Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Tropeços


Ninguém duvide do meu amor pelos meus amigos, ainda que não seja todo dia que eu lhes dedique carinhos, afetos ou elogios. Aliás, não poupo críticas e não evito discutir coisas difíceis com eles, sabendo que a recíproca é verdadeira porque os amigos que realmente gostam da gente não se esquivam de dizer verdades incômodas; e trocam a estabilidade bajuladora pelos riscos de jogar limpo.
Hoje foi a aula pública de um amigo meu.
Desmarquei compromissos, deixei para amanhã as coisas que seriam urgentes.Adiei, acompanhei, compareci e, para mim, a vitória era certa porque o meu amigo é competente, dominava o assunto, tinha a necessária experiência, tinha as fontes bibliográficas adequadas e todas as condições necessárias para obter êxito. Até mesmo a banca era conhecida e contribuiu para deixá-lo descontraído.
Não será surpresa anunciar desde já que ele se deu mal no processo seletivo. Não obstante, ele escolheu perder – decisão inconsciente, claro.
Somente presenciando a aula pública para ver que, assim como ele alegou, ali não era ele. O tempo da aula seria entre 45 e 60 minutos: ele deu 28 minutos de aula.
Ele tinha conteúdo, ele tinha o que discutir e, surpreendentemente, foi acometido por um “branco” que ele próprio classificou como “apagão”.
O assunto era delicioso. Por questões éticas vou apenas dizer que se tratava da lírica de Gregório de Matos. Os poemas foram bem selecionados, mas, na aula, após o terceiro e último poema, ele simplesmente parou e encerrou. Assim mesmo: começou meio atrapalhado, começou a desenvolver e ploft! Encerrou, do nada; como quem é atropelado no meio de um percurso. E que tombo!
Sofri com ele. Sofri muito. Entendi o sentimento de vergonha que ele teve. Entendi o branco do tipo que nos coloca ante a eterna indagação: “O que foi que aconteceu?”.
De manhã ele se amarrou para sair para a universidade: marcamos uma antecedência de duas horas. Ele apareceu quarenta minutos antes: primeiro sinal.
Na universidade ele levou uma queda: sinal número dois de ato falho.
Durante a aula ele se enrolou no fio condutor do projetor e quase cai.
Ando de lá para cá como não convém: combinamos que a antecedência seria para pisotear a angústia e o nervosismo - eis um conselho que eu dou até aos meus concorrentes: chegar antes e andar de lá para cá faz com que se descarregue as tensões, os nervosismos todos. Funciona! Aí na hora de fazer a aula o corpo já está dominado pela mente.
Ele sabia tudo.
Gregório de Matos é daqueles autores com os quais a gente dorme, vive, almoça, conhece à exaustão, ainda mais aqui na Bahia. Logo, não ter o que dizer não era questão de burrice nem de falta de assunto, claro está...
Bom, remoemos o acontecido.
Encontramos a esposa dele e fomos ao shopping comprar um presente para uma amiga, mas o assunto não saiu de nós, todo mundo consternado, com cara de quem levou um tombo.
Meu amor pelos meus amigos é mesmo tão grande que topei assistir ao Motoqueiro Fantasma, que está em cartaz e tem subtítulo sei lá como: tipo de filme para gente chapada, porque é uma loucura aquilo tudo, ainda mais em 3D, com lentes arranhadas e um cinema cheirando a xixi de criança e mofo, como são as salas do Multiplex do Boulevard.
Não nego que dei risada: o Motoqueiro, certamente, injeta, fuma e cheira substâncias psicoativas proibidas por lei (ou seja, esse peste fuma um baseado, mistura com cocaína e arremata com heroína e ecstasy) porque aquela caveirinha lá dá umas risadas estranhas, vive doidão, num barato de louco, fazendo maluquices, alucinando geral e, para complementar, o filme não é politicamente correto, não - a galera desce a madeira na criança, promove mil outras situações de violência contra o menor. E como faz tempo que a ficção e o humor têm sido vigiados e têm suas asas cortadas, estranhei. Mas, ok, senti sono e dormi gostosamente uns vinte minutos sem que meus acompanhantes percebessem.
Devo dizer que fiz piadinhas com o Motoqueiro Fantasma, dando risada porque ele fica de cabeça quente, sujeito mais esquentadinho e de temperamento incendiário; e fazendo outros trocadilhos bestas, porque o filme é besta, feito para divertir e estrondar sonoridades estereofônicas. Mas somente o amor por um amigo para me fazer perder duas horas e vinte reais numa sessão de terça-feira. Queria eu que a catarse ali estivesse feita.
Após o filme, novo tropeço e quase queda do meu amigo: sinal número três de ato falho. Certamente, ele escolheu mesmo perder, por alguma razão interna e desconhecida até para ele. Suponho que nunca seja fácil desejar e ter, porque encanta e aterroriza, traz responsabilidades, atrai olhares e críticas. Por menos que a gente admita, nós nos importamos, sim, com as opiniões alheias, com o que se diz e com o que se pensa sobre nós. Sendo professor, isso é bem mais comum. E sendo professor de universidade grande e renomada, ainda mais quando somos filhos da casa, formados por aquela instituição, tudo se torna mais difícil.
Depois das quedas resta o grandioso exercício de se recompor. E é assim: intelectualmente nós somos capazes de entender tudo, de explicar tudo. Porém, processar emocionalmente não é fácil – estou aqui, processando o que houve...Imagine ele...

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Prescrições, II


Bom, assim falou Mayakovsky: "É melhor morrer de vodca do que de tédio"... então, minhas amigas, apreciem o poema e a imagem - e olha que eu nem consumo álcool...

A SIERGUÉI IESSIÊNIN

Você partiu,
como se diz,
para o outro mundo.
Vácuo. . .
Você sobe,
entremeado às estrelas.
Nem álcool,
nem moedas.
Sóbrio.
Vôo sem fundo.
Não, lessiênin,
não posso
fazer troça, -
Na boca
uma lasca amarga
não a mofa.
Olho -
sangue nas mãos frouxas,
você sacode
o invólucro
dos ossos.
Sim,
se você tivesse
um patrono no "Posto" -

ganharia
um conteúdo
bem diverso:
todo dia
uma quota
de cem versos,
longos
e lerdos,
como Dorônin.
Remédio?
Para mim,
despautério:
mais cedo ainda
você estaria nessa corda.
Melhor
morrer de vodca
que de tédio !

Não revelam
as razões
desse impulso
nem o nó,
nem a navalha aberta.
Pare,
basta !
Você perdeu o senso? -
Deixar
que a cal
mortal
Ihe cubra o rosto?
Você,
com todo esse talento
para o impossível;
hábil
como poucos.
Por quê?
Para quê?
Perplexidade.
- É o vinho!
- a crítica esbraveja.
Tese:
refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja.

Sim,
se você trocasse
a boêmia
pela classe;
A classe agiria em você,
e Ihe daria um norte.
E a classe
por acaso
mata a sede com xarope?
Ela sabe beber -
nada tem de abstêmia.
Talvez,
se houvesse tinta
no "Inglaterra";
você
não cortaria
os pulsos.
Os plagiários felizes
pedem: bis!
Já todo
um pelotão
em auto-execução.
Para que
aumentar
o rol de suicidas?
Antes
aumentar
a produção de tinta!
Agora
para sempre
tua boca
está cerrada.
Difícil
e inútil
excogitar enigmas.
O povo,
o inventa-línguas,
perdeu
o canoro
contramestre de noitadas.

E levam
versos velhos
ao velório,
sucata
de extintas exéquias.
Rimas gastas
empalam
os despojos, -
é assim
que se honra
um poeta?

-Não te ergueram ainda um monumento -
onde
o som do bronze
ou o grave granito? -
E já vão
empilhando
no jazigo
dedicatórias e ex-votos:
excremento.
Teu nome
escorrido no muco,
teus versos,
Sóbinov os babuja,
voz quérula
sob bétulas murchas -
"Nem palavra, amigo,
nem so-o-luço".
Ah,
que eu saberia dar um fim
a esse
Leonid Loengrim!
Saltaria
- escândalo estridente:
- Chega
de tremores de voz!
Assobios
nos ouvidos
dessa gente,
ao diabo
com suas mães e avós!
Para que toda
essa corja explodisse
inflando
os escuros
redingotes,
e Kógan
atropelado
fugisse,
espetando
os transeuntes
nos bigodes.
Por enquanto
há escória
de sobra.
0 tempo é escasso -
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la -
em seguida.
Os tempos estão duros
para o artista:
Mas,
dizei-me,
anêmicos e anões,
os grandes,
onde,
em que ocasião,
escolheram
uma estrada
batida?
General
da força humana
- Verbo -
marche!
Que o tempo
cuspa balas
para trás,
e o vento
no passado
só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria
ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.

