Louquética

Incontinência verbal

domingo, 22 de dezembro de 2019

Opinião (mal) formada


Dizem que há formadores de opinião e, claro, há. Eles não são apenas as celebridades do mundo televisivo, da intelectualidade letrada e dos que se intitulam digital influencer, mas os professores, os líderes espirituais e as diversas personalidades públicas de que se tem conhecimento. Como professora, fico com o pé atrás. Dentre os tais, a gente pode muito pouco. Mas, enfim, vamos ao pomo da discórdia mais diretamente: que sociedade fraca é esta, que não consegue formar uma opinião independente, particular?
Sei que somos expostos a mil influências (os digital influencers perceberam isso e se auto-intitularam formadores de opinião), que não somos ninguém sem nossas citações, sem a bagagem de leituras e o repertório cultural construído ao longo do tempo, mas, vamos admitir: não é difícil influenciar gente preguiçosa mentalmente, gente vulnerável psicologicamente e gente de personalidade fraca. Qualquer idiota que diga qualquer idiotice – as fake news confirma o que eu digo, porque as pessoas nem sequer param para pensar se a informação faz sentido, as lendas urbanas, reafirmam isso também – seja ouvir disco ao contrário para perceber a voz do Demônio, seja mil misérias de imbecilidades que vão de questionamentos à ciência, até aos que ainda acham que comer manga com leite é fatal. Temos uma sociedade fraca do juízo. Isso facilita para quem quer dominar.
E são muitos os ídolos imbecis.
É cada idiota de poucos neurônios que vão virando ídolos, exemplos, referências!
Nas universidades, o orientando é induzido a ser um reprodutor do pensamento do orientador, que, por seu turno, estimula ainda mais a inércia mental, a dependência do aluno, de modo que o infeliz sai da universidade como um seguidor do guru-professor-orientador. Nas brigas internas, confundem-se ambos como se fossem um só. A depender do orientador, esse seu aprendiz se tornará professor ali na mesma instituição, a fim de perpetuar a si.
O pensamento independente é difícil mesmo: requer autonomia. Gente autônoma é prejudicial à manutenção do status quo e não é à toa a necessidade de pregar para convertidos.
Também já fiz esta confusão, mas é que o coitadinho do orientando dos outros, realmente, não tinha uma ideia própria. Era tamanha a admiração pro sua orientadora, por ele endeusada, mitificada e idolatrada, que ele virou uma reprodução de sua matriz, sem personalidade alguma, sem nenhuma condição de criar nada que não fosse o espelho dela.
Filiação perigosa e ruim. Mas provavelmente é isso: a vida acadêmica se torna extensão da vida familiar – e também neste caso, há orientandos socando-se pelas cozinhas, catando intimidades, em velada chantagem, por saber demais sobre seu mentor.
Laços de dependência que se multiplica por gerações.
Os avulsos, os sem apadrinhamento algum, são desacreditados, mas é neste ponto que quero chegar: certos eventos cobram vínculos institucionais. Há uns anos vi raros inscritos em congressos assim designados: “pesquisador independente”. É muito similar a ser trabalhador autônomo, isto é, você faz tudo, não tem garantias nem segurança, nem um nome de instituição que te dê respaldo, mas você prova que faz pesquisa e textos sem o amparo de uma universidade, o que significa que quem está fora, sem emprego na universidade, sem cargo ou função de estudante, também deve ter seu espaço de produção científica reconhecido.

Isso, sim, é ciência marginal; é formação de opinião independente!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Bens da vida



Por aqui, pela Bahia, tem uma expressão peculiar que é ‘bem de vida’. Estar ‘bem de vida’ é não ser exatamente milionário, mas financeiramente estável, com fonte de renda, reservas, casa e carro.
Conheço várias pessoas bem de vida cuja vida não anda lá muito bem.
Desde que a sanidade e a saúde vieram a se tornar artigos de luxo, não passa um dia em que não haja a notícia ou o testemunho presencial da gente ante suicidas, a gente surtando – na universidade, o surto é seletivo: as pessoas escolhem bem com quem vão perder a cabeça.
E cada vez mais, “de perto, ninguém é normal”...lá se vão os filhos bem criados de nossos amigos e o frágil juízo daqueles coleguinhas problemáticos do nosso tempo de estudante, passando a impressão de que a vida piorou deveras.
Recentemente, recusei, educadamente, duas chances de ganhar um bruta dinheiro, dando aulas num fim de mundo que a Geografia não dá conta e em outro fim de mundo, num outro Continente.
Também quero ser e estar bem de vida, mas não a certos preços.
Parece soberba, orgulho, desvario, mas eu recuso, sim.
E se já fui fazer concurso em certos lugares, vislumbrei logo que não seria feliz ali.
Não posso me iludir: uma movimentação num cargo federal não sai a custas de qualquer alegação de parente doente ou depressão. Nem mesmo permuta.
Por isso, também, não faria concurso, jamais, para um estado pertinho daqui, que fica a 5 horas de minha cidade: não gosto de lá. Seria um ganho material que me traria angústia adoecimento mental, sofrimento psíquico.
Decerto, há quem fique na berlinda, entre morrer de fome, por estar sem emprego e sem dinheiro; e estar com emprego, num lugar afetivamente ruim.
O problema nem sempre é a distância.
Um emprego é um casamento litigioso: você quer a vaga, o emprego, a remuneração. Todavia, passando, você vai conviver compulsoriamente com seres não escolhidos, vai tolerar, ficar, morar...preços altos demais.
Onde eu trabalho, aluguei uma casa juntamente com dois colegas, a pedido deles.
Eles surtaram – eram usuários de remédios pesadíssimos, tarja-preta, com laudo psiquiátrico e tudo – cada um de uma vez, sendo o outro, hoje. Agora, vou ver como me desvencilho dos pepinos, porque entrei na empreitada desconhecendo o grau de alteração mental e comportamental de ambos.
São seres altamente delirantes, com mania de perseguição, distorção da realidade, megalomania e vícios igualmente pesados em cigarros.
Estou aqui gastando o meu restinho de sanidade para romper a sociedade da moradia, porque não sou pessoa de prolongar sofrimentos. Além disso, tenho uma paciência bem curtinha, que me poria em risco.
Eu não sabia que eles eram, literalmente, doentes mentais. Oferecem riscos, sim, à nossa paz, à nossa integridade física.
No caso dela, a colega de casa, o delírio foi feito de ofensas e xingamentos, em revide a imaginárias ofensas.
No caso dele, foi ódio por Maria Bethânia, a cantora baiana, devido à música “Ele falava nisso todo dia”, que o colega julgou ser indireta para ele.
Ele já estava irado por eu ter criticado o fato de Roberto Carlos ser apoiador de ditadores, a exemplo de Pinochet e dos cachorros loucos de setores da política brasileira atual, além de outros podres que justificam o temor do citado cantor, frente às biografias produzidas sobre ele.
Fé e hipocrisia, a dupla inseparável, constatadas diante de meu coleguinha, fez ele enlouquecer ainda mais: ele ama o Rei. Não estava preparado.
A fragilidade psíquica das pessoas faz de qualquer coisa um gatilho para crises. Daqui a pouco a gente será uma sociedade a dizer: “Fora do antidepressivo não há salvação”; “ sem tarja preta, sem vida”. E eu ainda acho pouco que alterações neuronais, que a química do lítio e sei mais do que, possam ser responsabilizadas por tudo.
Para estar bem de vida é preciso estar bem...bem longe de problemas.
Uma vida de bem, os bens da vida, na verdade, resume-se à paz.


