Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Dez de Espadas e um conselho

 


Porquanto somos humanos, compartilhamos de sentimentos, sensações, desejos e experiências comuns, universalizadas por nossa condição. Então, através da experiência do outro, podemos colher certos aproveitamos particulares.

Não tenho autoridade para dar conselhos. Aliás, de vez em quando me exaspero com uns tantos leitores do blog, que me procuram com cobranças de respostas e resultados, ou em busca de esclarecimentos sobre determinadas pautas. Aqui é um espaço de opinião sincera, de relatos meus, que não conheço nem tenho intimidades com meu público, nesses 11 anos de existência da página – olha, nem eu acredito nesse tempo todo.

Hoje, entretanto, vou fazer diferente. Vou dar um conselho explícito e direto – esperando não ter por leitor nenhum ser humano paranoico, que nunca vi, nem conheço, nem sei o nome, porque tem de tudo nesse mundo e tem pessoas que julgam que tudo é indireta para si. As novelas não frisam à toa: “Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, fatos, datas ou lugares, terá sido mera coincidência”. Então, lá vai: ontem tirei, no tarô, um X de Espadas.

Há um tempo passei a jogar o tarô para mim mesma. Entendi o tarô como um caminho de leituras arquetípicas psicanalítica, ou seja, um jogo entre coisas inconscientes, mais do que um oráculo com mágicas de adivinhações – se bem, confesso: tarô lê mais o seu presente. Aí as interpretações são pessoais. As Lâminas têm significado geral, narrativo, imagético e dependem da posição ocupada no jogo, por exemplo. E faço o preâmbulo para me explicar melhor e passarmos ao X de Espadas e à vida de quem nem acredita em tarô – não é necessário mesmo.

Destaco o quão apavorante é o naipe de Espadas: de elemento ar, corta dos dois lados, quando surge, derruba os sonhos. Se o IX, é a carta mais temida por muitos, por representar sofrimento psíquico, desassossego, pesadelos, preocupações, medos; o X de Espadas assusta ao mostrar muitas espadas atravessando o corpo – tanto faz a origem do baralho e as variações de ilustração. Pura dor e desespero. Mas, o que pode haver de bom nisso? Primeiro, enxergar a dor e o problema (consciência da situação). Segundo, a possibilidade de reverter. Parar, pensar, observar: é preciso encontrar a saída em meio ao caos. Solidão e silêncio para estar consigo e ver a necessidade de solução.

Pensemos agora nas espadas que podem nos atravessar – no amor, no dinheiro, na vida social, nas mágoas, nas tristezas, nas coisas de que somos vítimas por não termos meios de escapar. Podemos ser esgrimistas e ter na espada uma arma, mas, no simbólico é ela que nos acerta.

Eis o conselho: o X de Espadas, para mim, representa todas as situações abusivas que pedem o fim, exigem que tenhamos as rédeas e as encerremos: as que tocam nossa interioridade, as agressões cumulativas, as questões familiares que causam feridas nunca declaradas ou nunca admitidas, os assédios morais e pesadelos de convívio, seja lá onde for. Por causa de nosso momento atual, associamos a ideia de relações abusivas ao contexto sexual, ao estupro, mas não percebemos que o homem que nos negligencia comete um abuso; que os pais egoístas que tivemos ou que os colegas que boicotam nosso trabalho cometem abusos. Toda forma de assédio, bullying, todo mau trato reiterado é um abuso. Tem gente abusiva em todo canto. Deste modo, veja que IX vem antes de X, não é? É a véspera, é o pré, é o antes, é o que antecede ao fim de um ciclo, portanto, acabe com isso. O dez é o fechamento. Não é uma carta ruim. Ao contrário, é a carta da responsabilidade sobre aquilo que te acontece, uma vez que você percebeu onde está o problema e criou a consciência do abuso.

Se a carta traz o temor e mostra o sofrimento, também te mostra: resolva. Se te parece desesperador, esfrie a cabeça, confie que tudo passa e apresse o fim dessa situação. Saiba dizer não, saiba desligar o telefone ou trocar o número, saiba fechar o ciclo se posicionando de modo diferente, pois se não puder mudar seus sentimentos, você pode mudar suas atitudes.

Não é para agir de forma intempestiva, mas aproveite a passagem de ano e tome atitudes diferentes, se livrando do lixo mental que essas pessoas, coisas e situações geram.

Acho uma infantilidade sem fim bloquear os outros, excluir, mas há pessoas para as quais a conversa jamais surtirá efeito. Considere como medida cautelar isso de manter distância. Não se ponha ao alcance do abusador, seja lá quem for.

Se não der para cortar o contato, enfrente a situação, a pratos limpos.

Se o caso for de dependência – ou seja, não se pode romper com o abusador, pois se depende dele economicamente, ou é o chefe, ou, pior, há relações parentais pelo meio, pense em formas de sair disso, mas quebre o ciclo.

Sei que datas comemorativas são guiadas por consumo, economia, comércio, mas não sou uma pessoa amarga. Acredito que são bons pretextos para expressar carinho, amor, para comemorar a existência ou acreditar num amanhã melhor. Ano novo é rito de passagem – na verdade, só muda a data. Mas pode ser época de inaugurar outra fase de vida, planejar, criar, meios, executar... fechar ciclos, encerrar, acabar, tal como a ilustração, dar aquele golpe de misericórdia, finalizar e começar outras coisas.

 


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Respostas óbvias para questões comuns

 

 


Sendo mulher, quem nunca encarou problemas clássicos com o relacionamento com os homens? Desde situações em que a gente ama o cara, mas não tem satisfação sexual com ele e, por isso, hesita, se termina ou mantém o namoro, suportando essa falta (ou se resolve, tendo um terceiro elemento); àquelas clássicas mais clássicas, com as quais resolvi me arvorar a responder, por mera brincadeira – afinal, o especialista em sua vida é você e o acesso a este blog não substitui a orientação de um profissional – e será que tem doido que vem tomar decisões baseando-se em blogs? Bem, vejamos os típicos casos:

a) Apertem os cintos, o sujeito sumiu após o primeiro encontro; b) Visualizou a mensagem e não respondeu, por que será?;  c) Ele sumiu, mas depois apareceu...e sumiu de novo; d) Ele adora estar comigo, mas não saímos em público; e) Marcou de vir e desapareceu; f) Ele exige tanto e dá tão pouco; g) Eu sempre pago a conta por nós dois; h) Ele está no Tinder; i) Eu que sempre tomo a iniciativa de buscar contato com ele.

