Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ondem moram os preconceitos?


Em tempos de intensa atuação de patrulhas ideológicas, há de se reconhecer a coragem dos que vão na contramão.
Muito pessoalmente, sou a favor do reconhecimento dos direitos – vejam bem, reconhecimento e não concessão. Conceder é dar. Entretanto, nenhum direito é dado, mas conquistado – de todo e qualquer segmento minoritário, destacadamente, mulheres, negros e homossexuais. Bom, mas não seria uma aparente contradição dizer que é necessário o reconhecimento de direitos e, ao mesmo tempo, declarar corajosa a atitude de quem protesta e diz que é contra? Parece, mas não é. Ao reconhecermos que depois de tanto tempo e de tanta luta ainda há quem se organize para se dizer contra a união homoafetiva e adoção de crianças por casais homossexuais, por exemplo, estamos perdendo de vista a dimensão da hipocrisia social que se expressa até no nível mais simplório: analisemos, pois, que as novelas não exibem beijos homossexuais a pretexto da rejeição do público.
Mentira isso não é, tanto assim que até na ficção a união homoafetiva incomoda, supostamente afronta a moral e os bons costumes das famílias. Ora, se o público rejeita, quem é o público? Quem é o público que assiste televisão e novelas? É o mesmo público que talvez vigie palavras e atos para não ser enquadrado em leis protetivas de direitos; é o mesmo público que em situação social, afirma que tudo é normal, que aceita tudo porque os tempos mudaram, mas que deseja que em sua família nunca ocorra um caso desses.
Ainda no tocante às novelas, não são poucas as expressividades do público quanto a acusar a ficção televisiva de incentivar os maus comportamentos das mulheres, a ensinar como trair os homens, a pregar coisas fora da ordem, desvirtuando os valores.
Na hora da vida real, em que as hierarquias sociais e étnicas se anunciam nas horas de diversão (certo, gente, diversão pré-fabricada) nas áreas vips, camarotes e nas pistas de show e eventos, bem como no exercício de funções liberais, vejamos o quão incomodado o público que se pensa branco e vip se sente em presença de um negro que ali esteja em igualdade de condições, pois negro, se não está a servir aos ricos e brancos, está sempre fora do seu lugar, segundo os pensamentos conservadores que, decerto, delegou o ‘lugar certo’ para as pessoas e para as coisas. Não obstante incômodo, em face de qualquer desordem acusam a ‘raça’ como responsável por ela.
Por tudo isso, há que se reconhecer que as pessoas que dão a cara a tapa e dizem que são ‘do contra’, estão a nos advertir que nada está dado nem conquistado como se quer fazer parecer. O preconceito existe, o patriarcalismo machista resiste, a discriminação racial existe e ainda bem que há quem escancare sem se esconder sob o ‘politicamente correto’, pois se assim não fosse estaríamos comemorando as coisas que não temos.
Preconceito de todo tipo há em toda parte, mesmo nas que se fazem de neutras e justas. Não reconhece-lo é passar por cima do problema e abraçar discursos nacionalistas que supõem o predomínio, no Brasil, da preconizada (e mal lida) democracia racial e ausência de tensões sociais. Todo dia é uma luta e acho que as pessoas que sofrem diuturnamente as sequelas do pensamento preconceituoso tem que se lembrar disso: não estamos no paraíso. Contudo, o frágil paraíso é o inferno de quem convive com todas as perdas decorrentes dos preconceitos.

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