(Vladimir Mayakovsky , A Iessiênin - Carta para um jovem suicida - Tradução de Haroldo de Campos)

Prescrições


Se minhas amigas me ouvissem eu daria, aliás, outro conselho: troquem um remédio tarja-preta por um homem bonitão de sunga branca... Ou rendam-se ao álcool - olha que o Red Label aí da imagem cura qualquer distúrbio de humor!

Os velhos caminhos e o Arcano XIII


Não fui ao show a que eu pretendia ir ontem: tive motivos bem melhores para ficar em casa. Apesar de achar que todos os sábados do mundo devessem ser destinados às festas, também fiquei feliz por notar que certas presenças já fazem minha diversão.
No domingo, entretanto, vivi minha eterna consternação ante a escandalosa dependência de uns amigos meus de álcool e de remédios tarja preta. E acho que já me cansei tanto de repetir as coisas sobre o assunto que até instaurei a consultoria. E não deu outra: para os meus entrevistados, as dependências referidas são originadas das angústias e da incapacidade de percebê-las ou de resolvê-las ou mesmo de saber que há controle e não extermínio delas. Uma angústia vai, a vida segue, outra angústia vem. A bebida e a rivotrilização da vida não mudam nada: se estampam sorrisos doentes, mascaram sintomas e não promovem a cura – do que nem tem cura, é da vida. E haja fluoxetina!
Mas misturo piedade e indignação: seja porque eu gostaria que essas pessoas se resolvessem, seja porque me causa ódio a preguiça que elas esboçam para isso. Ninguém vai resolver a nossa vida por nós, nem mesmo o psicanalista.
Entendo os que têm mágoa dos pais, dos irmãos que eles julgam mais amados, preferidos, privilegiados, dos pais negligentes, das humilhações e das comparações infernais que sempre agem contra a parte queixosa. Eu não seria humana se não tivesse vivido essas coisas também. Mas aí chegamos ao ponto: o Arcano XIII, que para muitos é a carta da morte.
Não é novidade que eu não acredito em cartomantes – pela simples lógica repetidamente exposta por mim, segundo a qual, do futuro ninguém sabe; do passado, eu já sei porque já passou; e do presente eu sou testemunha. Logo, nada há que possa me oferecer novidades, informações novas. Mas não acreditar em cartomantes não significa o meu desprezo à lógica própria do tarô, nem seus traços filosóficos, nem a sua sabedoria interna. Por conta disso, compreendo o Arcano XIII como a carta das mudanças.
O Arcano XIII é a morte: prova de que algo será sepultado, que morre algo para surgir outra coisa. Mas o Arcano XIII toca numa outra lógica: a do processamento das mortes, dos finais, dos lutos e das reclusões com o luto. Ao mesmo tempo, ele expõe uma importante faceta dos seres humanos: a de não saber e de não querer encerrar ou enterrar o que já não pode existir.
Para sepultar relações familiares dolorosas e questões afins precisamos, sim, exercitar o desprendimento do passado.
Acontece que o passado não passa se ele está dentro de nós e nos torna o que somos: ele é parte de nossa história.
Afirmo isso com o também doloroso reconhecimento de quão rancorosa eu sou, do quanto fico remoendo uma mágoa e remexendo as cascas das feridas do passado. Entretanto, se a gente quer a cura, se a gente precisa superar, convém se encontrar com o passado.
Um dia eu fiz isso: fui até à minha madrasta dizer tudo o que era preciso dizer. E ainda foi pouco.
Relatei aqui que, antes, tive crises de ânsia de vômito e as mantive até estar certa de que eu precisava resolver meu passado. A vontade de vomitar era a resposta psicossomática à de pôr para fora – mágoas, palavras e situações. Joguei, naquele encontro, a pá de terra sobre o que me afligia e dormi melhor a partir de então.
Como não sou um bom exemplo de nada nessa vida, também tenho uns apegos horrorosos a certas coisas e pessoas. Mas sei que é preciso aceitar o fim e processar o fim para seguir em frente. Carregar o morto para cima e para baixo não vai nos ajudar a ter uma vida nova; repetir procedimentos não vai trazer novos resultados... É isso. Os remédios para a vida não são fáceis de administrar.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vivendo e aprendendo...


Sendo bastante sincera, passei parte de minhas férias decifrando editais, junto com os meus amigos.
Passei em algumas fases de concursos verdadeiramente milionários, daqueles que revolucionariam a vida de qualquer pessoa tanto quanto ganhar na loteria, embora tenha morrido na praia no tocante ao desempenho global, no final da etapa seguinte: não se pode ser bom, não basta estudar demais; é preciso ser excelente e estudar além da conta, neste caso específico.
Meus amigos e suas ambições pessoais mais voltadas para os mestrados e doutorados e, pontualmente, para a carreira acadêmica, no transcorrer do tempo foram sendo aprovados numas fases, perdendo em outras, vencendo todas e tendo as difíceis escolhas para fazer, como um dia eu também tive que fazer... Trocamos umas angústias por outras, mas ainda assim não deixamos de viver nossas alegrias. Um dos meus amigos ainda está em processo seletivo e, com isso, minha casa se manteve cheia, com uma boa circulação de meus amigos.
Nesta sexta-feira senti falta deles. Acho que me acostumei com gente aqui no almoço, no jantar, com gente dormindo em minha casa, com tremedeiras, temores e ansiedades de todos eles. Meus amigos são homens, alguns do sexo masculino; outros não: e eu adoro a diversidade.
Gosto das brincadeiras e gosto das simulações de provas e de aulas que eles fazem, me constituindo como membro da banca avaliadora; trocando informações e palavras-chave que os ajudem a deslindar o texto a ser escrito ou o eixo da retórica que eles vão traçar na aula pública.
Minha ex-amiga me mandou um e-mail coletivo: deve estar em apuros, se sentindo sozinha ou necessitando de alguém para que ela exercite o seu sagrado egoísmo. Até aqui, fiz cara de paisagem, mas vou devolver a gentileza porque dentre os atos deseducados que alguém pode cometer, deixar de responder é o ponto máximo. Eu nunca deixaria de responder a um cumprimento, a uma saudação, a um torpedo SMS, a um e-mail ou ao que quer que fosse. É o cúmulo da estupidez fazer isso.
Contudo, se a gente tem o que fazer, parece um ato igualmente estúpido, mas a verdade é que sobra pouco tempo livre e o tempo que temos não queremos gastar com quem nos é desimportante. Desde 15 de novembro do ano passado nós não nos falamos, e com justa razão e justa causa. Assim, preferi uma distância segura daquele ser humano a quem nunca mais vou chamar de amiga. Isso faz parte de minha sinceridade. Não teria uma amizade completa com quem eu perdi o afeto, o respeito e a confiança.
Também saí muito por conta de trabalhos e atividades afins e a praia acabou se resumindo a umas poucas semanas em janeiro. Se o tempo melhorar – o sol está intermitente – vou comemorar o fim do horário de verão, que acaba hoje, em Guarajuba, a partir desta quarta-feira. Hoje, para dar início às comemoração, devo ir ao Botekim, assistir a um show de quatro bandas de rock de lugares diferentes do Brasil e das quais eu nunca ouvi falar. Vou correr o risco, porque pode ser uma baita de uma porcaria, mas estou a fim de ir.
Voltando à pauta dessas coisas que a gente estuda, seja para tese ou para concurso e etc., já comentei que certas vezes chegamos a conclusões que não constavam de nossos objetivos. Eu acho isso bom. Acho que estudar uma coisa e aprender outra é um prazer e é sublime. Acabei de ver uma coisa lindíssima que não tem nada a ver com meus objetivos: é que tem uma parte da teoria de Paulo Freire em que ele discorre sobre Amor-Desamor e coloca o amor como uma tarefa do sujeito. A seguir ele desmente a máxima de que o amor nada espera e afirma que o amor espera retribuição, sim, pois que é uma “intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam.” E complementa dizendo que não há amor imposto. Poxa!!! A gente vai estudar Pedagogia e aprende muito sobre a vida. Minha ignorância se derrete diante disso, embasbacada: as coisas mais simples, a teoria mais simplória é ao mesmo tempo a mais complexa e completa explicação que a gente custa a aprender.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Último Romance


