Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Vida de cão!

Eu ia dizer que levo uma vida de Boston, mas a verdade é que nestes dias em que não escrevi, andei levando uma vida de cão.
Houve coisa boa que se a lembrança permitir, depois eu contarei. Mas o que fica é a velha Lei de Murphy, porque passei mil perrengues para poder, finalmente, hoje, senhoras e senhores, depositar as benditas sete cópias da minha tese lá no Programa de Pós-Graduação. Hosana a Deus e aleluia! Agora, literalmente, posso dizer que o doutorado me custou muito caro.
Tenho uma lista imensa de agradecimentos a fazer, mas fica para a próxima, porque estou um caco. E só para exemplificar, vou contar aqui um diálogo verídico, verdadeiro mesmo, que eu mantive no Mc Donald's do shopping:
ATENDENTE: Pois não, senhora?
EU: (...) Você poderia me dar o cadáver?
ATENDENTE:...
EU: Hã? poxa, eu falei cadáver? cadáver? eu quis dizer cardápio!
ATENDENTE: (Risos) Entendi, senhora... deve ser a proximidade do feriado.
Bom, fiz o meu pedido, saí amarela de vergonha, sabendo que a verdade não tinha nada a ver com a proximidade do feriado de Finados, nem com o Dia das Bruxas, que é hoje: sou eu que estou morta, um cadáver... Este foi o ato falho: estou morta, gente!
Oh, vida de cão!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Eu, hein?! (XX)

Sem comentários!

Eu, hein?! (XIX)


Desafiando a autoridade!

Eu, hein?! (XVIII)


Isso é que é um homem disputado!

A gramática e o tempo


Poucas coisas são tão chatas quanto um tempo que parece não passar, porque os dias correm e nada muda. A noção de ação tem a ver com a velocidade das coisas. Então, quando tudo vai devagar, realmente a ação cessa, tudo é inerte. E isso dá um nervoso absurdo!
Dá uma inveja das múmias, nessa hora! Dá uma inveja dos calminhos, dos conformados, dos contemplativos... Sabe aqueles amigos que sobem no telhado e ficam dizendo: “Ó, está tudo pegando fogo em volta de nós!” Mas no cemitério, nada pega fogo.Só se for fogo fátuo.
E para não dizer que nada acontece, dei muita risada ontem à noite. Foi como se eu tivesse trocado de lugar com aquela minha amiga que inventou de namorar o mano ABC paulista, aquele daquela história do “É nóis!”.
Estava eu cansada e chateada, no fim da noite de ontem, quando finalmente acessei uma sala de bate-papo da UOL. Esclareci outro dia que fui estimulada a frequentar uma sala dessas para deixar de timidez besta, me arriscar, me aventurar, entrar na loteria de conhecer gente diferente... Ok. Lá fui eu.
Também falei que nas salas de bate-papo, se você escolher por assunto Filosofia, Literatura ou o que quer que seja, ao entrar só vai ter sexo.
Entrei numa sala de amizades que, pelo menos, ainda não continha palavrões nem seres humanos com apelidos apelativos, tipo, Gatinho Bem Dotado; Casado safado; Careca Carinhoso e bobagens afins.
Encontrei o Edu. E então, blablablá,perguntas, respostas, abreviações e mais blablablá, até que ele mandou um “Concerteza” e um “Dinovo” que me expulsaram do ambiente virtual em menos de cinco minutos.
Um homem jamais deixaria de ser receptivo a uma mulher por causa de lapsos gramaticais. Mas, comigo não dá. Eu fico desconfortável. E o interessante é que eu não sou a única: minhas amigas próximas mandam o cara pastar se notarem que o sujeito não domina a norma gramatical. Lógico: revela muito sobre o nível da pessoa, sobre o quanto ela lê ou não lê, o nível cultural, a escolaridade e coisas correlatas ao capital simbólico que é a escrita.
Sou professora, não quero ser boazinha: vá escrever mal na casa do karalho careca!
Dei risada. Se eu pudesse, aconselharia: Homens, se vocês querem pegar alguém, cuidem bem do que fazem com a língua... A portuguesa, a língua portuguesa!
Uma das piores perdas que a gente pode sofrer é a perda de tempo. Perdi meu tempo conversando com um Edu que, pelo jeito, foi pouco agraciado pela Edu Cação. Preconceito linguístico: eu tenho!
Um homicida da Língua Portuguesa do teor desse Edu, que assassinou a gramática com requintes de crueldade, eu condenaria a uns 02 anos de curso intensivo, sem direito a pegar ninguém.
Homicídio triplamente qualificado praticado contra a Língua Portuguesa, porque a coitada não teve chances de se defender; por motivo torpe (vagabundagem, eu aposto) e premeditação (se a peste do cara vai a uma sala de bate-papo deve presumir que vai escrever, não é inocente, portanto) que culminam no dolo e na culpa do a réu.
Diferentemente de muita gente não alfabetizada, mas educada, dos humildes que não tiveram a chance de estudar, um maluco desses tem acesso a meios digitais e não procura aprender nada. Sinto muito, mas não dá!Ah, Edu, você foi condenado!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Crise de neurônios

Se a vida é uma constante aprendizagem,fui reprovada! E pobre de mim, que não aprendo nada!
Hoje eu até reconheci, depois de um tempo, a razão das minhas amigas: Poxa, como eu sou esquentadinha!ninguém me venha com conversa de inteligência emocional, porque eu sou toda instintos, toda coice! Não dá para tomar uma pisada no ego, sofrer traição e educadamente contar até dez. Não! eu fico irada, eu praguejo, eu xingo, eu bato, eu ameaço, eu quero matar!
Tudo a ver, querida tia astróloga: ariano bate com a cabeça na parede, insiste, não sabe desistir.
Falando nesta tia, ao criticar minha outra tia há um tempo, vi que ela falou que os cancerianos são "unha-de-fome". Eu achava que era tudo perseguição, briga de irmãs, coisa de inveja, raiva...Aí fui fazendo as contas: Ora, minha tia astróloga está certa!
E daí? melhor ser um canceriano pão-duro a um ariano que faz burrices instintivas.
Quem comanda Áries é a cabeça. O ariano se move pelo intelecto, mas daí que se o intelecto falha, lá vem nossa pior porção animal.
E para procrastinar decisões? vish, a gente releva, adia, leva um ano, leva dois, mas depois não há mais retrocesso. A palavra de um ariano, a definitiva, não retrocede.
Sei que as meninas tiveram razão, hoje.
Está bem que eu sou marrenta e dou marradas na parede. Mas admito meus erros, minhas falhas.
Leninha, com sua calma, me segura, enrola para eu não sair nervosa porque sabe que eu não tenho freios. Ela sabe que há outras respostas, que há outras formas de revidar...E eu esbravejo contra o sangue-de-barata dela, contra aquela sapiência e comedimento. Ah, santa Temperança, Batman!
Hoje eu insisti da maneira mais burra possível, antegozando o sabor da vingança: ia soprar areia nos olhos de quem cegou meus sonhos. Muita, muita areia.
Leninha me fez ver que tenho outros recursos.
Fiquei mais de uma hora à espreita de detonar a bomba e explodir o campo inimigo.
Sou ressentida: sinto de novo. Não esqueço uma só mágoa ou injustiça sofrida. Gravo muito bem a cara dos meus inimigos, dos algozes disfarçados que um dia eu tomei como amigos e recebi a facada nas costas.
No amor, pior ainda:não esqueço uma só mágoa. Passa um ano, dois, três, uma década...ignoro a pessoa, sigo em frente, mas - tal ocorreu recentemente - jogo tudo na cara, pisoteio quem me derrubou e se der tempo, uma vingança cai bem.
Mas sou boazinha: nunca fiz mal a quem me deixa me paz.
Nunca fiz mal a ninguém, na verdade: mas quem não se regozija ante a queda do inimigo que lhe atirou ao fundo do poço? E por que devolver a mágoa sofrida é feio? Até constitucionalmente todo mundo tem "direito de resposta à altura do agravamento."
As injustiças sofridas não podem ficar impunes, eis o que eu penso.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Erros que dão certo

