Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

No interior do mundo

 



Continuo na mesma: sou uma das pessoas para as quais a quarentena não significou descanso ou ócio. Não sobra tempo para a escrita, o dia consome-se numa rapidez improdutiva absurda, de modo que faço em seis horas o que antes fazia em duas e meia.

Ah, as lives! Live, para mim, é uma invenção do demônio, para perturbar a paz dos cristãos.

Fiz uma, medeei duas. Assisti três de bom grado e fui a outras tantas por obrigação moral de dar o like de apoio. Mas, não gosto mesmo de lives, por achar enervante.

Minha vida segue sem festa e sem praia. Não acredito em novo normal, porque não é normal respirar de máscara nem contabilizar centenas de mortos por dia num único país. Aliás, este país não é normal, de forma alguma.

Dos relacionamentos, em geral, o meu passou umas crises, depois se recuperou e agora segue convalescente. Houve gente sortuda, que descolou namorado. Outras tantas pessoas do meu círculo, perderam seus pares: convívio e paranoias, tédios infinitos...

Fiz algo fora do comum: voltei à academia. Não aguentava mais a vida atrofiada nas jaulas do espaço doméstico. Tentei as caminhadas e as corridas, mas eram exercícios tristes numa cidade doente, esquisita, que fechava portas cedo e aglomerava gente demais.

Voltei em 08 de setembro à academia. Fui com medo e tudo. Até o terceiro dia, os protocolos foram rigidamente seguidos. O preço da mensalidade aumentou em trinta por cento, para compensar sobre nós o período de fechamento.

No quarto dia, já se revezavam alunos em aparelhos, o álcool já escasso, nem de longe era concentrado a 70 por cento. Então, por medo, caí fora de lá antes de completar um mês.

O lugar com academia de respaldo era o SESI. Extremamente protocolar e burocrático, me obrigou a jornadas em cardiologistas e clínicos, a fim de prover o atestado de que estou apta à prática de esportes. Gastei dez a quinze dias nessa luta. Agora, estou no SESI. Valeu a pena. Hoje, por sinal, fiz spinning e adorei a professora, que nos dá segurança e observa mesmo nosso desempenho. Odeio negligência.

A musculação lá segue o básico, mas tudo é higienizado periodicamente, minuciosamente, em padrão alto de limpeza.

Assinei vários documentos atestando que sei dos riscos apesar dos cuidados. Gosto da responsabilidade deles. Se fossem mirar nos lucros, seria um lugar de maior insegurança e negligências mortais.

Este meu adendo foi, exatamente, para dizer isso: há uma inflação que deixa o básico a preço de supérfluo, por conta de especulação por lucros; e há o comerciante de todas as áreas, que quer compensar perdas estourando preços e reduzindo quantidades e qualidades. Agora, façam as contas: o básico está a preço alto – leite, óleo, arroz, produtos de limpeza, higiene pessoal (creme dental a preço de ouro; papel higiênico a preço de diamantes) – os empregos estão escassos, as perdas salariais se acumulam...o que esperar destes efeitos a longo prazo? Já estou com medo de 2021.

Todo dia reinvento a vida somente para seguir vivendo, porque nada é como antes...acho que nem eu sou como antes. Foram experiências pesadas, aprendizados e muito isolamento mesmo, sem abraços, sem festas, sem passeios, como se o mundo não fosse o mesmo...e não é. O mundo acabou: é Outro, já...