Eu encontrei-a quando não quis
Mais procurar o meu amor
E quanto levou foi pr'eu merecer
Antes um mês e eu já não sei

E até quem me vê lendo o jornal
Na fila do pão, sabe que eu te encontrei
E ninguém dirá que é tarde demais
Que é tão diferente assim
Do nosso amor a gente é que sabe, pequena

Ah vai!
Me diz o que é o sufoco que eu te mostro alguém
A fim de te acompanhar
E se o caso for de ir à praia eu levo essa casa numa sacola

Eu encontrei e quis duvidar
Tanto clichê deve não ser
Você me falou pr'eu não me preocupar
Ter fé e ver coragem no amor

E só de te ver eu penso em trocar
A minha TV num jeito de te levar
A qualquer lugar que você queira
E ir onde o vento for
Que pra nós dois
Sair de casa já é se aventurar

Ah vai, me diz o que é o sossego
Que eu te mostro alguém a fim de te acompanhar
E se o tempo for te levar
Eu sigo essa hora e pego carona pra te acompanhar



Fica aí o Último romance, música dos Los Hermanos, porque acabei ficando nostálgica.
Eu e as meras coincidências: Leandro me deu uns CDs do Los Hermanos na época me que a gente estava juntos e a gente ouvia bastante essa música. O sujeito que está longe canta muito bem essa mesma música e, pela primeira vez na minha história tenho a mesma faixa musical compondo trilhas sonoras diferentes.
Perguntei hoje a Osman sobre essas coisas bobas dos porquês que explicam as coisas, que justificam as coisas, por que isso acontece comigo, por que ali e não aqui e blablablá... E ele, assim como eu, manifestamente não acredita em Destino e põe tudo na conta do Acaso.
Adoro o Acaso.
Não acho que nada está escrito em lugar nenhum, que nada há de premeditado na vida e que a força mais linda e mais terrível da vida é a imprevisibilidade.
Certo, acho que há consequências - que se cumprem ou não, que há responsabilidades, resultados e probabilidades, mas sob tudo isso, o Acaso e a Sorte. Tudo aleatório!
E o que mais me encanta no fato de não haver nada escrito é a possibilidade de que seja eu mesma a escrever ( e rasurar, borrar, escolher onde assinalar...). Haverá, pois, quem aleatoriamente interfira em minha escrita ou arranque minhas páginas, ou mesmo as ilustre, como acontece em qualquer acaso, por acaso.
Mas vou deixar de conversa e parar por aqui para ouvir a música e pensar em quem está longe, no tempo, nas distâncias e nos acasos.

Nas cinzas do carnaval


A greve da Polícia Militar da Bahia de fato afetou o carnaval: o sábado, dia conhecidamente disputado por foliões, teve uma presença tímida das pessoas e, aparentemente, poucos eram os turistas. Por isso a solução foi o camarote, ou seja, a festa dentro da festa,para quem pode pagar, claro, apesar do público não abarrotar as instalações nem ser suficientemente paciente para esperar as atrações, tão poucas, ao longo da madrugada.
No domingo foi um pouco melhor, mas ainda assim, os camarotes dominaram. E finalmente, na segunda-feira, dia em que meu bloco sairia, a festa melhorou consideravelmente: cedo já havia atrações na Avenida Oceânica e uma aglutinação fora do comum se formou em todos os recantos. Isso sim, me incomoda: olhar para os lados – quando se consegue olhar para os lados – e não ver opção de sair dali, dá uma tremenda agonia, dá a pior sensação de claustrofobia que se pode ter e que se mistura à agorafobia. Nunca entrei num mar de gente daquele. Obra e graça do grandessíssimo fogo no... espírito, dos meus acompanhantes, que queriam chegar à Barra se mantendo na Avenida Oceânica, enfrentando (de frente mesmo) os blocos e os trios elétricos e quem mais os seguissem. A finalidade era ver o máximo possível das chatésimas atrações – palavra de quem não gosta do Chiclete nem da Ivete, porque esta não é a minha praia mesmo!
Devo dizer, porém, que como em todos os anos, o carnaval se torna deslumbrante por causa dos Filhos de Gandhy.
Até o mais feio dos homens fica interessante com as indumentárias do bloco dos Filhos de Gandhy. E os lindos ficam ainda mais lindos vestidos de branco, com um turbante que define e valoriza o rosto de cada um, com os bíceps lindamente expostos e adornados por contreguns que só reforçam o fetiche das mulheres e dos demais admiradores.
Em todos os dias de carnaval em que participei da festa – ou seja, do sábado à segunda-feira – dormi mal como poucas vezes antes e lamentei não ter amigas solteiras comigo para a gente ir conferir mais de perto os atributos dos Filhos de Gandhy. Faz muita diferença! Sair com uns amigos sob forma de família é divertido, mas não há com quem fazer comentários nem com quem traçar diálogos cúmplices sobre as paqueras.
Acabou que a outra atração do carnaval foi a divertidíssima vida alheia, sempre com mais emoções do que nossas vidas e pauta constante dos cafés da tarde (não acordávamos de manhã) e dos almoços... E quando eu vim para a minha casa, certamente essa minha vida sem emoções deve ter sido comentada.
Talvez meus infernos pessoais e as partes que eu preservo sobre a minha própria história podem ter integrado os debates, mas, de novo, acho que não gero grandes narrativas: é que sou solteira e não sou homossexual. Desta forma, tenho pouco a esconder, se é que escondo, porque ponho tudo na conta da privacidade. Encerrei minha carreira numa certa universidade sem levar nenhum escândalo no currículo – o que eu muito lamento, porque queria ter tido histórias para contar e coisas para esconder – mas, infelizmente, saí com uma vergonhosa conduta ilibada, sem rolos com alunos ou com o marido da próxima; sem tramas eróticas na beira do Rio São Francisco, sem causar envenenamentos nem separações, sem bebedeiras estridentes, sem atacar ninguém, infelizmente! Não rendo muitas pautas. Podem digitar o meu "nada consta", para meu desconsolo.
Acho que um dos grandes atributos da vida da Roma e da Grécia Antigas foram seus escândalos - mas ai de mim! eu não sou amiga de Baco e não me entupo de vinho; e constato que as oportunidades de orgias ficaram na universidade, que por sinal sempre deixou claras as suas intenções: teve a GeoOrgia e a BiolOrgia, porque o povo de Geografia e de Biologia sabiam curtir a vida acadêmica. Nós, os de História, ficamos, pois, encarregados dos relatos - e, em muitos casos, da observação participada nos processos. Lamentavelmente, eu não participei e, para reforçar minha caretice, trabalhei até muito recentemente numa universidade careta e ginecocrácica, tal e qual aquela em que eu estudo atualmente.
Este não foi um bom carnaval, mas, para não dizer que nada saiu do lugar comum vou aqui confessar que um homem que estava no mesmo bloco que eu – bloco gay, claro – puxou uma conversinha comigo acerca dos seguranças e de repente disparou, sabe-se lá por que, um comentário sério: “Você trabalha porque quer, porque com um corpo como o seu, você ganharia muito dinheiro no negócio certo! Estou falando sério!”. Bom, a proposta da prostituição foi clara. E como meu negócio não é este, preferi tomar como elogio a abordagem do sujeito e voltar minha atenção para a festa que, no final das contas, não rendeu nada de extraordinário para contar...