Nem tudo acima eu coloquei sob a forma de perguntas, seja por que em alguns casos as coisas não se dão de modo interrogativo direto, seja porque minhas amigas e eu, ao formularmos perguntas, já temos ali a resposta. Então, a gente traduz assim, para bons entendedores:

  a) Apertem os cintos, o sujeito sumiu após o primeiro encontro – Sumiu mesmo, porque queria sexo. Se gostasse, voltaria. E se não houve sexo, não voltou porque não gostou de algo em nós. Pode se tranquilizar, porque ele não foi sequestrado, nem abduzido por extraterrestre, o telefone não bugou e detonou a agenda, ele não está na UTI.

  b) Visualizou a mensagem e não respondeu, por que será? Bem, a resposta já está dada. O vácuo, o silêncio é uma resposta e das mais pesadas: a atenção é proporcional ao interesse. Se a pessoa estiver interessada, você será prioridade. E o melhor é dar uma resposta à altura, ou seja, nunca mais manter contato.

 c) Ele sumiu, mas depois apareceu...e sumiu de novo: pois é. Some e volta porque tem certeza de que você estará onde ele deixou, isto é, à espera (“Esperando, parada, pregada na pedra do porto”, como diria Chico Buarque). E este ‘espera aí, que eu já volto”, significa que você foi deixada em stand by, em modo de espera. Meu sincero conselho: levante-se e vá embora. Contudo, se você ama, não tem jeito. Precisa catar a migalha que cair desse prato e criar forças para se libertar, enfrentando as fomes do fim do esconde-esconde. Vamos falar sério? O cara está brincando com você.

d) Ele adora estar comigo, mas não saímos em público. Neste caso, está claro que o sujeito tem outras ou deseja ter todas as outras. Para tanto, convém ser visto sozinho. Isso indica seu lugar na vida dele – o porão.

e)* O "eu sempre pago a conta por nós dois", eu prefiro não comentar porque é bastante explícito e eu vou poupar adjetivos.

 f) Ele marcou de vir e desapareceu: os itens b e c estão subentendidos aqui: há descaso, desrespeito e clara falta de interesse. Quem quer a gente, busca ficar com a gente. Se não é prioridade o encontro, a pessoa sumirá tranquilamente e se você for útil, no futuro ela (re)aparece e reinicia o jogo das esperas.) 

   g) Ele exige tanto e dá tão pouco. Outro óbvio caso em que o cara te trata como última opção, com postura abusiva de superioridade, pois faz mil exigências, impõe condições, se autovalorizando de tal forma que, quem quiser desfrutar desse ser valioso, que pague seu preço. A solução? Você está na promoção, para aceitar isso?

h) Ele está no Tinder. Aí o problema é todo seu, porque quem está nos aplicativos de relacionamento não busca, ali, crescimento espiritual; nem novas amizades; nem um novo emprego. O que será que buscam, não é? Aplicativos para relacionamento são autoexplicativos, se prestam àquilo que o título já diz. Mas eu vou repetir, porque tem gente distraída no mundo: relacionamentos. De flerte, a pegação, sexo, namoro...

  i) Eu que sempre tomo a iniciativa de buscar contato com ele. Dá vontade de repetir porque, de novo, as respostas se subentendem. Se todo o esforço é seu, é porque ele não tem interesse e se acha, crendo que você pagará qualquer preço para estar com ele, que você sempre estará disponível. Não há nada de mais em nenhuma das situações acima descritas, desde que você aceite e queira; desde que não sofra.

CONCLUSÃO: Amor não é receita de bolo. E há várias formas de amar. Quem é feliz em casal, trisal, em quadrisal, que seja e viva sua fórmula particular.

Na Fidelidade ou na Fudelidade, na solidão honesta ou nos pegue-e-não-se apegue, cada um que siga o que quiser, desde que goste e não faça disso uma angústia; desde que não se force para caber no modelo que não é adequado a si.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Positivo e (in)operante

 


Houve um tempo em que me acusavam de ser pessimista.

Houve um tempo em que alimentei uma particular raiva contra os seres humanos otimistas, aqueles bem esquisitinhos, que não admitem jamais a ideia de fracasso, que detonam qualquer um que levante a hipótese de que algo pode dar errado.

O pior, eu suponho, é aquele tipo de pessoa que acha que algo deu errado por que você pensou que poderia dar errado. Basta a pessoa ser prevenida, cautelosa, para ser chamada de pessimista.

Isso chegou a tal ponto que odeio até hoje, com todas as forças da antipatia, aquela música de Lulu Santos, chamada A cura. Quando eu ouvia:

“...Existirá
E toda raça então experimentará
Para todo mal, a cura.

Existirá, em todo porto se hasteará
A velha bandeira da vida
Acenderá, todo farol iluminará
Uma ponta de esperança...”

 Ah, eu, internamente dizia: “Mas, que música filha da puta, delirante, fora da realidade!”. Um banho de otimismo fora da rota da realidade que nos cerca, totalmente sem noção.

Sempre me pareceu loucura isso de ‘pensar positivo’ e ‘vai dar tudo certo,’ mas não por tendências pessimistas: é que para dar certo é preciso atender a muitos fatores.

Nesta semana acabei lendo sobre POSITIVIDADE TÓXICA e suspirei aliviada por ver, em teoria, o que eu sempre achei: não adianta pensar positivo, se você não contribuir para que as coisas deem certo.

A gente, fazendo tudo para dar certo, já se depara com situações fortuitas e fracassos, imagine sendo um ser inadvertido?

O resultado da positividade tóxica, além da fuga da realidade, é a negligência e a negação da responsabilidade individual nos processos pleiteados.

Aí, se tudo que você tem para um concurso ou uma entrevista de emprego, é o pensamento positivo, sinto muito, mas há grande probabilidade de não dar certo. Se você se preparar, aumentarão suas chances. O que há são chances!

Agora, pensa no contrário, por exemplo: pensei positivo e perdi ou não alcancei meu alvo. Muito provavelmente não terei fair-play, vou colocar a culpa nos outros ou, pior ainda, não vou saber superar a perda.

A positividade tóxica gera uma falsa sensação de segurança, porque delega a forças externas (algumas vezes, forças sobrenaturais) o desenrolar das situações.

E se sou confiante por causa das arrogâncias da fé, como fico quando não sou agraciada com o sucesso? Novamente, à mercê de conclusões absurdas e, claro, fragilizada.

Quem nunca ouviu ou leu: ‘LUTAMOS COMO NUNCA, PERDEMOS COMO SEMPRE’? Dou risada, mas é coisa que acontece. A pessoa faz a sua parte e mesmo assim, perde.

Não é pessimismo pensar que as coisas podem errado: é somente por esse senso de realidade, que a gente aprende a andar, por exemplo, com um band-aid na bolsa, ter água mineral no carro, criar dispositivos de prevenção.

