Eles me puseram a pensar. Eles, quem? Um casal bem conhecido da mídia, que renovou os votos do matrimônio neste último fim de semana. Ora, um casamento não-monogâmico, isto é, sem pacto de fidelidade; com prévio escândalo público por ciúmes da parte da esposa para com outro homem (sim, um terceiro na relação), algo repleto de palavras injuriosas e palavrões e barracos.
Por vários motivos
isso me deixou pensativa: qual a necessidade de confirmar, repetir e reforçar
publicamente algo que, em sua primeira cerimônia, já se afirmou ser ‘até que a
morte os separe?’ O que penso, verdadeiramente, é que isso funciona sob mesmo modus operandi de ter aquele filho que
segura o casamento, o filho estratégico para a hora da crise, o filho para
amarrar o outro. Poderia ser amor, mas é somente insegurança.
Soa, por outro lado,
como um ‘desmentido’ à sociedade, como se procurasse afirmar que o casal está
bem, junto e unido – a despeito de comentários sobre o término do relacionamento.
Interessante, também,
é a conotação de gênero sob o cerimonial. Diz-se, com muita frequência, que
isso é coisa de mulher; que espetáculos de matrimônio e cerimônias pomposas são
coisas de mulher.
Isso tem raízes mais
profundas: por quê tentar segurar ao seu lado quem já demonstra não lhe querer?
Já ouvimos falar de ‘trabalho de amarração’, que é o equivalente a amarrar
mesmo, ao seu lado, com você, alguém que não te quer; amarrar e fazer permanecer
artificialmente; prender. Deixar na gaiola o pássaro cujo som, o pedido de
socorro, você julga que é um canto, uma música. Novamente, se dirá que
trabalhos de amarração são coisas de mulher.
Deixa.
É humano não
suportar uma rejeição. Dói. Desintegra o amor próprio, que vira partículas, uma
farofa, um pó. Mas, e a gente, nunca rejeitou ninguém? A gente nunca disse ‘não’
a quem não desejávamos e nunca quisemos nos ver livres de quem já não nos
interessava? Então, é uma questão humana.
O que pode ter
havido é um certo cuidado na comunicação disso ao outro. Amor passa. Sentimentos
se modificam.
Vivemos no tempo das
covardias emocionais: campanhas para pregar o desapego sentimental, ‘pegue e não
se apegue’, ‘não crie expectativas’, ou seja, é proibido sonhar; é proibido se
apaixonar ou, como diz o funk, ‘se se apaixonar, se prepara para o sofrimento’.
Aí a música socialmente desprestigiada acertou em cheio: “se prepara para o sofrimento”,
isto é, não há como viver e não sofrer, seja por amor, seja por frustrações e
decepções. Não adianta ser linda, lindo, milionário: não tem analgésico contra
as dores do existir.
Alguns dirão que é
melhor sofrer no luxo do que sofrer na miséria; que uma dor de amor no boteco
do subúrbio, chorado com cerveja barata é menos digno do que uma dor ricamente
sentida sob o gosto da champanhe. Não, meu bem, não: a qualidade da janela não
mudará a paisagem e a moldura não salvará o quadro. Dor é dor, só muda o quanto
você pode ter acesso a bens. E quem está infeliz, estará em infeliz em Paris ou
na favela. E que isso não seja interpretado como um conselho a que a pessoa,
quando entristecer, fique em casa. Ao contrário: é preciso se movimentar.
Quando esses
assuntos que se associam a coisas de mulher passam a ser vividos no masculino,
o resultado da rejeição é morte e violência. Os homens são ainda menos
preparados para o sofrimento e pior ainda para a rejeição.
Quantas vezes lemos
e ouvimos o famoso PORQUE NÃO ACEITAVA O FIM DO RELACIONAMENTO? Esse clássico
que alicerça tentativas de homicídios e homicídios qualificados está sob os
casos de feminicídio, essa coisa de ser humano despreparado para o sofrimento,
para o luto, para as perdas, para um mundo que não quer obedecer à sua vontade
e que parece não ter sido feito para isso.
Mas, desde criança,
se o cachorrinho morre, mamãe compra outro. Aí evita a dor da perda, substitui
e deixa a criança achar que pode comprar tudo, que tudo é objeto. Ela não
processa a falta, nem elabora a perda. Ou, ao contrário, escuta um ‘ENGULA O
CHORO!’ e um ‘SE CHORAR, APANHA!’, que resulta em nova subtração de experiência
emocional real.
O que tudo isso aqui
aponta é para a manipulação das emoções. Obviamente, a gente tenta se proteger.
Crescemos e temos noção sobre bem, mal e consequências...e sabemos que cálculos
morais nunca são exatos e plenamente previsíveis. Justamente por isso, não podemos ser inconsequentes.
Há coisas que são
particulares, individuais, e cada um responde de uma forma a tais coisas – o que
traumatiza um, fortalece ao outro e, até, pode ser insignificante para um
terceiro. A qualidade da experiência, a forma lúcida com que as coisas são
percebidas, essas, sim, influem sobre o amadurecimento emocional de alguém – o resto
é infantilidade, é batizado de boneca.
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