seus bens, seus tostões não apenas com os partidários políticos como com qualquer um que precisasse de ajuda. Comunismo praticante é coisa rara, pois em geral prega-se uma coisa e vive-se outra. Bem conhecemos aquela máxima que diz que “A política é como um violino: Toma-se com a esquerda, toca-se com a Direita”, para os bons entendedores.
Mas estou aqui porque ontem, cerca de duas da manhã, um corno torcedor do São Paulo (e olha que este é o time pelo qual torço também), empolgado com a vitória do time, inventou de colocar o som do carro a dois mil decibéis na minha porta. Acordei e como não conseguia dormir, resolvi ler. Agora, compartilho a última crônica que li antes de dormir e de que gosto muito:
Zero grau de Libra (Caio Fernando Abreu)
O Sol entrou em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda distraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé – e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.
Neste zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos Deus um olho bom sobre o planeta Terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre o mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaranás pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como “ você acha que eu devia ter dado o telefone de Catarina à Eliete?” – e o outro grunhe uma resposta.
Deus, põe teu olho amoroso sobre todos os que já tiveram um amor sem nojo nem medo, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem pelo rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes nos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de táxi que confessa não ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto – olha por todos aqueles que queriam ser outra coisa qualquer que não a que são, e viver outra vida que não a que vivem.
Não esquece do rapaz que viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dados, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros dos prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos os que de alguma forma não derma certo (porque, nesse esquema, é sujo dar-certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esses que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio – Não.
Derrama sobre elas o teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo o dia sem desistir, envia o teu Sol mais luminoso, esse do zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

À amiga que um dia foi

Quando éramos próximas sempre nos comparávamos a Thelma and Louise, seja para brincar com nossas próprias aventuras que, tal como no filme, acabariam em tragédia;seja porque discutíamos as coisas que não tinham retrocesso, mas que valiam o preço a pagar. Era coisa de devolvermos as traições que sofríamos ou de lançarmos um amparo recíproco nas horas difíceis.
Foi falando em Beth que eu lembrei de minha amiga-mais-que-irmã, de que também tratamos na conversa desta tarde. Sinto a falta dela. Posso discordar , me exasperar, me revoltar com certas opções, com certos desvarios, posso me irmanar na indignação expressa por outra amiga quando a viu no supermercado e, feliz foi cumprimentá-la, obtendo em troca um desdenhoso "oi!" seguido de um virar de rosto, mas sempre vou lembrar dela como a amiga que ela foi. Minhas saudades são devido àquela pessoa que ela foi e que em meu coração permanecerá inalterada, amada.
É para ela o poema de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernado Pessoa) e foi por ela que escolhi para este post a imagem do filme Thelma and Louise. Mas minha amiga, ali jaz!

Segue teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
de árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Troca de segredos

Tua frieza aumenta meu desejo:
Fecho os meus olhos para te esquecer,
Mas quanto mais procuro não te ver,
Quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente, atrás de ti rastejo,
Humildemente, sem te convencer,
Antes sentindo em mim crescer
Dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei de possuir-te, sei
Que outro, feliz, ditoso como um rei,
Enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa:
Amam metade os que amam com esp’rança,
Amar sem esp’rança é o verdadeiro amor.

Viva Eugênio de Castro e seus versos doces e tristes!
Nem sempre os homens vivem o que escrevem, mas os poetas nos iludem porque lhes cabe nos iludir. De outro modo, seriam apenas cafajestes.
Ah, os cafajestes: “Pegue e não se apegue”, eu diria àquelas que gostam do tipo. Eis uma frase de para-choque de caminhão que a gente deveria levar a cabo: “Pegue e não se apegue”!
Num mundo frio, os homens estão cada vez mais frios e não fazem sonhar...
Cheguei tarde em casa porque, passando pelo comércio, fui à loja, vi Beth e ficamos lá, horas conversando, mais sobre ela do que sobre mim e acho que isso se tornou um lugar comum. Sem queixumes: gosto de saber sobre ela.
Beth não tem a menor consciência de sua beleza. Ela é linda, parece uma aeromoça, uma modelo. É linda de rosto, de corpo, de modos, de coração... Mas só ela não sabe disso.
Vi também no Yahoo uns tópicos sobre “O amor é cego”, em que as celebridades formavam par com gente sem a menor beleza. Que não fossem bonitos, tudo bem; mas a distância estética ali já era aberração.
Acho que as mulheres se encantam por outras coisas nos homens, que não é necessariamente a beleza – não falo da beleza financeira, nem da sexual – mas reconheço que certas opções são desespero. Às vezes o cara é feioso, mas oferece estabilidade emocional... Às vezes as mulheres querem apenas companhia, seja com que cara for.
Quando um gato que trabalha perto de minha casa entrou na loja, dei um toque em Beth: “Quem é?”. E muito discretamente, ela disse rindo, feliz: “Gaaaato!”. E na conversa descobri que ela não conhecia ele, mas que via sempre o acompanhante, o amigo que estava com ele.
Concordamos em nossos gostos por homem, na aparência física deles. Ela disse, sobre o “gato” que ele passava um ar de segurança e de estabilidade. Depois, olhando mais, deu risada desconsertada: A aliança dele reluziu. E eu, que adoro mãos, jamais olhei as mãos dele. Nunca reparei.
Via aquele cara todos os dias, num horário determinado: 17h15min, quando eu ia à academia ou quando ia correr. Lá estava ele, no meu caminho... Lindo! Gato! Tão bom de olhar discretamente. E por ser tímida, olho discretamente e aposto que ele jamais desconfiaria de minha admiração, nem jamais cogitaria que havia duas mulheres tecendo comentários, desejando, comparando ele, bonito de frente e de costas, sob medida para nossos gostos.
Lindo, alto, esbelto, proporcional, com um cabelo lindo porque harmonioso com o rosto. Até as olheiras dele são lindas!
Saudades de minha amiga! Saudades devidamente suprimida em nosso blablablá íntimo e confidencial: contei-lhe meu maior segredo, talvez o único que eu tinha. Aliás, hoje eu derramei meu segredo para ela, procurando uma opinião, e para outra pessoa, como ameaça ou chantagem emocional, não sei. Hoje o meu segredo me incomodou.
Não contei a ela por incômodo, mas por confiança. Já não sei há quanto tempo conheço Beth. Deve ser uns 12, 14 anos...
Ela voltou para a faculdade, está no segundo semestre de Serviço Social e está insegura num relacionamento com um cara 15 anos mais novo que ela. Ela parece ter a mesma idade que ele.
Beth se preocupa com os vasinhos de veias nas pernas: o namorado pergunta se eles doem. É, pois, cuidadoso! Duas preocupações tão diferentes, mas complementares: ela quer ser bonita para ele; ele se preocupa com o bem-estar dela e aceita o que vier no pacote. Começo a gostar dele: um homem!
Ela é linda e não é nenhum favor amar, namorar e desejar uma pessoa como Beth, mas nos relacionamentos, ela sempre foi subestimada pelos companheiros até o dia em que ela terminava e eles voltavam dóceis e arrependidos.
Enfim, conversamos como adolescentes bobas com velhos sonhos em comum.
Dei maus conselhos: esqueça sua família, largue o barco à deriva e fique dez dias com seu novo namorado na praia. Se jogue! Se quebrar a cara, a gente faz o curativo – e para quem não sabe, em Feira de Santana já tem clínica exclusiva para reconstituição facial. Caso quebre a cara, vá lá!
Irene Ravache estava dizendo em entrevista à Globonews que se algo oferece risco, oferece também compensações. É isso! Eu concordo!
Falando na Irene, eu a acho linda. Vivo numa sociedade idiota em que as mulheres mais velhas não podem ser chamadas de lindas ou reconhecidas como bonitas. Logo, as que têm 60 não podem se sentir bonitas, nem as de 70, nem as de 80, porque daí em diante acham tudo ainda mais feio.
Por aqui, as mulheres mais velhas são obrigadas a ter cabelos curtos, não podem nada, não tem liberdade estética. Que pena!
Bem, vou dormir pensando nas brincadeiras confidenciais que fizeram Beth brincar: “Duas mulheres e um novo segredo!”. O namoro dela é segredo. O meu segredo nem conta!