Se pensar positivo me dispensar de estudar para a prova, acho que sairei no prejuízo, porque não estarei assumindo o que me cabe.

Para mim, pensar positivo é ser responsável. Então, isso supões planejamento, organização e método.

Olha, até para sair de casa eu calculo as rotas que farei – e dentre as rotas, penso nas alternativas, caso seja necessário escapar de engarrafamentos.

Acredito que a vida é cheia de imprevistos.

A gente tem tanto pavor de nossa falta de controle sobre as coisas, que vive catando previsão do tempo, previsão astrológica, cartomancia, tarot e todo tipo de oráculo simbólico. Então, a sua proteção é o seu cuidado consigo mesmo, com a sua parte na sua vida. Coisas que não estão sob nosso domínio vão sempre existir.

Pensamento positivo, sem as ações que reforçam os planos, não funciona sozinho.

Querer pode ser poder, à medida que a gente leva a sério o que quer – o famoso e citado ‘correr atrás’, que é a metáfora do esforço para alcançar algo. Eu acredito no esforço – seja no esforço mental do estudo  ou no esforço físico para o emagrecimento.


segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Isolamentos

 


Não gosto de subestimar panoramas, nem de desafiar regras, apesar de discordar de muitas delas. Quanto às Leis, muitas são inúteis e tendenciosas; outras, não parecem sequer corresponder à Justiça, mas ainda assim busco obedecer.

Entretanto, desde que resolvi voltar à academia, sabia que um vírus não segue normas, não respeita feriados, não se recolhe em determinado horário nem se submete às regras do comércio e da economia. O que quero dizer com isso é que todo protocolo de funcionamento das coisas são meros arranjos, artifícios que atendem a interesses políticos e à manutenção da vida, porque mesmo gente como eu, que sai muito raramente, precisa ir ao banco, à farmácia, ao supermercado... E é preciso um mínimo direito de ir e vir, a fim de não sucumbir às vicissitudes psicológicas de tanta privação.

Na cidade em que moro tem todo tipo de aglomeração, tem um comércio pulsante, entupido de gente, tem festas clandestinas, bares cheios e mil atrocidades semelhantes mas, lá eu não vou. As pessoas colam em mim por qualquer coisa, devido ao hábito, presumo eu...ou é curiosidade pelo meu perfume, de forma que evito sair para estabelecimentos em geral, mas há dias em que me dói ficar em casa, porque preciso me movimentar. E justamente o movimento, a necessidade de movimento me fez voltar à academia.

Neste dias, encontrei uma amiga, que desinibida, falou que já teve COVID.

Hoje, uma amiga de comportamento exemplar, daquelas que se privam de sexo para respeitar o isolamento, obteve resultado positivo para a COVID...E no meu entorno, foram se formando casos – amigos, vizinhos, colegas de trabalho, até meu chefe.

Para alguns, é um alívio, porque pensam que não terão outra infecção; para outros, é a oportunidade de me dizerem: “Você também vai ter, todo mundo terá!”.

Confesso que o meu ponto de vulnerabilidade é a pandemia são as raras visitas colaterais que recebo – porque uma pessoa sempre tem contato com outras – mas isso de me dizerem que minha vez chegará me deixa de cabelo em pé. Se eu escapar de um problema respiratório -vejam bem, o nome é Síndrome de Deficiência Respiratória Aguda Grave. Presta atenção nos adjetivos: Aguda, grave! – os sintomas são horríveis, as dores de cabeça, segundo relatos,  são de enlouquecer, o mal-estar é absurdo, sono se mistura com insônia, diarreia, febre, etc...ou nada disso, ou seja, se pode se assintomático. E desde quando não ter sintomas significa estar bem? Se não há remédio, é porque tudo no vírus é desconhecido, inclusive, os sintomas imperceptíveis, silenciosos e os que se apresentam depois. Sabe quando a gente admira quem não sente dor e, depois, percebe que a dor incomoda, mas sem ela não se percebe um problema ou uma doença? É disso que eu falo. Então, tenho medo, sim. Obedeço regras e leis e até por isso, não faço spinning nem jump, porque desobedeceria o uso correto da máscara; para mim, um castigo para a respiração acelerada que os exercícios físicos assomam.

Vou à academia por causa da saúde física e mental. Mas, ao mesmo tempo, sei que multiplico meus riscos.

Estes são os últimos minutos de novembro de 2020. Em poucos minutos, entraremos no primeiro dia do último mês do ano...Nosso tempo passa e o calendário não nos trará dias diferentes, será apenas um verão com restrições e longos períodos de impacto do que vivemos.


quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Mantenha distância

 


Quem ama mantém distância, se quiser continuar amando e sendo amado: eis mais um reforço que a pandemia trouxe a algo já sabido. Pois é: como seres do mundo, estamos tresloucados, com emoções confusas, sentimentalmente infantilizados, pois não sabemos sequer enfrentar privações e lutos; inventamos de odiar diferença e brigar por coisas irrelevantes; estamos mais violentos do que em tempos primeiros da organização social das cavernas e cá estamos em meio a tecnologias, cada vez mais estúpidos, ignorantes, ensimesmados...

A vida sob pandemia obrigou ao convívio. Agora, descobriu-se que ser pai e ser mãe é maravilhoso, desde que não por 24 horas ao dia. E olha que, enrolando direito, dá até para ter intervalo e ir ao banheiro e, em alguns casos, dormir.

Concluiu-se que a ida dos filhos à escola, à academia, ao shopping, associada à saída dos pais para o trabalho, desenhava um importante intervalo, intervalo, inclusive, para gerar a falta, a valorização do tempo juntos. Antes, não se tinha tempo para o convívio familiar. Agora, têm-se o tempo, praticamente de forma integral, o que é deveras sufocante e cansativo.

Não acho que esteja todo mundo em casa, não. Mas estamos MAIS em casa, sim.

Casamento bom precisa ter distâncias que permitam a cada um ser quem se é sem a presença do outro. Para mim, isso é a verdadeira auto-afirmação: quando sou quem sou sob forma solitária, ao natural. Aí é quando a pessoa não é a função que exerce: não se é pai, mãe, filho, empresário, professor, batista, espírita, ateu, flamenguista, gremista ou torcedor do 15 de Piracicaba...Porém, está faltando o tempo vago e a distância necessária para isso.

Algumas outras distâncias, até rudes, se tornaram possíveis, nos salvando dos terríveis convívios com familiares ou com aquelas visitas que nos evocam orações para que se vão ou sequer venham.

