Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Um banho de cultura

Conto agora uma história que poderia suscitar possíveis preconceitos, mas que se resumiu a um caso de choque cultural: uma amiga minha foi viver numa cidade europeia e, na volta, contou da sensação de ser estrangeira. Lá, então, categorizada como ‘estrangeira e mestiça’.
Como é comum a quem fixa residência e constrói a vida noutro lugar, um dia vêm os amores. E assim aconteceu.
Choque cultural quando expresso na dimensão sexual é algo bem mais tenso: disse ela que após encontros românticos, delicadezas e coisas próprias a casais, chegou a hora do sexo. Nesta hora, sofreu o nariz da moça mais do que o coração: o rapaz exalava um odor horroroso, sem consciência disso. Odor do corpo, não de parte específica que, naturalmente, há as mais propensas a concentrar as decepções olfativas. Que saia justa!
Ela ficou petrificada, desmentindo o estereótipo da brasileira quente e fogosa, enquanto ele lamentava tanta timidez.
Contudo, posteriormente ela o arrastou ao banho. O choque cultural aqui foi atenuado porque ela entendeu e nos explicou que, no geral, o banho custa caro na Europa, pois depende de calefação; o frio é intenso e por isso as pessoas vestem várias roupas concomitantemente. Ocorre que a camiseta que fica mais em contato com o corpo é a que menos é trocada e acumula suores (e bactérias, claro), de modo que há variações de temperatura constantemente, pois a rua é fria, mas todos os ambientes a que se vai tem aquecedor. No somatório das coisas,padece o corpo do saldo dos suores.
A questão cultural das guerras, que implicavam em racionamento de água e energia, recriou a cultura do pouco e/ou raro banho. Também pelos pubianos espessos são, para eles, sinais de virilidade e um recurso a mais de proteção contra o frio. Nós, de cá, do país tropical, temos outros hábitos.
Mas o que me admira é o quanto ela procurou entender. Ela incorporou o preceito antropológico da compreensão tão comum ao olhar distanciado quanto com a observação participante. Lógico que certos povos europeus (ressaltado que como continente, a Europa tem múltiplos povos e hábitos e não pode ser vista como um bloco compacto e homogêneo)podem achar a gente esquisita, tomando três banhos por dia, como é comum aqui na Bahia – nem tanto por calor, mas pelo bem-estar de se sentir limpo e cheiroso – e até a depilação daqui ficou conhecida nos Estados Unidos como “depilação brasileira’, o que nos indica que depilação não é prática recorrente nem mesmo na América do Norte, quanto mais na Europa.
A minha amiga procurou entender. E como a nós pareceria simplesmente um caso de falta de higiene, induzindo nossa ojeriza, nosso nojo e repulsa, ela foi sábia: procurou entender e propôs um banho ao homem, pois que até os acordos culturais tem seus pontos de resistência.
Acho que ela criou uma teoria sem saber: a teoria da inteligência cultural, isto é, diante do choque cultural, o que se pode fazer para evitar um embate é agir com inteligência, procurando entender o Outro e daí, se o ponto é inegociável, agir de maneira estratégica, tal como ocorreu com o desfecho do banho. Se assim não fosse, a relação teria ido por água abaixo - e sem trocadilho óbvio.

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