Não desafio mais a minha imensa e surpreendente capacidade de fazer besteiras: fiz o que eu não devia, isto é, me mandei para a festa no sábado. O problema foi sair da festa às quatro da manhã, acordar sem ter dormido às oito e viajar para fazer concurso em seguida.
A grana esta nos últimos suspiros. Minha amiga estava dura também, de modo que não compramos uma água mineral sem antes consultar o oráculo financeiro, traçar rotas de gastos e desistir de qualquer coisa que não fosse o estritamente cabível no orçamento. Bom, até que não foi tão vexatório. Mas conto é a outra parte da história que deve, portanto, começar pelo clichê: “Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento”: adágio popular para falar das incompatibilidades entre essência e aparência.
Eu era louca para conhecer o Johnnie Club. Putz, desde que aquilo se chamava San Domingo eu era louca para ir.
Para completar a ânsia, todo mundo que já foi fala bem: dizem que é sofisticado, organizado, bonito, espaçoso, cocococó e blábláblá em favor do lugar. Endossadas por tais opiniões de fontes irrefutáveis, fomos nós para lá, ver, é claro, a 80 na pista.
Ai, ai, Johnnie! O Johnnie mais parece um galpão de terceira categoria, com um chão mais sujo do que ficha de político e estruturalmente deixa a desejar. De zero a dez, eu daria um seis, com bastante benevolência. Mas o serviço, tudo bem, os garçons são ágeis e prestativos. De cardápio, uma droga: nenhuma variedade, nem para o básico, e os preços são extorsivos, ridículos.
A Banda que tocou primeiro me decepcionou, não vou nem citar o nome, mas eu recomendaria para tocar em casamentos de inimigos ou em velórios. E aí, quando a banda certa entrou em cena, era tarde demais. Foi a primeira vez em que sai do recinto antes da banda, antes do show acabar.
Saí de lá dançando pela Rua São Domingos, até o carro, só de brincadeira: era que meu pé estava doendo, esfolado do salto alto e do atrito na dança, e as sandálias estavam no carro. Minha amiga riu dessas palhacices, mas o saldo foi que viajei de tênis no dia seguinte porque foi a opção suportável.
Em retribuição à colaboração da amiga, fui dormir na casa dela: odeio dormir fora de casa, mas fizemos o pacto e eu fui cumprir minha parte. Afinal, eu sabia que não dormiria mesmo!
Engraçado como quando tudo tem que dar certo, dá mesmo: mesmo atrasada, porque fico lenta de manhã e pior ainda se não dormir, cheguei à FACED no horário, peguei todos os transportes no horário e tudo deu certo, de tal modo que nem a chuva anunciada se concretizou.
Aí, então, na hora da prova eu estava delirando de sono! Cumpri minha parte e dei no pé e dormi em paz até meu orientador me acordar às oito da madrugada desta segunda-feira. E eu quase caio da cama com tanta coisa para fazer: é, o pesadelo continua! Aliás, o pesadelo começa quando eu acordo – mas, enfim, este é outro capítulo. Ah, nem me falem mais em capítulo! Nossa!

sábado, 20 de outubro de 2012

Dançar, dormir, viver.

Quando a gente se mantém ocupado, acaba perdendo a noção do tempo. Na verdade, o tempo fica parecendo contínuo, sem intervalo, sem trégua, retilíneo...
Anteontem eu dormi pouco. Na noite passada, nem se fala:apesar da boa companhia, acabei acordando cedo, hoje, porque até ele inventou de ter compromisso chatésimo no sábado de manhã.
Amanhã eu tenho viagem, por conta de um outro concurso; ele tem trabalho.
Hoje, queria dormir muito. Mas aí, queria muito sair à noite, também. E tem dias que me bate a neura de querer sair sozinha. Acho que as companhias também se tornaram burocráticas, procrastinadas; e eu prefiro fazer o meu tempo.
Se for pela prudência, fico em casa e durmo logo, porque cansaço e sono é o que não me falta; se for pelo desejo,diz a lenda que "Quando o gato sai, o rato passeia", mas não tenho nada para roer por aí, é só o desejo de sair para dançar.
Como as coisas são engraçadas: ontem eu estava na antevéspera de entrar na câmara da morte - e não vou explicar o que é isso em termos de concurso - quando soube que mais um amigo se desfez do armário blindado em que ele vivia. Ora, parabéns!vá ser plena e assumidamente gay e ser feliz1
Estava eu nessas divagações risíveis pelo telefone, quando esbarrou em meu destino a pessoa mais neurótica, antipática e asquerosa que eu já conheci, em termos de gay estereotipado e caricato. Pelo menos a caricatura faz rir e tem criticidade. Talvez seja que eu só conheço gay gente fina e esqueça que há pessoas mal humoradas, chatas, ensimesmadas e etc. porque é um traço humano independente de orientação sexual.
Só sei que nada acalmava aquele ser humano desagradável, que tomava 5 litros de café por hora e fumava uns 30 cigarros por minuto, não obstante essas minhas hipérboles serem também caricaturais.
Nunca mais encontrei uma pessoa assim,de quem eu pudesse dizer que não desejo dar "bom dia" nunca mais em minha vida ou imaginar que, de fato, minha existência seria menos pesada se eu não o houvesse conhecido. Ah, foi com esforço que me lembrei o nome do cara...Ih, Los Hermanos: "E o esforço para lembrar/é a vontade de esquecer".
Bom, ele saiu antes de mim.
Deixei-o lá. Que os acasos não nos ponha em contato de novo!
Cansada e com sono, como eu estava, achei o caminho bonito. Inventei, por isso, pretextos para andar, alongar o caminho, sem me importar com o clima ou com a distância.
Segui, pensando as mais maravilhosas besteiras que um ser humano pode pensar.
Um ócio cansado, plena tentativa de desligamento.
Depois pensei que teria que ir à universidade dali a pouco.
Burocracias, um banho, um almoço, mais burocracias, trânsito, demora, o caminho de volta, tudo assim, na entropia do pensamento.
Parei um pouco: fui ouvir minha amiga conservadora dizer que perdeu as estribeiras: "Eu parecia você!eu surtei! eu disse que queria sair, dançar e ir a algum lugar onde tivesse homem, homem mesmo!Não queria sair para comer e beber e ficar parada como uma múmia contemplativa". KKKK. E ela disse que foi!e olha que ela fez o que queria, dando uns amassinhos em uns sujeitos.
Bom, só quem, como eu, vive na ginecocracia,rodeada de mulheres e gays, sabe a falta que os remanescentes heterossexuais fazem. Principalmente para gays e mulheres que são chegados a um convívio com a testosterona alheia.
Pois é, ela surtou, virou louquética.
Mas eu queria sair sozinha porque fico de saco cheia disso: dos mesmos ambientes, das mesmas enrolações para sair, das mesmas respostas evasivas das amigas consultadas... Ah, vão dizer que não querem ir, vão inventar dores de cabeça, dinheiro pouco, premonições, sei lá mais o que...
Eu gosto é de quem tem fogo no espírito e não pára quieto, mesmo que seja à base de vodca. E Deus sabe o que faz, porque se eu bebesse bebida alcoólica, seria um espetáculo de horror!
Minha amiga falou mesmo como eu: eu me canso das múmias.
Não consigo achar divertido encher a boca de comida, exceto pelo prazer do paladar, mas para mim isso é cotidiano.
Ah, meu primo passou na prova escrita do mestrado. Uhuuuuuuuuuuu!feliz fico eu!vamos ver se na hora da entrevista não inventam os pretextos para aprovarem apenas a galera da panela.
Meu primo parece comigo:gosta de sair para dançar. Casou, porém, com uma múmia chata e mal humorada que só sai para comer. Sorte a dela é não ser gorda - moça trabalhadora, estudiosa, desumana, magra e mal humorada!
Se eu dormir mal, de novo, amanhã vou me dar mal nas provas. Um bando de assuntos! assunto que não acaba mais!
Quero dormir e quero sair - uma coisa exclui a outra, mas as duas prejudicam meu desempenho, porque o certo era me divertir, fazer a higiene mental (dessa minha mente suja, graças a Deus!) e ir fazer a prova. Mas não dá tempo. É isto ou aquilo!depois, festa boa após a de hoje à noite, só em meados de novembro...
Vou seguir o exemplo dos meus gatos e me entregar ao sono. O sono que eu tenho dá para dormir umas 16 horas ininterruptas. O problema é que se eu acordar, se o sono for interrompido, não durmo mais, mas permaneço com sono.
Estou mais para Lenine: "Hoje eu quero sair só!"