sábado, 8 de dezembro de 2012

Eu, hein?! (XXX)

Orientação pediátrico-proctológica: a gente vê por aqui!

Eu, hein?! (XIX)

Orientação médica: a gente vê por aqui!

Ampla defesa (II)

Minha banca foi composta por gente educada e segura, do tipo que não precisa arrotar título, status e presumíveis superioridades na hora da arguição. Eis aí o pessoal que me apertou na Inquisição acadêmica; e meu sempre presente, constante, solícito e ético orientador.
Na foto: à minha direita os professores Antônio Eduardo e Gal Meirelles; à esquerda os professores Carla Patrícia, Marlene e meu orientador.
P.S.: Sim, tem alguém alcoolizado, de braços cruzados, após o meu orientador. Viva o Socialismo Etílico!

Ampla defesa


A gente às vezes diz: “Amigo a gente vê quem é nas horas difíceis!”. É verdade.
Não falo das horas em que a gente precisa de um empréstimo, de um socorro, de uma companhia, de uma mão na roda para resolver as coisas práticas ou de um consolo para as ocasiões de choro. As horas difíceis, às vezes, são as horas que são importantes para nós, para a nossa vida, é a escolha do nome do filho ou o imóvel para comprar, é a mão amiga que nos ajuda a levantar e diz: “segue!”, “segue-me!”; é quem nos acompanha mesmo sabendo que o percurso é árduo, é duro, é demorado. Assim foi que em minha cerimônia de defesa de doutorado vi que os que ali estavam eram parte de minha força, eram um apoio fundamental para que as coisas sucedessem bem, como ocorreu.
Fique muito feliz pelo meu amigo Leonardo Bernardes, por Janna, por Andréa, por João Neto, por Ilmara... E se não fiquei feliz de todo pela presença de Ninno, foi porque ele não estava tão presente quanto poderia parecer, pois saía sempre para se abastecer de álcool. Bom, defesa é um porre, não precisa beber!
Apoio é isso. E mesmo Osmando e Nanno, que não vieram, respectivamente por morar em outro Estado e por estar com a mãe em situação médica delicada, se fizeram presentes, torceram, escreveram, mandaram torpedo... E para um outro tanto de gente, certamente não valeria o desperdício de R$ 0,25 (é, vinte e cinco centavos) para dar uma força ou para me parabenizar.
Sou triplamente grata aos que foram.
Não é fácil encarar uma banca de quatro pessoas, quatro perspectivas diferentes e mil perguntas a responder. Eu contra quatro. A meu favor, a torcida.
Todos ali tinham o que fazer: os trabalhos, os afazeres, a distância (que João Neto encarou, saindo da comemoração direto para a rodoviária), os gastos de tempo e de dinheiro para comparecer e, principalmente, a ajuda técnica de Andréia, para resolver problemas de conexão do computador e água para a banca, pois a universidade é desleixada o bastante para deixar ao Deus dará os convidados. Mas, tudo funcionou!
Cumpri meu doutorado antes do prazo e com a devida responsabilidade, com direito à saia justa de, no intervalo da defesa, deparar com minha bruxíssima ex-orientadora a quem caberia ao Diabo carregar, mas creio que ele estivesse de férias nesta quinta à tarde. Sei é que passei por cima dela, sem boas-tardes ou olá. Acho isso uma vitória: há um tempo eu ainda tinha a deferência com os meus desafetos, nos sentido da saudação civilizada – apesar de muito querer mandar ao inferno e, depois, ter por tais desafetos, suma indiferença.
No íntimo, o riso da vitória: Não adiantou atravancar os meus caminhos! Escrevi, concluí e passei com nota máxima e, de quebra, referendei a impropriedade da perseguição empreendida por ela, pois nada fluiu a favor da calúnia e da injúria. Eu escrevi e o fiz com honestidade intelectual e moral.
Quem é amigo, sabe disso. Sabe que tudo isso agrega outros sentidos de importância ao momento da defesa, quando já nos sentimos bastante sós, em desamparo. Como eu disse antes, só vai mesmo quem gosta da gente; quem é amigo e sabe o sentido do momento.
Demais amigos, exclusos desses momentos, são amigos de férias, de reggae, de festas, a quem prezo a companhia nos momentos alegres, mas daí não passa. E como não poderia deixar de ser, tem os egoístas, cuja única coisa importante para si são suas próprias coisas: não se solidarizam, mas esperam e contam com nossa (minha) presença nos momentos em que somos úteis ou convenientes. Reconheço, porém, que excluí um bando de gente, principalmente de minha família. Deixemos, porém, disso: missão cumprida! E que Deus abra os meus caminhos para outras conquistas que pretendo dividir com os amigos reais.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Correu do pau!

