Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

A exaustão das idades


Há aprendizados que só a idade traz. Claro que há pessoas adultas, idosas e babacas, mas estou aqui falando de todos nós que temos a decência de cuidar de nossa maturidade intelectual, moral, emocional/psicológica, ainda que sabendo que em alguns aspectos podemos ser infantis ou carregar traumas de infância.

Aqueles que fomos, às vezes, é somente uma marca no passado. Às vezes temos até vergonha de termos sido como fomos – e deste ponto, haja maturidade para se perdoar e entender que aprendemos a ser diferentes. A transformação a que me refiro não é aquela decorrente de querer agradar ao Outro, a tentar corrigir um defeito e ser como pai, mãe, namorados, gostariam...trato daquela outra transformação em que é você mesmo que vai girando o leme e colocando o barco em outra rota, naturalmente.

Quando escrevo aqui no blog, falo muito de mim mesma até quando estou tratando sobre os outros. Nem tudo é autobiográfico, mas quem escreve coloca muito de si, inclusive no modo que escolhe narrar, se expressar. Há uma assinatura invisível no que se conta – até no que se repudia, na forma como se manifestam indignações.

Já citei o quanto me entristece quando as pessoas que me são íntimas inventam de colocar em perfis sociais apenas as imagens de quando elas eram mais novas. Pequeno adendo: Este blog existe desde 2009. A foto que está aqui no perfil é daquela época e tem uma razão para isso, que é a minha vontade de deixar a imagem como registro de nascimento da página, de como eu era naquele tempo. Várias vezes deixei em postagens fotos mais recentes minhas. O caso não é querer parecer ser novo. O caso é que o relógio não gira para trás.

A suposta novinha de hoje, o novinho de hoje, se muito permanecerá novo não excederá uma década. É disso que eu quero falar: o processo é muito rápido.

Da infância para a adolescência, o tempo é pouco. Ter 11 anos é confortável. Ter 15 anos é a porta do caos. Ter 19 anos é o ápice das angústias, é o tempo dos ajustamentos e dos desajustamentos também. Agora, vou falar de mim mesma: eu não seria feliz se tivesse casado e tido filhos entre os 19 e os 25 anos, conforme a maioria de meus amigos. Deveria ter um decreto proibindo as pessoas de casarem antes dos 25 anos (estou brincando, viu, gente?!). Quem disse que você é adulto só porque o calendário avançou para 24, 25 anos? Adulto na idade, sim; maturidade consolidada, ainda não. E nisso, a vida segue: universidade, trabalho; mestrado...pluft! 30 anos. Hora da crise. Hora de quem casou, descasar; de quem é solteiro querer se enroscar; hora de questionar às próprias decisões; hora de se sentir perdido e idiota igual foi na adolescência...Hora de trocar de emprego, de ter carro ou de trocar o que tem. Opa: hora da maturidade sexual verdadeira. É o que geralmente acontece: o seu corpo finalmente é seu; passou a vergonha e passou os esforços para agradar aos outros; a pessoa passa a ser seletiva...35 anos, hora do doutorado (começar ou concluir) e hora de cuidar do corpo – acabou a brincadeira, chegam os cabelos brancos e as ameaças de barriga e de flacidez...

De repente, 40. Medo puro. Medo de se sentir velho e medo de estar velho. Começam os piores exames médicos do resto de nossas vidas e você já começa a reparar se o novembro é azul e se o dezembro é rosa...hora de consumir colágeno em pó (em cápsula nunca, pessoal!). Daí em diante, como dizem, é só ladeira a baixo. Sua cara vai mudar pouco dos 30 para os 40 – se você usar filtro solar, então...

Chegando aos 45-47 aí, sim, a sensação de ser ‘coroa’ – o espelho te fala cada coisa!

Mas, bem: para quem não morre, o destino é envelhecer.

Não tema, apenas se cuide.