É preciso distância. Quando isso veio sob a forma de distanciamento social, por uma questão de regra imposta para evitar contaminações, a gente esperneou. Todavia, confesso o meu alívio por não ter gente grudada em mim nas filas e nos ambientes, como outrora. Decerto, na maior parte do tempo, os distraídos e os cara de pau seguem colados em nós, apesar de olhares de reprovação e de grosserias discretas que eu faço, tipo, sair de lado, ir me afastando da pessoa, a fim de que ela permaneça onde está...geralmente, eu saio de lado e a pessoa vem para cima de mim.

Se alguém se lembra daquela frase tão estampada quanto repetida, de José Saramago em A jangada de pedra, que diz: “Para ver a ilha é preciso sair da ilha”, repare, pois, que a distância é necessária até para ver melhor de fora – uma coisa é ver a dimensão, outra coisa é dar o zoom.

Gente pegajosa, sufocante, que cola nos seres amados, a gente chama de chiclete porque cola e incomoda. Então, proximidade é algo bom, intimidade é melhor ainda, mas distância é fundamental.

Distância é importante até na Física, para explicar percurso, trajetória, movimento – na cinemática escalar, movimento e posição...Mas, a gente não precisa ir tão longe, sacudindo memórias da vida escolar para isso: basta-nos ver, por exemplo, que há casais que moram em casas diferentes ou dormem em cômodos diferentes, em comum acordo, resguardando privacidades; há variadas formas de se exercer a distância direta ou subjetiva, mas o efeito benéfico da experiência costuma ser pessoal, particular. Eu gosto de distâncias por uma questão de bem-estar e saúde mental: imagine se meus parentes  estivessem em constante proximidade comigo? Seria enlouquecedor. Acreditemos na sabedoria escondida no parachoques dos caminhões: “MANTENHA DISTÂNCIA”, porque é uma forma de segurança, de defesa contra colisões, acidentes...como na vida!


domingo, 1 de novembro de 2020

O tempo dos teus olhos


 

Demoramos muito a aprender o óbvio, ou a aceitá-lo. Recentemente, ouvi de um psicólogo que a gente não pode julgar a si mesmo com os olhos do presente. 

Decerto, quem nunca fez uma burrada de que se lamenta tempos depois? Quem nunca ficou indignado porque não deu aquela resposta que só apareceu depois que a briga acabou ou que a situação passou? Quem nunca se sentiu imbecil por uma amizade ruim, por se submeter a alguma exploração, por ter sido besta num relacionamento amoroso – aliás, acho que é onde a gente mais se arrepende, porque depois que o amor passa raramente a gente deixa de constatar, perplexos consigo mesmos, “como eu pude amar uma pessoa dessas? Onde eu estava com a cabeça?”...Mas, são coisas humanas.

Os nossos erros, as escolhas que nos parecem as mais imbecis, as coisas loucas e erradas já cometidas, talvez, naquele momento, não se apresentaram como erradas e loucas. Fizemos o nosso possível, dentro de nossas circunstâncias.

Isso de dizermos, com os olhos de hoje, que faríamos tudo diferente, é algo que não existe, não é justo e não cabe. Por que? Porque você, hoje, tem domínio sobre o passado. Você, agora, tem outros elementos, ferramentas, mentalidade, maturidade e saberes que no momento anterior não tinha. E é preciso se perdoar, a fim de não remoer. A fim também de se libertar, porque geralmente a gente fica discutindo em diálogo interior (monólogo interior é coisa de literatura. Na vida real a gente dialoga, responde a si mesmo com hipóteses), a gente questiona por que esticou a corda em dadas situações; por que se permitiu passar por determinada coisa; por que não fugiu, por que não gritou, por que não rompeu, por que não aceitou, por que prescindiu, por que não fez de outro modo aquilo que a esta altura já está feito...

Muitas circunstâncias não são definitivas, não são sentenças de morte: ainda dá tempo de ter outra profissão, de mudar, de fazer outras escolhas...Mas, o passado passou. Não é justo que o adulto de 35 anos, de hoje, julgue o jovem de 15 a 20 anos que ele foi.

As coisas irremediáveis e imutáveis mostram que o tempo não anda para trás, não tem retrocesso, não tem tecla backspace nem delete. Paciência! Está feito.

Eu mesma constatei, surpresa, que minha madrasta já não poderia mais me fazer mal, porque eu não sou mais uma criança de sete anos. Ela também já não é uma mulher de 33 anos...está velha, doente e não apenas não me amedronta como desperta em mim solidariedade e compaixão. Não somos os mesmos e isso não invalida a experiência. O que eu passei ficou em mim, durou, marcou, fez feridas...Mas, agora, a menina tem defesas, é forte e grande e não pode se comparar com seu próprio ontem.

Dificuldade em perdoar minha família eu tenho e não sou hipócrita. Contudo, preciso me resolver comigo, apesar de tudo.

No reino do óbvio, muitas vezes é preciso repetir: a minha vida é minha; a sua vida é sua. Se não, a gente fica de braços cruzados, dependentes da decisão dos outros, como se não tivéssemos o poder da escolha. 

Aquilo que não depende de nós – demandas da economia, circunstâncias externas mundiais, como a pandemia que enfrentamos, coisas fora de nossas esferas de decisão – precisa ser perdoado também em nós. O que lhe cabe, lhe cabe. Basta ter responsabilidade e não posar de vítima – se o concurso está cheio de candidatos apadrinhados, estude, para dar trabalho a quem quiser te reprovar, mas não desista antes de começar; se você quer ganhar na loteria, pelo menos jogue...crie condições para seus sonhos, em geral, fazendo a sua parte. E com o que não depende de nós, é seguir enxergando que não há nada que se possa fazer (extensivo aos amores não correspondidos, porque nem você tem culpa de amar, nem o outro tem culpa por não lhe amar e não lhe querer. A cada um, seu pedaço).

A vida da gente não pode acontecer sem nós. Também não devemos ser carrascos de nós mesmos, castigando quem fomos no passado. Era nosso possível. Não podemos ser mais um a apontar o dedo, acusando, condenando...

O tempo dos teus olhos não se revelam em marcas de expressão apenas: é preciso ter um olhar mais doce e compassivo com quem fomos e com tudo que fez de nós o que somos. O olhos do presente já viram mais do que à época pregressa poderíamos enxergar, o que nos faz videntes reversos, pois não enxergamos o futuro, mas enxergamos  A PARTIR do futuro...


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

No interior do mundo

 



Continuo na mesma: sou uma das pessoas para as quais a quarentena não significou descanso ou ócio. Não sobra tempo para a escrita, o dia consome-se numa rapidez improdutiva absurda, de modo que faço em seis horas o que antes fazia em duas e meia.

Ah, as lives! Live, para mim, é uma invenção do demônio, para perturbar a paz dos cristãos.