Olha, acabei de ver esta notícia ali no Kibeloco!
Gente, toda profissão tem riscos e dissabores e o que uns querem tanto, outros rejeitam.
PAUSA PARA COISAS BESTAS: Uma das perguntas mais engenhosas que já vi na vida foi feita no programa novo do Sérgio Mallandro, cujo nome eu esqueci. Mas ele perguntou o seguinte para Péricles, ex-vocalista de uma banda que eu não sei o nome também (poxa, gente, não ouço pagode, né? só a fórceps, quando ando pela cidade): "Se você pudesse aumentar uma parte do seu corpo, e se pudesse diminuir uma outra parte, quais seriam elas?"
A platéia riu, o apresentador riu, instaurou-se um clima de que todo mundo já sabia o que para cada pergunta, mas ele foi bastante esperto.
Bem, ele está sendo lembrado aqui, assim como a pergunta, porque frente à recusa da prostituta em atender ao avantajado cliente, penso no paradoxo que isso representa para os tantos homens que se atraem pelos anúncios que dizem: "Aumente seu pênis em 15 centímetros". Na vida real, só com lupa - é, propaganda enganosa uma coisa dessas.
Aqui no Brasil tem aquela expressão: "Correu do pau!", para os que fogem das situações de riscos, os ditos "arregões". Agora, o sentido pode ser outro - quem tem fuleco, tem medo!
Mas, eis a vida: uns com tanto, outros sem nada!

Legítima defesa

Pois é, chegou a véspera da defesa da tese. Véspera que não significa o dia imediatamente anterior, mas é tal como se fosse.
Chegam os telefonemas, os parabéns, as saudações... E hoje eu ouvi uma bastante interessante, quando alguém me disse que considerava a cerimônia como se considera um matrimônio. Com a ressalva de ser mais importante, porque para casar basta que as duas pessoas queiram; mas para obter o doutorado são quatro anos de esforços e investimentos emocionais para os quais o querer conta pouco ou nada. Independentemente disso, acho que devido ao momento e ao percurso longo, cansativo, desafiador, é análogo à importância que se dá ao casamento de alguém. Entendi perfeitamente as circunstâncias pessoais dos amigos ocupados, bem como outros contextos específicos, mas quem gosta de mim vai estar lá. Quem tem estima e consideração vai também, me ver exposta, ouvindo desaforos, sendo cobrada dos lapsos mais bobos e compreensíveis como a letra não digitada ou a sílaba trocada; a concordância que foi esquecida porque engoli um “m” diferencial que tornam um “compreende” e um “compreendem” e vice-versa, de modo a prejudicar a formação da frase e me tornar tão vulnerável quanto qualquer outra pessoa.
É preciso ter coração para gostar de mim e assistir à exposição das falhas, os erros de raciocínio, os lapsos gramaticais, a obra que se deixou de falar, a referência imprescindível de que prescindi por escolha ou por ignorância, os erros, só os erros são lembrados. E serei somente eu contra quatro arguidores em seu papel de extrair de mim a resposta acerca de que eu venha a merecer ou não obter o título de doutora. Logicamente, quem torce, sofre. É como uma partida de futebol: quem acompanha o jogo desfruta das angústias e das satisfações da disputa; ao contrário de quem só sabe do resultado.
Só convidei quem eu queria que fosse e se alguém ficou de fora deve ter sido por lapso também. Mas, os convocados foram as pessoas que realmente significam para mim. E nem sempre a recíproca é verdadeira: tem os que não dão a menor importância e não se esforçarão em comparecer nem mesmo por uma questão de apoio e consideração. E é claro que eu me importo: apesar das tensões, é bom olhar em volta e ver caras amigas; é um gesto de carinho.
E vou me virar nas “setecentas” com as pessoas chegadas que minimizarem a importância deste momento para mim; vou fechar a cara um bom tempo para os que já vieram a uma festa de aniversário meu, mas não foram a um momento importante. A importância não está no título, mas no final de um ciclo difícil, no último passo de um caminho longo e árduo. E por isso tudo, também fico feliz pelos amigos verdadeiros, leais, legais, solidários, que desde já se movimentam para me amparar e aos poucos que vão comparecer, sem se importar que para isso percam um dia de trabalho, já que a cerimônia é em Salvador e não aqui. Acho um grande presente. Aguentar prováveis quatro horas de blábláblá sobre literatura, nacionalidade, ironia, humor e verossimilhança, realmente, exige paciência e extrema consideração. Quem não tem, não vai.
Depois, só sei que estarei cansada. Já ando cansada: meu texto de apresentação anda em círculos. Nem soube escolher a roupa, nem venho escrevendo nada por aqui pelo blog, nem arrumei as coisas ainda como deveria, mas o melhor é contar com os abraços certos depois de tudo isso. E sempre vem uma crise, uma dose de perplexidade até que a vida volte ao normal... Mas aí, tudo já terá terminado. Enfim, acabou-se a tortura!
Chama-se defesa porque as pessoas atacam a gente. Quem for, leve band-aid para mim!

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Eu, hein?! (XXVIII)

Ônibus:melhor não estar por dentro!

Eu, hein?! (XXVII)

Educação para o trânsito: a gente vê por aqui!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Antes que o mundo acabe

Vai que o calendário maia esteja certo e o mundo acabe? o mundo já acabou, para mim, várias vezes. Depois se recompôs e voltou a ser mesma bosta coisa, nesta minha singela existência.
Semana passada,João puxou a galera do Reconcâvo para cá, no feriado do 15 de novembro, para fazermos algumas coisas antes que o mundo acabe. Feriado político, diga-se de passagem, da Proclamação da República, essa grande coisa!
Deu no que deu: passeio, jantar, piadas, boliches, gargalhadas, lamentos, gulodices e uma noite inesquecível.
Aproveito a oportunidade para dizer que acho legal o Estado brasileiro ser laico, pelo menos em teoria. Contudo, se a moda pegar e eu deixar de ser beneficiada pelos feriados santos, vou protestar, porque acho que o feriado santo, tipo o dia da Padroeira, um corpus christi, um natal, favorece a ateus, católicos, umbandistas,evangélicos, kardecistas, os de krishna e quem mais for.Por mim democratiza e inclui mais opções, desde que resultem em feriado, para a gente ficar por aí, refletindo no bar sobre o espírito. Então, deixo aqui meu voto em favor de feriados de qualquer ordem, especialmente dos que terminem em festa.
Na foto,Liz, João, eu,Adriana e Lidiane, em cerimônia gastronômica no feriado (da esquerda para a direita da tela, viu, Carlinha? É, a esquerda é aí no braço onde você usa o relógio, amiga!E esta no meio sou eu. A do meio sou eu,seja da esquerda para a direita ou da direita para esquerda. O meio você sabe onde fica, certo? Haja GPS!)
Antes que o mundo acabe eu ainda tenho uma porção de coisas para fazer. Será que dá tempo?