Procure não ser o babaca que vive dizendo que a idade está na mente. Isso não é verdade, a idade está na gente todo. Temos a sorte de não aparentarmos tanto a idade como antes. Há até uns sites sobre como as pessoas eram velhas nos anos 80 do século passado – olha, nasci no século passado, no milênio passado...e daí?

A maturidade psíquica faz você não se ofender à toa. É chato terem tons depreciativos para tratarem comigo/conosco? Sim. Odeio ser chamada de ‘tia’, mas como professora, acho conveniente ser chamada de senhora.

Odeio a cultura machista, que coisifica as mulheres com as velhas piadas de ‘trocar uma de 40 por duas de 20’, como se os homens não envelhecessem; porém, essa implícita comparação com um carro me leva à outra: entre um carro e outro, o dono não envelhece?

As mulheres reciprocamente se depreciam, adotam a mesma lógica dos homens, chamando-se de velhas, louvando carecas e barrigas masculinas imensas. Mas, não deveria ser essa a guerra, não deveria haver vergonha em exibir datas de nascimento, (porém, há porque sempre haverá julgamento).

Novamente, lembro de um episódio da Família Dinossauro, chamado ‘O dia do arremesso”, em que a sogra de Dino, devido à idade, deveria ser jogada de cima de um penhasco – e dali o episódio conta várias coisas e traz metáforas fantásticas sobre o envelhecimento.

Meu medo da velhice é de ordem social: não poder mais andar de roupa curta e de cabelo comprido (a sociedade odeia mulher velha com cabelo comprido, não pode usar franja também); não poder ir às aulas de axé, nem usar patins, nem ir à musculação; nem cantar as músicas contemporâneas, nem usar batom vermelho-alaranjado; nem ostentar cores fortes nas roupas...nem ir a festas sozinhas ou sair para dançar...não pode, pelo menos no Brasil, não pode.


domingo, 26 de fevereiro de 2023

Pequenas histórias sujas

 


Há aspectos que nos lavam a alma, outros que nos limpam a mente – como bem dizem, há higiene mental - e, entre um e outro, o campo privativo de estar-se consigo mesmo, sozinho.

Poucas pessoas entendem a minha necessidade de ficar sozinha. Não entendo quem viva de grude nos outros ad eternum, como não entendo quem renuncia à privacidade, apenas por medo da solidão.

Gosto de abraços, de carinhos, do riso dos amigos, da comida compartilhada, de ter com quem comentar minhas impressões sobre um filme, de planejar sair, de planejar estar juntos, mas, nunca achei interessante viver em família, viver em casal. A pandemia mostrou o alívio que é, para um casal, precisar sair para trabalhar. Finalmente, um tempo longe uns dos outros para, de noite, um reencontro; para, num fim de semana, estar-se juntos.

Não acho justo nem bonito que o nosso par nos veja depilando o buço, pintando o cabelo, com uma touca de hidratação na cabeça, sem o glamour que a gente exibe ao se encontrar com aquela pessoa. Aliás, é fonte de vida poder se arrumar para alguém...escolher a roupa, o perfume, se apresentar da melhor forma possível e não com os odores domésticos do cozinhar ou os suores das tarefas cotidianas.

Privacidade é fundamental, assim como higiene pessoal.

O Homem de Capricórnio odiava banho, mas sempre elogiava meus cheiros. Pegava em mim, feliz, por causa de texturas e cheiros e, provavelmente, só no último dia em que a gente se viu, ele percebeu o valor que eu dava à higiene. Nunca foi somente uma questão de higiene: era o bem-estar. A higiene dá segurança e conforto para todo mundo – cheiros repulsivos espantam; falta de banho é sujeira e porcaria mesmo, porque o corpo produz gorduras, secreções que, com o tempo e o contato com a atmosfera externa são repugnantes. Eu sei que no mundo dos fetiches há pessoas que gostam até de pés suados e de suores em geral. Eu não.