Fiz uma, medeei duas. Assisti três de bom grado e fui a outras tantas por obrigação moral de dar o like de apoio. Mas, não gosto mesmo de lives, por achar enervante.

Minha vida segue sem festa e sem praia. Não acredito em novo normal, porque não é normal respirar de máscara nem contabilizar centenas de mortos por dia num único país. Aliás, este país não é normal, de forma alguma.

Dos relacionamentos, em geral, o meu passou umas crises, depois se recuperou e agora segue convalescente. Houve gente sortuda, que descolou namorado. Outras tantas pessoas do meu círculo, perderam seus pares: convívio e paranoias, tédios infinitos...

Fiz algo fora do comum: voltei à academia. Não aguentava mais a vida atrofiada nas jaulas do espaço doméstico. Tentei as caminhadas e as corridas, mas eram exercícios tristes numa cidade doente, esquisita, que fechava portas cedo e aglomerava gente demais.

Voltei em 08 de setembro à academia. Fui com medo e tudo. Até o terceiro dia, os protocolos foram rigidamente seguidos. O preço da mensalidade aumentou em trinta por cento, para compensar sobre nós o período de fechamento.

No quarto dia, já se revezavam alunos em aparelhos, o álcool já escasso, nem de longe era concentrado a 70 por cento. Então, por medo, caí fora de lá antes de completar um mês.

O lugar com academia de respaldo era o SESI. Extremamente protocolar e burocrático, me obrigou a jornadas em cardiologistas e clínicos, a fim de prover o atestado de que estou apta à prática de esportes. Gastei dez a quinze dias nessa luta. Agora, estou no SESI. Valeu a pena. Hoje, por sinal, fiz spinning e adorei a professora, que nos dá segurança e observa mesmo nosso desempenho. Odeio negligência.

A musculação lá segue o básico, mas tudo é higienizado periodicamente, minuciosamente, em padrão alto de limpeza.

Assinei vários documentos atestando que sei dos riscos apesar dos cuidados. Gosto da responsabilidade deles. Se fossem mirar nos lucros, seria um lugar de maior insegurança e negligências mortais.

Este meu adendo foi, exatamente, para dizer isso: há uma inflação que deixa o básico a preço de supérfluo, por conta de especulação por lucros; e há o comerciante de todas as áreas, que quer compensar perdas estourando preços e reduzindo quantidades e qualidades. Agora, façam as contas: o básico está a preço alto – leite, óleo, arroz, produtos de limpeza, higiene pessoal (creme dental a preço de ouro; papel higiênico a preço de diamantes) – os empregos estão escassos, as perdas salariais se acumulam...o que esperar destes efeitos a longo prazo? Já estou com medo de 2021.

Todo dia reinvento a vida somente para seguir vivendo, porque nada é como antes...acho que nem eu sou como antes. Foram experiências pesadas, aprendizados e muito isolamento mesmo, sem abraços, sem festas, sem passeios, como se o mundo não fosse o mesmo...e não é. O mundo acabou: é Outro, já...

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Todos os motivos e mais uns

 


Acho que eu nunca parei para pensar direito sobre a palavra motivação. Certamente porque, dentre o rol dos falsos profissionais que estão à nossa espreita, há vários que se definem como “sei lá o quê motivacional”.

Até crime tem motivação.

E a gente fica à procura de estímulos motivacionais. Parece que há uma distância incalculável entre vontade e motivo, válida e aplicável para qualquer esfera, já que, por exemplo, tantas vezes eu queria terminar um relacionamento, mas não poderia fazê-lo sem um motivo. Como se minha vontade de terminar fosse insuficiente; se eu esperasse a motivação enquanto justificativa. Sejamos justos: não é fácil terminar “sem mais nem menos” e, por isso, é preciso mostrar ao Outro qual é o motivo. Neste caso, então, nem sempre o motivo é claro para nós: a gente só percebe que está infeliz e pronto. Ou que o amor passou.

Motivação profissional, para certas pessoas, equivale a pressão: prazo, meta para bater, concorrência, disputa, desafio. A naturalidade, o motivo resumido ao simples querer, não é elemento suficiente.

Tem uns doidos que dizem que querer é poder. Até seria, desde que este querer (e vamos convir que querer, desejar, almejar, são bons motivos) sustentasse ações que propiciassem a realização do que se quer.

Vontade sem coragem é o típico motivo vazio.

No outro extremo da balança estão as nossas compensações: talvez o querer exija esforços e se contraponha à Lei do Menor Esforço. Então, entre a batalha e o ganho, opta-se pelo cômodo lugar de manter o desejo como sonho; a vontade como Utopia.

Entre a vontade e o motivo, nós fazemos cálculos.

Cálculos morais que nos dirão se valerá a pena. Olha como nos expressamos: “Valer a pena”. Pena é condenação, sacrifício, prisão, é o preço. Por isso, calculamos.

Como citei uma questão pessoal de anos atrás, vamos adentrar ao caso subliminar envolvido na situação: os ganhos paralelos.

Nós pensamos que não somos calculistas, mas somos o bastante: quem se prende a situações desagradáveis, fica no emprego ruim, no relacionamento ruim, com certeza tem ganhos paralelos que excedem a suposta zona de Conforto. Pode ser que o ganho seja simplesmente se poupar da dor, da dor de uma ruptura, de uma busca, de estar só, de mil coisas...e aí, invertemos o motivo: temos o motivo para sair da situação; e criamos o motivo paralelo para permanecer nela.

Existe o certo? Existe e a gente sabe qual é. Certo é voltar à calculadora moral e pesar, medir, averiguar nossa vontade real. A motivação vem daí, da vontade verdadeira. Querer, ter vontade, desejar, verdadeiramente.

Daí advém o plano: se quero e sei o que quero, o que posso fazer para ter? O que cabe a mim dentro de tal situação? São as duas perguntas básicas; A partir daí, que tempo e que meios se pode utilizar para colocar em prática a caminhada?

Ocorre que plano é um negócio complexo, com lado material, lado subjetivo e o lado das intercorrências externas (eventos fortuitos, força maior) que faz requerer constante reorientação de rota.

Outro item fundamental: pé na realidade. Precisamos ser realistas – para alguns, o realista é um ser pessimista. Não: o realista acredita e sabe que há um mundo fora de seu próprio umbigo e que ele não tem o controle de tudo. Então, ele não vai querer perder 6 kg numa semana, sabendo que a fome lhe trará dor de cabeça, mas ele vai estipular percentuais, tipos: na primeira semana de meu regime, comerei vinte por cento a menos; após dez dias, comerei vinte e cinco por cento a menos e, em um mês minha meta será comer trinta por cento a menos e me exercitar cinquenta por cento a mais (sendo que se há zero exercícios, a progressão será calculada também).