Ciranda da Bailarina

Eu adoro a Ciranda da Bailarina, do Chico Buarque, mas prefiro com a banda Penélope cantando. Lembrei da música por causa da minha inimiga Carol, que está sempre dando um jeito de se fazer presente em minha vida, mesmo que seja esbarrando em mim numa festa onde eu jamais esperava encontrá-la ou interrompendo meu flerte, como ocorreu na saída da The House em janeiro deste ano.
Eu e Rita, na especialização, vivíamos cantando trechos da Ciranda, primeiro porque nossa inimiga em comum (e colega de classe)se dizia bailarina; segundo porque se achava perfeita, infalível e etc. E acho engraçada a Ciranda, porque a bailarina é toda comedida, mas ao mesmo tempo, a perfeição é superficial é a casca da aparência...
Em Cisne Negro, é assim também. E na cena final, em meio ao delírio esquizóide da protagonista interpretada por Natalie Portman, ela diz: "Foi perfeito!". E para fazer jus ao título, este se torna o canto do cisne - pois dizem que o cisne tem um canto próprio para quando vai morrer.

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem

Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem

Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem?

Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem

O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho*
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem?

Procurando bem
Todo mundo tem...

(Composição: Edu Lobo / Chico Buarque)

Tranquila

Gosto tanto dessa música, Tranquilo. Mas gosto tanto que tanto faz se é Bebel Gilberto cantando ou se é Talma de Freitas - acho que não tem como a música não dar certo... - fora o fato de que as cantoras são excepcionais.
Tem gente muito preocupada com sotaque. Claro, as diferenças na linguagem são sempre usadas para depreciar, raramente para enaltecer. Mas defendo que palavra é música. E se não fosse, não teria um tom - tonicidade,tonalidade, intensidade, sílabas fortes - e nem se diria que é átona ou que há sílaba tônica. Tem um tom, sim. E toda voz tem um tom, tem modulações. Se uso a voz para expressar palavras, isso que chama de sotaque vai se manifestar.
Porque para gaúcho, MAS é MÂAs e para baiano MAS é MAis. E o que é que tem? é só diferença.
Já disse isso antes: o ser humano é tão louco que acha que passarinho canta. A voz do passarinho, o som emitido, é aquilo ali, singularizado por cada espécie. Mas o ser humano acha que é um canto. Já as palavras humanas, mesmo cantadas, para muito são so palavras.
Mas a música está aqui hoje porque estou tranquila. Até falei sobre isso com um amigo. Tranquila não porque nada me falte, mas porque aceitei a paz que me sobreveio - consegui arrancar a verdade de alguém e isso me ajudou. Objetivamente, não era uma verdade que me favorecesse, mas sempre me favorece saber da verdade. E daí que depois de muito ponderar concluí que não estou nem aí. Talvez eu esteja tranquila não por isso, que me ocorreu há dois dias, talvez eu tenha receio de que minha tranquilidade seja também nonsense e eu não tenha motivo algum para isso.
Também meu orientador voltou e disse: "Estés tranquila" - não, ele me disse simplesmente para eu ficar tranquila até à defesa; quem me dizia "Estés tranquila"era meu namorado uruguaio, S. Fraschini, e eu ria e me tranquilizava. Lembrei que todo dia tinha isso no namorinho da gente: "Estás lista?" (não sei como colocar a interrogação de cabeça para baixo como no espanhol); e "Estoy tranquillo" ou "Estés tranquila!"
Ah, estou em paz e é só isso. Não vou ficar aqui catando motivos metafísicos para meu bem-estar.

Tranqüilo

Tranqüilo
Levo a vida tranqüilo
Não tenho medo do mundo
Não tenho medo do mundo
Não vou me preocupar
Não vou me preocupar

Tranqüilo
Levo a vida tranqüilo
Não tenho medo da morte
Não tenho medo da morte
Não vou me preocupar
Não vou me preocupar

Que passe por mim a doença
Que passe por mim a pobreza
Que passe por mim a maldade, a mentira e a falta de crença
Que passe por mim olho grande
Que passe por mim a má sorte
Que passe por mim a inveja, a discórdia e a ignorância

Tranqüilo
Levo a vida tranqüilo

Que me passe
A doença que me passe
A pobreza que me passe
A maldade que me passe
Que me passe
Olho grande que me passe
A má sorte que me passe
A inveja que me passe
A tristeza da guerra

Tranqüilo
Levo a vida tão tranqüila
Não tenho medo da morte
Não tenho medo da morte
Não vou me preocupar
Não vou me preocupar

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Para Luísa, III


Já pensou se um desses aí, te diz: "Vem cá, Luísa, me dá tua mão"? eu não daria apenas a mão, e você?

Rua,
Espada nua
Bóia no céu imensa e amarela
Tão redonda a lua
Como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas
Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer Luiza
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda, amor
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração
Vem cá, Luiza
Me dá tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem, me exorciza
Me dá tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar Luiza
Luiza
Luiza.

Para Luísa, II

Tomou chá de sumiço, hein?

Para Luísa (I)

Luísa, minha amiga, não consegui encontrar aqui no meu blog esta postagem completa - tive que copiar e colar dos outros, coisa que não gosto porque mutila o texto e eu sequer posso dar os créditos devidos.
Espero que lhe baste e as postagens a seguir são manifestações de saudades.
Olha, volta! um dia a gente se encontra e resolve as coisas em alguma noitada de boates e inconsequências - dança e homens interessantes, quem sabe? Depois de março tudpo é possível! Psiu, feliz aniversário!

A Mulher e Seu Passado,de Rubem Braga

(…)“Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que te adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela; e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso e a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranquilo, e o tédio; e a mulher anônima que te vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentaram te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: ‘moça linda…’; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu.”

