Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

É o bicho!

 


Aproveitando a excentricidade e a excepcionalidade deste dia 29 de fevereiro, quero aproveitar para declarar que continuo a mesma pessoa de postura política que sempre fui. Não passo pano para a realidade, não idolatro malandro de partido algum e sei muito bem minha classe social, meu gênero e minha etnia – cuja consciência já sinaliza meu impedimento de ser alinhada com qualquer pauta da Extrema Direita.

Hoje, quando noticiado o assassinato em massa das pessoas na Faixa de Gaza, na hora em que se buscava alimentos e utensílios distribuídos pela ajuda humanitária (não sei dizer, neste momento, o número exato, mas passou de 100 pessoas), posso dizer que senti muito por cada um que lá estava e mais ainda pelos que sobreviveram, porque vão chorar seus mortos e prosseguir no cenário de dor e incertezas. Notei, com dor ainda maior, quanto se faz uso de pobres e indefesos jegues e jericos naquela região. Amo os bichos, em geral. Mas, cavalos, burros, equinos de todo tipo, amo ainda mais e já me meti em muita briga para defender os bichinhos.

É muito terrível carregar pesos, levar seres humanos e ser chicoteado por eles. Sem contar a brutalidade da violência em si, a sede e a fome que esses animais passam. Imaginem tudo isso num cenário de guerra! Os animais em meio a conflitos criados pelos homens que, teoricamente, são seres racionais!

Na hora em que defendemos os animais, sempre aparece um palhaço para falar que a criança abandonada merece isso e aquilo e etc. Nessas horas, convém perguntar: “E você, atualmente, ajuda quantas crianças?”. E quando você vai olhar de perto o cristão hipócrita, ele é somente um hipócrita querendo aparecer e que não contribui em nada para melhoria de coisa alguma, mas vai catar algum versículo para amparar a própria pequenez. Só não entendo as razões que fazem com que esse tipinho de pessoa se incomode com quem defende bichos ou causas fora do seu interesse. Desde que eu não vá à porta dos outros convencê-los de meu próprio ponto de vista; ou que a circunstância venha a modular situações de opinião, a ordem é: "cada um na sua e a vida continua". Lógico que se a pessoa mora conosco, convive conosco ou dela nós dependemos para sobreviver, tudo muda. Porém, não entendo porque raios há quem perca tempo para tentar dissuadir quem gosta de bicho.

Certamente, pessoas assim nem sabem que são mamíferos bípedes...ou, a depender da crueldade de cada coração, nem sei que espécie de gente podem ser.


Oi, sumida!

 


Quem nunca se deparou com um “oi, sumida!”? Sim, sabemos que o sumido, de fato, é o sujeito que nos interpela. Sabemos, também, que essa pessoa que sumiu, resolveu reaparecer por algum interesse próprio – seja para um sexo casual; para pedir um favor ou engrenar alguma conveniência (aquele tipo que diz que vai estar na cidade em que você mora dali a dias – certamente, quer sexo e hospedagem grátis. E sem querer decidir por ninguém, recomendo: se isso ocorrer, diga à tal pessoa que “aproveite a cidade”, feche sua porta e sua vida, a menos que você deseje entrar no jogo). Se o sumido for você, se ligue, porque as ações e situações já são previsíveis, portanto, dificilmente você vai lograr êxito.

Mas, bem: estando na sessão de psicanálise, posso dizer que situações do passado, quando ali convocadas, me parecem exatamente um grandessíssimo “oi, sumida!”

Pequeno adendo aleatório: peço a devida vênia para a licença poética de dizer: puta que o pariu! E não sei porque caralhos as pessoas escrevem os vocativos sem as vírgulas, o que piora oi, sumida! – preguiça ou ignorância? Provavelmente, é desleixo mesmo.

Coisas encobertas na memória dão o ar da graça e haja hematoma psíquico a se revelar.

Situações psíquicas inconscientes fazem verdadeiro strip-tease, tirando peça por peça, lentamente, num jogo de se mostrar e se esconder. Enfrento, no momento, um gigantesco calo psíquico. Faço até abdominal para poder ‘empurrar com a barriga’, mas, agora, o psicanalista resolveu que preciso resolver – sim optei por ser redundante aqui. O jogo com a linguagem é o que prevalece na psicanálise (em alguns casos, a linguagem corporal indica algumas coisas, mas não acredite piamente que ‘o corpo fala’ – o corpo pode ser treinado e controlado, como habilidoso ginasta, expressar suas artes e iludir a plateia, simulando seguranças e posturas, inclusive, fazendo certos contorcionismos sociais – ora, nossas carinhas de felicidade ao apertar a mão do desafeto ou nossa suposta altivez em ocasiões sociais desfavoráveis são exemplos disso. Por vezes, somos pavões, mostrando belezas temporárias e artificialmente conquistadas; ou somos gatos de pelos arrepiados para nos mostrarmos maiores ante nossos inimigos).

Também ao contrário do que ouvimos por aí, não temos o poder de fazer ninguém nos amar. O ódio é gratuito, facilmente aprendido, distribuído, aceito. Desde criança – e aqui, cito as filhas de minha madrasta, na época, tão crianças quanto eu, mas que aos sete anos já sabiam que o certo era me odiar, e odiavam com sádico capricho. Fazer alguém nos odiar é fácil e infalível. Fazer alguém nos amar é impossível.

Quem quer se arvorar a trazer um amor de volta em 3 dias, seja por meio de magia ou mandando uns capangas ir buscar o ser amado, pode trazer e amarrar, mas aquilo nunca será amor.

Se um sujeito, dentre o casal, se esforça sozinho para estar junto ao outro; se sempre é como se fosse necessário matar um dragão a cada vez que se quer estar com o príncipe ou com a princesa, não há chances disso ser amor.