Se eu quero comprar um bem, antes de qualquer financiamento, eu preciso saber poupar. Para isso, eu não posso dar saltos que comprometam meu empenho. Então, eu começo, por exemplo, guardando cinquenta reais num mês. Posteriormente, eu sigo guardando valores mais altos, mas nunca tão altos a ponto de colocar em risco minha decisão. Assim, melhor poupar cinquenta reais que não vou sacar, a poupar cem e sacar setenta.

Se quero encerrar um relacionamento, construo o trabalho diário do afastamento, reconhecendo o que foi bom e que me atraiu até ali; avaliando o que já não está bom, avaliando a si/mim mesmo; encarando os medos que se tem. Pode ser que isso leve até pouco mais de um ano – sem querer sugerir o tipo terrível do relacionamento da ficção para ninguém, nunca esqueço o velho filme “Dormindo com o inimigo”, em que a personagem interpretada por Júlia Roberts calcula, ao longo dos anos, como fugir do marido opressor e tóxico, saindo da ilha em que vive com ele, bastante vigiada. Aprende a nadar às escondidas, traça um plano e vai embora (causa um blackout na ilha e, na escuridão, nada até o continente).

Ainda acho que a motivação maior que uma pessoa pode ter, está diretamente articulada à vontade real. Quando a pessoa quer, vai em busca – o que significa que ela sabe que nada acontecerá se ela não fizer por onde. E aí se pode recorrer a outro clichê: “motivo não falta”.


sábado, 29 de agosto de 2020

Tretas de terapias

 


Uma amiga me presenteou com uma sessão de tethahealing. Fui desarmada, sem sequer ir dar buscas, porque não queria ir com conceitos prévios, preconceitos.
Primeiro, aceitei de coração aberto o presente. Entendi a intenção.
Parece uma sessão de psicanálise, misturada a uma sessão mediúnica, com um pouco de umbanda e, como não poderia deixar de ser, constelação familiar.
Eis o que o mestre perguntou: “Você já fez constelação familiar?” Não pestanejei e dei minha resposta clássica: “minha família não tem estrelas” (por dentro, eu só pensava no meteoro e nas estrelas cadentes que tenho como parentes recém-descobertos).
Fui mais artificial do que todo o processo: fiz de conta que aceitei com surpresa, mas achei um verdadeiro mosaico, um patchwork de procedimentos religiosos.
O mestre olhou minha aura e constatou algo em minha garganta (acertou: eu somatizo os sapos engolidos, não é ironia); o mestre disse que eu tinha encostos espirituais – e aí, como espírita, eu disse logo que não há quem ande sozinho; que os espíritos se deixam atrair por similitude e todos os pormenores, conselhos e soluções que a doutrina espírita explica...
Houve um festival de lugares-comuns, do mais puro clichê (ou sou eu que já corri muitas estradas e vi repetição barata em tudo), cujo ápice foi: “Por que sua amiga se motivou a te presentear com esta sessão?”. Eu respondi a causa. Ele seguiu: “você reconhece que tem atitudes repetitivas?” Acontece que não, eu não repeti. A causa de agora é totalmente nova e desconectada de outras situações prévias.
O comportamento dele foi que pareceu ensaiado demais, roteirizado, parecendo querer induzir minhas respostas...
Não invalido a experiência porque, acima de tudo, tinha a postura amorosa da minha amiga. Sabe, eu penso que quando alguém me dá um presente qualquer, ali está a parte material, está o tempo da pessoa, na procura do objeto, está o dinheiro gasto, está ela mesma, ao se ocupar de mim. Então, valeu a tentativa de me dar alentos.
Se um ser humano treinador de toda espécie consegue adestrar a mente alheia, de modo a construir na pessoa as respostas de confiança de que ela precisa, para mim, está valendo.
Mesmo que seja mentira, está valendo. É tipo placebo: não tem nenhum princípio ativo ali, mas se você acredita, te cura.
De tudo isso eu acho o mesmo que da autoajuda: vivemos com medo, angústias, impotência, insuficiências, queremos consolos e respostas. As técnicas mais picaretas vão responder ao quadro, tanto quanto as técnicas mais sérias e científicas poderiam fazê-lo.
Crime seria fazer crer que se pode prescindir de psiquiatra, psicólogo, remédio, tratamento médico, por uma solução alternativa. Todo o resto é complementar. O exercício de falar de si, da família, dos problemas, em desabafos coordenados, ajudam a resolver os nós na garganta (os sapos engolidos).
Claro que o charlatanismo existe descaradamente. Se colocar um adjetivo científico ao lado, aí é que é sucesso: quântico, físio, neurocientífico, cerebral, psico... para dar credibilidade e chamar clientes.
Para mim, foi uma experiência nula, a tal ponto que não gerou a vontade de prosseguir. Foram duas horas de terapia ecumênica e aqui aproveito para dizer outra coisa: já topei com mil pessoas dizendo que iam à terapia e com duas mil que se diziam terapeutas. Sem a menor maldade, indaguei: e qual a sua terapia? A pessoa não sabia responder. Era terapia em terapia – ou seja, tanto poderia ser psicanálise quanto origami e artesanato. Nem as pessoas em terapia, nem os pretensos terapeutas sabiam o que era terapia.
A gente cuida da planta ou faz joguinhos e diz que é terapia (terapia, ocupação, não fazem o terapeuta ocupacional, viu? Aproveitando para brincar com a vulgarização do termo), mas é higiene mental.
Sinceramente, acho que a gente, como qualquer outro animal, pode ser adestrado, pode sofrer lavagem ou sujeira cerebral. E somos mais vulneráveis quando desesperados e fragilizados. Se estamos perdidos, qualquer farol é a luz do fim do túnel...o problema é a cegueira temporária do deslumbramento.
Os problemas humanos não são resolvidos como macarrão instantâneo. E se fosse, que gosto ruim tem aquilo...
Gostaria de dormir com angústias e acordar com felicidade, gostaria de tudo” do bem, do bom e do melhor” para ontem, mas não funciona assim.
Para quem estiver na dor e no desespero, o que funciona é parar, se lamentar, chorar se der vontade. Esta é a parte humana do desabafo. Depois que a cara inchou de choro, é hora de pensar em como resolver.
Se não houver modos imediatos de solução, resta pensar que a vida já lhe trouxe outros problemas e todos passaram e você continuou.
Se rezar te faz bem, reze. Tem em quem confiar? Converse. Não tem jeito? Simplesmente desista, viva seus lutos e invista em outras lutas.