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Abraçando o passado


Fui procurar umas fantasias que eu guardo, de carnavais passados, mas acabei encontrando outros arquivos pessoais: só agora vi que guardo os bichinhos de pelúcia que eu já ganhei, tenho uma coleção de bichinhos do guaraná Antarctica, inclusive, herança de Leandro, que um dia resolveu me dar presente. Meus namorados costumavam me dar coisas de suas coleções: coleções de cristais, de cordéis, de coisinhas da infância e da adolescência deles... Mas eu não lembrava que tinha.
Muitos diários meus sumiram – constatei hoje – e acho isso preocupante. Exceto por aquele que o ladrão levou consigo, durante o assalto em que eu conheci Thales, eu não tinha ideia de ter perdido nenhum. E ainda me preocupo com quem quer que seja que tenha minhas intimidades nas mãos, mesmo que não me conheça pessoalmente: tinha coisa demais, detalhes demais e sinceridade demais.
Abri alguns dos meus diários hoje e encontrei fotografias que eu nem sabia que tinha. Umas fotografias do tempo em que um cara que eu namorei não tinha ainda virado um mercenário, era só um sonhador, uma pessoa adorável; achei fotos da minha grande amiga quase-irmã, antes de ela perder o juízo e achei uma carta maravilhosa, fantástica, de uma pessoa que hoje é nacionalmente famosa, como eu nunca esperei que fosse, apesar dele ser um cara brilhante desde os tempos da universidade – que, por sinal, ele largou e tomou outro rumo.
Tanta coisa interessante. E não sei se é interessante por ser passado e porque o meu olhar agora é de outro ângulo, é de outro tempo... Vi minha cara nas fotografias também, e não pude acreditar em como eu me pareço com qualquer garota de hoje em dia que tivesse aquela idade.
Não acho que recordar é viver, nem revejo as coisas do passado todos os dias, mas é sempre um bom encontro.
Vi o bilhete do camping da primeira vez em que juntei as tralhas e fui à Praia do Forte com os amigos – a vez anterior, com a turma da universidade, eu não considero porque eu era otária, levava tudo a sério e fui fazer trabalho de campo enquanto o povo curtia cachaça, maconha, trilhas e amassos. Só mesmo eu para ter sido tão plenamente careta e imbecil.
E as paixões idiotas? E os namoros imaginários? E as pessoas inesquecíveis? As melhores noites da minha vida: tudo lá, nos meus diários.
Um dia o Pitbull Problemático entrou em minha casa quando eu não estava, procurando pistas das razões porque eu o havia deixado e deu de cara com umas fotos minhas com o sucessor dele: ele queimou as fotografias, ele procurou os negativos e destruiu tudo que eu mais amava dentre as minhas recordações. Nessas horas eu sei muito bem como pode ser o ódio.
Dizemos que temos raiva das coisas, dizemos que temos ódio de coisas bobas, mas o ódio verdadeiro realmente é uma casca grossa e de cor viva como um eclipse sobre o coração. Nunca esqueci aquele ódio.
Meu primo deve vir passar três meses em minha casa e eu já não sei o que vou fazer para evitar a bisbilhotice.
Minha família escrutina gavetas e espreita telefonemas, tira conclusões e quer satisfações, como se eu devesse, de fato, explicações. Já moro sozinha porque não tenho saco para nada disso e sinto que minhas memórias ficarão ameaçadas.
Não tenho esqueletos no armário, mas há partes da minha vida que são só minhas. Há opiniões que eu não compartilho, há segredos muito secretos, sim; há códigos que eu já nem sei decifrar; há declarações polêmicas, há tudo que há em mim nesses últimos quinze anos.
Para não dizer que não achei nada surpreendente, achei uma revista Carícia, de 1995. Eu mal lembrava que eu lia Carícia ( acredito que seja uma revista extinta)! Lia para entender os meninos e aprender sobre sexo... De fato, fui uma garota como qualquer outra.
Sempre que ocorrem essas varreduras, a gente tem o que jogar na lixeira. Faz parte! É uma nota fiscal, um cartão ilegível e corroído, coisas perecíveis que acabam fazendo parte de enfeites, de bilhetes... As cartas de Conceição, todas estão guardadas nos meus diários. Que orgulho tê-las!
E os ingressos dos shows no TCA, No Amélio Amorim, no Santana, no Calypso Heineken Station... Guardadinhos, marcando o dia em que conhecemos (minha amiga-irmã e eu) pessoas que se tornaram grandes amigos e o dia em que eu quis ficar com Ramón, mas não pude, porque eu tinha namorado e seria incapaz de fazer isso – Bom, tem coisas que realmente eu agradeço a Deus por ter passado.
Tem o beijo que Dayan me deu em 2000 e o dia em que a gente finalmente ficou juntos, em 2010 – e o problema era o mesmo: minha fidelidade. Ainda bem que ele esperou por uma década. Ah, tem muitas histórias que hoje me parecem lindas.
Tem decepções que ainda me pesam na cabeça. Tem os meus medos. E no fundo eu tenho muito medo de que alguém um dia leia aquelas coisas. Queria levar meus diários comigo para o túmulo, mas até lá, queria ter um cofre para guardá-los.
“Eu hoje joguei tanta coisa fora. Eu vi o meu passado passar por mim. Cartas e fotografias, gente que foi embora...”

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Outras temporadas num Inferno


Ainda bem que eu estou ocupada.
Ainda bem que não me sobra tempo para observar que eu não enxergo um palmo à frente do meu próprio nariz, especialmente no plano sentimental.
É sempre assim. Desde a infância tem sido assim: tenho dificuldade em perceber que amo, que estou apaixonada, salvo quando o circo já pegou fogo e as coisas se tornam indisfarçáveis até para mim mesma.
Um dia eu cheguei chorosa à analista, com um queixume qualquer que não vou falar, mas aí complementei, dizendo que estava caindo fora da situação porque certamente eu me apaixonaria por quem muito já se ouviu falar neste blog através de uma letra (inicial do nome dele).
A analista me disse, então, que a paixão era inevitável, que quando a gente está pensando em não ceder, ela já se instalou e a gente não viu.
Burra, quadrúpede e “jeguerina” que eu sou, não entendi que eu não tinha autoridade sobre nada ali e que o que eu temi já tinha acontecido.
Ignorando os fatos, viajei para Campinas, para me revigorar e escrever outros capítulos. Eu não sabia que estava em fuga. Vivi o que eu pude, intensamente, desmedidamente, até que no quarto dia me baixou a vigilância do meu superego e eu peguei meu avião de volta apesar dos apelos em contrário. Peguei a mala e o orgulho, a prudência e a racionalidade e voltei para casa – uma das maiores idiotices que eu já fiz nesta minha existenciazinha. Mas na volta ele estava aqui, me esperando, e tudo incendiou... Ainda assim, só soube o que eram aqueles sentimentos quando tudo tinha acabado. É preciso que a pessoa esteja ausente, é preciso uma falta para que eu perceba o vazio. Bom, tem muita gente que é assim.
Agora sinto falta de quem me fez feliz e está longe. Ele só volta em 2013. Assim mesmo, muitas águas rolam e ele não deve voltar a morar aqui.
Que dificuldade eu tenho em entender o que ele me diz, apesar de a gente se entender tanto!
Neuroticamente passo em frente à casa que era dele: a casa no caminho da minha outra casa, há tanto tempo... E sempre Carol querendo separar a gente, e sempre a minha pouca paciência com o assédio das outras e a minha sempre eterna permanente burrice para entender qual é a proposta dele ou se há proposta.
Não me adiantou ler os livros que li; não me adiantou essa prudência besta e a reserva para me auto-preservar: eu não sei nada! Eu nunca sei reconhecer que amo alguém senão quando acaba e para este tipo de burrice, acredito que não haja remédio. Fico entre a negação e a ignorância e isto deve deixá-lo indignado. Poderia dizer a mim mesma, como disse Rimbaud na Canção da Torre mais Alta

Que venha, que venha
A hora da paixão.

Tenho tido paciência,
Nunca esquecerei.
Temores e dores
Para os céus se foram.
E uma sede insana
Tolda as minhas veias.

Uma temporada no...


