Fico deslumbrada
quando uma ideia particular minha, ou um raciocínio, aparecem na fala de alguém
que tem mais cabedal do que eu, porque, afinal, há coisas que são meros conceitos
empíricos: vi e vivi, deduzi, formulei e cheguei à conclusão.
Dentre os muitos aí
inclusos, achei um psicólogo incrível que, assim como eu, afirmou que amor não
é tudo num relacionamento.
Claro que a ausência
de amor, de certa dosimetria de afetos, reciprocidade, correspondência, impedem
que o relacionamento aconteça – porque ninguém vai namorar a quem não gosta –
mas, amor, sozinho, apenas amor, é insuficiente para sustentar uma relação.
Amor precisa de
outros ingredientes, afinidades, compreensão, cumplicidade, combinações
variadas, além de respeito e gestos de reconhecimento, gratidão, etc. Mas,
vamos combinar: amar está difícil – embora nunca tenha sido fácil.
Achei interessante
ver que ainda se recorre a receitas velhas, como deixar o outro no vácuo ou
simplesmente desaparecer (ghosting)...visualizar e não responder...É cada infantilidade!
Mas, nomear de curving o ato de deixar o outro na eterna espera, no
pega-não-pega, no ‘a gente combina depois’, foi um negócio engraçado.
Para mim, curving
é uma curva, é um modo de se esquivar, é como aquela pessoa que te deseja, que
pode ter ficado com você uma vez, ambos curtiram, mas na hora de marcar outra
vez ou de marcar o primeiro encontro, a pessoa empreende fuga, curva a esquina, dobra, se vai. Contudo, mantém
a tornozeleira eletrônica dos esporádicos ‘oi, sumida!” ou de fortuitos “bom
dia, como é que você está?!”. Infeliz de quem se põe à espera.
Há vezes em que
somos nós esta pessoa. E foi por isso que passei a deixar certas pessoas em
paz. Vi que eu não queria nada com o cara, nem que ele fosse minha última opção
eu iria sair com ele...aí, deixei de falar com ele, desocupei a vaga e
provavelmente perdi o amigo.
“Ulrich, o herói do
grande romance de Robert Musil, era – como anunciava o título da obra – Der Mann
ohne Eigenschaften: o homem sem qualidades. Não tendo qualidades próprias,
herdadas ou adquiridas e incorporadas, Ulrich teve de produzir por conta própria
qualquer qualidade que desejasse possuir, usando a perspicácia e a sagacidade
de que era dotado; mas nenhuma delas tinha a garantia de perdurar indefinidamente
num mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma
imprevisível.
O herói de seu livro
é Der Mann Verwandtschaften – o homem sem vínculos, e particularmente
sem vínculos imutáveis como os de parentesco no tempo de Ulrich. Não tendo
ligações indissolúveis e definitivas, o herói de seu livro – o cidadão de nossa
liquida sociedade moderna – e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um
ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, os laços que
porventura pretendam usar com o restante da humanidade. Desligados, precisam
conectar-se... Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos
vínculos ausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência.” –
Fragmento do prefácio e Zygmunt Bauman em Amor líquido: sobre a
fragilidade dos laços humanos. (Zahar editora, 2004).
A gente entrevê, nesta
passagem, as muitas metáforas sobre a fisionomia dos comportamentos de hoje em
dia. O problema é que todo mundo sofre e, para evitar sofrimentos de amor,
descartam as pessoas, ou mantém um laço frágil, como se fosse uma corda-guia ao
escalar um despenhadeiro...
Quando eu leio que “Ulrich
teve de produzir por conta própria qualquer qualidade que desejasse possuir,
usando a perspicácia e a sagacidade de que era dotado”, lembro de todos nós, que mentimos para conquistar alguém. Para mim, o grande parceiro do amor é mentira,
porque talvez conheçamos nossos defeitos bem mais do que admitimos e precisamos
esconder todos e cada um. Quem iria adquirir um produto sem qualidades? E como
vender a si mesmo falando do que há de pior em si? Por isso mesmo, sabemos que
o outro também mente.
Não falo de mentiras
morais graves, mas do quanto fazemos nosso possível para parecermos melhores do
que somos. Não acho isso errado. Talvez até nos sirva para melhorarmos.
Do quando ocultamos
de nossas misérias e também de nossas conquistas (sim, às vezes a mentira é
sobre coisas que temos e somos, mas que poderiam atrair gente interesseira ou
até afugentar pretendentes que se julgassem abaixo de nós por questões de escolaridade
ou posses), da realidade de nossas famílias ou dos martírios pessoais onde
também se inscrevem nossa privacidade, fica uma resposta básica: nunca apreenderemos
o total da existência de ninguém e não nos caberia. Amor também precisa ter
limites.
O "mundo de sinais confusos" se aplica adequadamente aos nossos dias - antes, havia apenas SIM ou NÃO... e, ao menor, TALVEZ, traduzíamos o advérbio de dúvida como a certeza do NÃO. Entretanto, há quem julgue que significa PODE SER, ou QUEM SABE? O nome disso é curving.
Belo texto, gostaria que mais pessoas tivessem acesso a essa riqueza de informações, parabéns.
ResponderExcluirBelo texto, meus parabéns. Interessante seria se as pessoas tivessem acesso amplo a este tipo de informação de qualidade.
ResponderExcluirObrigada por sua recepção gentil e generosa do texto! Abraços!
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