Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Aquele toque...

 


Foi anunciada, hoje, a extensão do toque de recolher aqui na Bahia, que passará a ser, a partir desta segunda-feira (22/02/2021), das 18h às 05 da manhã. Desde sexta havia começado, mas valendo das 22h às 5 da manhã. Confesso que fiquei bastante entristecida. Não por nenhuma teimosia suicida minha, mas porque meu dia fica muito diferente... - (além do que, nem posso me arvorar a ir ao encontro do poeta, dada a inviabilidade de horários de deslocamentos)...também minha ida à academia começa a ficar sob tensão, me forçando, provavelmente, a ir no fim da manhã ou no começo da tarde – horários inóspitos para a minha vida.

Juro: não sou de sair. Minhas saídas, quando inevitáveis e programadas (escolho os horários de pouco trânsito e pouca circulação de pessoas), costumam ser para andar. É, largo o carro – moro no Centro – encaro distâncias, ladeiras, calor e aproveito a oportunidade de me deslocar com minhas próprias pernas, de ver a cidade, ainda que catando lugares com pouca gente. Já fiz isso num domingo, favorecida pela interdição de ruas em conserto de pavimentação, e me senti no filme Vanilla Sky (bruta filme, hein? Remake de Abre tus ojos, como todos sabem).

Também conforme eu já declarei, troquei minha academia por outra instituição, séria, que pelo menos afere a temperatura da gente, faz desinfecção de verdade diariamente, usa papel toalha ao invés de flanela e, sim, é responsável conosco. Não aguentaria a vida na caverna sem me movimentar.

Sinto falta de shows. À praia eu não vou desde 02 de janeiro de 2020. Viajar, não o faço desde 17 de março de 2020.

Se não faço tudo isso por obediência e disciplina, faço, no mínimo por responsabilidade e por saber que o mundo não é o mesmo.

Não vou viajar sem aproveitar a vida noturna, sem a liberdade de soltar a cara no vento...não vejo graça.

Minha vida não vale esses passeios.

Covid matar, até que não assusta ninguém. Eu, porém, tenho medo de definhar, de ficar sem ar; tenho medo de não ter sintomas e me comportar como imbecil, brincando com a roleta russa da situação e daqui a alguns anos encarar sequelas. Quem sabe o que uma doença assintomática guarda no silêncio de sua parada em nosso corpo?

Vi muitas coisas, soube de outras tantas no que toca à pandemia. Gente próxima minha morreu...outras pessoas, enfrentam as sequelas, agonizando depois de teoricamente ‘recuperadas’.

Quanto à negligência do povo brasileiro, a mim nada diz. Bem de acordo com o que somos como gente. Não usamos cinto de segurança, a menos que haja risco de multa; não obedecemos a placas de sinalização; aceleramos ainda mais nas curvas; não lemos bulas; não gostamos de obrigações. Somos uns, ante testemunhas; e somos outros no anonimato.

Nunca me iludi com quem somos.

Somos, aliás, os que elegem os mesmos e depois arrotamos repúdio contra a corrupção. Nunca vi nenhum movimento de ódio a Aécio, a Sarney, a Valdemar da Costa Neto, a Gedel Vieira Lima...aqui no Brasil, o ódio toma partido – e só os partidos de determinada direção.

Se só tem corrupto, alguém coloca esse pessoal lá, não é? Não faço ideia de quem seja.

Normal é que a fundação da nacionalidade se dê sob a criação coletiva de epítetos, de louvores, que reforcem pontos positivos da identidade. Acreditamos que somos aqueles lá do hino, “povo heróico” com brados retumbantes... cremos nisso e traímos o espelho, porque focalizamos supostos pontos positivos, não admitimos defeitos e, por conseguinte, não nos corrigimos.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Curving, ghosting e amores líquidos

 


Fico deslumbrada quando uma ideia particular minha, ou um raciocínio, aparecem na fala de alguém que tem mais cabedal do que eu, porque, afinal, há coisas que são meros conceitos empíricos: vi e vivi, deduzi, formulei e cheguei à conclusão.

Dentre os muitos aí inclusos, achei um psicólogo incrível que, assim como eu, afirmou que amor não é tudo num relacionamento.