Falo com conhecimento de causa, com relato pessoal: Eu amei por dois anos e sete meses o Ex-Grande Amor da Minha Vida, que, simplesmente, foi a experiência mais dolorosa que eu já tive. Dores que me laceravam, transformando a vida numa nuvem fria de uma noite eterna de angústia de perdas. Fui à analista, fui à Igreja (eu era católica, na época), fiz promessas, saí, viajei, namorei gente avulsa...me ocupei, para nem ter tempo de sofrer – mas, sofri e chorei. Até que passou.

Hoje, mal tenho lembranças - a lembrança virou um bloco compacto mesmo, não consigo lembrar de momentos a dois, de coisas pontuais ou singulares (graças a Deus).
Dos lugares em que trabalhei, especialmente da vida militar e da escola básica no interior, mal tenho lembrança de nomes de pessoas ou situações  – para ser sincera, nem de Aracaju eu me lembro, da universidade federal em que trabalhei... E assim é: tudo passa e a gente passará. Só não dá para existir e não ter problemas e angústias: elas vão, vem, se modificam, mas acompanham a vida.

Sempre que acabo um texto, perco meu tempo para explicar que eu não estou prescrevendo nada para ninguém, que cada um é livre para as suas escolhas e que coloco aqui coisas particulares, sem endereço certo, então, é da minha conta. Cada um que responda por sua vida.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Tristes trôpegos

 


Estamos todo tristes: nós, os de cá, os meus próximos e eu. Inclusive os meus mais próximos que moram longe – se tem uma coisa que a filosofia dos para-choques de caminhão ensina direito, é esse negócio de que a amizade supera distâncias. Assim, no afeto estamos juntos.

Por certo, não temos depressão patológica (até porque, ela é bastante singular, embora algumas pessoas gostem de se dizer depressivas, para ganhar afagos e atenção e, fundamentalmente, para capitalizar um suposto estado de angústias), mas notamos o peso da tristeza.

Voltei a fazer caminhadas sistemáticas, porque eu fiquei de março a julho em quarentena severa e, aos poucos, foi me dando pavor de não fazer o corpo se mexer. As academias abriram, mas, lá eu não vou. Só que parece que eu fiquei com energia acumulada mesmo: andar três quilômetros não dá para nada, para mim. Aí, tenho feito de 6 a 10km, geralmente, 3 vezes na semana. Alterno com exercícios em casa. Julgo que, se assim não fosse, eu estaria deprimida.

No período anterior, chovia mais, não dava para sair caminhando.

Como eu já declarei, nunca me faltou o que fazer durante a quarentena: reuniões, lives, TCC (tenho um para fechar domingo, que me foi entregue hoje), livros...E a casa? Excedendo o trabalho doméstico, que nunca falta, que nunca acaba e que sempre se renova, fizemos o jardim (tarefa que nunca acaba, porque implica no cultivo de bougainvilles, em pintar pneus, pallets, vasos, decoração, etc); fizemos um deck de madeira, que levou todos os meus vinténs e dentro de casa também sigo arrumando as coisas.

Junto agora todas as coisas que parecem dispersas: ao caminhar, vejo o mundo de outro jeito, como se fosse um outro lugar. Não há mídia que me faça acreditar em NOVO NORMAL. Não é normal caminhar de máscara, com a respiração reduzindo ou o ar ficando quente...E olhar as pessoas, em filas persistentes, tentando existir, tentando ser e durar...

Não volto à academia neste ano. O NORMAL não vem por decreto. Não é normal nada disso que vivemos agora. Estabelecimentos abertos e abarrotados de gente, não vão tornar as coisas normais – pelo menos para mim, ando com muita estranheza, cautela e distância e ai de quem ousar me visitar! Preciso de distância.

Estar em casa não me incomoda. Só não é normal. A praia não seria normal agora, por exemplo...

Tempo?  Não tenho, não. O fato de romper a rotina e a normalidade, não implicou em que eu tivesse tempo. Meu dia acaba logo. Meu dia não dura nada.

Achei que somente eu tinha essas angústias: vejo as pessoas agirem normalmente, naturalizarem tudo...aí vem meu amigo contar que vai ao psicólogo na terça, e um outro, a reclamar tristezas e, ao olhar, estamos aos montes, todos tristes. Vou fazer trocadilho com Claude Lévi-Strauss, na obra Tristes Trópicos, sem querer desmerecer o ensaio antropológico, mas apenas para dar um título condizente com nossa caminhada trôpega, vacilante, no terreno da tristeza.

Outro aprendizado, com velhos sentimentos em novas circunstâncias – está difícil ser normal.

 


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Escreveu, não leu...

Tinta usada em antigos papiros contém cobre... - Antigo Egito



Não é a primeira vez que me pego afogada em trabalho desprazeroso, apenas para ajudar a um amigo que está sempre sendo explorado pelos próprios sonhos, porque ele inclui pessoas em projetos, revistas, cursos de mestrado, mil e um periódicos redundantes em tema mas, as referidas pessoas, gostam de ver seus respectivos nomes figurando nas redes de produção científica, entretanto, não cumprem prazos.
Peguei um texto horroroso para revisar. Horroroso, mal de escrita...um amontoado de pronomes relativos, intercalados a expressões científicas da moda, que precisa ser reescrito por quem o revisa (eu), pois não tem sentido algum e chega a uma conclusão óbvia. Trabalho quadruplicado para mim e não obstante o labor, o desprazer me deixa lenta, em assumida má vontade. Moeda horrível para endossar o cheque da sobrevivência acadêmica de um doutor incompetente na linguagem escrita. A gente se pergunta como foi que o ser humano citado conseguiu escrever uma tese!
Meu ex-namorado, formado em química, escrevia muito mal. Dá-se o desconto pela área de atuação, mas desconto não é isenção.
Num texto informal, de internet, a gente escreve com leveza e certo desleixo semântico.  Muitas vezes, eu sequer volto ao texto para acrescentar o que falta de termo ou letra, ou para remover o que excedeu e se repetiu...Todavia, na escrita formal, a gente anda na linha, especialmente porque deseja ser compreendido.
Uma das grandes desculpas das pessoas medíocres, desonestas, fraudulentas, preconceituosas e criminosas, quando flagradas em áudio e vídeo, é alegar que a filmagem foi tirada de contexto. Como maridos flagrados em traições, jogam o “eu posso explicar, não é nada disso que você está pensando, isso não foi bem assim”. Sabemos que são meras desculpas de quem só pede desculpa para se livrar de processos ou perdas (perda de contrato comercial, se forem artistas; perdas de mandato, se são políticos; perda de dinheiro, de prestígios, etc). Imagine no mundo da escrita, o quanto as coisas podem ser...
A propósito, manipulam muito os sentidos de declarações, de textos, de livros...E como a preguiça é cômoda, vamos repetindo o que dizem que foi dito nos livros que nunca lemos – aqueles, muito citados e pouco lidos.
Confirmo, com declarada inveja, meu despeito para os que vivem a quarentena em clima de férias, sem compromissos, sem horários, sem regras.
Tirei o domingo para ver dois filmes no Canal Brasil e senti a maior culpa pela recreação: deixei o texto maldito de lado, atrasei a leitura e a devolução...
Senti vontade de dormir como se não houvesse amanhã, de não atender ninguém por meio algum e ficar na caverna, nesse frio de 17 graus em Feira de Santana, na noite de hoje, 29 de julho de 2020. Tive esta mesma vontade ontem. Nada feito. Aliás, expressão errada, já que estou sempre fazendo coisas.
No Facebook eu não dou as caras há quase um mês.
Fiz uma conta no Instagram a fórceps, há uns 15 dias, por obrigação, a fim de acompanhar cursos e lives. Mas, lá eu pouco estive.
Odeio as lives que se multiplicam em convites chatos, intimidatórios, cheios de cobrança...
As que me interessam, perco a data e o horário.
Deus me livre de lives: já estou morta de tanto ser importunada por elas.