Dose de Amor

Foi o comentário geral do momento a morte daquele noivo, seis horas após a cerimônia do casamento, ainda na festa. Falo do rapaz que colocou a taça de cristal no bolso, como quem coloca uma caneta atrás da orelha, e num tropeço qualquer, eis a artéria femural perfurada e a consequente morte, após se esvair em sangue.
Deixou os meus amigos consternados. Fiquei consternada também e lembro de Cléo me perguntando, pelo telefone, como aquilo se explicava, se eu achava que a pessoa só morre no dia em que tem que morrer. Sim, acho isso: a única coisa determinada pelo sobrenatural é o dia da morte. Você pode fazer misérias, desafiar o perigo e etc., mas se não for seu dia, “nenhum mal te sucederá nem praga alguma chegará à tua tenda”. Quanto a isso, é uma convicção para mim. Porém, eu falei que uma inveja monstruosa poderia, sim, talvez determinar ou influenciar tragédias, porque a força do mal é insuperável: a dor de um invejoso, um ódio mobilizado, quem sabe, varre a sorte das pessoas?
Mas, objetivamente, foi um acidente. E ninguém mereceria aquilo: festejar a união com alguém, estar entre amigos e familiares, ter planos, começar uma família nuclear e, no auge da felicidade, passar por isso. A noiva está em estado de choque. E quem não ficaria? Impossível não se comover. Nenhuma história de amor merece um final infeliz, muito menos, trágico. Mas, sendo a mais velha das rimas, Amor e Dor são parceiros inseparáveis. Tão difícil encontrar a sorte de um amor tranquilo, de gente bem resolvida que sabe o que quer...
E a noiva? Se Lacan estiver certo, “o melhor destino de uma mulher, é ser a mulher de um homem”. Se Gal Costa estiver certa, “Mulher nascida para amar, tenho que obedecer ao que o Destino quis,/ e satisfeita dizer que sofrer de amor só me deixa feliz.” O amor da mulher é diferente, é estruturalmente diferente e ainda mais cheio de dor – perfil do neurótico histérico, que é clássico e mal entendido. A noiva era a taça em cacos. É o caco. Não se sabe como se cola o que resta. Como se reconstituir depois de ser escolhida, ser eleita e ver o noivo, sequer marido, morrer? Parece um daqueles mitos gregos em que mortal e deus se encontram: o final é sempre trágico.
Como já citei o mito de Cupido e Psiquê várias vezes aqui no blog, cito agora Apolo e Dafne, igualmente revelador:
“Dafne foi o primeiro amor de Apolo. E esse amor não surgiu por acidente, mas pela malícia de Cupido. Apolo viu o menino brincando com seu arco e suas flechas, e, envaidecido com a sua recente vitória sobre Píton, disse ele: ‘O que fazes tu com armas de guerra, garoto atrevido? Deixa-as para as mãos que sejam dignas delas. Vê a vitória que com elas obtive sobre a grande serpente que estendeu o seu corpo venenoso sobre muitos acres de planícies! Contenta-te com a tua tocha, criança, e inflama as tuas chamas, como dizes, e, contudo, não te intrometas com minhas armas’. O filho de Vênus ouviu estas palavras e respondeu: ‘ Tuas setas podem atingir todas as outras coisas, Apolo, mas a minha há de atingir-te’. Assim dizendo, ele se posicionou sobre uma rocha do monte Parnaso e tirou de sua aljava duas flechas confeccionadas diferentemente: uma para despertar o amor e outra para repeli-lo. A primeira era de ouro e tinha uma ponta fiada; a segunda tinha ponta arredondada de chumbo. Com a seta de chumbo atingiu a ninfa Dafne, a filha do rio-deus Peneu, e com a de ouro atingiu Apolo bem no coração. Logo, o deus foi tomado de amor pela donzela, enquanto esta se sentiu horrorizada com a ideia de amar. Sua satisfação estava nas caminhadas pela floresta e no resultado da caça. Muitos amantes a procuraram, mas ela a todos tratava com desdém, vagueando em meio à natureza, sem pensar em Cupido ou Himeneu.
Seu pai sempre lhe dizia: ‘Filha, tu me deves um genro; tu me deves netos’. Ela, odiando a possibilidade do casamento como se fosse um crime, com sua linda face rosada, lançava seus braços em torno do pescoço do pai, e dizia; ‘Querido pai, permite que eu permaneça solteira para sempre, tal como Diana’. O pai aceitou o pedido da filha, mas fez esta observação: ‘ O teu próprio rosto impede que tua vontade se concretize. ’
Apolo amou-a, e por muito tempo procurou conquista-la; e aquele que era o oráculo de todo o mundo não teve sabedoria suficiente para encontrar a própria felicidade. Vendo os cabelos de Dafne desgrenhados e caindo sobre os ombros, declarou: ‘ Se são tão encantadores quando desordenados, como seriam quando arranjados?’ Ele mirou seus olhos tão brilhantes quanto as estrelas; viu os seus lábios, e não estava satisfeito em apenas os ver. Admirava suas mãos e seus braços, nus até à altura dos ombros, e tudo o que não podia ver em seu corpo ele imaginou que seria ainda mais belo.
Ele a seguiu; ela fugiu, mais rápido que o vento, e não teve paciência para com as súplicas de Apolo. ‘Fica’, disse ele, “Filha de Peneu; não sou um adversário. Não fujas de mim como um cordeiro foge do lobo, ou uma pomba do falcão. É por amor que te persigo. Fazes que me sinta um miserável: movida pelo medo, podes cair e te machucar nestas pedras, e eu terei sido a causa. Presa minha, corre menos que, e eu hei de desacelerar também meu passo. Não sou um rude aldeão, Júpiter é o meu pai e eu sou o senhor de Delfos e de Tenedos, e conheço todas as coisas, do presente e do futuro. Sou o deus da canção e da lira. Minhas flechas voam direto ao alvo; Contudo, ai de mim! Uma seta mais letal que as minhas perfurou meu coração! Sou o deus da medicina, e sofro de uma enfermidade que bálsamo algum pode curar”!
(BUFFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia. Tradução de Luciano Alves Meira. São Paulo: Martin Claret, 2006).
Bem, o resto da narrativa mitológica todo mundo sabe: Dafne, vendo-se perseguida, chama pelo pai, o rio-deus, pedindo para que ele abrisse a terra para nela se esconder, enfim, irá se transformar numa árvore – donde as folhas enfeitarão a cabeça de Apolo: são os louros. Mas o que fica é o senso de tragédia.
Pessoalmente, acho que se o Cupido desperta o amor, é sinal de que ele é o que é: uma criança. Daí porque a gente fica infantil quando ama. E se amor vem de flecha, é porque dói e fere. Não obstante, vejam que Cupido manipula o amor e aversão, ou seja, amor e ódio, repulsa, têm mesma origem. Ah, eu queria dizer muitos blablablás, mas tenho que sair.
Com a nossa consternação coletiva, pelo menos vi que tem gente que torce pelo amor: coitados deles, dos noivos recém-casados: mereciam um final feliz.

Ira!

Um coração tomado de ira, realmente, desumaniza a gente. Estou assim, agora: num ódio tão grande contra uma pessoa que é desumana, que a única possibilidade de fazê-la entender a própria crueldade foi ser, também, irascível.
Não fosse isso se tratar de uma pessoa, também larguei o verbo com todos os esses e erres cabíveis para explicar ao meu orientador que a má vontade administrativa era uma coisa, a burocracia era outra e que confiar em e-mails, em justiça, em bom senso e na idoneidade dos colegas de trabalho dele não iria resolver nada, pois passado mais de um ano, nada se resolveu mesmo com tantas palavras empenhadas. Não se diz isso sem receio a um homem como ele, que é honrado e idôneo. Não obstante, ele mede o mundo pela régua dele – e ignora as pilantragens, coerções, corporativismos e total falta de ética dos coleguinhas sagrados, amados e titulados. Essa é minha maneira grossa de dizer que ele não merecia estar no meio daquele povo!
Bem, mas mais boba sou eu: tantas vezes o incompetente, o burro e o desonesto ocupam cargos superiores na hierarquia e a gente tem que aturar absurdos e interpretar relinchos como verdades? Deus, Pai Todo-Poderoso, faça qualquer coisa comigo, mas não me deixe à mercê de um chefe burro ou subordinada aos similares da espécie – sem nenhuma ofensa aos burros, respeitáveis animais trabalhadores e explorados...
Bem, mas deixa eu colocar minha INDIGNAÇÃO na sacola e seguir em frente.