O Homem de Capricórnio me viu pegar um lenço umedecido e passar atrás da orelha dele, sob o pretexto de retirar um pelinho solto que, entretanto, grudava na pele. Ele comentou sobre minha diplomacia com a falta de banho dele, eu desconversei. No dia seguinte, ele já me encontrou após ter tomado banho.

No começo de nossos encontros, ele brincava e dizia que ‘ia tomar o banho da semana’ para me encontrar. Eu achava que era brincadeira. Até ir notando que ele deixava de me ver porque não queria ser compelido a tomar banho.

Eu fiquei muito triste ao perceber.

Lembro de nossa primeira viagem juntos, no inverno, com chuva, a uma praia. Tomei banho ao chegar, ao descer do barco. Tomei banho ao sair para a praia. Tomei banho ao voltar da praia naquele mesmo dia. Ele não se envolveu com a água do mar, muito menos com o chuveiro. Foi esquisito, decepcionante, mas não foi conclusivo para mim, porque, afinal, chovia e era inverno.

Certa vez, dei-lhe um beijo no pescoço e fui embora. Ao encontra-lo, três dias depois, vi uma marca de batom e comentei, enraivecida. Puxei o espelho e mostrei a ele, que não me disse nada. Ora, era a mesma marca que eu deixei...ele simplesmente não tomou banho por três dias.

Acredito que ele não goste mesmo de banho e muito menos de obrigação. Em todos os comentários dele, tipo: “não vou tomar banho para ir ao shopping porque quero contrariar a burguesia”, eu via brincadeira, nunca achei crível ou sério aquilo. Ainda mais em se tratando de um adulto, independente, elegante, doutor, culto...demorou para eu compreender. Uma coisa é o hábito, outra coisa é a doença.

Já comentei aqui sobre meu único tio paterno. Não é ficção, nem sensacionalismo, exagero ou mentira: meu tio fica nove meses sem banho. Sem banho é zero banho. Ele passa álcool nas mãos, ele lava apenas a cabeça, em caso extremo, por causa da pintura/tintura. E o faz na torneira do jardim. Banho, nunca. É para ele, uma tortura. Nem quando sai do hospital, nem quando está no hospital, meu tio JAMAIS toma banho. Posso responder agora mesmo a data do último banho que ele tomou: 06 de janeiro deste ano, ao ser conduzido ao hospital por mim. Porque eu exigi, pois eu não iria acompanhar um ser humano sujo, perfumado por colônias fortes que não abafam o mau cheiro.

Difícil não achar patologias sob a repulsa e o medo do banho - para eles, um pavor.

Não tomo banho por causa dos outros. É parte de um prazer, de estar sozinha, de um cuidado pessoal gostoso, de cantar no chuveiro ou emudecer em pensamentos íntimos e livres, é a delícia de escolher perfumes até para dormir...aliás, me dá muito conforto tomar banho para dormir.

Tomar café de manhã e tomar banho em seguida me desperta como que num ritual para me acordar para a vida, como um batismo para cada dia.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

As alianças e os aliados

 



Eles me puseram a pensar. Eles, quem? Um casal bem conhecido da mídia, que renovou os votos do matrimônio neste último fim de semana. Ora, um casamento não-monogâmico, isto é, sem pacto de fidelidade; com prévio escândalo público por ciúmes da parte da esposa para com outro homem (sim, um terceiro na relação), algo repleto de palavras injuriosas e palavrões e barracos.

Por vários motivos isso me deixou pensativa: qual a necessidade de confirmar, repetir e reforçar publicamente algo que, em sua primeira cerimônia, já se afirmou ser ‘até que a morte os separe?’ O que penso, verdadeiramente, é que isso funciona sob mesmo modus operandi de ter aquele filho que segura o casamento, o filho estratégico para a hora da crise, o filho para amarrar o outro. Poderia ser amor, mas é somente insegurança.

Soa, por outro lado, como um ‘desmentido’ à sociedade, como se procurasse afirmar que o casal está bem, junto e unido – a despeito de comentários sobre o término do relacionamento.

