Louquética

Incontinência verbal

domingo, 21 de abril de 2019

Fúria das feras




Odiamos quem não torce para nosso time ou não é de nosso partido; odiamos a todos que não são da nossa religião; odiamos quem não tem os mesmos gostos que nós, os que não são parecidos conosco, quem não pensa igual a nós e, sobretudo, quem discorda de nós. Odiamos até as coisas intangíveis no Outro, tipo "o jeito da pessoa"...Somos seres de ódio, tentando dar abracinhos educados e parabenizações plastificadas pelo verniz social.
Eu acho engraçada a forma como as pessoas que não gostam de um blog, de uma pessoa, de um programa, de um site, de um lugar, se submetam a ir ao encontro dos respectivos citados.
Não vou onde não gosto, exceto se houver algum ganho para mim. É o mesmo que aturar a companhia dos que não gosto, apenas para aproveitar a companhia dos que me são caros.
Certas pessoas, entretanto, nem valem a troca. Simplesmente, aproveito meu livre arbítrio e mantenho distância.
Estou aqui bastante constrangida: é que se aproxima o aniversário de uma amiga e , na futura ocasião, corro o risco de dar de cara com uma pessoa que eu não quero ver jamais na minha vida. No caso, não é ódio: é a força de minha inabilidade de fazer de conta que está tudo bem. A pessoa desafeta gastou seu precioso tempo para fazer com que a futura aniversariante rompesse a amizade comigo. Agora, olhem bem: a minha inimiga é muito benquista, todos a consideram uma pessoa sensível e pacífica, é bem estabelecida financeiramente, não precisa de mim para nada, eu nunca atravessei o caminho dela, nem lhe fiz qualquer espécie de mal, nunca tirei o que a ela pertencia, não criei condições para que se assentasse a necessidade dela em me fazer mal. Porém, assim foi. E por ser assim venenosa e dissimulada, vou com os outros: quando falam bem dela, balanço a cabeça afirmativamente, gastos todos os meus monossílabos ("é!; sim!'), não por hipocrisia, mas por achar que cada um pode ter uma experiência diferente com a mesma pessoa. Sim, ela é bastante invejosa e ciumenta. Nada do que tem lhe basta, porque a grama dos outros pode até não ser mais verde, mas é dos outros e poderia ser dela...ou, sei lá, para quê o vizinho precisa ter grama?
Essas pessoas que vendem e propagam uma imagem positiva de si, fazendo todo o esforço em esconder o veneno, fazem o maior sucesso entre o incautos, que elogiam o carisma. Certamente, só conhecem uma das faces da víbora, como ocorreu comigo por muito tempo. Posso dizer que me arrependo profundamente de um dia ter aceito a aproximação e a amizade daquele ser humano. Eis ali alguém para quem eu sempre faria o discurso do fracasso, porque se ela perceber que eu estou bem, o meu bem-estar não durará muito.
Já citei um outro caso que, face a uma inimizade pública, um terceiro elemento se aproximou de mim para fazer 'seu recado chegar'. Não chegou! Não passo adiante pareceres de ninguém, não visito ninguém, odeio ir a casa dos outros e, se muito dou ouvidos a alguma fofoca, é sempre por meios terceirizados. De quem eu não gosto, não quero notícias. Exceto se for para eu me prevenir de cruzar o mesmo caminho que as tais serpentes, me desviar das feras enfurecidas em seus aparentes silêncios.
Também deixo a imaginação dos outros correr solta: escolho sobre o que dar satisfação social. Sei que não vale a pena contar o que há de bom: as pessoas se sentem mais confortáveis se imaginarem que estão melhor do que eu. Há quem tenha ódio de quem faz o que gostariam de fazer, há ódios gratuitos poderosos e, aliás, a fonte do preconceito é ódio, porque representa a tomadas das diferenças em relação aos meus referenciais, como sendo fatores negativos.
Voltemos ao mesmo ponto: enquanto se tem liberdade, se pode ter escolhas. Escolher presume localizar as opções de que se dispõe. Opto por me manter distante de quem não gosto, do que não quero, do que me desagrada...Para que eu iria me aproximar e me expor ao que detesto? Não alimento esses masoquismos, nem sequer em família: não gosto, não quero perto. Distância também é antídoto.