domingo, 18 de novembro de 2012

No mundo da fantasia


Desta vez fui eu a perguntar qual era a fantasia que ele ainda não tinha realizado. Ele me disse que não tinha fantasia alguma. Duvido, mas entendo que a recusa a falar das fantasias dele seja o subterfúgio para não encarar as minhas. Bem, tenho mais fantasias do que barracão de escola de samba e do que festa de Halloween. Tenho muitas ainda, mas em sua maior parte, impossíveis, por depender da aquiescência e colaboração do parceiro.
O Ex-Grande Amor da Minha Vida um dia me perguntou de minhas fantasias e não aguentou a resposta. Quem pergunta deve estar preparado para a resposta. Ele, porém, entendeu como ofensa, ficou surpreso e decepcionado. Para os curiosos, só posso adiantar uma coisa: não tenho nenhuma fantasia que envolva outra mulher – para má sorte dos homens, que têm fantasias desta ordem.
Lembrei de Felipe, lá de Campinas: pelo menos comigo ele ficou livre e à vontade para contar das fantasias dele. Levou um tempo até este dia, e olha que para alguém que correu atrás de mim em assumido fetiche por saltos altos, demorou até às confissões, das quais duas não tinham nada a ver com sapatos. Mas, cá para nós, não me senti chocada. Uma destas fantasias, sim, era pesada e talvez inviável... Moralmente inviável, neste mundo de chantagens e vigilâncias morais.
Não gosto de gente com taras esdrúxulas, mas fico contente quando encontro gente que viaja na proposta, participa, curte, vivencia e se predispõe ao que ocorrer... Terrível é encontrar um cara reprimido que nunca queira nada, que faça julgamentos e não assuma o quer experimentar.
Está bem que já dei umas chineladas em masoquistas convictos e queimei vela de canela nas sardas de quem eu tanto gostei, mas o resto, tudo para mim está na ordem da normalidade, - talvez com alguns involuntários e pequenos atentados ao pudor.
Todo mundo tem limite e os meus têm mais a ver com os ouvidos do que propriamente com todo o resto. Não ouço certas coisas. Se eu ouvir, grito: “Pare o mundo, que quero descer!”.
Adoro sussurros, acho a palavra tremendamente sedutora, erótica, afrodisíaca. Mas não é qualquer palavra, palavras de boteco e repertório de peão da construção civil não funcionam comigo. Ah, e música, trilha sonora... Uma coisa tão simples e boa parte dos meus namorados não é chegada, dizem que tira a concentração. As coisas mais simples às vezes são bem complicadas de realizar... Já outras, palavra de quem já usou farda e foi militar, delicadas, complicadas tecnicamente, na vida real são mais acessíveis do que ouvir música. Acho que eu gosto de todo tipo de fantasia, desde que não ameace minha integridade física ou cause preocupação ou apreensão: fundamentalmente gosto de criatividade, segurança e tranquilidade.
Sei que meus amigos tarados estão pensando em aglomerações sexuais – e minhoca cega acha que macarrão é suruba, já disse o filósofo Zé – e em mil perversões, porque basta a gente levantar o tema que as conjecturas mais picantes são tecidas, o que acho uma injustiça, porque sou tímida e quieta. Aliás, fiquei pensando nestas coisas devido à vida careta que eu levo e por causa de minha consternação ao ouvir do ser humano que tenho por namorado me dizer que não tem fantasias. Não pode ser! Por outro lado, pode ser, porque ele tem umas ortodoxias e machismos que não admitem certas coisas... E sorte a dele ter boas compensações.
Fantasias, pelo jeito, só nas minhas próprias fantasias...