quinta-feira, 2 de julho de 2020

O prazer do sabor

Comidas Típicas da Itália: conheça as delícias de cada região » Tua Itália  - Tudo sobre a Itália

Hoje me peguei com saudades de comer um pão funcional, que é vendido numa cidade aqui perto, chamada Conceição de Feira. Pão funcional é um pão com uma função e, por isso, ele varia sabores, conforme ingredientes – linhaça, milho, sete grãos, mel – mas, para mim, a função do pão é alimentar e ser gostoso. O citado pão é muito gostoso. E ainda tem uns que levam erva-doce (aproveitando, meu povo, esclareço: erva-doce não é funcho. Não obstante o nome científico diferente, já que erva-doce é pimpinella anisum, e este anisum é da família do anis; e funcho é foeniculum vulgare, percebo diferença no sabor e semelhança no cheiro. Acho funcho levemente salgado).
Estamos na onda da reeducação alimentar, como se fôssemos analfabetos em comer...na paranoia dos alimentos funcionais e um monte de coisa da moda, perdendo completamente o sentido da alimentação, deixando o prazer e pegando o sacrifício para ver se deixamos nossas gorduras fora da vida e não as gorduras trans transbordando das laterais das roupas.
Estamos, com o isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19, aprendendo a cozinhar mais em casa. Isso vai fazer diferença daqui a um tempo.
Num dos recentes episódios do programa de culinária da Rita Lobo, de quem sou fã, porque ela é excelente apresentadora, doce, carismática, competente e linda, além de ter excelente didática de ensino para as receitas, um ser humano pediu: “Rita, faz umas receitas low carb!” – ou era fitness, sei lá. E ela deu uma resposta linda, falando que ela não faria isso, porque retiraria sabores. Um brigadeiro feito de coisas que não sejam leite condensado e chocolate em pó, não é um  brigadeiro. E que, portanto, para baixar as calorias e manter a originalidade dos pratos, bastava a pessoa se conter na hora de se servir. Ou seja, consuma seu chocolate, mas saiba comer pouco; consuma seus queijos e salgados, mas saiba moderar.
O problema geral é este: uma comida com sabor faz com que se coma mais; uma comida com sabor de isopor é uma obrigação para manter o corpo funcionando (ah, funcional, funcionalidades).
Há ilusões gustativas maravilhosas – eu mesma gosto de coisas feitas com casca de banana, por exemplo – mas a maioria prescinde do sabor, sem a menor necessidade, afinal, o que um tempero acrescenta, de significativo, em calorias? Então, tomate, manjericão, cebola, alho...ah, acrescentam sabor, sim.
Uma vida sem sal não me apetece. Sal doa sabor a tantas coisas!
Uma vida de aspartame, sem açúcar, Deus me livre! Chá sem açúcar? Nunca! Café sem açúcar? muito menos. Retiraria o prazer dos sabores. Mas, eu imagino que quem corta o açúcar deve ser por usar muito, porque não é possível que se use mais de duas colheres de chá de açúcar para uma xícara de 150ml de café...
Não viveria sem manteiga também. E quando vejo as paranoias com alimentos, penso que talvez o povo que conta calorias seja igual aos viciados em álcool, que põe a culpa no gelo por ter ressaca.
Já disse antes: amo gengibre. Não vejo sacrifício em tomar sucos detox de nada; e nem é para desintoxicar, mas pelo sabor. Couve, num suco, não dá sabor de nada e ainda tem muitos bons nutrientes – cálcio, dentre eles; e ferro – então, se puser beterraba, couve, gengibre, abacaxi, eu devoro sem coar e, neste caso, sem açúcar. Questão de paladar.
Reitero que nossas alergias alimentares, com certeza, são culpa da indústria.
Desde a bíblica Santa Ceia se ouve falar em pão. Decerto, a fermentação da Antiguidade era natural, mas trigo, sal e gorduras sempre alimentou à humanidade, o que não justifica o número absurdo de gente com alergia a glúten.
Leite sempre fez parte das dietas de praticamente todos os povos em todos os tempos e, se não bastasse, somos mamíferos. Somente agora o povo tem alergia à lactose. Precisa ser gênio para concluir que os modos de conservação, as embalagens, as químicas, modificaram os alimentos e fizeram com que eles se tornassem isso que temos?
E nem falei de carnes, mas é tanto acidulante, conservante, emulsificante, espessador, corante, aroma idêntico ao natural – em que pesem hormônios nos animais para forçar o crescimento e o abate e agrotóxicos em produtos agrícolas – que a consequência está aí. Com isso, a comida fica estranha.
A forma de cozinhar também entra nesta conta, mas vou ficando por aqui na análise e na crítica.
Depois que passei a fazer meu pão, como menos pão porque a saciedade é rápida. Além dos ingredientes serem altamente nutritivos. Talvez a melhor dieta seja a mais natural e artesanal possível – a vida não permite, eu sei, porque vivemos de fast-food e não de slow food – e estou louca para ter um fogão a lenha, porque adoro sabores defumados.
Horta eu já tenho e novamente falo que tomate de supermercado tem gosto de isopor; o de casa tem sabor e aroma, o que ajuda a comer certinho também, mas comer certo não é uma obrigatoriedade ‘insossa’. Espero não ter a necessidade de que alguém venha me ensinar a comer, para eu me reeducar: analfabeto alimentar é um título que eu penso não ostentar mas, ainda assim, me proponho a aprender. Nenhum conhecimento merece desprezo.