domingo, 10 de novembro de 2019

Vale somente o que está escrito



Tem dias em que eu gostaria apenas de ficar assistindo desenho animado, em paz, para descansar meus ossos e minha alma. É que estou deveras cansada por ter aceito, após muita chantagem emocional, a correção, revisão e normalização de um livro de um amigo. Livro de quase 400 páginas, com um começo técnico e descritivo, com uma diagramação chata, que me desgasta só de pensar em retomar a tarefa.
Entretanto, eu sou assim: qualquer obrigação tira a minha liberdade. Para me libertar, preciso cumprir o que me cabe e, por isso, não sou de protelar...o que não quer dizer que eu seja ágil.
De meus próprios livros, seguem os engavetamentos e arquivamentos. Não tenho ego suficiente para ser escritora. Nem sequer tenho os requisitos mínimos, como uma depressão para favorecer meu marketing pessoal, por exemplo; nem ego grande, para me sentir brilhante inatacável, ímpar e superior. Aí, ao lado de Todas as mulheres se chamam Maria, fica, agora, A mulher daqueles homens.
Costumo me perguntar sobre a validade desses meus livros. Se eu resistiria a alguém me apontar uma influência não percebida por mim, de outros escritores (claro e óbvio); se eu saberia responder porque escolhi dois títulos em que as mulheres despontam claramente; se eu teria a paciência para a presunção de vinculações ideológicas e classificatórias, acerca de literatura feminina, valor testemunhal ou deveres de causas...
Creio que o livro é para mim.
Penso nos maus livros, que nunca abro. Nos livros de poemas dos outros, de que só se salvam dois ou três, dentre tantos...
Penso que meus livros são parte de minhas neuroses – e que talvez todos os livros também o sejam.
Penso de meus livros o que penso, em parte, deste blog: eu não promovo, não digo que ele existe, não convido meus amigos, não contabilizo público e abraço sem mágoas a liberdade que advém do relativo anonimato – sabendo que muita gente visita por bisbilhotice, outros, por acidentes; e muitos, apenas para capturar imagens ou assuntos específicos.
Nunca publiquei minha tese (nem meus livros: seguem arrumados, feitos e engavetados, inacessíveis até aos maiores amigos) e até hoje me espanto com a repercussão de certos artigos meus, em revistas Qualis A. Naturalmente, vivo publicando em outras revistas e periódicos científicos e não nego minha satisfação com relação aos meus textos, aos meus temas.
Eu nunca citei aqui meu nome completo, mas reconheço que a escrita científica me dá maior segurança; basta ter lógica, coerência, boas ideias e uma escrita que siga as regras gerais do bom entendimento, amparada em significativa referência bibliográfica.
Já a escrita literária é um campo minado – e eu quero mais é minha paz.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Procedência duvidosa


