Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

As alianças e os aliados

 



Eles me puseram a pensar. Eles, quem? Um casal bem conhecido da mídia, que renovou os votos do matrimônio neste último fim de semana. Ora, um casamento não-monogâmico, isto é, sem pacto de fidelidade; com prévio escândalo público por ciúmes da parte da esposa para com outro homem (sim, um terceiro na relação), algo repleto de palavras injuriosas e palavrões e barracos.

Por vários motivos isso me deixou pensativa: qual a necessidade de confirmar, repetir e reforçar publicamente algo que, em sua primeira cerimônia, já se afirmou ser ‘até que a morte os separe?’ O que penso, verdadeiramente, é que isso funciona sob mesmo modus operandi de ter aquele filho que segura o casamento, o filho estratégico para a hora da crise, o filho para amarrar o outro. Poderia ser amor, mas é somente insegurança.

Soa, por outro lado, como um ‘desmentido’ à sociedade, como se procurasse afirmar que o casal está bem, junto e unido – a despeito de comentários sobre o término do relacionamento.

Interessante, também, é a conotação de gênero sob o cerimonial. Diz-se, com muita frequência, que isso é coisa de mulher; que espetáculos de matrimônio e cerimônias pomposas são coisas de mulher.

Isso tem raízes mais profundas: por quê tentar segurar ao seu lado quem já demonstra não lhe querer? Já ouvimos falar de ‘trabalho de amarração’, que é o equivalente a amarrar mesmo, ao seu lado, com você, alguém que não te quer; amarrar e fazer permanecer artificialmente; prender. Deixar na gaiola o pássaro cujo som, o pedido de socorro, você julga que é um canto, uma música. Novamente, se dirá que trabalhos de amarração são coisas de mulher.

Deixa.

É humano não suportar uma rejeição. Dói. Desintegra o amor próprio, que vira partículas, uma farofa, um pó. Mas, e a gente, nunca rejeitou ninguém? A gente nunca disse ‘não’ a quem não desejávamos e nunca quisemos nos ver livres de quem já não nos interessava? Então, é uma questão humana.

O que pode ter havido é um certo cuidado na comunicação disso ao outro. Amor passa. Sentimentos se modificam.

Vivemos no tempo das covardias emocionais: campanhas para pregar o desapego sentimental, ‘pegue e não se apegue’, ‘não crie expectativas’, ou seja, é proibido sonhar; é proibido se apaixonar ou, como diz o funk, ‘se se apaixonar, se prepara para o sofrimento’. Aí a música socialmente desprestigiada acertou em cheio: “se prepara para o sofrimento”, isto é, não há como viver e não sofrer, seja por amor, seja por frustrações e decepções. Não adianta ser linda, lindo, milionário: não tem analgésico contra as dores do existir.

Alguns dirão que é melhor sofrer no luxo do que sofrer na miséria; que uma dor de amor no boteco do subúrbio, chorado com cerveja barata é menos digno do que uma dor ricamente sentida sob o gosto da champanhe. Não, meu bem, não: a qualidade da janela não mudará a paisagem e a moldura não salvará o quadro. Dor é dor, só muda o quanto você pode ter acesso a bens. E quem está infeliz, estará em infeliz em Paris ou na favela. E que isso não seja interpretado como um conselho a que a pessoa, quando entristecer, fique em casa. Ao contrário: é preciso se movimentar.

Quando esses assuntos que se associam a coisas de mulher passam a ser vividos no masculino, o resultado da rejeição é morte e violência. Os homens são ainda menos preparados para o sofrimento e pior ainda para a rejeição.

Quantas vezes lemos e ouvimos o famoso PORQUE NÃO ACEITAVA O FIM DO RELACIONAMENTO? Esse clássico que alicerça tentativas de homicídios e homicídios qualificados está sob os casos de feminicídio, essa coisa de ser humano despreparado para o sofrimento, para o luto, para as perdas, para um mundo que não quer obedecer à sua vontade e que parece não ter sido feito para isso.

Mas, desde criança, se o cachorrinho morre, mamãe compra outro. Aí evita a dor da perda, substitui e deixa a criança achar que pode comprar tudo, que tudo é objeto. Ela não processa a falta, nem elabora a perda. Ou, ao contrário, escuta um ‘ENGULA O CHORO!’ e um ‘SE CHORAR, APANHA!’, que resulta em nova subtração de experiência emocional real.

O que tudo isso aqui aponta é para a manipulação das emoções. Obviamente, a gente tenta se proteger. Crescemos e temos noção sobre bem, mal e consequências...e sabemos que cálculos morais nunca são exatos e plenamente previsíveis. Justamente  por isso, não podemos ser inconsequentes.

Há coisas que são particulares, individuais, e cada um responde de uma forma a tais coisas – o que traumatiza um, fortalece ao outro e, até, pode ser insignificante para um terceiro. A qualidade da experiência, a forma lúcida com que as coisas são percebidas, essas, sim, influem sobre o amadurecimento emocional de alguém – o resto é infantilidade, é batizado de boneca.




Nenhum comentário:

Postar um comentário