Interessante, também, é a conotação de gênero sob o cerimonial. Diz-se, com muita frequência, que isso é coisa de mulher; que espetáculos de matrimônio e cerimônias pomposas são coisas de mulher.

Isso tem raízes mais profundas: por quê tentar segurar ao seu lado quem já demonstra não lhe querer? Já ouvimos falar de ‘trabalho de amarração’, que é o equivalente a amarrar mesmo, ao seu lado, com você, alguém que não te quer; amarrar e fazer permanecer artificialmente; prender. Deixar na gaiola o pássaro cujo som, o pedido de socorro, você julga que é um canto, uma música. Novamente, se dirá que trabalhos de amarração são coisas de mulher.

Deixa.

É humano não suportar uma rejeição. Dói. Desintegra o amor próprio, que vira partículas, uma farofa, um pó. Mas, e a gente, nunca rejeitou ninguém? A gente nunca disse ‘não’ a quem não desejávamos e nunca quisemos nos ver livres de quem já não nos interessava? Então, é uma questão humana.

O que pode ter havido é um certo cuidado na comunicação disso ao outro. Amor passa. Sentimentos se modificam.

Vivemos no tempo das covardias emocionais: campanhas para pregar o desapego sentimental, ‘pegue e não se apegue’, ‘não crie expectativas’, ou seja, é proibido sonhar; é proibido se apaixonar ou, como diz o funk, ‘se se apaixonar, se prepara para o sofrimento’. Aí a música socialmente desprestigiada acertou em cheio: “se prepara para o sofrimento”, isto é, não há como viver e não sofrer, seja por amor, seja por frustrações e decepções. Não adianta ser linda, lindo, milionário: não tem analgésico contra as dores do existir.

Alguns dirão que é melhor sofrer no luxo do que sofrer na miséria; que uma dor de amor no boteco do subúrbio, chorado com cerveja barata é menos digno do que uma dor ricamente sentida sob o gosto da champanhe. Não, meu bem, não: a qualidade da janela não mudará a paisagem e a moldura não salvará o quadro. Dor é dor, só muda o quanto você pode ter acesso a bens. E quem está infeliz, estará em infeliz em Paris ou na favela. E que isso não seja interpretado como um conselho a que a pessoa, quando entristecer, fique em casa. Ao contrário: é preciso se movimentar.

Quando esses assuntos que se associam a coisas de mulher passam a ser vividos no masculino, o resultado da rejeição é morte e violência. Os homens são ainda menos preparados para o sofrimento e pior ainda para a rejeição.

Quantas vezes lemos e ouvimos o famoso PORQUE NÃO ACEITAVA O FIM DO RELACIONAMENTO? Esse clássico que alicerça tentativas de homicídios e homicídios qualificados está sob os casos de feminicídio, essa coisa de ser humano despreparado para o sofrimento, para o luto, para as perdas, para um mundo que não quer obedecer à sua vontade e que parece não ter sido feito para isso.

Mas, desde criança, se o cachorrinho morre, mamãe compra outro. Aí evita a dor da perda, substitui e deixa a criança achar que pode comprar tudo, que tudo é objeto. Ela não processa a falta, nem elabora a perda. Ou, ao contrário, escuta um ‘ENGULA O CHORO!’ e um ‘SE CHORAR, APANHA!’, que resulta em nova subtração de experiência emocional real.

O que tudo isso aqui aponta é para a manipulação das emoções. Obviamente, a gente tenta se proteger. Crescemos e temos noção sobre bem, mal e consequências...e sabemos que cálculos morais nunca são exatos e plenamente previsíveis. Justamente  por isso, não podemos ser inconsequentes.

Há coisas que são particulares, individuais, e cada um responde de uma forma a tais coisas – o que traumatiza um, fortalece ao outro e, até, pode ser insignificante para um terceiro. A qualidade da experiência, a forma lúcida com que as coisas são percebidas, essas, sim, influem sobre o amadurecimento emocional de alguém – o resto é infantilidade, é batizado de boneca.