Minha amiga vive buscando grandes amores no Tinder. Recentemente, um grande amor de único encontro levou o celular dela e nunca mais apareceu. 
Semana passada, outro grande amor caiu na besteira de citar o próprio nome completo; jogamos no Google, e lá estavam os registros de processo enquadrado na Lei Maria da Penha; e outro, por um indiciamento por roubo de carro e estelionato.
Não sou conservadora, acho que quem quer amor e quem quer sexo tem que buscar mesmo. Há lugares mais propícios e outros em que a gente já sabe o tipo de gente que irá encontrar, lá, onde a exceção é raridade.
Um dos maiores erros é crer que só a gente mente. Ora, se você, que é essa pessoa espetacular, ímpar e exemplar, mente e faz armações, imagine as demais pessoas?
Acontece, porém, que minha amiga que mente muito – finge que trabalha, finge profissões que ela nem sabe de que se trata; finge que é pobre (breve adendo: eu apoio isso. A prosperidade não deve estar estampada na cara, no carro, na casa. Elegância, sim. Ostentação, jamais. Exibir o poder financeiro ou capital só atrai exploradores, invejas, parentes interesseiros. Antes contar misérias a ter que suportar aqueles que invejam nossas poupanças e nossos hábitos de só comprar à vista)...E os caras vão logo fingindo que querem coisa séria, propõem mudar o sobrenome dela, chamam-na de ‘meu amor’, forjam que são homens de família e, para tanto, metem uma foto com a mãe, com os filhos; se propõem a ir à Igreja...
Aí ela quer fugir deste amor estelionatário, que, por sinal, tem um sexo ruim e foi pouco agraciado pela natureza no tocante ao órgão sexual, mas que diz ‘ meu amor’ tão bonitinho, que ela se deixa ficar em conversas virtuais eternas.
Porém, ele sabe onde ela mora e ameaça ir lá, caso ela desista dele.
Acho isso uma regra de ouro: nunca levar qualquer affaire, peguete, ficante, caso ou rolo à própria casa.
Até no filme “Entrevista com o vampiro”, há uma cena em que Tom Cruiser reclama com Kristen Dunster, por ela ter deixado um cadáver na sala: “nunca traga vítimas para casa!”. À parte gracejos, não interessa se você é homem ou mulher; se é convencido ou se se acha acima do bem e do mal: não há sexo que valha tanto risco. Imagine: meter desconhecidos em casa, sob o risco não apenas de roubo, mas de que a pessoa volte sem ser convidada; que devasse sua intimidade. E o mundo está cheio de loucos e de gente grudenta.
Tem gente que nós não queremos contato nunca mais. Mas, e se a pessoa forçar a coincidência, passando por nosso caminho? Já passei por isso com dois perseguidores diferentes – gente que me viu em rede social, copiou lugares que eu frequento e, posteriormente, se colocou em meu caminho.
Com o poeta foi assim, mas por meios saudáveis: ele me viu numa foto, com um amigo em comum (escritor). Veio atrás. Esperou três meses até que eu aceitasse o convite. Aceitei o convite, a conversa e, um dia, o encontro. Encontrei e não larguei mais, há quase quatro anos.
Houve um tempo em que um amigo apresentava ao outro; as pessoas se encontravam, sem Tinder, sem Glinder, sem Badoo, sem Par perfeito... – esses meios acabaram comportando apenas pessoas casadas em busca de aventuras; paraíso das mentiras e dos golpes, de fotos com efeitos num cardápio humano de sabores previsíveis e preços lamentáveis. Amores de procedência duvidosa, amores falsificados para dores de cabeça verdadeiras.
Voltando à amiga, ela quis ocultar do analista, por vergonha, que prossegue saindo com desconhecidos e criando amores eternos de três dias. Eu aconselhei que não o fizesse.
Se ela mentir para o analista, o problema continuará. E se ela reconhece que há problema, precisa resolver. Se não causasse angústia, estaria tudo bem. Mas, ela sofre.
Encontrar namoros não está fácil mesmo, para ninguém. Ser bonito ajuda, atrai, mas não determina que você vai descolar ninguém.
Quem não foi favorecido pela beleza, precisa colocar em foco outros atrativos – charme, inteligência, elegância, bom humor...
Não é porque não se é bonito, que não se vai usar um bom perfume, roupas bonitas, cuidar de si...desleixo não atrai. Simplicidade é diferente de desleixo, tanto quanto humildade é diferente de pobreza.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Negócios do prazer



Preciso fazer um relato de verdadeira utilidade pública: aprendi que quando a gente vai à sexshop com mais amigas, descobre coisas fantásticas.
Sexshops são ambientes femininos. Já vi até muitas atendentes protestantes evangélicas trabalhando e frequentando, descrevendo objetos, acessórios e produtos, entendendo outra lógica para a “mulher sábia” que “edifica o seu lar”... E longe de condenar, saúdo orgulhosamente esta compreensão de que ao ser humano é dado o direito ao prazer sexual – cansativa esta ideia de que sexo é coisa do demônio. Aliás, Demônio com poder de criação e superpoderes análogos aos de Deus é uma compreensão que a mais rasa das lógicas quebra, por não fazer sentido algum. Outrossim, respeito e fé não brigam com o sexo. Pecado é se privar de ser feliz sexualmente, achando que há punições divinas para isso.
Mas, fiquei surpresa pelas alternativas, pelas formas como as mulheres tentam aliar segurança e sexo bom, escolhendo preservativos com sabor, com texturas finas (e igualmente seguras); nas lingeries escolhidas, nos objetos e acessórios comestíveis e, para a minha surpresa, há, sim anestésicos para relações anais – uns com teor lubrificante e anestesia parcial, tipo o Santo Sensible Prata; outros altamente anestésicos, como o 50 Tons que, de quebra, a vendedora recomendou não usar jamais sem preservativo, porque anestesiaria o pênis do “par”. E por falar em par, dei muita risada com um produto, cujo nome eu lembro, embora não me lembre a marca: Volumão. Muito engraçado o nome. E se torna ainda mais engraçado porque ainda há homens que se ofendem quando o tamanho pequeno ‘do volume’ é citado. Muito particularmente, eu acho que jamais, homem algum neste planeta Terra, sabe que tem o pênis pequeno. Nenhum. Não há fita métrica, espelho, foto, declaração ou constatação científica que os façam saber.
Sem essa de gigantes preguiçosos versus pequenos trabalhadores; de varinhas mágicas curtas com alto poder de encantar, ou do clássico (absurdo e mentiroso) “na horizontal todos se entendem”. Não mesmo! Mas, não vamos contar isso para não aumentar o movimento nos consultórios de psicólogos, psiquiatras, psicanalistas e astrólogos (sim, no desespero vale tudo!).
Tem de tudo em sexshop: bonecas realistas (imitação de ser humano da pele aos cabelos, passando pela anatomia total e altura) na casa dos 13 mil reais; líquidos vibradores que pulsam, esquentam, esfriam, estimulantes para todas as partes do corpo, língua sintética, alimentos para modificar o sabor do esperma, lubrificantes de todas as cores, tipos e princípios ativos, desodorantes para reentrâncias que a gente nem lembra que tem, produtos para beijo francês, beijo grego, beijo de esquimó...Enfim, um acervo que inclui livros, filmes, jogos e coisas que eu juro nem saber que poderiam existir. Agora eu sei.
Não jogo pedras nesta indústria que, também, tem muita gente séria, com conhecimento e nome na indústria de alimentos, na química, na anatomia, na biologia, no design (um vibrador, uma boneca inflável e vários objetos dependem de designer)...E fico contente por haver a opção.
Há coisas para curtir a dois (ou mais) e coisas para curtir sozinho/a. Nada melhor que privacidade, né?
Quem não gostar, basta não ir. Eu fui (desta vez, na relatada visita), gostei, comprei e voltarei...com o maior prazer.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

