Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 28 de abril de 2020

Estes que nós somos




Não sei de onde saem os absurdos de meu tempo, mas me sinto como se estivesse em transe, num pesadelo. Nunca pensei que o pensamento político e histórico do brasileiro chegasse a este ponto atual de bestialidade.
Hoje, por exemplo, foi vetado o reconhecimento do ofício de historiador enquanto profissão.
Gostaria de saber qual foi o presidente comunista que o Brasil já teve, como isso aconteceu, se ele foi eleito pelo povo ou se deu um golpe de Estado e assaltou o poder.
Gostaria de saber de onde as pessoas tiram uma coisa dessas e o que há com a cabeça das pessoas para sustentarem tantos delírios.
Acho válido que o povo faça suas apostas naquilo que eles julgam novo – o Estado Novo não tinha nada de novo; Fernando Collor já foi o novo e a cada vez que os mesmo políticos, cujos sobrenomes conhecemos desde a infância, são eternamente eleitos e reeleitos pelo povo, passo a desacreditar da maioria numérica.
Se aquele povo iludido com Educação, uns coitados sonhadores, que acham que Educação é tudo, viu a ascensão de indivíduos provenientes da periferia, das minorias, das camadas pobres, à universidade (pública e privada) nos últimos 12 ou 10 anos, cadê esses frutos? Não estão em lugar algum. Sou professora, defendo a Educação e sei os limites dela.
Cito isso porque as escolhas políticas não são frutos da ignorância, da falta de educação formal.
Sem educação, pior ainda. Mas, educação, sozinha, não dá tudo. Há processos mais sérios e mais profundos, de ordem psicológica, por exemplo, que faz com que a massa se identifique com um perfil e com um discurso, especialmente no nosso país, que se preocupa mais em criminalizar os atos de preconceito do que em erradicar preconceitos, por meio justamente de recursos de educação extraescolar; há a falta de auto-reconhecimento, porque nem sempre o negro sabe que é negro, nem o pobre sabe que é pobre, nem o gay sabe que é gay, então, costumam fechar questão aderindo às causas alheias, muitas vezes favorecendo seu próprio opressor, como ocorre às mulheres que defendem posturas machistas. Acho tudo compreensível. Acho que o brasileiro sonha tanto, que delira.
O que é assustador é que os sonhos atuais, coletivos, não incluam o bem-estar coletivo. Não vejo mais o povo brasileiro querer que o seu compatriota não passe fome; nem se importar em diminuir a violência, nem torcer para que o analfabetismo acabe.
Não querem dividir o pão, não querem que existam índios (logo eles, os donos da terra; os que habitavam o país antes disso aqui ser invadido pelos portugueses e gerar os monstro que somos). Somos, cada vez mais, seres do ódio. Seres impiedosos.
Achamos que o pobre tem culpa por ser pobre; que o desempregado é apenas um preguiçoso, que o diferente é o inimigo e que há uma maneira padronizada e reta de ser cidadão, como se a vida fosse uma conta exata e como se as pessoas pudessem ser seres programados.
Para arrematar, uns que se pensam nacionalistas pregam a submissão e a subserviência total aos Estados Unidos, acham que tudo que pertence à nação deve ser vendido – as companhias estatais que geram lucros foram todas torradas, vendidas a poucos centavos.
Há um parcela de pessoas que para justificar suas escolhas equivocadas toda hora chama o passado. Pior era o governo anterior; ah, ele também roubou; ele acabou com o Brasil – e cá para nós, nas eleições de ultimamente, tudo é equívoco, apenas varia em maior ou em menor grau. E quem, está no poder está detonando e destruindo o que pode, proporcionalmente ao seu tempo de poder- mas, este ser iludido é muito preocupado em ter razão, seja porque meios for. E ainda culpa as forças etéreas de quem ‘torce contra’, como se torcer contra mudasse algo. Se mudasse, o eleito nem seria quem ocupa o cargo hoje em dia, O cidadão que vota errado, que segue a onda sem medir a corrente e sem se ver enquanto nadador, se afoga e vai feliz.
Sendo objetivos, vamos lá: com esta onda de COVID-19, a vida só se normalizará em agosto ou setembro, quando tudo que puder acontecer já tiver acontecido.
Eu, por exemplo, caso o shopping abrisse amanhã e a academia também, não iria nem por decreto. Aliás, não é por causa do decreto de ninguém que eu iria, mas por meu bom senso. Acredito que prefeitos e governadores não têm o poder de fazer o vírus obedecer às suas ordens, ou seja, não me sinto segura. E a cidade em que moro nem sequer tem 50 casos confirmados ou, se passou disso, foi na estatística de hoje, que eu não acompanhei.
Acontece que entre assintomáticos e portadores com sintomas, há a distância dos testes, que não são feitos.
Não vou na roleta russa.
Provavelmente, se eu tivesse que dar aulas em maio, eu não iria de forma alguma.
Não é que a reclusão me proteja, uma vez que furo a quarentena para receber delivery, abastecer o carro, comprar comida, ainda que o faça raramente e no momento crítico.
Junta, aqui no Brasil, uma crise de saúde e uma crise política, comandada por um presidente que se acha o rei absolutista e uns eleitores que se sentem súditos e têm postura de verdadeira adoração e submissão a ele, pelo qual, renunciam a qualquer exercício de criticidade,  porque se é para pensar em discordância com as afirmações do grande ídolo, melhor nem pensar.
Todo pensamento contrário é severamente punido, projetam redes de ódio, ataques morais, mas isso não vale uma pauta. Na verdade, acho que ele nem é o problema. O problema é o povo brasileiro mesmo. Se somos nós quem fazemos escolhas, quem elegemos...
Certamente que a insegurança chegará ao festejos natalinos, mas aposto que a partir de setembro, com a primavera e o sol, tudo será feito para apagar a memória dos dias atuais, com vistas a alimentar o consumo, o turismo e à própria política  - ponto fraco do brasileiro. 
Devo, porém, acrescentar um atenuante para nossas culpas: em certos pleitos, as opções horríveis de políticos também fizeram com que nosso cálculo moral ficasse na berlinda. Era isso: o ruim e o pior, lado a lado...Para evitar mal maior, fomos para determinado lado... 
Continuamos um povo crédulo, acreditando em político limpo, de boa intenção; acreditamos em futuro - o tempo passa e ficamos para trás e somos passados para trás, sempre e ad eternum.