Loucas de Amor

“O golpe que acabo de sofrer, essa derrota sentimental ou profissional, essa dificuldade ou esse luto que afetam minhas relações com meus próximos são em geral o gatilho, facilmente localizável, do meu desespero. Uma traição, uma doença fatal, um acidente ou uma desvantagem que, de forma brusca, me arrancam dessa categoria que me parecia normal, das pessoas normais, ou que se abatem com o mesmo efeito radical sobre um ser querido, ou ainda...quem sabe? A lista das desgraças que nos oprimem todos os dias é infinita...Tudo isto, bruscamente, me dá uma outra vida. Uma vida impossível de ser vivida, carregada de aflições cotidianas, de lágrimas contidas ou derramadas, de desespero sem partilha, às vezes abrasador, às vezes incolor e vazio. Em suma, uma existência desvitalizada que, embora às vezes exaltada pelo esforço que faço para continua-la, a cada instante está prestes a oscilar para a morte. Morte vingança ou morte liberação, doravante ela é o limite interno de meu abatimento, o sentido impossível dessa vida, cujo fardo, a cada instante, me parece insustentável, salvo nos momentos em que me mobilizo para enfrentar o desastre. Vivo uma morte viva, carne cortada, sangrante, tornada cadáver, ritmo diminuído ou suspenso, tempo apagado ou dilatado, incorporado na aflição...Ausente do sentido dos outros, estrangeira, acidental à felicidade ingênua, eu tenho de minha depressão uma lucidez suprema, metafísica. Nas fronteiras da vida e da morte, às vezes tenho o sentimento orgulhosos de ser a testemunha da insensatez do Ser, de revelar o absurdo dos laços e dos seres.
Minha dor é a face escondida de minha filosofia, sua irmã muda. Paralelamente, o “filosofar é aprender a morrer” não poderia ser concebido sem a coletânea melancólica da aflição ou do ódio – que culminará na preocupação de Heidegger e na revelação de nosso ‘ser-para-a-morte’. Sem uma disposição para a melancolia, não há psiquismo, mas atuação em jogo.
Contudo, o poder dos acontecimentos que suscitam minha depressão, geralmente, é desproporcional em relação ao desastre que, de forma brusca, me submerge. Mais ainda, examinando o desencanto, mesmo cruel, que sofro aqui e agora, este parece entrar em ressonância com traumas antigos, a partir dos quais me apercebo que jamais soube realizar o luto. Posso assim encontrar antecedentes do meu desmoronamento atual numa perda, numa morte ou num luto de alguém ou de alguma coisa que amei outrora. O desaparecimento desse ser indispensável continua a me privar da parte mais válida de mim mesmo: eu o vivo como um golpe ou uma privação, para, contudo descobrir que minha aflição é apenas o adiamento do ódio ou do desejo de domínio que nutro por aquele ou aquela que me traíram ou abandonaram. Minha depressão assinala que não sei perder: talvez não tenha sabido encontrar contrapartida válida para a perda? Como resultado, qualquer perda acarreta a perda do meu ser – e do próprio Ser. O deprimido é um ateu radical e soturno.” (KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. Tradução de Carlota Gomes. – Rio de Janeiro: Rocco, 1989, pp.11-12).
Ganhei este livro de um professor meu da UEFS, pelo qual nutro especial admiração, em 2003. E foi um acaso: eu tinha ido à casa dele, no bairro da Graça, pegar outras referências. Por esta época flertava a poesia que se tornaria tema de meu mestrado e aconteceu de cairmos em cima deste livro e meu professor apenas disse: Leve! “Fique para você”. Fiquei. É um volume amarelado com muita, muita Literatura e não menos psicanálise.
Aconteceu de ontem eu estar no shopping e encontrar uma amiga a me informar do estado de outra amiga: teve um novo acesso de loucura, estava saindo do hospital àquela hora, aproximadamente.
Minha amiga mais que irmã também enlouqueceu pela mesma causa. Aliás, não é causa, é agente, porque não enlouquece quem quer, é preciso ter estruturas já desenhadas no perfil psicológico, coisa que está feita até os dois anos de idade. Posteriormente, um agente desencadeador detona o fio que conduz à loucura. No caso de todas essas meninas, que são da mesma família (esta que enlouqueceu de novo é irmã da minha amiga que citei), o elemento que detona a loucura é homem. Basta um homem e um amor não correspondido e a crise histérica se transmuta em depressão e loucura ou em loucura depressiva. Por isso não aceito que mediante qualquer tristezinha própria a quem está vivo, venha um ou outro alegar depressão, só porque está na moda e dá IBOPE.
As situações de perda acometem todos nós. Há lutos, inclusive, pela beleza que passou, pela saúde que se perdeu, pelas coisas de que declinamos menos por vontade do que por apego às leis morais – como nos casos em que se declina de viver um amor porque a pessoa é socialmente inviável para os parâmetros socioculturais vigentes, seja por classe, cor, escolaridade, estética, religião, etc. – e daí que às vezes as pessoas se perdem de si e perdem o juízo, como aconteceu às minhas amigas.
Claro que há a predisposição genética agravada pelo perfil da família hipócrita adventista que vive a dupla moral. E claro que cada uma dessas pessoas tem suas particularidades e até oposições, como no caso de minha amiga-irmã ser preocupada em dizer a verdade e outra ser mentirosa compulsiva. Falando nisso, até a mentirosa compulsiva ficou chocada quando tratávamos de uma terceira amiga (e respectiva companheira) que certa feita disse ter ido visitá-la e almoçar por lá. Era mentira: ela e a namorada estavam indo para outro lugar e, para não falarem abertamente que não queriam que eu fosse, inventaram o almoço inexistente porque, aliás, a que enlouqueceu novamente não é chegada à cozinha nem gosta de gente na casa dela.
Saias justas mais bobas que detonam amizades, não é? Eu adoto o preceito: "Não convidem para a mesma mesa X e Y”, ou seja, colocar gente que não se gosta em proximidade é deveras desagradável. Mas lugares a que quero ir sozinha ou turmas que não incluem dadas pessoas, eu falo abertamente: nós vamos! Quem eu convido, convido. Quem não é desejado, não precisa desculpas escapatórias. Ponto final. Até os pirados tem código de ética.
Bom, mas minhas amigas se esbagaçam por homens que não valem a pena. Entendo isso e não estou isenta deste mal. Acredito, porém, que a gente realmente pensa que não vá conseguir viver sem a pessoa, sem o tal homem e diante da abstinência, perdemos o chão, o equilíbrio. Então o conveniente é o afastamento emocional gradativo. Come-se hoje, amanhã e depois o pão-que-o-Diabo-amassou e vai-se procurando subterfúgios para sair deste círculo.
Quando a gente gosta de alguém, a última coisa que a gente quer é distância. Não dá para se renunciar aos desejos sem pagar um preço de enlouquecer qualquer um. Mas aí cito abertamente a minha amiga Magna: ela colocou um Oceano de distância entre ela e o objeto amoroso – e posso dizer que tal como a maioria de nós, mulheres, ela estava tratando caco de vidro como se fosse diamante – e, é aquilo de sofrer muito hoje, amanhã sofrer menos e ir sofrendo até que tudo passa. A gente se vicia em quem ama. Quando ocorre comigo, pior ainda: sou insistente, bato a cabeça na parede até vir à consciência de que daquele mato não vai sair coelho.
A conversa toda de Kristeva é para mostrar esta desproporcionalidade, o quanto a gente sofre pelo que a olhos nus, não vale o sofrimento. Mas então ela associa, mostrando que a gente agrega sentidos e confere e transfere valores e sentimentos de outras experiências para o objeto do sofrimento que estão por trás da ‘hipnose amorosa’ porque, sim, ela existe. Vale a pena ponderar sobre isso, especialmente num tempo em que as mulheres estão topando qualquer coisa por um homem; e amor e fidelidade são artigos de luxo, escassos e caros no mercado dos afetos e que, por conseguinte, levam os homens a dizer: “Se você me deixar por causa de uma traição, vai pegar outro que irá trair muito mais”. Muito particularmente, não sou apocalíptica nem fatalista: diante dessas crises e do perfil predominantemente histérico das mulheres (lembro-me dos Titãs: “Todo mundo quer amor/todo mundo quer amor de verdade/uma pessoa boa quer amor, /uma pessoa má quer amor,/quer amor de verdade...”) acho que vai chegar um momento em que a monogamia será sepultada explicitamente. Explicitamente mesmo, não é essa coisa que a gente tem hoje em dia e que vê que a colega finge não ter ciúmes, que todos fingem não querer estabilidade emocional, relações estáveis, mas sofrem diante do vazio ou da ameaça de perda.
Deixa o tempo passar que as respostas virão.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O tamanho do problema (II)

"Uma pesquisa da revista Journal of Sexual Medicine confirmou um dos maiores temores masculinos: o tamanho do pênis faz diferença na hora de satisfazer a mulher na cama. Essa é a conclusão de uma pesquisa realizada na Universidade do Oeste da Escócia.

Coordenada pelo psicólogo Stuart Brody, a pesquisa consultou cerca de 323 mulheres. Elas foram perguntadas sobre diversos aspectos da vida sexual e se elas consideram que o comprimento do órgão sexual masculino influi no prazer delas.

Para sorte - ou azar - masculino, as moças com mais ocorrências de orgasmos vaginais dizem que isso ocorria mais facilmente se o parceiro tinha um pênis maior. Isso porque um pênis mais longo consegue estimular toda a extensão da vagina e também o colo uterino. (vi no jornal espanhol ABC)".