Se você quer me seguir,
Não é seguro
Você não quer me trancar
Num quarto escuro
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó.
Hoje eu quero sair só...

Você não vai me acertar
À queima-roupa
Vem cá, me deixa fugir,
Me beija a boca
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só...

Não demora eu tô de volta (Tchau!)
Vai ver se eu tô lá na esquina
Devo estar!
(Tchau!)
Já deu minha hora
E eu não posso ficar
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua...

Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

As cinzas de Ângela


Acho que desde Terra Estrangeira, que, para mim é o melhor filme nacional de todos os tempos, no sentido artístico em si, eu não via um filme tão bom quanto As cinzas de Ângela, que, no caso, não é nacional, mas uma produção de Alan Parker, de 1999.
É um filme de dor e angústia, narrado por Frankie, um dos filhos de Ângela, que assiste à degradação da família, a humilhação, a fome e a miséria em solo irlandês e sonha em vir para os Estados Unidos, na década de 30 do século passado.
A vida se passa em vielas faveladas, sem a menor condição de moradia, carente de recursos sanitários não dá tréguas à família de pobres que têm que lutar diariamente pela comida e para driblar as doenças fatais, a exemplo da tuberculose e das muitas doenças infecciosas agravadas pelo frio e pelas péssimas condições de higiene das habitações.
A caridade custa caro: o preço moral das humilhações dos representantes religiosos e assistencialistas que não hesitam em maltratar aos já maltratados pela sorte.
Frank, ainda criança, tenta ganhar dinheiro e comemora seu primeiro xelim obtido no trabalho pesado do manuseio de sacos pesados de carvão: herda uma conjuntivite assustadora que ameaça a visão e não permite que ele desfrute da sessão de cinema a que ele vai, como compensação pelos sacrifícios feitos em favor do sustento da família.
A história da família de Frank é descrita a partir dos muitos irmãos dele e do pai, que foge às responsabilidades ante o cansaço da situação e o apego à bebida. Ângela perde a compostura quando é despejada e tem que ir viver na casa do primo gordo e asqueroso, com quem Frank sabe ter intimidades sexuais com a mãe dele.
Mas esta história triste é pintada com angústia e certa poesia: é o onde a dor se apresenta nas vestes bonitas da sua crueza. Assim, também, a descoberta da sexualidade pelos meninos e a posterior paixão de Frank por Tereza são tecidas com intensidade e delicadeza pelo foco cinematográfico.
Ali estão expostas as belezas e as dores da vida: um perfeito equilíbrio captado com maestria, dosado adequadamente e que, por isso, me deixou encantada e lutando contra o sono para assistir até à última cena, quando a usurária agiota para quem Frank escrevia as cartas de cobrança aos credores é encontrada por ele morta e, finalmente, ele pode destruir o caderno de débitos de metade da cidade interiorana onde moram, subtrair alguns tostões e tomar o navio que o deixará nos Estados Unidos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Anatomia

Acho que incorporei muito a educação cristã católica que, para o lugar de gênero, designa uma postura resignada para as mulheres. Então, até brinco de postar imagens de homens nus aqui no blog. Mas a verdade, já que comecei a falar de verdade na outra postagem, é que gosto do corpo do homem.
Gosto, gosto da diferença que tem em relação ao meu corpo e gosto do corpo masculino como ele é: adoro a nuca, acho bonita, acho sensual olhar bem de perto nuca e dorso. Costas de homens são coisas muito bonitas – e muitos dirão que se o homem for bonito, tudo é bonito, é lógico.
Gosto de cabelos: adoro tocar cabelos, bagunçar, acariciar... o que me faz deduzir que estou falando de um certo tipo de homem ou do meu tipo preferido de homem, que é bem cuidado, que tem certos caracteres, que tem um cheiro bom e clássico de perfume discreto, tipo perfumes Armani ou algo mais forte e característico como qualquer Ralph Lauren ou um excelente e nacionalíssimo Galbi ou a simplicidade de um Ted Lapidus.
Cabelo solto, lavado, que tenha cheiro de xampu. Mas deve ter as mulheres que gostam dos sujinhos, daqueles de barba enrolada, cabelos empoeirados e dedos cheirando a cigarro – tem gosto para tudo na vida, cada um com suas preferências. Esta não é a minha.
Gosto mesmo do corpo do homem, muito além da parte genital que geralmente a gente brinca de dizer que é a parte que realmente interessa, mas na verdade só o conjunto interessa e uma coisa sem a outra desequilibra o contexto. Eu reparo em unhas (prefito as bem cuidadas, curstas, limpas), gosto de mínimas espinhas e muitas sardas (ah, não sei por que, é fetiche), odeio pelos e pele ressecada, eu adoro narizes, detesto asperezas (hidrate-se, boy!) e sou fã de bíceps, de braços definidos – porque adoro abraços. E acho que pouca coisa na vida tem o poder hipnotizador que uma mão masculina firme pode ter: Mãos firmes, de toque leve, que transmitam calor e segurança quando segurar as minhas mãos.
Gosto também de olhos: olhos de violeta, hipnotizadores, como os de Thales; olhos de dengo, como os de C., olhos de choro, como os de Ninno; olhos espertos e safados, como os de L; e olhos doces como um amparo, como os de Valério.
Toda essa anatomia descrita nada tem a ver com as coisas em si, mas aos significados agregados quando há personificação, porque tem uns sujeitos bonitos cuja beleza é neutra como um pedaço de isopor, não despertam nada. Sensualidade é isso que desperta nossos sentidos e nossas sensações, só de olhar – o deleite dos olhos, do tato, do olfato e o presumível sabor que a gente nem experimenta, mas só em olhar cochicha com a amiga ao lado: “Gostoso!”.

