Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mágoa


O meu amigo me feriu.
Feriu assim, de graça, sem justa causa, só por ferir. E por tamanha bobagem que só uma mente doente ou uma alma também ferida poderia tornar ofensivo ou digno de repreensão. É que fui me despedir e disse por escrito: "Tchau. Um beijo. Te adoro!". E como réplica fui repelida com as mais rudes palavras, seguidas de 'não me adore, isso já está ficando obsessivo'...Coitado: não sabe ser amado, leva as palavras e um patamar literal que deixa a gente sem meios de explicitar que são meras expressões de apreço e simpatia.
Como, para mim, se tornou compreensível o mundo de rejeições que ele alega cercá-lo: quem se aproxima para alisar um porco-espinho?
Ele é jovem, bonito e inteligente. Quem tomou a iniciativa da amizade foi ele. Adorei desde o início. Falo e escrevo adorar, sem vigilância semântica de crentes politicamente ortodoxo e biblicamente literais.
Agora, me magoei. Não quero mais papo. Uma decisão que eu tomei, bastante seriamente, foi não prolongar contatos deletérios, nem insistir naquilo que mostra sinais de debilidade. Acabou.
Fico bastante lacônica quando me magoo com uma pessoa. As palavras somem, eu fico muda, repetindo o texto que me apresentam...Também há pouco o cara com quem eu terminei falou comigo. E deu num ping-pong de urbanidades secas: "Oi!" - Oi!; "Tudo bem?" - Tudo bem...
E depois de um silêncio sepulcral, dos que permitem ouvir o cricrilar dos grilos, eu tentei parecer naturl e disse: " Melhorou?" ao que ele respondeu: "Estou bem".
Fim de caso. Fim de papo. Nunca mais. Cambio. Desligo.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Outros mistérios


Dentre as coisas mais interessantes da vida, estão as coincidências que alinham acontecimentos e trilha sonora, como se tudo fosse um filme, coerente, montado, harmônico.
Hoje eu terminei com ele. Apenas ocultei as palavras, mas passei a mensagem.
Foi um amor covarde da parte dele. Não servia aos meus propósitos.
Desconfiei que ficaria à espera de algo que não viria, e perguntei a ele, forçando a sinceridade. A sinceridade veio. Bastou-me.
Queria saber a resposta para algo que ele mesmo formulou numa outra circunstância análoga; "Para quê eu ficaria alimentando nossa relação, nossos desejos, se não fosse porque quero torná-los real?"
Pergunta retórica, aparentemente. Mas não sei. Agora que tudo se repetiu, não sei.
O que leva quem não quer a gente, a se aproximar e fingir querer a gente? Não pode ser só ego...Dá trabalho e cansa...O que será que há com ele?
Daí que ouvi esta linda música de Milton Nascimento...Tudo a ver.
Me deixa em paz
Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar
Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar
Evitar a dor
É impossível
Evitar esse amor
É muito mais
Você arruinou a minha vida
Me deixa em paz
Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar

Dos mistérios


Há um tempo eu brincava, dizendo que era órfã de orixá. Pura inveja: o povo que conheço sabe o orixá que o rege - público mais de mulheres do que homens, no caso de minhas amizades. Eles lá, com tantos protetores, com intimidades com eles...Eu cá, desamparada, sem nenhuma característica a me vincular com o DNA simbólico do sagrado na religião afro-brasileira... Até que por meia previsão de colega, me convenci de que sou de Oxaguian. Não consultei búzios para confirmar, mas simpatizei com a ideia.
No último sábado, porém, ao acabar as aulas na universidade pública no interior do estado, minha colega iniciada viu em mim características de Yansã.
Talvez fossem as paridades que ela apontou entre nós. Diria que foi o equivalente à expressão 'o santo bateu', já que tínhamos lutas em comum e posturas bem parecidas frente às coisas.
Depois de um tempo, ela dirigindo e eu no banco ao lado, só nós duas na estrada, com plena liberdade para falar de tudo, ela deu uma indireta adivinhatória sobre um segredo meu. PAUSA DRAMÁTICA: eu tenho muitos segredos. Não significa que sempre há coisas ocultas de natureza grave ou condenável. Mas tenho segredos de variados tipos, pois vivi e não quis compartilhar a vivência com outrem.
Uma terceira amiga, quando fiz este relato, falou: "Que segredo?". E eu disse: "Ora, é segredo. Não divido". Mas vi que ela se magoou e, então, eu fiz de conta que era sobre um outro assunto.
Não dividir um segredo com um amigo não é declarar não ter confiança nele. Esta mesma amiga, por exemplo, atropelou uma pessoa. Jamais me contou. Entretanto, juntando A com B e pegando fragmentos de argumentos dela, descobri. Ela não sabe que eu sei.
Tempos depois, voltando ao cenário do sábado à tarde, minha colega declarou que as mulheres de Yansã não são mulheres de um homem só. Esta não é uma sentença moral, mas tomei assim.
Vi, porém, a razão na constatação: faz um tempo que não sou de um homem só. Menos por pegá-los do que por me envolver emocionalmente com eles, alimentar flertes e ficar  à espera de que algum deles sinalize condições reais de relacionamento.
O fato é que gosto deles: dos candidatos, dos flertes, dos ficantes...Não consigo ver isso como traição, seja porque não tenho compromisso com ninguém (sou solteira, livre e desimpedida), seja porque meu bem-querer por eles é real. Cada um ao seu modo. Somente G. que de PA. nunca passará, porque a relação é assim desde 14 de abril, quando finalmente ficamos juntos.
Homem tem dessas idiotices de despejar quilos de mentiras mal formuladas em cima de nós. Depois declaram que não querem compromisso e não se fazem amar. Aí o laço vai crescendo, a gente vai se vendo...E a mulher ( no caso, eu), passa do tempo de se apaixonar. Gosto dele, mas nunca será amor. Já teria sido, se houvesse de ser.
Bom, mas ficamos ali, eu e minha colega de trabalho, no ponto entre o sagrado e o humano.
Vou ver alguém de confiança para confirmar meu orixá, meus orixás...Vai que tenho mesmo dívidas? vai que eu conquiste a paz inclusive no amor - território em que eu mais sofro, em que nada dá certo...território repetitivo, de candidatos que me aparecem com características repetidas - covardia, vícios, egolatria...
Ela repetiu Shakespeare, ante o que ambas não entendíamos:" Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia."

