Quem ama mantém distância, se quiser continuar
amando e sendo amado: eis mais um reforço que a pandemia trouxe a algo já
sabido. Pois é: como seres do mundo, estamos tresloucados, com emoções confusas,
sentimentalmente infantilizados, pois não sabemos sequer enfrentar privações e
lutos; inventamos de odiar diferença e brigar por coisas irrelevantes; estamos
mais violentos do que em tempos primeiros da organização social das cavernas e
cá estamos em meio a tecnologias, cada vez mais estúpidos, ignorantes,
ensimesmados...
A vida sob pandemia obrigou ao convívio. Agora,
descobriu-se que ser pai e ser mãe é maravilhoso, desde que não por 24 horas ao
dia. E olha que, enrolando direito, dá até para ter intervalo e ir ao banheiro
e, em alguns casos, dormir.
Concluiu-se que a ida dos filhos à escola, à
academia, ao shopping, associada à saída dos pais para o trabalho, desenhava um
importante intervalo, intervalo, inclusive, para gerar a falta, a valorização
do tempo juntos. Antes, não se tinha tempo para o convívio familiar. Agora, têm-se
o tempo, praticamente de forma integral, o que é deveras sufocante e cansativo.
Não acho que esteja todo mundo em casa, não. Mas
estamos MAIS em casa, sim.
Casamento bom precisa ter distâncias que permitam a
cada um ser quem se é sem a presença do outro. Para mim, isso é a verdadeira
auto-afirmação: quando sou quem sou sob forma solitária, ao natural. Aí é quando
a pessoa não é a função que exerce: não se é pai, mãe, filho, empresário,
professor, batista, espírita, ateu, flamenguista, gremista ou torcedor do 15 de
Piracicaba...Porém, está faltando o tempo vago e a distância necessária para
isso.
Algumas outras distâncias, até rudes, se tornaram
possíveis, nos salvando dos terríveis convívios com familiares ou com aquelas
visitas que nos evocam orações para que se vão ou sequer venham.
É preciso distância. Quando isso veio sob a forma
de distanciamento social, por uma questão de regra imposta para evitar
contaminações, a gente esperneou. Todavia, confesso o meu alívio por não ter
gente grudada em mim nas filas e nos ambientes, como outrora. Decerto, na maior
parte do tempo, os distraídos e os cara de pau seguem colados em nós, apesar de
olhares de reprovação e de grosserias discretas que eu faço, tipo, sair de
lado, ir me afastando da pessoa, a fim de que ela permaneça onde está...geralmente,
eu saio de lado e a pessoa vem para cima de mim.
Se alguém se lembra daquela frase tão estampada
quanto repetida, de José Saramago em A jangada de pedra, que diz: “Para ver a
ilha é preciso sair da ilha”, repare, pois, que a distância é necessária até
para ver melhor de fora – uma coisa é ver a dimensão, outra coisa é dar o zoom.
Gente pegajosa, sufocante, que cola nos seres amados,
a gente chama de chiclete porque cola e incomoda. Então, proximidade é algo bom,
intimidade é melhor ainda, mas distância é fundamental.
Distância é importante até na Física, para explicar
percurso, trajetória, movimento – na cinemática escalar, movimento e
posição...Mas, a gente não precisa ir tão longe, sacudindo memórias da vida escolar
para isso: basta-nos ver, por exemplo, que há casais que moram em casas
diferentes ou dormem em cômodos diferentes, em comum acordo, resguardando
privacidades; há variadas formas de se exercer a distância direta ou subjetiva,
mas o efeito benéfico da experiência costuma ser pessoal, particular. Eu gosto
de distâncias por uma questão de bem-estar e saúde mental: imagine se meus
parentes estivessem em constante
proximidade comigo? Seria enlouquecedor. Acreditemos na sabedoria escondida no
parachoques dos caminhões: “MANTENHA DISTÂNCIA”, porque é uma forma de
segurança, de defesa contra colisões, acidentes...como na vida!
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