Verdades na cara

Eu acho que amigo deve dizer a verdade e dever dizer umas verdades sempre que a ocasião pedir. Mas sei que a verdade nunca é bem recebida e que há outras verdades que jogam a gente no meio do turbilhão das confusões.
Subi nas tamancas com uma amiga, neste final de semana: por acaso, ela “esqueceu” de me contar que deu o carro para o namorado dirigir e que ele atropelou uma pessoa e fugiu sem prestar socorro.
Minha amiga é minha amiga e estava errada. Dava para ser falsa e dizer que eu era aquiescente com aquilo? Não deu: desci a madeira! E amigo meu não espere de mim que eu acoberte erros desta natureza. Se fosse o contrário, ela gostaria de ter sido atropelada e deixada à margem de uma rodovia?
E eis o argumento: "Ah, o cara estava de moto, qualquer toque derruba e eles se destroçam..."
Eu não consigo ver nesta observação algum atenuante. Porém, o sujeito anotou a placa do carro e foi atrás do prejuízo.
Ela mentiu para o coitado, que teve que ser confrontado. Olha, se fosse comigo eu tinha perdido a cabeça: ele disse que viu que não era ela quem dirigia e teve que aguentar a mentira ridícula e descaradamente sustentada. Por fim, desistiu e ficou no acordo de ser ressarcido pelos prejuízos sofridos.
Num mundo em que todo mundo reclama da impunidade e da injustiça, as pessoas as praticam aos rodos. Fazem caras de pasma e de estupefatas diante do que a televisão noticia, mas quando é na própria vida, repetem injustiças e desmandos.
Um grande amigo está recebendo tanto chifre que mais parece um alce. Neste caso, eu não conto não. A gente dá aquele toque de que se ele é casado deve dar atenção à esposa, ser elogioso, presente, porque a melhor forma de levar um belíssimo e enorme par de chifres é deixar uma mulher carente. Sempre tem algum homem disposto a dar o que está faltando... E aí, pimba!
Como sempre acontece, eu estou evitando o meu amigo. Primeiro, porque ele merece os chifres que leva, pois deixa a moça em terceiro plano, num regime de sexo a cada 60 dias – ora, nem freira aguenta uma coisa dessas! – e segundo porque eu que não quero a responsabilidade de revelar as coisas.
Já outro casal de chegados está desmanchando a união: minha amiga é um péssimo negócio para ele, para o sujeito que também é meu chegado. Mas como é que eu vou dizer a ela, diante de tantos lamentos, que ela tem responsabilidade sobre o que está acontecendo? Na verdade, ele foi um herói em aguentar alguém que é só prejuízo (financeiro, emocional e moral). Brinquei de chamar a relação e negócio porque o interesse dela era meramente material. Depois virou amor, mas nunca deixou de ter o eixo da exploração, no velho esquema de que “o amor custa caro”.
Eis as tantas verdades, mas não perece falsidade revelar verdades assim, sob o microscópio? Em mais um caso, pensava eu que os vários amantes que uma das partes tinha/tem não configuravam um sinal de desamor. Sempre achei que a psicanálise fosse conivente com a infidelidade porque não via isso moralmente e porque a traição não desmente o amor, já que realmente os desejos extrapolam as relações. Porém, por um caminho e por outro, o analista da criatura mostrou que a infidelidade implicava no desamor, que o que certa pessoa sentia pela outra era admiração, mas não amor. Era qualquer coisa, exceto amor...
Amigo acaba sendo cúmplice ou testemunha, de alguma forma. Apesar de todos os efeitos corrosivos da verdade, eu ainda prefiro que me digam a verdade, que me mostrem a verdade. Mas pode ser que a verdade deva vir em doses homeopáticas – ou overdoses homeopáticas, para os mais fortes. Se viver na mentira faz a pessoa ser mais feliz, porque expor uma verdade que magoa? Já pensei assim, porque era conveniente. Estar feliz na mentira é ter uma felicidade de mentira... Não funciona para mim. Até já disse que tem dias em que está tudo errado, tudo em falta e me dá uma felicidade besta e mal explicada... É assim porque é verdadeira, é gratuita. Mentira causa decepção, um dia vem à tona e deixa a gente com cara de tacho, se sentindo imbecil e enganado. Mas, na verdade, na verdade, vos digo: vou ficar calada e omissa porque esses problemas aí são bastante complicados...De verdade!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Profissão: professor

Dia do professor: quase nada a declarar que venha a se constituir em novidade. Sei que um dia me tornei professora. Não sei como foi, mas sei como me dei conta: já nas sessões de psicanálise. E foi um processo engraçado, bem parecido com o que acontece àquelas pessoas que já estão casadas, mas não sabem disso. Eu, na época, era militar – as aulas eram só complemento, apesar da minha formação.
Eu nem sabia que era professora.
É inferno e paraíso, ao mesmo tempo, a profissão, porque nunca é apenas o meio de se tirar o dinheiro para o sustento. Há relações, contatos, trocas, expectativas, amizades, choques...
É que a pessoa não é simplesmente professor: tem que perceber qual é seu público, qual a área de atuação, onde quer estar e com que faixa etária quer lidar. Sei que prefiro os adultos e o Ensino Superior.
Estar no Ensino Superior não significa suplantar os problemas básicos de qualquer área de ensino: há sempre os que buscam resultados – a aprovação a qualquer preço, a estatística que o coordenador de curso quer, os números e a objetividade que quem vê e lê confunde com excelência e competência, as aspirações de donos e diretores que querem ter prestígio com o MEC, mesmo quando número e realidade são incompatíveis...
Tive alunos incríveis de pós-graduação, do tipo que quer assinar a lista para conseguir ir embora antes mesmo de chegar; passando por aqueles que convenientemente descobrem que são Adventistas nos dias de avaliação.
Mas tive também excelentes alunos no termo amplo: estes eram pessoas, pessoas mesmo, com responsabilidade, solidariedade, competência, disposição, eram de carne e osso e tinham honestidade intelectual.
Como aluna de pós-graduação, tive destes tipos como colegas. Os desonestos sempre se dão bem, porque têm boas relações. Mas os inteligentes são insuperáveis, são seguros, são poucos, mas suficientes. O caso é que não se é professor senão em relação a um contingente de alunos: um não existe sem o outro, mesmo que seja para a decepção mútua ou para o desenvolvimento recíproco.
Nunca tratei um aluno como cliente, talvez porque eu nunca estive à venda em nenhuma universidade – e se estivesse, certamente, a julgar pelo magistério em geral, eu pouco valeria.
Mas sou feliz como professora desde que isso passou a ser uma escolha consciente. Interessante é que a gente vai aprendendo a ser à medida que vai sendo, apesar de pensar que é.
Quando o povo adapta uma afirmação de Jean-Paul Sartre, segundo a qual “Eu sou o que fizeram de mim”, longe de ler isso numa perspectiva de passividade, eu concebo que a gente se deixa afetar pelo outro, se transforma com e por ele e, desta forma, sou o que muitos alunos fizeram de mim, porque aprendi com eles – por identificação ou por contraste.

sábado, 13 de outubro de 2012

Dias de caos

Não serei eu a criticar o ato falho de quem escreveu "Feliz Anal" ao invés de "Feliz Natal": sei mais do que ninguém que a pressa é inimiga da PACIÊNCIA, justo a paciência, este item essencial de que Deus não proveu.
Estou afundada em afazeres, em preparações, em catar formigas...penso em que tem que cuidar de uma cerimônia de casamento: Oh, coitada!será possível se divertir?
As coisas tinham uma data, foram remarcadas, passaram a ter a mesma data, colidindo em dia e hora, diferindo no local. Então, tive que fazer escolhas.E fazendo escolhas - ai, que medo - sei que fiz besteira; fazendo besteiras sei que vou ter resultados imbecis...
Deve haver um Deus qualquer aí que trate das causas enroladas, das confusões, dos acúmulos, do tudo ao mesmo tempo, no mesmo lugar, para a mesma coisa, com várias pessoas. Vou rezar para ele.
Do jeito que estou, confundo analgésico e oralgésico, e ainda argumento que este ou aquele nome do remédio vai depender do local por onde você o consome.
Já estou confundindo poliglota com troglodita; eclético com Eclesiástico;chicano com cigano;e já acho que meio de comunicação de massa é o telefone da pizzaria, de modo que os meus dois neurônios estão com sobrecarga. Feliz de quem tem feriado!