As sombras das angústias



Aprendemos a lição de um modo errado: achamos um absurdo que uma pessoa que tenha tudo possa vir a ter angústias, depressão, transtornos psicológicos. Reafirmo que não é porque se tem tudo, que não se sente falta de nada.
Claro, as necessidades causam transtornos também. Fica difícil ser feliz quando há ordem de despejo, telefonema de credores, situações de humilhação, de necessidades materiais...
Às vezes, ter recursos materiais não poupará ninguém das dores da existência, mas já ajuda no suporte e na aquisição da ajuda profissional da psiquiatria, psicanálise, ou do que for.
Seja por uma questão física, quando a pessoa se sente fora dos padrões, se acha feio, gordo, etc., mesmo pelas poucas correspondências afetivas, amores ou vontades contrariadas, sentimentos de luto e tudo o mais que pode afetar um ser humano e fragilizá-lo, seja como for, a gente procura causas e motivos.
Quando a pessoa não tem a causa aparente, queremos tirar a legitimidade da dor daquela pessoa.
Hoje fui eu a sentir isso, quando mostraram o Xexéo, ex-vocalista da Timbalada, vivendo na penúria das ruas, por causa do vício em drogas.
Alguns dirão que Deus deu a ele todas as oportunidades. E deu mesmo. E isso não é antídoto para depressão, vícios, dores, angústias.
Deveríamos, sim partir daí: a pessoa teve tudo – dinheiro, aparência, fama, talento, afeto, fãs – mas há algo além do palpável e acima de imunidades.
A atitude interior conta. Se a pessoa foge, anestesiando a dor com álcool, sexo, drogas, compras ou toda sorte de ilusões, o bloqueio temporário da angústia fica cada vez mais curto.
Gosto de dar trabalho à tristeza. Infeliz de quem não luta e se acomoda.
Também tem quem faça marketing da depressão – nem Ricardo Boechat escapou, pois que até no dia da morte, tendo superado uma depressão real e pesada, capitalizou sua história e estava a serviço de uma empresa de fármacos antidepressivos quando houve o acidente fatal – há quem surfe no modismo do coitado/pobrezinho para ganhar uns afagos no ego; há quem se auto-diagnostique e há quem realmente imagina que qualquer tristeza é depressão.
Ah, sim: fracos como somos, em nossa condição humana, ainda estamos vulneráveis a hormônios, a oscilações neuronais e processos físicos que nos tornam propensos a tudo isso.
A estrada de cura ou de estabilização é bastante pessoal. Todavia, tem um ponto em comum: a pessoa precisa assumir as rédeas da vida e procurar a saída, querer sair do quadro em que se encontra. Precisa, ainda, saber que angústia não tem cura. Angústia é parte da vida, vai, vem, demora, sai, mas sempre volta.
Não há remédio que cure. Mas, há reações saudáveis para o que é inevitável.

sábado, 28 de setembro de 2019

A cada um, o seu


Quando algum escrito do meu poeta sai em coletâneas, normalmente porque ele venceu concursos na área, a atitude dele é de um alheamento surpreendente.
Para ele, não conta. Não é um livro dele. É um poema entre os outros poemas dos outros.
Em princípio, achei isso muito ruim. Depois entendi: é algo muito relacionado com a autonomia, com os limites daquilo que lhe é próprio...sou assim também, em alguma medida: minha tia sempre fala que, desde criança, eu repetia que eu era dona do meu nariz. Ela, ao contrário, lamenta o que fez e o que deixou de fazer porque permitiu interferências.
O poeta e eu somos assim: a gente manda no que é nosso. Então, nunca coloquei olhos nas propriedades materiais ou subjetivas dos outros, porque são dos outros. Todavia, adoro meu carro velho, porque é meu e nele eu ponho as músicas que eu quero, os perfumes de que gosto e escolho as rotas que gosto.
Gosto do que é meu porque me pertence e posso exercer minha vontade, usar, ligar, desligar, colocar, retirar, ver, parar, arrumar, refazer, deixar num canto...
Amo minha vida porque é minha – e quem tem uma melhor, que a aproveite.

Há quem seja ávido pelo estereótipo de felicidade do próximo, da família feliz, dos risos permanentes, do amor perfeito e das outras perfeições impossíveis mas, a vida real tem muito mais graça em sua naturalidade, nas angústias que se supera, na forma como construímos vitórias ou crescemos lentamente mesmo em face da dor, nas boas ansiedades que antecedem a concretização dos planos, em tudo de bom e de ruim que perfaz a vida real.