domingo, 10 de agosto de 2014

Casos da lei


Quem de nós não conhece pelo menos um caso próximo de homossexuais assassinados em nome do machismo, da violência gratuita e do preconceito? pergunta retórica para dizer que, já que eu falo muito em simplificar, bati palmas para uma postagem do Facebook em que se apresentava um gráfico em que ficava evidente que a permissão legal para que casais gays se casem pode resultar em nada mais nada menos, do que casamentos. Era algo assim: " A aprovação do casamento gay fará com que: a) Haja uma guerra; b) O terrorismo se espalhe; c) As escolas ensinem como fazer sexo gay; d) os gays se casem.
Pois é.
Não sei de onde tiram que o reconhecimento de um direito a  um grupo social traga perdas para a sociedade. Vi isso também recentemente, quando uma aluna saiu da sala por causa de uma cena de sexo gay, do filme A memória que me contam. Essa dor que as pessoas sentem, gera, para mim, a impressão de que elas não gostam de ver explícito pela ficção aquilo que existe sob seus narizes.
Não foi a novela, nem o filme, que geraram a homossexualidade ou que a trouxeram para a sociedade: já havia, desde tempos imemoriais. Trazer à tela e à tona só serve para discutir até quando a sociedade vai ignorar o que existe e com que finalidade se quer negar respeito, dignidade, cidadania e respeito a parcelas afrontadas pelo preconceito.
Quero que haja heterossexuais para eu pegar, claro. Mas cada um que cuide de sua vida e não precise se esconder em armários blindados, em casamentos de fachada para não dar 'desgosto' à família; em vidas duplas... Ora, que mundo louco onde tudo é pretexto para ódio, intolerância e discriminação...