P.S.:Postagem especialmente dedicada à minha amiga Violeta, que num ato falho mostrou que orla é anagrama de...ora, deixa para lá que isso aqui é um blog de respeito!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Não é brincadeira!

Não reclamo mais de ser um ser afetivo. Amo, odeio, tenho preferências, tenho aversões. Posso me considerar uma pessoa privilegiada por isso, nestes tempos em que já não se pode odiar ninguém, porque o certo é parecer bonzinho. Também nunca tive ódios gratuitos: todos têm uma razão de ser. Amor, sim, meus amores, quaisquer que sejam, sempre foram de graça. Acho até bonito quando as pessoas dizem: “Gosto de você de graça!”.
Falando nisso, eu nunca mais havia falado com meu amigo Léo Bernardes. Aí, na hora da emergência, aciono o coitado e sei que ele entende a situação. Talvez eu não o fizesse se fosse para pedir coisas materiais, mas sei que ele é muito gente fina, que se ficar dez anos sem falar comigo, deduz que eu tive ocupações e embaraços que me emudeceram, que me fizeram negligente de contato, mas em nada diminuiu meu amor e minha amizade. Especialmente por ele, que é heterossexual, lindo, inteligente... E incompetente que eu sou, acho uma exceção dessas e sou simplesmente amiga, sem a menor maldade!
Meu amigo Chuck também inventou de casar, defender a dissertação de mestrado e não me comunicar senão mediante meus pedidos de prestação de contas! Ele sabe que eu me importo com ele, vendo ou não o vendo, longe, perto, tanto faz... A gente entende de saudades e entende quando um resolve ficar enclausurado em sua própria casca, quieto, calado...e até brincamos que quando um de nós for morrer, que comunique ao outro.
Às vezes me reconcilio melhor com os amigos mediante a distância, porque me canso mesmo! Ah, me canso de egoísmos, me decepciono quando percebo defeitos inaceitáveis, tipo a usura, por exemplo. Não tem coisa mais execrável que gente usurável. Já pensou, você lidar com uma pessoa que faz qualquer coisa por dinheiro, qualquer coisa por lucro, que não mede consequência por centavos a mais no orçamento? Estou declarando minha decepção com uma amiga. Não que eu não soubesse, é que eu não tinha clareza.
Às vezes as pessoas que têm atitudes nobres podem ser filhas da puta terríveis no trabalho e boas mães, bons pais no seio da família, tudo numa mesma pessoa. É que vergonha na cara é coisa em extinção e a compaixão pelo semelhante foi pelo ralo. Pode até ser o discurso mais batido do mundo, mas quem não tem não é: valemos o que temos, porque o mundo não tem valores morais, só monetários.
Sei que não me contenho: numa dada vez ela comentou acerca do namorado de alguém com que ela tem parentesco. Eu perguntei: é médico, advogado ou empresário? Era médico o namorado da moça. Claro! E eu consigo ser amiga desta pessoa, amar de graça esta pessoa, mas não sem me perguntar por que demorei tanto a perceber que ela faz qualquer coisa por dinheiro – não há limites.
Tenho outros amigos maravilhosos que me fazem falta, que sabem que eu gosto de ir jogar besteiras nas Playland da vida, que riem das bobagens que falo e entram no jogo; que param um momento para parar de levar a vida a sério e um, muito especialmente, me pediu para eu ir a Aracaju dois dias antes do necessário, porque ele odeia estar lá sozinho, ele detesta estar lá e sabe que comigo pode assumir que não gosta. Detesto a patrulha que quer forçar a gente a declarar amor ao que não amamos. Ah, menino, assuma seus ódios, suas aversões, suas desavenças... e este filho de Oxóssi deu para estar irado com a amiga chata e negligente, a tal ponto que não transmitiu o recado que mandei para “ela”. Disse ele: “Ah, não falei, não avisei! ela que se dane!” eu não disse nada, mas a moça mereceu! Não é porque são amigos que todo dia é dia de festinha bajulatória. Hoje percebi que gosto muito de Neide. Gosto. Acho que percebi ali uma amizade real, um afeto. Não vivo de ódios: vivos os ódios e não quero ser mais uma hipócrita a brincar de arco-íris cor de rosa onde todos amam tudo e todos amam todos como não é próprio à espécie humana. Aliás, lembrei bem de um professor de ginástica (ou era pediatra?) falando que as crianças podem se exercitar mediante jogos recreativos. Aí ele separou o que é uma atividade recreativa do que é uma atividade competitiva.
Pensei nas tantas vezes em que a gente quer ganhar, que vencer, e fica ensinando as crianças a ganharem, a vencerem... e não há prêmios: apenas se ganha para ser ganhador. Não quero ser perdedora, mas defendo fair-play. Ganha mais quem recreia do que quem compete, na ânsia de ser o melhor, de levar a melhor, de ganhar prêmios imaginários... Talvez eu esteja pensando nisso porque o Dia das crianças está chegando...
Quero mais é brincar!


É Tão Lindo (A Turma do Balão Mágico)

Se tem bigodes de foca,
Nariz de tamanduá...
-Parece meio estranho, hein?
-Hum!
Também um bico de pato
E um jeitão de sabiá...
Mas se é amigo,
Não precisa mudar:
É tão lindo!
Deixa assim como está.
E eu adoro, adoro!
Difícil é a gente explicar
Que é tão lindo...
Se tem bigodes de foca,
Nariz de tamanduá...
-E orelhas de camelo, né tio?
-É!
Mas se é amigo de fato
A gente deixa como ele está...
É tão lindo!
Não precisa mudar,
É tão lindo!
É tão bom se gostar.
E eu adoro!
É claro!
Bom mesmo é a gente encontrar
Um bom amigo...
São os sonhos verdadeiros
Quando existe amor
Somos grandes companheiros,
Os três mosqueteiros,
Como eu vi no filme...
É tão lindo!
Não precisa mudar
É tão lindo!
Deixa assim como está
E eu adoro e agora
Eu quero poder lhe falar
Dessa amizade que nasceu
Você e eu!
Nós e você!
Vocês e eu!
E é tão lindo!...
-Tio!
-Hein?
-É legal ter um amigo, né?
-É maravilhoso
Mesmo que ele tenha
Bigodes de foca
E até um nariz de tamanduá
-E orelhas de camelo tio, lembra?
-Orelhas de camelo?
-É tio!
-É mesmo, orelhas de camelo!
Mas é um amigo, não é?
-É!
-Então não se deve mudar!
Composição: Al Kasha/Joel Hirschhorn/Edgard Poças

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Surpresas que nem surpreendem


