Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 2 de abril de 2024

O interior do mundo interior


 

Na faixa de maturidade psíquica que alguns de nós se encontra, já é possível admitir e aceitar que sempre conviveremos com a falta.

Também já fiquei indignada pensando em gente que tem tudo, tipo os tantos cantores de que a gente teve notícia de cometer suicídio.

Se esse povo com inteligência, dinheiro, talento, beleza e fama, não aguenta o peso de existir, ficamos cá, do outro lado da realidade, imaginando ‘se eu estivesse no lugar dele, com tudo que ele tem, seria muito feliz’. E também imaginamos por que mesmo tendo tanto, porque eu sequer mencionei a juventude, ainda assim as pessoas vivem numa infelicidade explícita, correm para vícios, morrem cedo – Kurt Cobain; Chriss Cornell, Amy Winehouse, dentre outros.

Igualmente, quando vejo mulheres bonitas, jovens, ricas e poderosas bradando a traição sofrida, vejo que na vida real estão todos sujeitos aos mesmos destinos, comuns à humanidade.

Também penso, quando nas minhas dores, como seria bom haver remédio para esse tanto de capivara psíquica.

Minha amiga foi pedir ao analista um jeitinho de se envolver com um homem, mas sem se apaixonar. Ele disse que isso não é possível, porque não há escolhas. Pode ocorrer paixão ou não ocorrer. Zero garantias.

Sou favorável a corridas, dança, atividades físicas, em geral, para esses quadros – rejeição sofrida, término de relacionamento, perdas, lutos, tristeza e angústia – porque ajuda a impulsionar estados dopaminérgicos. Não acho, contudo, que depressão se cura com lítio, que os troços dos sofrimentos possam ser resolvidos com antidepressivo e anti-qualquer coisa. Ficar dopado  (embriagado, dopado, delirante em crenças fundamentalistas) só vai anestesiar a dor. Daí, o efeito passa e é preciso se anestesiar de novo. Eis o vício.

Sou a favor da sublimação. O senso comum diz isso de uma maneira grosseira, sugerindo que se ‘procure um lote para capinar’, ‘uma roupa para lavar’. É recomendável se ocupar, a fim de dar descanso para o pensamento, que se fixa apenas numa causa, num objeto, num objetivo.

Acho um desrespeito a indústria farmacêutica e seus representantes da categoria médica, sugerirem que somos movidos a hormônios, a substâncias químicas – sim, elas exercem influência – enquanto somos mais complexos do que isso.

Porém, tem que viva em fuga, quem mude de assunto, quem queira curar dores tomando cerveja, ou traçar compensações por meio de exageros em sexos vazios, em compras, em desequilíbrios disfarçados de aquisições materiais... são tantas as encenações de cura.

No fim, não podemos nada, de fato. Na hora da dificuldade psíquica (todo tipo de dor existencial), não sabemos quanto vai durar, não determinamos o fim. Determinamos a dignidade nossa no meio da questão. Portanto, medimos se vale a pena passar por humilhação para mendigar amor, seja do par ou dos pais; e desde que o Outro não os corresponda, de que valeria ficar com alguém, forçando a que ele queira o que ele não quer; sonhando em fazer o outro lhe ter amor? Nossos problemas vão além disso: esbarram na busca por reconhecimento, em esperas por gratidão...e tudo que vem do outro também é incerto. Isso vale mesmo uma vida?

Largar, declinar, desistir, não são derrotas. Até quando valeria insistir? Quando tempo estamos dispostos a viver em função desse detalhezinho que, se obtido, dará uma alegria temporária, até que nossas faltas sejam novamente evidenciadas? A vida é jornada e é batalha, conforme nos ensinou a Odisseia. Mas, creio eu que a vida é busca – buscamos, encontramos, buscamos outras coisas, encontramos, perdemos, buscamos de novo num looping infinito.