domingo, 8 de setembro de 2019

Hipnose coletiva



A gente não anda muito preparado, como país, para ter a justiça com que todos sonham...nem a igualdade com que poucos sonham...
No Brasil, a liberdade de um ameaça a paz do outro. Os sonhos alheios incomodam, e qualquer noção de Justiça revela hipocrisias, porque, para o brasileiro comum, Justiça é tudo que beneficia aos seus próprios interesses.
Também a noção de crime varia conforme quem o comete.
O que um político comete é crime, desde que ele não seja amado. Se for amado, nem se toca no assunto.
Amores cegos que deixam a gente a questionar a legitimidade de algumas opiniões dominantes.
hipnose coletiva que nem a famosa 'psicologia das massas' é capaz de explicar, porque é preciso entender porque o povo escolhe como escolhe. Não temos essa suposta classe dominante em superioridade numérica, não: os ricos, no Brasil, não formam nenhum percentual expressivo, não chegam a dez por cento da população;
A classe média, numericamente inexpressiva.
Já a pobreza...ah, a pobreza é tudo! É a maioria, é a cara do país!
Pior é constatar que as vítimas não se reconhecem como vítimas. Eu não deveria me assustar com isso: há pobres que não sabem que são pobres; negros que não sabem que são negros; homossexuais que não sabem que são homossexuais e várias distorções de imagem e de realidade que fazem com que tenhamos o panorama atual.
Como qualquer tempo ruim, a gente espera a tempestade passar.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Pobres e vagabundos



Vamos falar de pobreza e vagabundagem? Para muitos, os termos são homônimos. Há aqueles para os quais a pobreza é o resultado da preguiça. Estes últimos acham que os pobres preferem ser pobres a terem que trabalhar; acham que as pessoas preferem viver de Bolsa Família e que quem tem força de vontade prospera.
Podemos responder a tais absurdos começando de baixo: ainda que uma pessoa pobre seja dotada de aptidões profissionais e intelectuais, se não houver oportunidade os talentos que ela possui serão nulos.
O desempregado precisa de dinheiro para poder procurar emprego: precisa de higiene pessoal, de transporte, de alimentação e, em muitos casos, de investir em novas áreas da própria formação. Para tanto, precisa ter dinheiro. Assim, a gente nota que para ganhar dinheiro é preciso ter dinheiro – e isso é paradoxal tanto quanto é verdadeiro.
Seguindo na questão, é preciso criar condições de empregabilidade. As pessoas fora do mercado formal de trabalho ‘se viram’. Isso significa improvisos, bicos, informalidade (trabalho sem emprego); significa se meter a fazer coisas que aparentemente qualquer um faria (uma faxina, cuidar de idosos, guardar carros, vender coisas em sinaleiras) e uma infinidade de atividades.
Passemos aos vagabundos. Devo dizer que assim como nem todo pobre é vagabundo, a maioria dos vagabundos não são pobres – destaco, ainda, que assaltantes geralmente não são assaltantes por serem pobres, mas por desejarem consumir como ricos; e a regra se aplica a estelionatários e demais ladrões, de todos os tipos e escalas sociais.
Raro será encontrar um de nós que não conhece um vagabundo. Eles estão bem próximos: é aquele sobrinho que nunca termina o curso superior porque achou interessante ser estudante e contar com o dinheiro dos parentes, se amparando na suposta condição de estudante; é aquele nosso amigo irresponsável, que vive às custas da mãe ou de outro aposentado da casa e da família, sob a desculpa de que fica em casa para tomar conta dos mais velhos, de quem não quer se afastar; é a outra pessoa, eternamente jogada em concursos impossíveis, que também encontra alguém que financie sua internet e suas taxas de inscrição, sob a promessa de que será classificado algum dia; são as pessoas que, sendo inteligentes, nunca terminam nada do que começam – seja a autoescola, a universidade, o curso de qualquer coisa – porque se acham acima dos professores e instrutores; são os maridos bem casados com mulheres esforçadas, que acreditam que eles sejam autônomos que num dia têm dinheiro e, no outro, têm pouco e, por isso, não precisam pagar despesas de casas e, além de tipos variados e múltiplos, o vagabundo realmente inocente: o que foi convencido pelos parentes (geralmente os pais) de que não é apto para nada, que nunca passará em nada e que introjetou essas ilações como se fossem verdades absolutas, de modo que desenvolveu um complexo de inferioridade que o fez ter medo de tentar e, desta maneira, fica em casa contando com o pão de cada dia dos familiares, ainda que isso tenha o preço da humilhação.
Acho feio e continuarei achando condenável quem quer humilhar os outros por serem pobres.
A pobreza retira o acesso a bens materiais. Significa não ter. Às vezes significa não ter o que comer ou onde morar, mas não dá o direito de ninguém humilhar a pessoa ou acusá-la de ser responsável pela condição em que ela se encontra.
Se pensamento positivo resolvesse, seria ótimo, mas a pobreza é multifatorial – e nestes fatores múltiplos, há diversos que são responsabilidade de políticas governamentais mesmo; da Economia; da família; de situações anômalas (doença, falência, desequilíbrios e desajustes psicológicos, etc).
Às vezes falam que há ‘pobres metidos a besta’, porque esperam que todos os pobres tenham postura subserviente; que as necessidades fazem as pessoas dobrarem os joelhos junto com a dignidade perante quem tem mais...
Uma vez eu contei esse fato aqui no blog, sobre quando eu tinha 11 anos e veio um pedinte à casa de minha madrasta, querendo almoço. Ele advertiu: “não gosto de macarrão”. Eu achei um absurdo, mas a filha de minha madrasta, para a minha surpresa, foi anuente com o mendigo e me disse que era isso mesmo, que tem gente que não gosta de macarrão.
Na minha cabeça, naquela época, quem tem fome não faz escolhas – um absurdo que aprendi socialmente mas, ainda bem, modifiquei.
Interessante é que há os pobres que não sabem que são pobres – a pobreza tem muitas faces e níveis, mas o engraçado é ver um povo que compra uma casa que será quitada em 35 anos; vive do limite do banco; atrasa contas; conta os centavos, vive no aperto, tem um salário que não dura cinco dias, se achar classe média.
Isso significa que a consciência de classe anda em baixa, o que faz com que os pobres venham a aderir a modelos de exploração, de economia, de governo e de sociedade que prejudicam a eles mesmos, pois que não se reconhecem como pobres e acham que as decisões que afetam os pobres que estão abaixo da linha da pobreza(miseráveis) não os atingirão; e que o interesse dos ricos traduzem suas próprias necessidades.
A classe média existe, mas não pense que ‘média’ queira dizer ‘meio termo’, ou seja, nem exatamente pobre, nem exatamente rico – esse é o pensamento do pobre ignorante de si mesmo, acima citado; o pobrezinho que teme a chegada da fatura do cartão de crédito; que anseia por um troco a mais num restaurante, para seu benefício.
Classe média é economicamente abastada, não conta centavos, tem heranças, tem rendas (e não apenas salário) tem capital simbólico (educação formal; prestígio; influência; acesso a cultura imaterial, etc.) – sabe que não é exatamente rica porque trabalha mais que administra seus bens, mas não passa nem perto da pobreza, enquanto pode transitar por instâncias superiores.
Como não somos estúpidos, sabemos que classe ultrapassa questões financeiras – vai bem além.
Ah, sim, há ricos vagabundos? Muitos: pegam carona na fama alheia; fazem conchavos, participam da corrupção da esfera política, articulam, barganham, negociam, especulam...
Não vivemos em uma sociedade igualitária e ponto final.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