Até que eu tentei achar tempo para postagens, mas nas raras oportunidades em que havia tempo, também havia um cansaço indescritível. Trabalho demais, tempo de menos, e nada de chance de escrever. Assim é que os assuntos expiram. Depois, desapareço pelo carnaval e tudo se acumula.
Mas andei devendo uns comentários sobre um evento de quase três semanas atrás. Nada de excepcional, apenas uma noite no Teatro Vila Velha e uma peça: Pólvora e poesia.
Se fosse pela peça em si, eu não daí mais do que cinco pontos, numa escala de zero a dez. Mas devo admitir que tem uma coisa fascinante que é o esforço dos atores. E na peça são apenas dois, a interpretar Paul Verlaine e Arthur Rimbaud e sua conhecida história de amor homossexual, literatura, álcool e haxixe.
Acontece que a forma como os atores se jogam na história, o esforço em conferir veracidade às próprias interpretações compensam a monotonia da peça. Requer muita coragem se atirar contra a mesa montada ao centro do palco e ficar nu ante uma platéia sabidamente desprevenida, quando não, conservadora.
Eles têm domínio de movimentação e força de expressividade: coexistem no palco, seguem em sintonia com a trilha sonora que é composta a partir de uma guitarra de acordes dramáticos, estridentes, doloridos, tocada ao vivo por um músico e que eu suponho que se preste a dar um ar contemporâneo e grave ao que é encenado.
Um espetáculo ruim é muitas vezes compensado pela seriedade dos seus atores, que salvam a cena. Mas, como não poderia deixar de ser, tem os aspectos tragicômicos e, neste ínterim, eu quase fui atingida pela arte. Literalmente: nessa onda de conferir veracidade, os atores vão tirando a roupa e atirando aleatoriamente pelo palco afora. O problema é o afora: o sapato passou a milímetros do meu nariz; uma cadeira acabou aos pés (e quase nos pés) do meu amigo e inúmeros livros desafiaram os reflexos dos expectadores, porque não foi fácil desviar daquilo.
Imagino os hematomas dos próprios atores após cada apresentação, porque eles se jogam mesmo sobre estruturas de madeira e se expõem a quedas que, mesmo previstas e treinadas, com certeza devem deixar suas marcas. Pelo menos é uma forma sincera de se deixar atingir pela arte!
Bom, ando com inveja daqueles para os quais o ano só começa depois do carnaval: isso não funciona para mim, que sempre tenho o que fazer, seja com as coisas minhas, de tese, seja com as de meus orientandos, que andam parecendo parturientes nervosas... Acho que eu também ando assim porque sei dos meus prazos, mas à medida que me desvio dos afazeres acadêmicos específicos da tese para tratar de trabalhos, concursos e outras coisas, entro em trabalho de parto por saber que na primeira semana de março meu orientador estará à minha espera com meus deveres cumpridos.
Agora é a minha pausa neurótica: saio para o carnaval, pelo menos um dia estou num bloco suspeito onde toda Coca-Cola é Fanta e todo Pitbull é Poodle, mas é lá que os meus amigos estão; durmo mal, como pessimamente e saio desesperada para casa na terça-feira, somente para colocar a coisa sem ordem e recuperar o tempo perdido. Como sempre...
Mas, por falar Rimbaud e levando em conta as minhas várias temporadas no Inferno, segue um trecho de O clarão, retirado, claro de Uma temporada no inferno, em que ele também fala do trabalho:
O trabalho humano! é a explosão que ilumina meu abismo de tempos em tempos.
"Nada é vaidade; à ciência, e avante!" clama o Eclesiaste moderno, isto é, Todo mundo. E no entanto os cadáveres dos maus e dos mandriões tombam sobre o coração dos outros...Ah, se apresse, se apresse um pouco; lá, além da noite, as recompensas futuras, eternas...Escapamos delas?...
- O que posso? Conheço o trabalho; e a ciência é lenta demais. Que a prece galopa e a luz pulsa...vejo bem. É simples, quente demais; podem passar sem mim. Tenho meu dever, e o orgulho de o pôr de lado, como tantos outros.
minha vida está gasta. Vamos! finjamos, preguicemos, ó piedade! E existiremos nos distraindo, sonhando amores prodigiosos e universos fantásticos, nos queixando e discutindo as aparências do mundo, saltimbancos, mendigo, les apparences du monde, saltimbanque, mendiant, artist, bandit - prêtre! Sur mon lit d'hôpital, l'odeur de l'encens m'est revenue si puissante; gardien des aromates sacrés, confesseur, martyr...


P.S.: Na foto, eu e meu amigo João Neto, após assistirmos à peça de que falei acima: dançamos!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Casos de Polícia, III


Olha, na verdade eu estou na contagem regressiva para o carnaval (apesar de estar ocupada como nunca antes na história da República), porque gosto da festa e sei que ela não será boicotada nem pela greve da Polícia, nem por boatos terroristas. Se assim fosse, o prejuízo seria incalculável para todas as partes e aí, movimentou grana a coisa muda.
Recebi essa paródia, contida na imagem, de umas amigas da Corporação e me lembrei do tempo em que eu era recruta e que Ana Claúdia desmontou em paródia uma musiquinha que o tenente cantava enquanto conduzia nossa corrida. Corajosamente ela cantou e a tropa respondeu em coro:
"Oh, bicho bom
O homem é!
Tem gente que não gosta,
Tem gente que não quer".
A letra era machista e a Ana Cláudia fez a festa do orgulho heterossexual feminino puxando essa versão. E como o tenente era minoria, aceitou calado o gesto de ousadia da tropa, afinal, não era ofensa.

Casos de Polícia, II

Questões de gênero e de sexo


Ontem eu estava vendo e rindo dos resultados de mais uma pesquisa internacional sobre sexualidade. Previsivelmente, confirmaram que as mulheres preferem qualquer atividade alternativa a sexo – não só compras, diálogos e passeios, mas qualquer coisa mesmo. De novo, resultados de sempre e sempre. O pequeno diferencial foi a sinceridade das mulheres ao afirmarem que o sexo com o marido é ruim, mas com o amante (para as que têm coragem) é excelente; e por admitirem que após o nascimento dos filhos o sexo piora. Também admitiram que a compatibilidade e afinidade sexual com o par foram elementos determinantes para o casamento acontecer. Contudo com o tempo, o sexo passou a ser previsível e apático.
Como já foi dito, as mulheres se propõem a aprender truques novos, a fazer strip-tease, dança do ventre, a freqüentar sexshop, a cogitar ménage a trois, a usar lingeries e aditivos em forma de gel, óleos e outros recursos, com ou sem a ameaça das amantes... Mas os homens não se mexem neste sentido, não contribuem. Alguém aí não está contribuindo nem se esforçando e, com isso, o sexo passa a ser obrigatório, parte de um acordo formal que é o enlace matrimonial.
Mas o sexo ruim não motiva a separação por parte das mulheres, que vêem os outros atributos dos homens. Instaura-se o caos porque todo mundo precisa de sexo – isto é, as pessoas normais. Assim, ou as mulheres vão descolar sexo em outra freguesia ou terão que sublimar e se anular.
O negócio está ficando grave: Sara me contava outro dia o quanto as competições esportivas do colégio dela são freqüentadas pelas mães de alunos, desde que os competidores sejam os meninos do primeiro, do segundo ou do terceiro ano. Em dias de natação, tem mães lotando o ginásio de esportes do colégio. Claro está tanto para Sara, que tem 15 anos, quanto para muita gente, que aquelas senhoras vão lá contemplar tórax, pernas, bumbuns e o que mais puder se prenunciar do corpo dos rapazes através das sungas molhadas. É o espaço dos desejos, mas também das frustrações, porque geralmente são só para ver e sonhar.
Como na minha acepção sexo ruim não é sexo, tem mais pessoas sem degustar do sexo do que aparentemente possamos depreender. Por isso, sim, as mulheres desviam para outros prazeres. Mulher gosta de sexo, mas de sexo ruim, ninguém gosta.
Não acho que sexo tenha que ser Cirqu du Soleil (acrobático), mas sexo com preguiça é terrível. Não é só a preguiça da indisposição para fazer as coisas, mas a preguiça em aprender, em mudar, em se fazer presente... e daí lembrei daquele caso da senhora sessentona da sex shop que falou para mim e para a minha amiga a respeito de um vibrador: “olha, melhor do que homem! Esse faz tudo!”
Não problematizo o direito das mais velhas terem sexualidade ativa e suas preferências, mas a percepção de que está faltando competência nos seres de carne de osso.
Há um tempo outras amigas argumentavam que os acessórios sexuais são extremamente prazerosos, mas não substituem um homem porque não têm os abraços, não sussurram coisas, não têm beijos nem há o que acariciar...
Óbvio que as mulheres sabem muito bem que o corpo guarda suas alternativas, que as zonas erógenas ultrapassam a parte genital e que desde o toque até o calor do outro corpo tudo é parte integrantes do sexo.
Mas os homens não oferecem mais isso depois de um tempo e o sexo fica sem sabor. Hoje, finalmente, elas perceberam que os homens já não provêem essas coisas há muito, muito tempo. Quem encontra a exceção, a gente já sabe: “Quando bate, fica” – e vão os meus parabéns aos amantes, esses graciosos seres que trazem luz e felicidade a tantas mulheres.
Talvez a preguiça dos maridos não se estenda às suas também prováveis amantes, porque toda novidade tende a empolgar as pessoas, mas ainda sou meio desconfiada de que o que se é em casa também se “é “ na rua”.
E até mesmo a sexagenária diz que o brinquedo sexual “é melhor que homem”. Ela deve saber o que está dizendo, portanto, convém ouvir aos mais velhos e, se houver dúvidas, experimentar pata confirmar ou para negar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