Vou contar em flashes os últimos acontecimentos, porque estou ocupada e em véspera de uma viagem mega-chata.
No sábado, olha a surpresa surpreendente: quebrei a cara, pois fui ao Antiquário ver a banda 80 na pista e o show não aconteceu, nem o cancelamento foi justificado. Pelo menos era o Nil Beatles quem estava tocando e deu para aproveitar um pouquinho.
Durante todo o final de semana um querido amigo não atendeu meus telefonemas: graças a Deus! Eu precisava mesmo falar com ele, mas desde que comprovei que ele está levando chifres, não me sinto confortável com nosso contato. Eu é que não vou contar o que sei, nem confirmar o que ele desconfia.
De minha amiga Chris, o interessante desfecho: repetindo meus erros crassos, lá foi ela se enamorar por um sujeito de sotaque ABC paulista, de cara boa e pegada boa. Depois de alguns amassinhos avançados plus por aí, lá vai ela escrever para o “mano”: e tome-lhe Clarice Lispector, expressões afetivas, floreamento de linguagem apaixonada, caprichos de artefatos retóricos e blablablá no ‘mano” que, diante de tanto afeto respondeu assim ao e-mail: “É nóis!”. Perdão, amiga, mas kkkkkkkkkkkkkk!Isto é incrível! E não vai aqui nenhuma crítica depreciativa, porque também já peguei um tipo assim e devo advertir que certas coisas são capazes de causar AVC nos neuroniozinhos dos 'mano". Pelo menos ele deve ter entendido que agradou.
E por mim, é nóis, é noz, é castanha-do-pará. Olha só, lembrei que o meu paulistano com sotaque ABC paulista falava sempre e para qualquer coisa “Já é!”. Talvez isso seja um novo idioma. “É nois!”; “Já é!”... O equivalente ao vocabulário brown baiano do “Colé a de mermo” e do “filé!”. Ah, nossa língua portuguesa é linda e rica!
Meu querido e agora único número de celular, 9961-88... Deu tilt no final de semana. Minhas mensagens não iam, as mensagens dos outros não vinham. E nos tempos atuais, ninguém mais acredita que isso seja possível e por isso entrei em algumas confusões. Primeiro, porque eu tinha uma armação marcada com uma amiga e não iria contar para a outra do que se tratava. Daí me embaracei toda dando a parecer que a mentira era minha. No dia seguinte, com a pane do meu telefone, a amiga da armação imaginou que eu não dei bola para os torpedos dela nem busquei cumprir minha parte no acordo. Pior, a outra amiga que me apareceu altas horas aqui na porta mostrou que não acreditava que eu não estava avisada da visita, porque ela avisou por torpedo que viria. Juntou-se ao buzinasso que ela fez em minha porta, o buzinasso dos vencedores das eleições – gente, isso aí é superlativo de buzina, coisa totalmente neológica que a gente usa por aqui -, as berrarias da fé da igreja evangélica protestante que fica nos fundos de minha casa e a minha indisposição e sonolência devido aos estragos de sábado à noite, pois voltei da festa às três da manhã.
Basta um telefone com defeitos de operação para a gente sair de mentiroso. Pelo menos, eu não costumo mentir: desligo o telefone fixo sempre que vou dormir, sempre que quero ficar a sós com alguma boa companhia sem ser importunada, sempre que vou estudar. E deixo o celular no silencioso ao dormir e sempre que tenho mais o que fazer.
Falo isso, mas o povo não se conforma: ouço de uns e de outras os queixumes porque ligaram para cá e ninguém atendeu. Lógico: eu saio e eu tenho algo mais a fazer do que dar plantão e esperar ser contemplada pelo telefonema de alguém. Não obstante, sei que isso é um desaforo.
Nas leis que regem a vida comum, também não vou à casa de ninguém sem aviso prévio: o lar é sagrado. Não toque nele. kkk! Não é isso: é que moro sozinha. Se tranco a minha porta, gosto da minha privacidade, desfilo em trajes menores, fico à vontade... Se estou preparada para alguma visita, tudo bem. E quantas vezes atendo à porta de máscara na cara, de argila, de pepino... Ou tenho meu sono interrompido?Ah, muitos amigos meus lerão isso; e aqui não vai indireta, não! É direta mesmo: por favor, ligue antes de aparecer. E se eu não atender, deve ser porque eu tenho direito a tomar banho, a sair, a dormir, a desligar o telefone.
Ah, e mais uma manchetinha discreta: Neide retomou um comentário meu, aquiescente: “Sabe aquilo que você falou, sobre o fato de uma pessoa querer tirar proveito da outra, mesmo esta outra pessoa sendo mais fraca, ganhando menos,e estando numa situação pior? Poxa, isso é verdade mesmo! Passei por isso!”. Ah, minha amiga, eu queria era não ter razão.
Enquanto eu escrevo aqui, meu amigo me telefonou com reclamação semelhante: ele falou da amicíssima dele, R., que devendo uma grana preta a ele e vendo que ele tem família sustentar e filho para criar, que está numa situação delicadíssima, não faz o menor esforço para pagar. Nem mesmo de cem em cem reais, nada, nenhuma expressão de quitar a dívida. Daí que ele disse para eu não avisá-la sobre certo concurso – de que eu o avisei – porque ele depositou confiança demais nela, porque a arrasta consigo em concursos, seleções e etc., e que ela se esconde na concha da ostra, se encolhe para se fazer de coitadinha, não retribuindo à solicitude do amigo. Diga-se de passagem, que quando ele passou no doutorado e ela não, a tensão se instalou entre os dois.
Vai a minha decepção pessoal: hoje almocei com uma pessoa amada e conversamos sobre as desonestidades cotidianas e como os honestos são tratados como idiotas, já que estamos no país dos espertos.
Ele mudou o ponto de vista: apoia estelionatários, golpistas em geral, desde que não ataquem indivíduos, de arma em punho, não matem o trabalhador nem barbarizem em violência física contra quem quer que seja.
Ele se disse arrependido da lealdade, de ter deixado escapar oportunidade de ser desonesto e se dar bem... creio que me achou otária por devolver carteiras encontradas e celulares que não eram meus. Falamos dessa desonestidade colateral, de comemorar quando algo foi consumido, mas não foi lançado na conta. Acontece que os donos de bares e de propriedades estão numa sociedade capitalista regida pelo lucro. Deste modo, se achamos que eles roubam nos preços não seremos mais honestos que eles à medida que damos graças a Deus pelo que usamos e não foi cobrado. Tanto faz o tipo: desonestidade é uma só. Mas temos que acordar: as pessoas fazem qualquer coisa por dinheiro, especialmente aquelas que fingem ter mais do que realmente têm. Eu só quero o que é meu... e ter sorte, claro! Sorte é dádiva, não gera perda a outrem.
Gosto de dinheiro. Do meu dinheiro. se ele for muito, ótimo: será usado para me fazer feliz, para realizar desejos, para dar tranquilidadee financeira. Mas é o meu dinheiro. Não é o troco a mais dado pelo caixa, nem o dinheiro apropriado da generosidade da amiga, nem produto do oportunismo. Dinheiro moralmente sujo não é lucro, por maior que seja a mediocridade de quem topa tudo por uma grana.
Quero ganhar bem, sim. Quero prosperidade. E quando repito Zeca Baleiro e digo que "Eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus", quero dizer que não preciso de milhões para estar bem, mas se eu os tiver, ótimo. Não tenho uma relação suja com dinheiro, não cobro o que não me devem, não exploro quem tem menos, não me aproprio do que não me pertence e acredito piamente que "quem paga juros não deve favor". Se um empresta, o outro lucra, os dois ganham, porque o primeiro teve a necessidade contemplada e porque o segundo lucrou juros.
Não acho que a pobreza seja justificativa para a desonestidade. Apertos, todo mundo tem; lucro todo mundo quer... E sorte é a forma que Deus tem de nos fazer boas surpresas.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Um dia, feliz!


