Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

A inflação real



Breve adendo da vida real para os curiosos: sim, estou viva, namorando de novo (felicidades, angústias, inseguranças, amor, desentendimentos, tudo junto!); cortando teias de relacionamentos passados, vivendo tristezas pela morte de minha amiga-mais-que-irmã; ocupada demais com trabalho e coisas correlatas e, sim, muito perplexa com o Brasil.

O preço da gasolina me atingiu em cheio:

O preço da conta de luz, me abateu cruelmente;

A inflação entrou em meu armário, bagunçou minha geladeira.

O custo de vida humilhou minhas economias, riu da minha cara, me desafiou e me ameaçou.

Aqui em Feira de Santana, aqui em minha vida, a manteiga vai a 22 reais meio quilo; o arroz está na casa dos 4 reais e quase cinco, o quilo; leite em pó, latinha de 400 gramas,
batendo 17 a 20 reais...ração de gato, 17 reais o quilo; produtos de limpeza e de higiene pessoal, nem falo os absurdos.

Não interessa o que o IBGE diga. Não interessa qual o instituto de estatística irá gritar os índices de inflação, como quem sorteia número nos bingos: inflação quem sabe o que é somos nós, gente de carne e osso que vai ao supermercado e que paga conta. Posso dizer que é tipo temperatura: o termômetro da estatística pode marcar 5 graus, mas a sensação térmica, que é o que interessa, está em 33 graus. Sendo bem sincera, a inflação na minha casa vai mesmo a 35%.

Então, em linhas gerais, eis a vida: o poder de compra caiu, a inflação devora meu dinheiro e a uma vida meio caótica, se soma um país que só está bom para quem anda levando alguma vantagem...ou para quem encontrou alguma bebida que evita o contato com a realidade. Por aqui, crise pura!

 Dizem que a marchinha de carnaval abaixo foi composta em 1937 e que Gal Costa interpretou nos anos 1980...o problema é que ela volta a ter validade nos dias hoje...

Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Eu vou procurar e hei de encontrar
E com o dinheiro na mão
Eu compro um vagão
Eu compro a nação
Eu compro até seu coração
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
No norte não está
No sul estará
Tem gente que sabe e não diz
Está tudo por um triz
E aí está o "X"
E não se pode ser feliz
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Eu vou procurar e hei de encontrar
E com o dinheiro na mão
Eu compro um vagão
Eu compro a nação
Eu compro até seu coração

Aquela parte que se foi...

 


Não escrevi nestes últimos dias devido ao fluxo de coisas que ocorreram em minha vida. Umas coisas graves; outras coisas, importantes.

A começar pelas graves, a maior delas: minha amiga quase irmã morreu. Morreu de câncer, pesando 37 quilos.

Na verdade, ela já havia morrido antes de falecer: terceirizou a vida, passou à mãe sua existência. O câncer foi só o súbito pretexto de saúde que apareceu.

Há uns quatro anos ela se queixava de gastrite, diagnosticada desde então. Corrigiu a alimentação, perdeu o prazer do sabor das comidas. Para agradar à mãe, voltou a ser adventista, porque estava muito infeliz e precisava de galhos subjetivos em que se segurar. Passou a procuração da vida à mãe, porque se sentia culpada por ter dado trabalho, ao delegar a ela a criação das duas filhas agora adolescentes.

Minha amiga, neste ano, passou mal em abril. Detectaram o câncer (eu nunca acreditei e também nunca vi laudos). Em junho prescreveram quimioterapia. Em outubro ela morreu, por falência múltipla dos órgãos. Morreu consciente, dizendo à empregada da família que estava no hospital: “Lourdes, eu estou indo. Não vou criar minhas filhas”.

Como ocorreu com o Bruno Covas, jovem se foi, de mesma causa; de mesmo tratamento.

Eu e os meus mais íntimos comungamos de um mesmo pensamento e decisão: se pintar para nós a mesma enfermidade, vamos encarar na paz, ao natural, sem tratamentos. Há batalhas inúteis e há guerreiros indispostos. Nós (meus amigos e eu) somos desse exército.

Minha amiga viveu tudo o que podia comigo.

Foi uma companheira verdadeira, de angústias, alegrias, conquistas, aventuras...Uma amizade de quase trinta anos.

Apenas em 2003, quando ela decidiu ser mãe, assumidamente como recurso para prender o homem que ela amava, a gente se afastou.

Ela me disse, então, que via a vida da gente como o capítulo final de uma novela, onde todo mundo estava se casando ou formando par e que, então, era a hora dela.

Ele foi meu colega de curso na universidade. Ele passou 11 anos na graduação, era maconheiro de verdade, nunca trabalhou e era sustentado e paparicado pelos pais, ali, aos 33 anos.

Ao morar com ela, foi violento com a segunda filha deles, que, novamente assumido por ela, ‘veio para dar noção de responsabilidade a ele’. Não funcionou e se separaram porque a família dela interveio para proteger à criança.

Ele se tornou o grande amor frustrado dela.

A mãe de minha amiga devorou cada centavo dela em vida. Usurpou de quem não ofereceu resistência e de quem, sem consumar o suicídio, se deixou morrer.

Há um ano a gente se encontrou. Eu amava muito minha amiga-mais-que-irmã! Pude dizer isso a ela e limpar a roupa suja com a mãe dela, em educada sinceridade.

No sábado do velório, fui ver para crer. Eu nunca conseguiria ir ao sepultamento. Nunca!

Foi uma luta dormir da sexta para o sábado, antes do velório. Foi outra luta conseguir sair do velório e dirigir...eu fiquei desnorteada. Chorei infinitamente e meus dias não foram fáceis.

Não sei como tem gente que acha a dor um elemento de criatividade para a escrita. Eu fico muda. Eu fico perplexa e calada. Não escrevo, apenas executo coisas mecânicas do cotidiano.

Eu e ela vivemos muitas coisas e quase sempre ela é a protagonista ou coadjuvante de todas as histórias que relatei e que se passaram ou se referiram aos melhores ou mais fortes momentos de minha vida, até 2003. Mas, depois disso houve episódio esporádico e até em 2014, quando fui ver Giovanni, um idiota que eu pegava para fins sexuais avulsos (idiota tipo Jonny Bravo), ela me deu uma força, me emprestou um dinheiro de reforço, para o caso de eu precisar, já que eu ficava com ele em outra cidade.

Férias, festas, amores...Rio Vermelho, Aracaju, carnavais, micaretas, praias e verões que vivemos intensamente...

E lembro da gente comentando que éramos Thelma and Louise, do filme homônimo, antigo, cujas protagonistas eram tão amigas e tão unidas que, até no fim do filme, encurraladas, antevendo que ninguém acreditaria na inocência delas, optam por se suicidar, acelerando com o carro em direção ao precipício, em direção oposta ao cerco da polícia. Éramos assim: cúmplices e corajosas.

Ela ajudava todo mundo a se entender no amor, formava casais, dos quais um está junto até hoje.

Das outras coisas falarei depois. De minha amiga, sei que não falei o bastante...mas, vivi muito.

Resquiscat in pace, grande amiga!