UiWando para a lua


Eu já critiquei Wando neste blog, porque ele cantou "Moça, sei que já não és pura/seu passado é tão forte,/pode até machucar", porque isso não é coisa que se diga a uma mulher, nem sob a licença criativa do versejar de uma música. Mas sei algumas músicas dele. Bregas, muito bregas, muito óbvias, como Fogo e paixão ou como a tristonha música que marcou minha infância justamente quanto eu morava com a minha madrasta e passava a novela Roque Santeiro em que Wando cantava "...Passarinho na gaiola, feito gente na prisão".
Wando morreu hoje de manhã, ao 68 anos: deve ter vivido tão bem, tão intensamente, que esses 68 anos são mais do que respeitáveis. Saiu da vida mas, antes, botou para lascar!
Se ele colecionava calcinhas, quanto mais seus conteúdos, hein? No túmulo dele, com certeza, poderemos encontrar homenagens deste tipo, daqui por diante.
E assim foi que eu colei essa imagem que o Kibeloco havia postado assim que o Wando foi internado. Que pena que ele não se recuperou!
Mas parei de pegar no pé do Wando - até porque, agora que ele é defunto, vai que seja ele a pegar no meu pé, não é? - porque as mulheres se lascavam em histeria nos shows dele, ousavam, tiravam a calcinha e atiravam no palco, sonhavam assumiam desejos, Uivando, aliás, UiWando para a lua!

Razão e proporções


Tentar entender as razões do outro é uma das maiores provas de amor que existe, desde que se exigiu que o amor precisa de provas.
Acredito na amizade como uma forma de amor, mas é um amor bem à là tia Rita Lee, "amor sem sexo, é amizade". Nunca ultrapassa essa linha. O prazer que se pode ter com os amigos são de outra natureza que não de natureza sexual. Quem diria que eu reconhecesse um dia, tão conservadoramente, que há coisas que não se misturam - não sem prejuízo.
Não sei se já tratei disso ou se apenas me resolvi em relação ao assunto, mas houve um dia - não muito distante - em que questionei por que eu estava ou por que eu era assim de não achar certo para a minha vida misturar sexo e amizade e, no outro plano, misturar os alunos em minha vida afetiva (namorar alunos, ter rolos, transas e demais designações). Atribui tamanha esquisitice ao meu superego alerta, mas depois de umas poucas sessões de análise vi que era algo meu, próprio meu, de um limite pessoal para as coisas. Eu não me sentiria bem, teria o que eu chamo de ressaca moral, mas que não é nada moral: é opção mesmo.
Eu esperava que fosse mais complicado. Minha analista disse, porém, que eu considerasse como uma opção da mesma forma como há modismos e tendências que a gente simplesmente diz: "Eu não usaria essa roupa!". E tem gente em quem aquela roupa cai muito bem.
Isso explica por que eu não quero isso para a minha vida, mas aceito muito bem quem faz tais escolhas para as suas vidas, o que recai sobre minha escolha pessoal de não ser mãe ( e não seguir a moda).
Somos seres desconfiados: como o Bem não vem de graça e o Amor não anda em promoção, à menor gentileza estamos pensando qual será o preço e a intenção daquilo tudo. Mesmo propagando coisas do Bem e do Bom, não acreditamos neles tanto assim...
Já repeti, mui ironicamente por aqui, que você ser atingido por uma bala perdida; pagar por um crime que não cometeu; ser atropelado onde sequer passa carro; receber o Mal na cara e sem interpelações, é muito, muito fácil; enquanto que o Bem é lento para surgir,omisso, raro, exige pedidos, orações, renúncias... E não, um carro não vai surgir na sua garagem, como presente, da maneira tão gratuita quanto surgiria um problema ou um desastre (minha casa, que já foi invadida por carro pelo menos quatro vezes nos útimos anos, é um exemplo disso); as coisas boas não nascem em árvores e não brotam da terra só porque você merece.
Numa defesa de dissertação, numa universidade pública localizada em Salvador, que começa com UF e termina com BA, no ano passado, uma professora Bambambam De Orleans e Bragança Rockfeller Onassis Matarazzo Marinho Magalhães cutucou a colega de banca para um gracejo: "...as disciplinas que ninguém queria, você lembra?e aí, a gente era novata e o povo fazia da gente gato-e-sapato, dava as piores disciplinas, as que não tinham nada a ver com nossa formação..." e riu das vicissitudes daquela sua época".
É pesaroso dizer que a citada professora, assim como sua interlocutora direta, hoje reproduzem tudo por que já passaram antes na vida profissional. E o interessante é isso: O oprimido de hoje é o pressor de amanhã. E como o mal se reproduz em escala numericamente brutal, o bem , cada vez mais, vira exceção. Lá vai o mal, se reproduzindo.
Aprendo, numa especial lição de amor - lição de que já tive provas, mesmo sem exigí-las - que é preciso mesmo compreender as razões do outro. Meus amigos me ensinam muitas coisas, muitas vezes inconscientemente, sem a pretensão de ensinar.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

"Forte eu sou, mas não tem jeito..."


Hoje é dia 04. Amanhã será dia 05. Depois, eu ficarei sem Tatiana, sem a minha amiga que eu tanto amo.
Acho que me sinto como uma mãe diante do casamento da filha, vivendo a tristeza porque ela se vai, vai morar longe, em outra casa, em outro lugar, apesar de saber que o correto é estar feliz pela felicidade do outro.
Por dentro tenho aquela alegria entristecida de ver minha amiga indo para uma boa universidade, realizando um sonho, sendo compensada pelos seus esforços e pela sua incontestável inteligência...Mas eu sinto falta dela desde já. Eu não gosto de pensar que talvez ela só volte daqui a um ano, mesmo que a gente se veja lá em Minas em meados deste ano; mesmo que resolvamos correr do aeroporto de Pampulha para o de Campinas em julho... é a minha amiga, quero ela perto.
Tenho um jeito insuportável de gostar de estar só, de ficar em paz...mas meu ficar só não significa que eu não quero quem eu amo por perto. Está bem que eu sou impaciente, que eu gosto de uma distância relativa que me permita estar a sós comigo mesma, que eu odeio casa dos outros e gente demorando em minha casa mas se eu pudesse segurava Tati, amarrava no pé da mesa e não deixava ela ir embora.
Isso não deve ser levado a sério: são os desesperos da saudade, são as palavras loucas que confirmam um grande amor fraterno por quem eu respeito e admiro. Quero mais é que ela seja feliz, que brilhe, que arrase, que conquiste mais coisas, que se esbalde em novas experiências... O resto é saudade mesmo! o cronômetro da saudade já passou a funcionar desde dezembro. Piorou em janeiro. Agora é essa chatice de que o dia em que ela vai já chegou, é questão de horas, de 72 horas.
Mais uma vez, a música se repete: "Forte eu sou, mas não tem jeito: hoje eu tenho que chorar!"

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Céu de Santo Amaro, V (as estrelas)


Daniela Mercury e Maria Gadú, em dueto, na Festa da Purificação.

Céu de Santo Amaro, IV (as estrelas)


...E o disco de platina.
Só esqueci de dizer que nunca tinha ouvido o Caetano cantar Alegria, alegria em nenhum show. Neste, ele confessou que cantou apenas por causa da Maria Gadú... e foi lindo.
Amanhã o show de Caetano e parte da programação da festa da Purificação vai ser exibida no Mosaico, da TV Bahia (participação especial minha e dos meus amigos, na grade, nos esgoelando de cantar, deslumbrados).