Claro que a ausência de amor, de certa dosimetria de afetos, reciprocidade, correspondência, impedem que o relacionamento aconteça – porque ninguém vai namorar a quem não gosta – mas, amor, sozinho, apenas amor, é insuficiente para sustentar uma relação.

Amor precisa de outros ingredientes, afinidades, compreensão, cumplicidade, combinações variadas, além de respeito e gestos de reconhecimento, gratidão, etc. Mas, vamos combinar: amar está difícil – embora nunca tenha sido fácil.

Achei interessante ver que ainda se recorre a receitas velhas, como deixar o outro no vácuo ou simplesmente desaparecer (ghosting)...visualizar e não responder...É cada infantilidade! Mas, nomear de curving o ato de deixar o outro na eterna espera, no pega-não-pega, no ‘a gente combina depois’, foi um negócio engraçado.

Para mim, curving é uma curva, é um modo de se esquivar, é como aquela pessoa que te deseja, que pode ter ficado com você uma vez, ambos curtiram, mas na hora de marcar outra vez ou de marcar o primeiro encontro, a pessoa empreende fuga, curva a esquina, dobra, se vai. Contudo, mantém a tornozeleira eletrônica dos esporádicos ‘oi, sumida!” ou de fortuitos “bom dia, como é que você está?!”. Infeliz de quem se põe à espera.

Há vezes em que somos nós esta pessoa. E foi por isso que passei a deixar certas pessoas em paz. Vi que eu não queria nada com o cara, nem que ele fosse minha última opção eu iria sair com ele...aí, deixei de falar com ele, desocupei a vaga e provavelmente perdi o amigo.

“Ulrich, o herói do grande romance de Robert Musil, era – como anunciava o título da obra – Der Mann ohne Eigenschaften: o homem sem qualidades. Não tendo qualidades próprias, herdadas ou adquiridas e incorporadas, Ulrich teve de produzir por conta própria qualquer qualidade que desejasse possuir, usando a perspicácia e a sagacidade de que era dotado; mas nenhuma delas tinha a garantia de perdurar indefinidamente num mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível.

O herói de seu livro é Der Mann Verwandtschaften – o homem sem vínculos, e particularmente sem vínculos imutáveis como os de parentesco no tempo de Ulrich. Não tendo ligações indissolúveis e definitivas, o herói de seu livro – o cidadão de nossa liquida sociedade moderna – e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência.” – Fragmento do prefácio e Zygmunt Bauman em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. (Zahar editora, 2004).

A gente entrevê, nesta passagem, as muitas metáforas sobre a fisionomia dos comportamentos de hoje em dia. O problema é que todo mundo sofre e, para evitar sofrimentos de amor, descartam as pessoas, ou mantém um laço frágil, como se fosse uma corda-guia ao escalar um despenhadeiro...

Quando eu leio que “Ulrich teve de produzir por conta própria qualquer qualidade que desejasse possuir, usando a perspicácia e a sagacidade de que era dotado”, lembro de todos nós, que mentimos para conquistar alguém. Para mim, o grande parceiro do amor é mentira, porque talvez conheçamos nossos defeitos bem mais do que admitimos e precisamos esconder todos e cada um. Quem iria adquirir um produto sem qualidades? E como vender a si mesmo falando do que há de pior em si? Por isso mesmo, sabemos que o outro também mente.

Não falo de mentiras morais graves, mas do quanto fazemos nosso possível para parecermos melhores do que somos. Não acho isso errado. Talvez até nos sirva para melhorarmos.

Do quando ocultamos de nossas misérias e também de nossas conquistas (sim, às vezes a mentira é sobre coisas que temos e somos, mas que poderiam atrair gente interesseira ou até afugentar pretendentes que se julgassem abaixo de nós por questões de escolaridade ou posses), da realidade de nossas famílias ou dos martírios pessoais onde também se inscrevem nossa privacidade, fica uma resposta básica: nunca apreenderemos o total da existência de ninguém e não nos caberia. Amor também precisa ter limites.

O "mundo de sinais confusos" se aplica adequadamente aos nossos dias - antes, havia apenas SIM ou NÃO... e, ao menor, TALVEZ, traduzíamos o advérbio de dúvida como a certeza do NÃO. Entretanto, há quem julgue que significa PODE SER, ou QUEM SABE? O nome disso é curving.