A cada um segundo suas escolhas




Eu não sei a partir de que momento da história os homens passaram a achar que a intenção de toda mulher é ter um relacionamento socialmente assumido, isso a que os desavisados chamam de relacionamento sério; que toda mulher sonhe em casar e ter sua própria família, a qualquer custo. Eles acreditam nisso e odeiam ser contrariados. Esbravejam quando encontram a exceção, atribuem a liberdade de escolha ao feminismo.
O feminismo saudável trouxe mesmo a liberdade de escolha. De fato, se não fossem as feministas, as mulheres que odeiam o feminismo não poderiam votar em quem adora as mulheres...adora as mulheres submissas, de postura conservadora, fúteis e idiotizadas... Mas, dizem que a mulher sábia edifica o lar – e edifica como um pedreiro, carregando os pesos, acordando cedo, se sacrificando de todo modo, apesar de saber seu trabalho não será reconhecido. Grande coisa um lar padronizado, mantido por sofrimentos abafados, por hipocrisia, traições, violências! Este é o lar da maioria: feliz na fotografia, pesado no dia-a-dia.
Entretanto, não condeno às escolhas dos outros e sei que há exceções – só não as conheço, mas do fato de eu não conhecer, não se pode concluir que não existam.
Não costumam respeitar minhas escolhas quanto a isso de não querer casar, nem ter filhos, nem família padronizada. Esquecem, sempre, que eu tenho liberdade de escolha e, se eu achasse que a escolha da maioria fosse boa para mim, iria com as outras, tranquilamente, como uma boa Maria deve ir com as outras.
Fomos perdendo o direito à opinião. Mas, ter opinião contrária à opinião padronizada ofende a muitos que querem me obrigar a querer o que eu não quero.
Já falei disso aqui no blog: se você é livre, você tem escolhas. Logo, se no blog não tem coisas que te agradem, não precisa vir aqui – garanto que não haverá punição alguma por isso. Se você gosta de mulheres brancas, não se obrigue a namorar as negras; se gosta das esguias, não se envolva com as obesas; se gosta de homens negros, não precisa namorar os brancos; se gosta de musculosos, não se obrigue a namorar os magros. E dizendo isso estou ironizando a violência velada que boa parte dos casais pratica: jogar na cara do outro, na hora da briga, que preferem um tipo apesar de estarem com quem não corresponde ao seu modelo idealizado.
Será que alguém foi coagido a namorar o oposto de seu próprio gosto?
Tenho presenciado coisas assim.
Até comigo ocorreu coisa semelhante, quando um homem veio, recentemente, questionar e tentar me dissuadir de minhas escolhas. Paralelamente, eu mostrei e disse: “há tipos de mulheres mais adequados ao seu gosto, sabia? Veja melhor suas opções. Eu, por exemplo, tenho escolha, fiz as minhas escolhas e, para mim, uma pessoa como você não seria uma opção para mim. Além disso, não estou à procura, não estou disponível emocionalmente e as coisas fluem melhor quando duas vontades se encontram, você não acha?”
O sujeito ficou de mal de mim, me disse uns monossílabos de canto de boca e adorei repelir com sinceridade quem não me interessava. E este, então, foi muito engraçado: fez propostas e promessas, se apresentou como ‘um bom partido’ – ora, não estamos em eleição – julgando, ele, que toda mulher é interesseira, que quer casar seja como for...
Não sou grossa, mas ou sincera.
Má sorte de quem, tendo opção, anula a própria escolha.

sábado, 15 de junho de 2019

Tudo beleza!