Céu de Santo Amaro, III (as estrelas)


Para meus amigos que pediram as imagens das estrelas do Céu de Santo Amaro,vai esta aqui, com Caetano e Maria Gadú, nesta terça-feira passada.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Caso de Polícia


Minha cidade está sitiada devido à greve da Polícia Militar.
Não comprei pão, nem pude ir caminhar porque não há pessoas nas ruas e os burburinhos de arrastões, assaltos e violência são constantes; e os casos confirmados ocuparam o noticiário local.
Não vejo isso desde o ano 2000, mas naquele tempo eu era militar também, entendia a greve e tinha relativa auto-confiança quanto às medidas preventivas em momentos como este. Aí é que vemos o quanto, com todas as falhas, deficiências e defeitos, o policiamento ostensivo ajuda a manter a ordem.
Tinha que ser agora: o momento é estratégico, é véspera da semana de carnaval, praticamente. Tinha que ser assim... Depois, um ou outro líder, comandante da greve vai preso, responde a processo, sofre até à exaustão e vira candidato a Deputado. Mas, tinha que ser assim.
Recentemente me perguntaram o que eu achava do fato de que os militares do Corpo de Bombeiros e os da Polícia, tendo o mesmo o salário, no caso do Rio de Janeiro, apenas os Bombeiros fazerem greve. É mais que claro: Bombeiros não criam milícia, não prendem nem incomodam traficantes. O salário deles é diferente porque quem domina as milícias é a PM, aumentando em até 500 vezes o próprio salário. E não é só milícia, são mil atividades extras que engordam o contra-cheque oculto.
Em minha cidade tem disso, mas em menor número. Aí os dois costumam entrar em greve. Por enquanto, aqui, é só a PM quem está em greve.
Polícia para quem precisa, com todas as ironias que os Titãs já cantaram e que os Paralamas do Sucesso esmiuçaram na música Selvagem.

A polícia apresenta suas armas
Escudos transparentes, cacetetes ,
Capacetes reluzentes
E a determinação de manter tudo
Em seu lugar

O governo apresenta suas armas
Discurso reticente, novidade inconsistente
E a liberdade cai por terra
Aos pés de um filme de Godard

A cidade apresenta suas armas
Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos
E o espanto está nos olhos de quem vê
O grande monstro a se criar

Os negros apresentam suas armas
As costas marcadas, as mãos calejadas
E a esperteza que só tem quem está
Cansado de apanhar

Dando Bandeira


Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

Teresópolis, 1911

(BANDEIRA, Manoel. Chama e fumo IN: A cinza das horas)
A imagem deste post é um desenho que representa o poeta Manuel Bandeira. Já reproduzi este mesmo poema aqui no blog, um dos meus preferidos deste autor.

Tem, mas acabou!


Ainda me causa espanto o que ocorre depois de deixar de amar.
Olho com espanto e estupor a insignificância a que é relegado o meu antigo objeto amoroso: ele, um estranho; tudo estranho, tão estranho, sem intimidade, sem identidade, sem paridade...
Quantas vezes eu me perguntei onde foi que comecei a largar as mãos dele, antigamente atadas às minhas? Onde foi que o caminho se bifurcou e cada um seguiu por outras partes da estrada?
Tem caso pior em que o amor não termina simplesmente: é substituído pelo ódio, pelos desejos de vingança, pela sensação de que fomos idiotas por amar aquele ser humano tão sem qualidades, tão diferente, tão chato, tão aquém de nossos desejos.
Não acho que o amor é cego: é que o olhar é cômodo, se esquiva de tensões. No fundo, os defeitos são visíveis para todos, mas todos os defeitos são perdoáveis para quem ama, os erros se tornam respeitáveis, queremos cortar a nossa própria carne para não permitir que quem amamos seja machucado. Mas esta anestesia, quando passa, deixa doer em nós as decepções, as sensações de equívoco, o eterno questionamento de “onde é que eu estava com a cabeça?” e, em muitos casos eis ali nosso novo inimigo.
Um dia dividimos sonhos, camas, prazeres, planos, opiniões, amigos, idéias, ambientes e desejamos que tudo seja eternizado. Depois, o tempo desgasta, tudo acaba e já não há mais lugar para aquela pessoa em nossa vida. Às vezes nem queremos pronunciar mais aquele nome.
Quando casávamos por interesse e conveniência, diziam os nossos pais que “o amor vem com o tempo”. O caminho, hoje em dia, é inverso: o amor se desgasta com o tempo. À medida que encaixamos o nosso par no cotidiano ele faz tanta parte de nossa vida quanto os móveis da sala. Às vezes se confunde com a decoração. Chamamos isso de rotina. Chamo isso de processo de corrosão ou ascensão da realidade.
Daí porque não adianta pintar o cabelo ou mudar o nariz: “Ainda somos os mesmos”. Nem por isso é menor o meu espanto: parece que a gente abre um frasco de uma essência inebriante, mas bastante volátil, que se deixa evaporar até secar.
Aquele que chamo de Ex-Grande Amor da Minha Vida, em iniciais maiúsculas para destacar o modo personificado de uma grande ilusão que nossa cultura construiu, isto é, a invenção de que há um grande amor dentre todos, que há o Homem de nossa vida, a Mulher de nossa vida, passou. E o Grande a que me refiro é mais pela intensidade com que vivi as coisas, pelas singularidades que estão em mim, em como me portei durante o que senti. Hoje, ele não é nem Grande nem Amor, nem ocupa lugar em minha Vida.
Fica a recordação de algumas coisas, mas a imagem dele, para mim, já se desfigurou há muito tempo. Não lembro de detalhes, mas lembro de coisas grandiosas em termos subjetivos. E até esse amor passou – Deixou uns aprendizados, uns deslumbramentos, uns espantos...
Nunca cultivei relacionamentos amargos com ex-namorados, mas, há uns que eu não queria ver nunca mais porque me desencantei ou porque me lembram que eu era como eu não gostaria de ter sido ou, até, porque acabaram por minha iniciativa e o ponto final dizia que ali acabar era sinônimo de “nunca mais”.
Aquele citado ser humano anônimo que encontrei no ônibus se enquadra no rol dos “nunca mais”. Quanto mais ele insiste em forçar coincidências, em procurar estar em meu caminho, mas eu me sinto idiota por ter, um dia, gostado de um idiota. No Orkut até integro a comunidade chamada “Eu já amei um idiota”, para bem demonstrar qual a sensação.
O cara é machista, um pouco além do que eu supunha. Ou talvez não fosse e tenha se tornado, porque quando estávamos juntos éramos pessoas de 19 e 20 anos, respectivamente. O tempo deve ter corrompido o bom senso dele, eu acho.
Vale a pena ser primeiro em competições, disputas, concursos e afins. No resto, não vejo por que a fissura como se houvesse recebido um troféu. Essa prova de vaidade é ridícula: amei com mais entrega a várias outras pessoas, aliás, eu nunca amei aquele menino, eu gostava dele. Ele não sabe que ele não é mais aquele menino. Acho que ele também não sabe que eu não sou mais aquela menina. Aquela menina ainda está em mim: é uma menina triste em eterno desamparo. Ela ainda tem 19 anos e acha a vida um saco. Ela está, porque fui. Mas ela não é, porque não sou. Ela é menor, é bem menor do que a mulher que eu me tornei e que não deseja ver aquele menino.
Ele não sabe que ele casou, mas sabe que errou, que é infeliz, que se sente vazio e que não é mais aquele mesmo menino.
O tempo foi malvado com ele: não que alterasse a cara, os cabelos, a barriga, mas passou por ele sem deixar nenhuma marca de ensinamento. Poxa, ele não sabe nada! Se a vida é uma escola, ele foi reprovado. E se o tempo realmente ensina a todos nós, ou ele tem déficit de atenção ou é forte candidato a ser bi-repetente.
Não consigo amar de novo a quem um dia eu deixei de amar.
Não penso que deixar de amar seja sinal de esquecimento: ora, eu lembro muito bem de tudo. E lembrando, não quero viver aquelas coisas nunca mais porque não sou de apenas virar páginas: arranco páginas, queimo, apago, limpo gavetas, esvazio lixeiras e cada vez mais me confirmo como uma grandessíssima idiota porque se assim não fosse, pelo menos é assim que eles, os meus ex-namorados, me vêem, a tal ponto de achar que basta aparecer e dizer “vamos tentar” que eu estarei disponível e balançada. Assim pensou Ricardo, que até inventou um câncer para me coagir; assim pensa esse citado anônimo. Pelo menos Ricardo tinha noção de ter sido crápula comigo e o contato começou por um pedido de desculpas retroativas ao tempo de universidade.
O outro, ao contrário, questiona o que fiz além de pensar nele e alega saudades de mim, como só um bom idiota poderia fazer por me julgar idiota também. Mas ele acertou: penso muito nele, com ódio, com perplexidade, com uma completa e indescritível perplexidade. Sim, eu digo a mim mesma: “Meu Deus, como eu pude namorar essa pessoa?”. Aí vejo que talvez a animosidade contra ele seja porque eu tenho ódio de mim mesma por ter feito tão má escolha... Dá uma vontade de fazer um ritual de autoflagelação que expurgue o pecado que cometi contra mim mesma...
Vou ter que contratar um exorcista para retirar ele do meu caminho, porque ele sempre se esforça para estar no meu caminho, desde este último sábado. E por saber do que gosto, aonde vou, onde moro, ou seja, coisas que não mudaram em todo esse tempo, agora que ele voltou a morar aqui quem deve procurar outro canto para morar sou eu, porque está difícil de ele compreender que eu realmente não estava aqui esperando pelo reencontro.
Pensando bem, vou precisar de um exorcista e de um advogado de defesa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Céu de Santo Amaro, II