Não me reporto a quem mora longe; aos que têm plantão e jornadas de trabalho específico (médico, músico, atores, etc) e cujos fatores são sempre impeditivos para certos planos do estar juntos. Trato de quem inventa desculpas ou, diante de um empecilho real, não constrói meios de estar com o par.

Ninguém quer ser rejeitado, nem mal-amado. A gente até esquece que já rejeitou algumas pessoas na vida e que amou insuficientemente – e aqui, cito isso porque é do ser humano viver os dois lados da questão.

Com quantos ‘nãos’ se faz um término? O quanto esperamos para constatar que o outro não quer nada conosco? E quando os afetos são de natureza diferente; e a gente não quer namoro, mas quer o amigo? Então, é preciso ter essa sensibilidade.

Minha amiga gasta horrores com ‘trabalhos rápidos e garantidos’ para manter um certo caso. Mesmo admitindo que houvesse alguma eficácia no trabalho sobrenatural, qual o sabor de estar com quem sabidamente não nos quer? Vale a pena forçar o Outro a querer o que ele não quer? Vale a pena estar com o Outro a qualquer custo, trazer para perto quem emocionalmente está distante?

Por discutir isso com sinceridade, minha amiga fica de cara amarrada comigo. Apesar de tudo, ela entende e sabe que eu tenho razão, mas não se esforça para processar o luto de um término e libertar a pobre pessoa do cativeiro das chantagens emocionais (até filho imaginário ela inventou). Não aceitar o fim de um relacionamento significa não aceitar a realidade, nem aceitar que o Outro tem vontade própria, desejos próprios e autonomia, porque também quem ama, mesmo amando, pode sair da relação se perceber que não está bom nem está saudável aquilo tudo. Amar não basta. Porém, sem amor, pior ainda.

O ódio pode ser manipulado, ensinado e facilmente se desenvolver. Amor, não. Quem me dera amar a pessoa certa, amar quem me ama – a vida seria bem fácil.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Lutos e carnavais

 


Não fui ao carnaval e não iria de forma alguma, porque muito já gostei da festa e, no presente – retroativo, na verdade, a 2016 -, não me interessa a festa e respectivas atrações. Danço músicas de carnaval, vou a festas carnavalescas fora do carnaval, entretanto. Neste ano, um agravante a me afugentar das folias: minha amiga, Rosana, morreu na sexta-feira de carnaval.

Diz-se que se o paciente é terminal, as fichas já estão colocadas acerca de seu futuro. Porém, o terminal é algo de prazo elástico, mais significando que a doença não tem cura e não regredirá do que, exatamente, um cronômetro acelerado para o momento da morte. Portanto, pode-se durar anos enquanto paciente terminal. Nesta seara, Rosana tinha idas e vindas – temporadas longas e intermitentes no hospital, concomitante às festivas voltas para a casa da família, de modo que fiquei outubro inteiro com ela, excetuados meus dias de trabalho e o período subsequente, quando da internação e morte de meu tio.

De meados de janeiro para cá, voltei à psicanálise. Encontrei um excelente profissional e, se tomo sustos com minhas descobertas pessoais, mais me tranquilizo por estar em boas mãos. Finalmente, dentre meus muitos lutos reais, processo o luto simbólico pelo fim de meu relacionamento com o Homem de Capricórnio.

Assevero, sem medo, que há muita distância entre um relacionamento que começa; e outro, que recomeça. Não é que não valha a pena recomeçar, mas hoje em dia me interpelo se eu deveria ter voltado para ele após nosso segundo término. Decerto, é preciso tentar para ver e, às vezes, ver para saber – e saber para se convencer. Então, não parece ser justo sustentar hipóteses ilusórias sobre futuros imaginários. Normal: como teria sido ‘se’. E nas nossas ilusões, o futuro sempre teria sido lindo. O cotidiano, contudo, seguia me mostrando desenhos diferentes.

Minha outra amiga, para encarar a separação, ilude-se maratonando vídeos sobre homens narcisistas.  Mais uma moda chata, que busca diagnosticar genericamente e classificar. Para mim, alguns homens são apenas canalhas mesmo – do contrário, estaríamos vivendo uma epidemia de narcisista – como se já há séculos os homens não saíssem para comprar cigarros, sem serem fumantes, largando a moça grávida e sozinha; como se as leis protetivas às mulheres houvessem brotado do chão, supérfluas. Na verdade, ela tem dificuldade de aceitar que foi deixada, de admitir a rejeição sofrida e, assim, busca justificar o homem que se foi, explicando razões que ela interioriza como absolutas verdades. Mas, quando indagada sobre o que é, afinal, que ela faz na suposta psicóloga atual, desconversa e muitas vezes se assusta quando faço relatos de meu processo de análise – o que me leva a presumir que ou ela está com péssima profissional, ou sequer vai  a nenhuma psicoterapia. Fica a dica: o YouTube não substitui uma sessão de psicanálise. Se for um youtuber sensacionalista, midiático, cheio de clickbait, pior ainda.

Há canais bons, tipo o de Christian Dunker, Marcos Lacerda, Lucas Nápoli, Emanuel Aragão. Porém, são todos gente séria (o canal do Ludoviajante não é de psicologia, mas tem excelente conteúdos correlacionados). Podem vender cursos e livros, mas não embarcam na mercantilização sensacionalista de muitos outros. E em nenhum momento eles vendem soluções, sentenças, laudos genéricos e fórmulas infalíveis. Há coisas que só a gente pode fazer por nós, não dá para terceirizar.   

Então, sigo tocando o barco, com a coragem dos náufragos e dos sobreviventes.