domingo, 5 de abril de 2020

De volta à caverna doméstica



Não escrevi antes por total falta de tempo.
Se me aparecia um pequeno intervalo, eu o dedicava a urgências acumuladas.
Como todas as outras pessoas, estranho os dias de confinamento. Gosto deles, decerto, seja porque não me sinto sozinha, seja porque não vejo problemas em me manter isolada. Solidão é um fato normal, comum, que nunca me assustou de verdade. Talvez, também por ainda não ter experimentado o ócio – nossa quarentena começou em torno do dia 20 – e exercer minha função de professora nas burocracias dos preenchimentos infinitos dos diários e atividades incorporadas anteriormente, como os cadernos de campo que trago para corrigir em casa, os trabalhos de conclusão de curso – não senti o peso real das coisas da vida urbana.
Tanta gente vive sem shopping, sem cinema, sem praia, em cidades minúsculas, em muitas das quais até já estive...não seria eu a sofrer exatamente por isso. Sofro e não nego, pela falta da academia. Por alguns poucos produtos de franquia de chocolates ou do lugar que vende meu queijo favorito e que não abrem agora, sim, sinto falta.
A atividade física já ultrapassou, em minha vida, a questão estética. Incorporei ao meu viver. Gosto de gastar energia e se não me apetece muito puxar ferro e levantar peso, me adaptei e gosto como hábito.
Tenho mais medo dos momentos furtivos em que saio de carro na rua deserta para ir ver o poeta – pouco, bem pouco, porque matamos a saudade em conversas virtuais ao longo da semana – porque se algo ocorrer, ficarei em reais apuros na cidade deserta. A cidade deserta nunca é esvaziada de perigos. Os maus não tiram férias nem respeitam quarentena.
Tenho livros e filmes para ver. Tenho declaração de imposto de renda para fazer. Serviço doméstico não falta.
Tenho muito livro espírita para ler, um jardim para cuidar, bichos para cuidar e brincar e no somatório das coisas, o que me deixou perplexa foi pensar que sexta era quinta-feira.
Também acho esquisito o povo sem noção, que quer desafiar verdadeiramente o perigo do vírus, mesmo com todos os exemplos, testemunhos e comprovações.
Será que pensam que os mortos não estão mortos?
Será que acham que há um complô mundial para uma ilusão coletiva?
Ultimamente o Brasil se mostrou um país de seres delirantes, no geral, incapazes de reconhecer a incoerência em suas próprias posições.
Brasil é um país de maus.
Inventam epítetos, hinos, louvores de enaltecimento, mas somos gente de pouca sensibilidade e nossos governantes refletem o que somos. Falo aqui da coletividade, da identidade coletiva, não dos indivíduos isoladamente, porque eles são mistos. Porém, a predominância é do perfil monstruoso, preconceituoso, hipócrita, corrupto... nossa pátria-mãe é aquela mãe hipócrita que diz ‘meu filho não mente’, enquanto sabe que o filho é dissimulado, mentiroso, desonesto.
Não creio que o isolamento vá durar. Mas, tem sido uma grande lição. Não achei ruim, achei disciplinador. Falo como passado, talvez porque no domingo da semana que vem seja meu aniversário e eu esteja a ver a vida passar, os anos correndo...no fundo, minha casa me diverte. Cada livro é como se eu tivesse um amigo inteligente para me contar uma história ou me ensinar alguma coisa – estou em boa companhia e ainda escolho a trilha sonora.
Durmo e durmo feliz – adoro dormir. Só meu relógio biológico está em modo preguiça.
Raramente como errado, mas hoje, que resolvi fazer uma receita de pão enviada por uma amiga, ah, exagerei.
Vou ver se pulo corda. Não quero que meus músculos diminuam...
No momento, o exercício é outro: parar em casa.