Da mesma forma que andei me desculpando com um amigo por ter afirmado para ele que não havia motivos para a tristeza que ele demonstrava e, posteriormente, entendi que estar triste não tem relação direta com a ausência das coisas boas, eis-me aqui sem nenhum motivo para estar feliz, mas feliz.
É um negócio de louco mesmo: às vezes as pessoas têm dinheiro, saúde, fama, realizações, beleza, inteligência e mil outras coisas desejadas pela maioria dos indivíduos e, ainda assim não são felizes. Em outras ocasiões (vide o meu caso),a pessoa está phodida, em situação adversa, endividada, sem lenço nem documento, com a vida de cabeça para baixo, no fundo do poço financeiramente e ainda assim lá vem a felicidade. Parece zombaria!Pois,então, estou feliz!
E a felicidade veio em poucas sentenças: "O trabalho está concluído. Podemos defender!"
Hosana a Deus e aleluia! todo dia eu falo nas considerações finais da tese: escrita, reescrita, revista, jogada fora, escrita de novo, maçantemente citada, referida, enfim. E aí meu orientador me vem com esta!
Doutorado: alegria é passar; felicidade é concluir.
Mais ainda: C. escreveu para mim. Escreveu sem economias de palavras, como poucos homens fazem. Atualizou tudo que aconteceu neste nosso tempo de separação, os rumos que a vida tomou, o que mudou, o que permanece e, claro,ele demonstrou uma solidariedade ímpar para comigo.
Não posso deixar de fazer uma PAUSA DRAMÁTICA para comentários nonsense:Já disse que C. é do signo de Leão. Não obstante, brinco que é Leão com ascendente em pavão, porque o miserável é exibido em juba e em plumas, sabendo-se, claro, bonito e se predispondo a ser o centro das atenções (não aceita menos que isso). Não há mulher que aguente um ego deste tamanho - e olha que em termos de tamanho grande, seja lá o que for, eu não reclamo, até prefiro!
Aí caí em mãos piores: Gêmeos. Assim como Thales,outro geminiano. E Gêmeos é aquilo ali: duas caras. É isto e é aquilo. Não se decide. Vive com um pé lá e outro cá. Não termina o que começa. Espera o circo pegar fogo e estica as situações até o limite, apenas para não tomar decisões.
Estou falando de homens. No geral, em termos de ser humano, nada consta que desabone a conduta de leoninos ou geminianos na vida comum.
Essas constatações são influência daquela minha tia astróloga que mora em Guarulhos. Olha o que é que dá a educação doméstica de alguém que não acredita em cartomantes, mas dá por certa as previsões astrológicas e as predisposições dos signos em seus decanatos!
Pois é, venho tendo namorados apenas geminianos e leoninos ao longo destes anos. Pobre de mim, uma ariana com chifres de Capricórnio.
Bom, mas estou discutindo idiotices porque estou idiota e feliz. Não sei se estou feliz porque sou idiota ou se sou idiota por estar feliz. Mas estou feliz. Depois passa, claro. Mas hoje não há conta a pagar, não há realidade dura que me arranque o gostoso sentimento, a inusitada sensação de estar feliz.
P.S.: Ana Clara, olha a vírgula lá no título da postagem, viu?influência sua! Abraços, amiga!

Eu, hein?! (XVII)


Preguiça: Pecado (do) capital!

Eu, hein?! (XVI)


Como eu sempre digo, fé demais não cheira bem!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eu, hein?! (XV)

Para quem ainda não sabe a diferença entre denúncia e comunicado...
Auto-escola sensacional esta!Solidariedade, a gente vê por aqui!

Eu, hein?! (XIV)

Eu já disse aqui que ouvi, vi ou li por aí, uma certa vez, que "enquanto uns choram, outros vendem lenços". Agora, porém, devo dizer, em conformidade com este adesivo cínico do carro aí da imagem, que "enquanto uns morrem, outros vendem caixões" - mas deixa eu consertar: nem esperam mais a gente morrer. Já adiantam os planos funerários. Aqui em Feira de Santana, a morte é uma preocupação para o pai de família que nem tem onde cair morto. Os lotes, sepulturas e planos funerários são vendidos pela hora da morte, mas em suaves prestações que duram uma eternidade. Não é mentira, não, viu?
Agora, esta Funerária Santa Luzia (sua morte é a nossa alegria!)é um pouquinho demais da conta!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A era de Eric Hobsbawm



Acordei com a notícia da morte de Eric Hobsbawm. Não demorou sequer até o fim do meu café da manhã para eu receber um telefonema do meu amigo comentando o fato, argumentando que não teria passado no doutorado sem ter lido as obras de Hobsbawm.
No curso de história eu já convivia com ele, mas foi em Letras que a leitura se tornou mais acurada: A era dos extremos – o breve século XX (1914-1991) é uma bíblia em tamanho e nele se encontra de tudo. O conceito de História em Hobsbawm é largo, convida várias fontes, não se atém somente ao factual de datas, nomes, lugares e personalidades políticas. No capítulo 6 ele trata das artes, dos movimentos de vanguarda:
“O motivo pelo qual brilhantes desenhistas de moda, uma raça notoriamente não analítica, às vezes conseguem prever as formas dos acontecimentos futuros melhor que os profetas profissionais é uma das mais obscuras questões da história; e, para o historiador da cultura, uma das mais fundamentais. É sem dúvidas fundamental para quem queira entender o impacto da era dos cataclismos no mundo da alta cultura, das artes da elite, e sobretudo na vanguarda. Pois aceita-se geralmente que essas artes previram o colapso da sociedade liberal-burguesa com vários anos de antecedência (ver A era dos impérios). Em 1914, praticamente tudo que se pode chamar pelo amplo e indefinido termo de ‘modernismo’ já se achava a postos: cubismo; expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com a tradição na literatura.” (HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995).
E vai longe nesta análise porque não são citações rasas o que ele faz ao longo da obra. E desse convívio teórico nasce uma familiaridade, uma certa identificação, porque o autor faz parte da formação da gente, representa uma mão a colaborar nos argumentos de teses, dissertações, seminários e acaba por ter nos leitores álibis, companheiros, comparsas.
A primeira vez na vida em que vi o Hobsbawm ser referido como marxista foi hoje, na Globo News: a filiação partidária dele nunca deixou impressões suficientes para atá-lo a um partido ou a uma corrente teórica. Nem sempre a filiação partidária define a tendência de escrita e pensamento do autor. Não consigo pensar nele como marxista, a menos que seja um neo-marxismo que o meu curso não deu conta de me explicar adequadamente. Tínhamos lá, na graduação, essa mania de catar a corrente teórica dos autores – culturalista, fundamentalista, marxista, leninista, direitista, fenomenologista... Ora, pois, não faltariam rótulos para encaixar os autores.
Já em Nações e nacionalismos desde 1780 – Programa, mito e realidade (Paz e Terra, 1990), vejo outras coisas no modo de expressão do historiador, especialmente no trato da nação como novidade e no nacionalismo no final do século XX: “A questão nacional é, notoriamente, um tema controverso. Não procurei fazê-lo menos controverso. Espero, contudo, que estas conferências, em sua forma impressa, possam fazer avançar os estudos dos fenômenos históricos de que elas tentam dar conta”, diz o autor em seu prefácio.
E na introdução, diz ele: “Suponha-se que um dia, após uma guerra nuclear, um historiador intergaláctico pouse em um planeta então morto para inquirir sobre as causas da pequena e remota catástrofe registrada pelos sensores de sua galáxia. Ele, ou ela – poupo-me de especular sobre o problema da reprodução fisiológica extraterrestre -, consulta bibliotecas e arquivos que foram preservados porque a tecnologia desenvolvida do armamento nuclear foi dirigida mais para destruir pessoas do que propriedades. Após alguns estudos, nosso observador conclui que os últimos dois séculos da história humana no planeta Terra são incompreensíveis sem o entendimento do termo ‘nação’ e do vocabulário que dele deriva.” (p. 11).
Não estou aqui reproduzindo as coisas para demonstrar a inteligência do finado historiador, mas pela pertinência do que foi exposto, pela ironia com que ele escreve também, pelo fato de ele ter morrido aos 95 anos sem nunca descurar de observar o mundo, de pensar o mundo, de olhar o entorno e de se posicionar naquilo que se afigurava aos seus olhos como probabilidade, como sinal, que por fim, resultava nessas leituras de contexto.
Claro que acho engraçado o sintagma profetas profissionais. Meus sonoros “kkkk” são inevitáveis. Certamente um pouco pior por eu não acreditar em cartomantes – pois é, talvez em cartas eu acredite, mas nunca em cartomantes... – e vejo com bons olhos essa zombaria toda frente a um mundo que “sempre precisará de ridículos tiranos”, como disse o Caetano Veloso e não menos precisará de ridículos salvadores, profetas e gurus. E eu só acredito que as cartas não mentem jamais porque quando chegam as de cobrança eu acredito muito nelas.
Mas, deixando a minha própria ironia de lado – até porque estou aqui de orelha em pé por ter ouvido a Globonews anunciar que apresentar um sujeito que vai discutir a importância do acaso na vida real das pessoas (e em acaso eu acredito totalmente) – queria, sim, lamentar por mais uma mente brilhante que vai para as terras do sem fim, para o além.
Pelo menos tive a honra de conhecer o Peter Burke em pessoa, e espero que ele demore muito sobre a terra, mas o Eric Hobsbawm, esse eu queria ter visto em palestra. As celebridades intelectuais são muito mais interessantes, entram na vida da gente mais do que personagem de novela das oito, até temos certa proximidade porque estão ali, na estante. E é isso: Hobsbawm vai deixar mais do que as cinzas do que ele foi em vida, deixa palavras, pensamentos, deixa impressões de eras, das vividas e das reconstituídas... e fica na vida da gente – está ali na minha tese, esteve na dissertação, está num argumento, está incorporado na vida profissional e na vida intelectual mesmo.