Novamente contrariando meus hábitos, estou morrendo de sono, numa tremenda ressaca de sono porque cheguei agora de manhã de uma festa. Não foi qualquer festa: foi a Festa da Purificação, em Santo Amaro.
Sou louca por Caetano Veloso - não tem um ser vivente que, me conhecendo, não saiba disso - e foi um show incrível.
Postei aqui algumas coisas sobre o céu de Santo Amaro, porque a música que leva este título é linda e triste, é a música mais triste do mundo para mim. Mas estar sob o céu de Santo Amaro é incrível, é maravilhoso, é mágico, ainda mais com a qualidade de todos os shows da noite de terça-feira. Caetano Veloso é incrível: palavra de fã eternamente deslumbrada.
A estrela da noite foi Maria Gadú, que mobilizou um público multi-bi-trans-colorido bastante afetuoso. E ela foi recebida com afeto explícito pelo público em geral, por Caetano, por Daniela Mercury - e esta, então, profissionalíssima em seu show, caprichosa, perfeccionista e espetacular. E ali não nos sentíamos em uma festa de largo, tudo tão lindo...e olhar o céu de Santo Amaro que resplandece em cima da Igreja é um cenário paralelo ao que há no palco.
Fui com meu outro núcleo de amigos. Lá, por acaso, encontrei meus amigos do tempo da universidade e não faltaram conversas, fotos, brincadeiras, recordações e nossa reverência àquela cidade do recôncavo baiano, tão esmerada em sustentar estes shows.
Caetano Veloso faz daquela festa uma festa de família: deixou a família no palco, com Dona Canô, ainda lúcida, num cantinho com os outros parentes. E quando ele recebeu o disco de platina pelo Cd com a Maria Gadú, colocou nas mãos de Dona Canô, sua mãe,o prêmio. Prêmio deve ser ter mãe viva nesses quase setenta anos de Caetano...mãe que já passou de centenária.
Daniela Mercury também tocou e cantou com o filho dela, Gabriel; e fez dueto com Maria Gadú numa das músicas. Foi tudo, literalmente, um grande espetáculo e se não falei da apresentação do Psirico, que não é de meu gosto mas que atende ao gosto de certas pessoas, foi porque não assisti, mas sei que houve a preocupação em fazer uma festa que aglomerasse e conglomerasse as diferenças.
Dormi bem pouco, quero dormir mais daqui a pouco, mas, além da noite maravilhosa com gente espetacular, com amigos incríveis, tenho que agradecer muito a Deus por ter sido acordada por uma notícia maravilhosa: novamente, tenho que louvar os Céus - o de Santo Amaro, inclusive.

Negócios profissionais


No sábado à noite fui conhecer a Boate Zen, em Salvador, apesar de ter concurso às sete e vinte da madrugada do domingo e trabalho às três da tarde.
A Zen, além de o lugar ser ótimo para dançar, ser bem decorado e realmente bonito,é aconhegante. A Mil Milhas, que estava tocando naquela noite, não se limitou ao It´s a mistake que eu citei no outro post. Eles são bastante minuciosos no repertório, nos acordes, nos arranjos. Impressionante o lado técnico, o profissionalismo e articulação e harmonia dos integrantes, até mesmo com as músicas de autoria da banda, relativamente conhecidas.
Nunca fiz isso: sair da festa às três e dormir até às seis para enfrentar responsabilidades.
Quando o despertador tocou, tentando me acordar com a música dançante que eu escolhi, comecei a sonhar com a festa, com a pista de dança e só me dei conta de que deveria acordar uns dez minutos depois.
Fiquei brincando, dizendo que eu teria quatro horas para dormir durante o concurso – mentira pura, porque eu antevia meus esforços para tudo sair bem.
Se eu dormir mal e tiver algo a fazer, já era: meu sono determina meu estado de atenção. O que houve foi que ao escrever eu passei a repetir sílabas, do tipo: ao invés de escrever CORRERAM, escrevo CORRERRERAM. Mas, dei sorte com o assunto da prova e com umas coisas engraçadas que não vou contar, referentes ao período da prova e ao imediatamente posterior.
Após a prova, difícil foi me manter acordada o suficiente para ir ao compromisso de trabalho, lá em *******, isto é, é como atravessar a Orla toda de Salvador no sentido Itapoã.
Uma coisa é a gente representar uma empresa e realizar um trabalho sem o contato direto com a Pessoa Jurídica. Outra coisa é olhar nos olhos deste povo. Francamente, com sono e com tudo, decidi cair fora da atividade! Cito apenas que certos representantes do Direito Educacional devem beber coisas absurdas antes de falar conosco – ou é coisa de falha de formação e de caráter. Dentre os muitos absurdos que eu ouvi, ficou claro que a empresa levava uma concepção de times de professores de primeira linha e times de segunda e de terceira, correspondentes a privilégios específicos e salários compatíveis com a faixa sob a qual ele estivesse na avaliação dos bambambãs da chefia.
E a medida? A popularidade do professor e sua resiliência quando o bicho pegar.
Não bastasse isso, pareceu haver a consideração de que professor topa tudo por dinheiro. E por qualquer dinheiro. Deste modo, os acordos de despesas, hospedagens, horários e condições gerais do trabalho foram astutamente conformados a uma lógica taylorista que não daria tempo explicar aqui.
Mais interessante ainda foi a afirmação de que “uma empresa não escolhe seus clientes. Cliente é cliente, indiscriminadamente”.
Meu Deus do Céu: aí é o cúmulo da ignorância prática ( desconsiderando, pois , a hipocrisia), já não está no âmbito da leitura, da formação acadêmica meramente, porque bastava argumentar o que Nestor García Canclini nos apresenta em Consumidores e cidadãos para que se visse que os produtos escolhem seu público.
Mas nem precisa ir longe: os hábitos fisiocráticos de dizer que o mercado está nervoso, tenso, pessimista, já mostra a reação da Economia aos influxos cambiais, aos rumos políticos, às análises de risco e aos indicadores complexos e variáveis que formam a vida da economia de um país. Mas, então, pela vida prática, aquela nossa vidinha do dia-a-dia mesmo, já nos mostra a distribuição dos pisos de um shopping: no primeiro piso estão as lojas mais baratas e populares, para uma faixa de público; o segundo piso é intermediário e no terceiro é que ficam as alamedas de grifes, os restaurantes mais caros e os produtos vão se distribuindo como à espera de públicos correspondentes às faixas de ganho específicas.
Também as propagandas de alto luxo que são vinculadas em canais de TV por assinatura não passam em canais de TV aberta: nunca vi propaganda de perfume importado em TVs abertas, por exemplo.
Cada vez que a gente se preocupa com a etiqueta, com a grife, com a marca, a gente está fazendo o reconhecimento de que os produtos escolhem seus donos e que os serviços e empresas escolhem os seus clientes: certas marcas são reconhecidamente do mercado de luxo – pense aí na Ferrari, na D & G, na Diesel, na Loccitane e em como o atendimento em hospitais de luxo e em escritórios de advocacia de primeiro time determinam o sucesso na saúde e o ganho de causas na área jurídica.
Mas eu não disse nada: ouvi o discurso nazi-fascista com minha cara sonolenta e apática e cheguei à conclusão de que não trabalharia mais para eles. A pior coisa que há é você se aliar a projetos profissionais com gente que não entende da profissão nem de coisa nenhuma que não sejam dígitos, estatísticas, rankings e fama.
E quem disse que eu não gosto de dinheiro? E quem disse que eu não preciso de dinheiro? E quem disse que eu sou daquelas pessoas hipócritas que acham que grana não contribui para a felicidade humana? Mas aí entram, é claro, as coisas que eu não coloco à venda e às minhas exigências profissionais.
Sei que pela lógica, o mercado de trabalho é quem acolhe e escolhe os profissionais. Claro, todo mundo quer trabalhar, quer uma ocupação. Mas nós temos escolhas também e eu não estou em promoção.