Isso estava numa página da Web. Li hoje de manhã e não consegui detectar qual é a novidade. Por aqui, já havia cantado esta pedra antes.
Não é incrível que a ciência perca seu tempo para constatar o óbvio?
Ah, a novidade deve ser que as mulheres finalmente resolveram falar a verdade. Ah, parabéns, colegas!A sinceridade também é um caminho para preencher o vazio existencial - ou outros vazios, sabe-se lá!
Vejam o problema da falta de leitura: tivessem tais cientistas lido Tenda dos Milagres, de Jorge Amado, teriam o devido embasamento e a comprovação da hipótese inicial:
"Depois foi tomar o banho de folhas, escolhidas uma a uma por Ossain. No mel e na água de pitanga, no sal e na pimenta malagueta preparou a arma e a viu crescer, descomunal bordão de caminhante. No bolso escondeu o kelê, o xaôro e o coração da pomba, a conta vermelha e branca de Xangô. Na porta da Tenda dos Milagres, ele a esperou chegar.
Apenas surgiu na esquina e começaram, não houve fuleragem nem fricotes: mal a iaba apareceu e a estrovenga foi ao seu encontro e lhe subiu as saias engomadas, ali mesmo metendo, na extata medida do xibiu: fogo com fogo, mel com mel, sal com sal, pimenta com pimenta e malagueta. Contar essa batalha, essa guerra das duas competências, o assalto da égua e do cavalo, o miar da gata em desvario, o uivo do lobo, o ronco do javali selvagem, o soluço da donzela na hora de mulher, o arrulho do pombo, o marulho das ondas, contar, amor, quem poderia?
Rolaram pela ladeira, penetrados, foram parar no areal do porto e atravessaram a noite. A maré cresceu e os levou; no fundo do mar prosseguiram em louca cavalgada, na metida insana.
A iaba com tal resistência não contara; a cada desmaio de Archanjo, a excomungada pensava com esperança e raiva: agora o possante vai pururucar, esmolambado! Muito ao contrário, em vez de fenecer, crescia o ferro em brasa e em carícia.
Tampouco imaginara gostosura assim, chibata de mel, pimenta e sal, delícia das delícias, fenômeno de circo, maravilha. Ai, gemeu a iaba em desespero, se ao menos eu pudesse...Não podia.
Durou três dias e três noites o grão embate, o sumo pagode, sem intervalo: dez mil trepadas e uma só metida, e a iaba tanto entesou-se em seu furor sem termo que, de repente, deu-lhe um tangolomango e em gozo ela se abriu como se rompe o céu em chuva. Irrigado o deserto, rota a ridez, vencida a maldição, hosana e aleluia!."
(AMADO. Jorge. Tenda dos Milagres. 42. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 125)

P.S.: Desejo um bom feriado aos meus amigos e leitores. A uns poucos, recomendo higiene mental para limpar as mentes sujas. kkk!)

Vampiros na tela

Se bem me lembro, semana passada teria sido o aniversário do Bram Stocker, escritor base de toda saga vampiresca de que se tem notícia até hoje. Coincidentemente (ou nem tanto) os Telecines estavam exibindo Crepúsculos e infinitas Luas Novas, porque não gravo muito bem os nomes de filmes de vampiros contemporâneos – chatos, ranzinzas e chifrudos... Bem, vampiro com chifres vira unicórnio?
Não falo mal dos livros da saga, tampouco dos filmes em si. No fundo, acho o máximo que haja uma horda de adolescentes – alguns extemporâneos, porque hoje em dia a gente é adolescente até um pouco depois dos quarenta anos tipo o Supla ou a Xuxa – que ainda procure fantasia. Especialmente num país como o Brasil, de poucos leitores e em que a leitura é mesmo capital cultural, haja vista que leitura e classe social, por aqui, estão atreladas. Isso não garante, claro, proteção contra a futilidade dos ricos ou garante que não sejam eles maus leitores, mas a pobreza é agravante da falta de leitura – há quem afirme a ordem oposta: a falta de leitura agrava a pobreza. Bom, não entro nesta querela. Entro na querela de sempre: há uma parcela de gente ávida por realidade, pela verdade parcial dos documentários e a verdade inconsistente dos reality-shows (Ih, não sei fazer este plural. Não seriam Realities? Bah!); e outro povo sonhador-adorador de novelas e suas justiças duvidosas.
Em contrapartida, “nossos sonhos são os mesmo há muito tempo/mas não há mais muito tempo para sonhar”, como cantaram os Engenheiros do Hawaii. Mas o povo também tem sede de sonho. Apenas já não se pode admitir isso.
As meninas que deliram pelo vampiro pálido, sonham com um para si, com um homem que as amem, com amor, com carinho... Só não dá para admitir, porque admitir a necessidade de amor é admitir uma fraqueza inadmissível para os dias de hoje. Acho que há uma geração viajando numa fantasia de amor e de aventura. E quem não quer final feliz?
Nessa coisa de vampiros, pela primeira vez na vida assisti a Um drink no inferno. Vampiros com Quentin Tarantino pelo meio significam que violência e vingança estarão em pauta. Está aí, já discuti isso antes: os dois Vês de Tarantino (de vingança e de violência) são para matar a fome do povo, por isso tendem a ser hiperbólicos.
Por indicação do meu namorado, comecei a ver o filme: violência na cara! A violência do desajustado interpretado pelo próprio Tarantino, que procura pretextos para matar suas vítimas, ouve vozes que o impelem à violência; e não tem piedade de ninguém, vai ocupando mais da metade do filme, na fuga enlouquecida da personagem de Tarantino (Richard Gecko) e do irmão dele (Seth), interpretado por George Clooney, para chegar ao México.
Até aí, tudo bem realista. E nada mais realista do que gente desajustada nos Estados Unidos, a abrir fogo contra qualquer um, preferencialmente, em escolas. Neste caso, a culpa é da realidade, por andar imitando a ficção.
Daí em diante, além da trilha sonora maravilhosa, o filme começa a parecer um delírio de drogados, com cobras, seres humanos monstruosos, mais violência e profusão de vampiros.
O resto são as metáforas sociais dos que não têm fé, dos que são pastores, das dúvidas humanas, enfim...
Gostei do filme. Do gênero de vampiros, para mim, nenhum supera Entrevista com o vampiro. Ah, sim, gosto de vampiros – só não gosto de uns vampiros de qualidade duvidosa. Os de Anne Rice são ótimos. Vampiros em ritmo de ação e aventura besta, eu não gosto não. Nem dos vampiros meio molengas, vegetarianos. Talvez seja antiquado o meu conceito, mas acho que já não se fazem mais vampiros como antigamente.