Café


Como sempre, por obra e graça de uma sequência de acasos, saí com uma amiga interesseira na tarde de ontem.Não planejei, não convidei, aconteceu.
Não, eu não tenho bens materiais ou outros elementos que possam me predispor a ser explorada, mas os interesseiros sempre acham que o nosso pouco pode render muito em termos de lucros reais, venais e simbólicos. E assim foi: fui comprar umas coisas para ela em meu nome. Tudo bem! Não era esse o caso, porque ela atrasa, mas paga.
O problema foi mais depois: não apenas perdi meu tempo para me abalar até um shopping para as coisas dela, como no momento em que o foco eram os meus interesses, fui dissuadida de ir procurar o que eu precisava. E muito forçosamente fomos ao Bistrô, opção minha.
Confesso: ele é o meu melhor amigo. Maior amigo. Preciso dele. Sou mais feliz com ele. Quando percebo que preciso dele reconheço sua importância para o meu bem-estar. Se alguém falou que o melhor amigo de uma mulher são os diamantes, sinto muito discordar, pois o meu é o café. Até porque não gosto de joias. Já disse antes: prefiro bijuterias, não troco de brincos, não tenho vaidades de pedra (kkk!a ambiguidade aqui é deliberada, tá? - rubi, ametista, diamante, pedra alguma) e adoro pérolas falsas, porque são mais bonitas.
Mas o café é o meu melhor amigo.
Até pouco tempo atrás a gente não se entendia bem: era caso de família, coisa freudiana mal resolvida. É que nasci numa família em que as pessoas entornavam litros de café por dia. Meu primo colocava um copo duplo de café na geladeira e esse era o café gelado dele, tomado meia hora após o café regular, o quente.
Na minha família só variam quanto ao café fraco ou forte. Eu desdenhava o café, tomando esporadicamente, mas era para ser do contra, não era assim um gosto tomado conscientemente, era falso.
Depois da psicanálise vi que gostava, sim, de café, mais do que eu admitira. E era aquele negócio: o meio-amargo. Café com adoçante para sentir o travor, o sabor. Café com açúcar se feito em coador, para sentir a plenitude. Café gelado para o amor. Não tem coisa mais amorosa que um café gelado, compartilhado ou solitário: uma guloseima romântica, quente e frio, amargo e doce, enfeitado, com chantili, com beleza: um amor.
Amor tem que ser o que é um café gelado: quente e frio. Amargo e doce. E tem que deixar um sabor na boca quando acaba, convidando a outro ou dando a sensação de saciedade: acabou.
E aconteceu do Bistrô ser justamente onde outrora fora a boate a que nós três frequentávamos: eu, a amiga interesseira, a irmã dela...
Sentamos lá e ficamos olhando e recordando que aquele sofá estava onde ficava o sofá da boate. E que onde havia uma coluna eu me escondi para não dar rolo entre Thales e Ninno, ainda era coluna decorativa.
E ela,a amiga, lembrou de quando fugiu da boate sorrateiramente com outro e voltou, depois, para “o mesmo”, sem que ele percebesse o ocorrido, em manobras cafajestes que mui orgulhosamente reforça a aptidão feminina a pensar em detalhes e tecer narrativas críveis a homens convencidos.
Lembramos os tempos idos, as aventuras, as durezas, os acertos e desacertos das decisões tomadas e sofridas.
Um amigo é sempre um amigo, apesar dos defeitos. O que me deixou irada foi ela fingir não ter dinheiro para forçar que eu pagasse a conta. Pagaria, sim, se fosse o combinado, sem reclamações. Mas, enfim, a situação foi tremendamente vexatória e eu entrei no jogo e paguei a conta. E tudo isso por um detalhe: quando fui registrar as compras da minha amiga interesseira, a moça do caixa me ofereceu 900 reais de empréstimo. Eu disse que não queria, que não precisava. E isso foi ouvido por ela. Então, deu no que deu.
Costumo ser generosa com meus amigos, mas não sou generosa com os interesseiros, não: acho absurdo alguém querer obter lucro de mim. Já me bastam os trabalhos que levam minha mais-valia (salve, Karl Marx!).
Nisso de gasto e nostalgia lembramos a Praia do Forte, os réveillons, as curtições todas, os casos, os amores e constatei que já não somos quem éramos, talvez porque eu fosse mais inocente mesmo e não acreditasse em certas coisas que o tempo confirmou aos meus olhos. Mas, no resto, eu posso dizer aos meus amigos: vão ao Café Bistrô que lá o café é excelente. E pensem seriamente em ir, no próximo sábado, ao Antiquário, porque tem show da banda 80 na pista. Eu irei, se Deus quiser e o dinheiro der.
E cá estou com saudades do meu grande amigo café, que amo bem mais que os comparsas chocolate quente e cappuccino. E ele é realmente um amigo para todas as horas.