Longe da vida ideal


Por mim a vida amorosa seria menos complicada. Decerto, no amor não há garantias e pouco se pode asseverar acerca de estabilidade.
Por mim, a vida em geral seria mais simples de resolver: se a gente não quer alguém ou alguma coisa, basta dizer-lhe não; se queremos quem nos quer, nada impede que as vontades se acertem e entrem em acordo benéfico para ambas as partes.
Se o que quero pode ser feito e não está fora da lei, qual o problema em realizar, concretizar?
Isso é no plano das ideias. A vida prática vai bem para longe disso, intercalando percalços, obstáculos, limites morais, vergonha, essas coisas.
Não tive, anteontem, meio de me expressar claramente àquela que pensa que tenho por amiga e dizer-lhe, sem deixar lastro de dúvidas: "Não, não quero que você me visite". Odeio contrariar minha própria vontade, mas é igualmente doloroso jogar na cara das pessoas o passado e a memória de mágoas, embora fosse o que interiormente eu quisesse fazer. Ademais, a pessoa a que me referi está se reestruturando após presumível avalanche financeira e coisas correlatas. Não cuspo na cara de quem caiu e não chuto o cachorro morto. No fundo espero que as pessoas tenham noção sobre o que nos fizeram e se toquem quanto à profundidade dos rancores e o espectro das consequências o que, não se aplicando a ela, me dá a sensação de que ela me julgue uma imbecil que perdoa tudo ou ache que o que ela me fez não teve importância.
Dos meus candidatos a amores só digo que são uma complicação, em que não só não tenho certeza de nada, como desconfio que há mais fetiches por parte deles, por conta de fantasiarem com a professora da universidade federal e outros fetiches embutidos em relação à minha independência. Em suma, não me sinto amada, mas desejada como um objeto exótico. Não digo objeto com a malícia clichê, de sentido comum, Foi uma coisa que me impressionou, também, com um outro público: ao encerrar as atividades de uma turma de literatura, na hora da foto tirada após uma apresentação teatral, um aluno implorou para puxar meus cabelos. Permiti, como quem dá pão a um faminto, mas era isso: um semestre inteiro aguardando a oportunidade de puxar meus cabelos e saciar um fetiche...Que coisa!
O amigo de F.J., a mesma coisa: fetiche por me ouvir falando em espanhol, porque me pegou cantarolando músicas de Manu Chao aqui em casa e achou minha pronúncia sensual. Resumindo: entre os meus candidatos a amores e o meu entorno em geral, ninguém presta atenção em mim, só aos meus pedaços, aos meus papeis. Decidi, devido à minha pouca importância e à parcialidade das relações, largá-los à deriva. Se alguém me quiser mesmo, sabe como me encontrar. Caso contrário, relações unilaterais não são relações.
Para arrematar meu quadro, na terça-feira passada, recebi meu ex aqui em casa, porque achei ele meio depressivo e no fundo do poço. Nunca deixei de ser amiga dela, apesar de tudo. E não é que já perto da meia-noite ele teve uma convulsão e eu pensei que era um AVC ou que ele estivesse morrendo? Na hora do pânico, tudo que a gente sabe de primeiros socorros vai para o ralo até que a gente pare de tremer e tome providências...
Mas foi assim: ele assistia a um filme na sala, enquanto eu terminava um trabalho no computador. Ao acabar, sentei no sofá, perto dele, que se queixava da velocidade das imagens.
Pouco depois, queixou-se de que estava vendo muitas luzes ao olhar a tela da televisão. Passou a me mostrar luzes que eu não via, numa outra direção, desenhando a trajetória das luzes imaginárias com os dedos, ate que virou para a parede branca, fazendo o mesmo e eu lhe disse: "Sim, isso existe, se movimenta e é uma aranha!", pois era isso mesmo.
Interiormente, desde o primeiro queixume, achei que ele iria sofrer alguma coisa, pois ver luzes à toa é prenúncio e curto-circuito cerebral (se isquemia,derrame, convulsão ou desmaios, tanto faz), mas calei-me pensando que era eu a alardeadora. Daí ele caiu aos poucos, sufocando e tremendo, se debatendo. para mim, a própria visão da morte, cena que não quero ver jamais, puro trauma.
Coloquei uma almofada sob a cabeça dele, liguei para o SAMU e para uns três números que não me atendiam.
Saí louca para abrir o carro e fui ligando para uma amiga realmente eficiente, que me tranquilizou quando pode, com medo de que eu não conseguisse dirigir. Ele foi se recuperando, sem lembrar nada...Depois de uns minutos, soube dizer quem era ele e quem era eu.
Fomos para o hospital e lá ficamos da meia-noite e vinte às dez horas da manhã, após ressonância e outros procedimentos que atestaram tudo como efeito da abstinência do álcool.
Um dia eu disse que achava que tinha dependência emocional dele. Não era isso. Ele teve muito mais de mim e ao sair do hospital pediu para ficar em minha casa e não com os pais dele. Permiti: nunca iria desamparar um enfermo, especialmente um que precisava de amparo emocional.
A mãe dele disse que se ele não estivesse comigo, poderia ter morrido, pois ela não veria a crise e, por conseguinte, não iriam dar tratamento. Seja como for, venho tendo dias pesados pois também meu outro flerte passou quatro horas, ontem, depositando em mim, sua confiança e seus segredos, para os quais é necessária a compreensão.
Ontem à noite eu nem saí. estava psicologicamente cansada. E hoje, que iria sair com umas amigas, presumi que brigaríamos a desisti. Mas era questão fácil: é que gosto de sair com gente concessiva. Sou concessiva para favorecer o convívio coletivo temporário e por isso acho um absurdo ter que ouvir pagode e músicas detestáveis ou mumificantes por horas, porque a dona do carro não quer ceder do seu 'gosto'.
Limito-me a tentar negociar, mas vou ouvir um 'ah, não" e dali depreender algo como "o carro é meu' e coisas congêneres. Fiquei em casa, fiquei em paz. Também tenho carro e sou concessiva, porque sair pressupõe manter bom astral e bom humor. Eu não teria isso.
Gosto da minha solidão, do meu lar, do meu tempo, de fazer minha rota...Tem coisas que eu gosto de fazer sozinha e ponto final. Companhia eu quero quando, de fato, contribui para meu bem-estar e a recíproca também.