Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Espelhos do caos



Um dia, após uma pessoa amada e querida ter sido induzida a acreditar numa fofoca construída em meu prejuízo e, finalmente, me perdoar pelo que eu não disse, aprendi com ela, que afirmou: “Mara, eu amo a minha filha e a gente briga. Pessoas que se amam, brigam!” e ali eu entendi que amores de qualquer espécie não são linha retas, que amor tem crise; que a gente pode cometer hipocrisia sem ser hipócrita, assim como pode cometer burrices sem ser burro: é evento, contexto, ocasião. O que determinaria ser isto ou aquilo seria a frequência e a predominância.
Nunca consegui perdoar a mulher, colega de trabalho, que semeou o veneno gratuitamente, apenas para ver secar o fruto de uma amizade também dividida com ela. Não perdoo, não esqueço, mas não tenho nenhum interesse em ver tal pessoa mal. Juro: as sementes do ódio não fazem ramos em meu coração.
Dos poucos e eventuais sentimentos maus que tenho, todos são atrelados a motivos concretos e se resumem a revoltas por injustiças sofridas. Odiar alguém que nunca me fez mal ou armar maldades para quem nunca me fez nada, jamais. Acho isso criminoso.
Puxei o assunto porque o momento em que vivemos é de puro ódio. Estive vendo umas distorções sobre a liberdade individual e o direito de ir e vir, neste país que se não sabe o que é democracia, jamais poderia saber o que é ditadura; assim como não sabe o que é comunismo e muito menos capitalismo, apesar de viver nele.
Qualquer juízo simplório sabe: você tem a liberdade individual, por exemplo, de não querer tomar vacinas. Ora, se você não quer, não comparece, a escolha é sua, o problema é seu.
Contudo, se a vacina se torna obrigatória por lei, você não perde seu direito individual: simplesmente, são postos na balança o seu direito de não querer tomar vacina versus o direito de uma maioria de não se contaminar por sua causa.
E, neste caso, dir-se-á, quem garante que você necessariamente está doente? E quem garante que não está ou não estará? Assim, o direito individual cede espaço ao direito da maioria, como aquela máxima expressa em para-choques de caminhão, que assinala: “seu direito termina onde começa o direito do outro”. E assim é para viver em sociedade (em clubes, condomínios, templos, bancos, escolas, instituições e até em família).
Uns doidos distorcem isso. Em uns casos, é ignorância; em outros, mau caráter mesmo.
Onde essas coisas todas até aqui tratadas se casam? Na ideia idiota de que uns amam o Brasil e outros torcem contra. Como se torcida determinasse resultado de jogo!
Talvez digam isso para desviar a responsabilidade de quem realmente determina os rumos da partida. Eu considero todo e qualquer governo presidencial como um técnico de futebol, em gestão passageira. Cada mandato, um campeonato.
Mas, cá estamos, perdendo de lavada e vendendo loucuras. Tudo é aprendizado e sei que um dia aprenderemos.
O Rio de Janeiro não aprendeu ainda. Eternos maus governadores, todos com o pé na cela. O Brasil todo é frágil, vota mal mesmo, mas o Rio é um caso escandaloso em que já se vão quatro, cinco ou seis governadores que firmam ficha na polícia. Não acho que a corrupção seja um problema de políticos corruptos. Quem os coloca lá? Por que sempre voltam? Aí, de novo, a população precisa fazer conta para constatar que a elite não forma nem dez por cento da demografia nacional; que a classe média, se muito for, dará uns vinte e cinco por cento...dirão, também dos supostos poderes destas classes sobre os pobres...nunca acreditei nisso. Dificilmente um pobre sabe que é pobre, porque a consciência de classe se turva, seja pelas religiões, seja pelo poder de consumo, o que faz com que os que se julgam ‘ricos pela graça de Deus’ não se reconheçam como pobres; assim como qualquer outro brasileiro que tenha uns poucos bens ignore sua condição econômica, o que se prolonga aos que não detém meios de produção, mas ganham salários bons – e salários bons segundo o padrão brasileiro é muito questionável.
Análises sociológicas dão pouca massa para esse bolo.
Sei é que o povo não se vê agraciado pelo distanciamento social, por exemplo, e viaja na ideologia do patronato,
Também crio minhas aporias: se as pessoas não estão em confinamento domiciliar, cujos baixos índices são alardeados no país inteiro e se estas pessoas reclamam do fechamento do comércio, para onde elas vão, se está tudo fechado? E se não está fechado, porque reclamam do fechamento?
Coisas do Brasil, meu país perdidinho.
Vamos ver daqui a dois anos e meio, que escolha tirânica faremos para a presidência. Depois da quarentena instalada, o que tenho aprendido é a esperar.
Prognósticos nós não temos, porque não dá para saber sobre o que até os especialistas no ramo desconhecem. Sei, porém, que está sendo muito difícil o período atual e que a vida não voltará a ser a mesma.
Na bola de cristal das ilusões de meu coração, em setembro haverá um bom sol de primavera, com o país acordando em rotina adaptada à pandemia...ainda tristes, iremos retomar a vida ou o que sobrar dela.
Nunca imaginei um 2020 tão pesado. Nunca imaginei que assistiria a uma pandemia e à barbárie da extrema da política, nem o esboço revelador de que a política é a face direita do povo, espelho em ângulo parcial.