Um ser humano qualquer disse, certa vez, que metade da beleza feminina sai com água e sabão. Ele teria dificuldade em viver em um mundo cujas fotografias são cheias de filtros e efeitos; e morreria ao perceber que há técnicas, jogos de luz e ângulos que favorecem as pessoas nas fotografias. Fotografia é simulacro. Não é você quem está ali. Não sou. Não somos nós. Todas as fotografias são passado.
Mas, à parte a citada frase mal humorada, sou a favor da maquiagem. Acho que se a maquiagem nos favorece e trai a realidade, está cumprindo sua função artística.
Na música, confundem-se a maquiagem e a pintura: “Marina, morena, Marina, você se pintou...” e segue o conhecido protesto porque “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”. Ora, Deus deu também a vontade de melhorar, de criar, de revigorar a fisionomia.
Quando a gente nota maquiagem nos homens, põe a sexualidade deles sob suspeita. Pura ignorância: apresentadores de telejornais (sim, Mr. Bonner e outros), atores, governadores, todos precisam de base, pó facial, gloss ou hidratante labial, um retoque de sobrancelha...Porque televisão lida com iluminação – e na imagem, iluminação é muito.
Acho terrível é homem sem perfume. Antes andasse nu. Um homem sem cheiro não tem existência própria – e que nenhum engraçadinho me venha com a conversa do cheiro natural. Não estamos em estado de natureza. Até gato e cachorro têm colônia, talco, perfumes...Um homem precisa ter cheiro para ser (Ah, o cheirinho de Armani no corpo de Thales – um cheiro singular, não era o Armani tradicional, era um tipo presente, de um intenso que não era forte...E eu lembrando da amiga que disse que Malbec é o aroma dos canalhas...Imagine!).
Maquiagem com leveza em qualquer pessoa e para todas as pessoas. Eu, por exemplo, não fico bem com blush de nenhum tom.
Minha maquiagem de sempre e de todo dia: base, batom, lápis de olhos que uso na sobrancelha (sim, lápis de sobrancelha não serve para sobrancelha, porque é ressecado e de cor errada, quase grafite, artificial, horrível, de qualquer marca).
Batom é o melhor vício. Também acho uma mulher sem batom algo lamentável. Para mim, é um símbolo de afirmação do ser – eu, sem batom e sem brincos não sou, não existo.
Fico feliz por haver certa popularização de alguns itens de maquiagem, vendidos em lojas de baixo custo. Muitos deles são ótimos - Ruby Rose tem excelentes batons, corretivos e lápis; a Playboy tem o melhor delineador em gel que eu já usei em minha vida. E a máscara de cílios Maybelline Colossal Volume Express à prova d'água não se tornou um clássico à toa: altamente qualificada, a melhor que já usei, desbanca importadas que também já tive (sim, aquelas cujo preço ultrapassa 200 reais) e onde eu não economizo é em bases e batons...Então Make B de O Boticário é minha linha favorita e sombras, as da Quem disse, Berenice.
Nossas tias, mães e avós viveram de Avon (que continua tendo ótimos produtos de beleza e de cuidados pessoais) e acho que me espelho muito no espelho delas: adoro cuidar de mim.
Nunca fiz nenhum procedimento cirúrgico para fins estéticos. Nunca. Nada. O máximo que fiz foi tirar verrugas por eletrocoagulação na dermatologista. Mas sei que meu dia vai chegar. Não quero temer. Enquanto eu puder, não quero conta com botóx.
Também não quero enloirecer, como convém mediante o avanço dos cabelos brancos. Há tons e procedimentos que eu sei que não se harmonizam com quem eu sou. Porém, sou a favor de que cada um cuide de si como queira.
Não acho também que o avançar das idades deva significar desleixo: é bom consultar o espelho sem medos, aceitar o que vê, lembrar que já tivemos 20 anos, depois 30, depois 40...depois o que tiver que ser. E a juventude passa, só quem não sabe é quem ainda é jovem.
Quando jovem, geralmente só temos a juventude: não temos independência, temos espinhas e conflitos com o corpo, com partes pequenas demais, partes grandes demais, peso a mais, peso a menos, cabelo em dissonância com nosso gosto (ou não crescem, ou são lisos, ou são crespos, ou são frágeis...). Então, vivemos muito cedo esses conflitos. Depois, quando velhos, temos saudades da juventude – esquecemos que passamos a juventude insatisfeitos com o corpo e com a aparência. Mas, a essa altura, já temos dinheiro e independência (pelo menos) e podemos modificar as coisas que outrora nos afligiam. Seja como for, é muito bom poder passar a limpo o que nos incomoda.

domingo, 9 de junho de 2019

Amor em cena



Estamos na semana do Dia dos Namorados (12/06) e não é novidade para ninguém a enxurrada de gente a trocar o status dos relacionamentos no Facebook, assim como já é por todos conhecida a estratégia de muitas mulheres ao mandarem flores para si mesmas e as já óbvias filas nos motéis e restaurantes.

Ao lado deste povo de comportamento óbvio, as amigas que têm medo de dar presentes e sofrer a decepção do não retorno ou da declaração de que aquilo ali não é namoro, por parte do homem.
Acho isso incrível: ainda cabe ao homem o poder na relação amorosa. É ele quem declara o estado civil do casal. Mulheres não são Juán Guaidó (que se autoproclamou presidente interino da Venezuela) para se autoproclamarem coisa nenhuma de ninguém.
Se o homem não assumir o relacionamento, não há relacionamento.
As pessoas moram juntas, fazem sexo, desenvolvem afetos, criam filhos, compartilham um lar, fazem compras juntas, são dependentes no cartão de crédito e no plano de saúde um do outro, mas somente ao homem cabe declarar o namoro ou o status do relacionamento, pelo menos aqui no Brasil.

Isso a gente constata: não é por machismo ou por concordar com o fato, não. É que é assim.
O oposto dá muito trabalho: se a mulher resolver se autodeclarar solteira, que não se espere o resto da tríade, o tal ‘livre e desimpedida’. Não é somente a família e os próximos a vigiar a conduta da solteira, como a possibilidade de engrossar a nossa alta e conhecida estatística dos homens que “não aceitavam o fim do relacionamento” – e aí, prepare o vaso da vingança, que pode estar cheio de cólera, ira e frustração, descambando para violências fatais.
Aqui no Brasil, em que impera a máscara da liberalidade, todo poder é do homem. Só ele pode. E pode tudo!
Decerto, muitos são os que se aproveitam dos precedentes abertos por comportamentos femininos lamentáveis, porque eles existem, sim: desde a leviandade dos recursos para tirar dinheiro do homem, até gravidez estratégica para prender um homem num relacionamento ou obter garantias de rendas futuras. É preciso observar isso: há muitos homens. A recorrência de comportamentos faz a regra, mas não significa que dá conta da totalidade deles. Logo, há os que fogem ao padrão comum.
Há muitas mulheres. O condicionantes sociais e culturais, assim como a personalidade, individualizam umas e homogeneízam outras. Porém, o que fica como regra? O comportamento da maioria.
Por esta mesma via de análise, tem um rebanho de idiotas que se apegam àquela pergunta: “Se todos os homens são iguais, por que as mulheres escolhem tanto?”.  A resposta é bem clara: boas escolhas dependem de se conhecer as opções disponíveis. Algumas vezes, dentre as opções que se tem, opta-se por “NRA”, ou seja, “Nenhuma Resposta Anterior”. Isso é discernimento. Há quem escolha errado? Sim. Há quem chute? Claro que sim. A gente é que deve ter em mente que é possível fazer o rascunho antes de dar a resposta definitiva.
Para uns, mais amor, por favor!
Para outros, mais humor, por favor!

sexta-feira, 31 de maio de 2019

No caminho



Ainda sobre o pobre candidato que se apresentou a mim, tenho que frisar que é um daqueles intelectuais de bagagem, que sabem o que estão a dizer, que correram mundo até ter pés firmes no universo da ciência. Mas, não somente pelo meu namoro com O poeta prosseguir, como pelo fato de que o candidato é apressado, eu nunca o namoraria.
Essas pessoas que só são felizes casadas me assustam.
Desde sempre eu disse: ‘eu gosto de namoros’.
Mas, eu também não ficaria com ele por causa daquela deselegância que desmente o lugar acadêmico que ele ocupa; por um jeito Jeca, caricato de tão sem modos, sem a menor etiqueta...Isso enfeiece qualquer um.
Ele veio sem que eu o chamasse: me achou, veio no faro de minhas ideias expressas em alguns escritos...Encantamento reforçado por minha aparência, que ele conferiu em todos os lugares possíveis – do Lattes aos perfis de redes sociais.
 Já comigo, o percurso inverso: o encarar frente a frente foi de um desencanto pavoroso, que só minha boa educação pôde amortizar.
Juro que lembrei de “A bela e a fera” – ora, quem vê cara, não vê coração”, mas eu preciso mais do que um coração de um cara para encetar algum interesse.
Lembrei de outra situação mega esquisita em que o meu par, tendo esperado por mais de uma década para ficarmos juntos, ao ficar comigo, me chamava de “amor”, num enojamento chato e artificial, que me deixava sem jeito.
Sei que retomei esta pauta porque o candidato citado primeiro construiu um amor por mim, totalmente patológico. Não há amor em 15 dias, nem à primeira vista, nem esses troços malucos que as pessoas carentes inventam.
Fui cuidadosa, porque o quadro dele foi sério.
Até o presente momento, mesmo com todos os meus argumentos e impeditivos, o cara continua na batalha. Delirante como Dom Quixote atrás de Dulcineia, lutando contra gigantes inexistentes, quando a donzela não tem nenhum interesse na causa.
Eu fico igualmente sem jeito quando alguma situação social me faz confrontar com alguma pessoa que já não está entre meus afetos. Nesta semana, isso ocorreu duas vezes.
Num primeiro caso, não houve ruptura na amizade, mas distância. A moça aprontou muitas comigo, foi extremamente falsa, ingrata e arrogante...Um dia ela me viu por cima da situação. Catou meios de se aproximar. Fiz um favor. Daí em diante, é uma perseguição por retomar a amizade comigo...
E, de repente, olha a situação social nos colocando em meio a pessoas que não fazem ideia da história dos bastidores e que incentivam nosso contato! Saia justa, driblada pela boa educação e as pressas da vida moderna.
Eu não conseguiria ser amiga dela. Não conseguiria lhe fazer uma visita ou aceitar uma visita dela. Ali, o abraço me custa caro, a saudação é um martírio. Não há ódio, mas há um repúdio interior que eu não sei barrar, é involuntário.
No segundo caso, um ser humano que me detesta, que fez o que pôde para desmanchar minhas amizades, cruzou meu caminho por meios virtuais.
A personalidade de víbora, na aparência é a cara da paz e da simplicidade. O veneno ela distribui por critérios de falta de simpatia, como ocorreu comigo.  Mas, em todas as desavenças coletivas, lá estava o dedo dela. Obviamente, poucas pessoas viram. Quem viu, me alertou, porque uma amiga ficou de mal de mim, sem me dizer o motivo, sem me oferecer chance de defesa porque, afinal, quem fez a discórdia tinha crédito.
Isso sobreviveu até que o tempo foi dando pistas da verdade.
No meu coração ficou aquela decepção de mágoa: como é que a pessoa perde seu tempo apenas para tirar de mim meus amigos?
Não falo mal dela para ninguém: cada um precisa tirar suas próprias conclusões. Além disso, ela sabe se fingir de vítima, capitaliza muito bem suas poucas dores (todas advinda de invejas injustas, porque ela só olha a grama dos vizinhos, ao invés de molhar a dela, já verdejante), faz dramas com estados de saúde pretensamente fragilizados. Ela sabe que eu sei. E sei muito bem quem ela é.
Enfim, ela fez outra armação para me atingir, para dar a entender que eu era a causadora da retirada dela daquele ambiente virtual. Deus me livre de cruzar com esta pessoa novamente. Fico completamente sem jeito, sem saber corresponder à falsidade adequadamente.
É o que eu também acho válido para qualquer situação, sejam páginas, blogs, sites ou casa dos outros: se você não gosta, não vá.
Se for convidado e não gostar, não vá.
O mundo funciona melhor quando deixamos os outros em paz.


domingo, 12 de maio de 2019

Alianças




Se Hoje me perguntassem o que eu acho que deva ser um amor próspero ou feliz, eu diria que um bom amor tem que sobrevive a ele.
Amor leva tempo e, em alguns casos, leva à ideia da perda de tempo. Corrigi isso numa amiga, hoje. Ela se declarou curada de recaídas por um homem por quem ela literalmente enlouqueceu (sim, Rivotril, clínica e demais tratamentos). Até gravidez ela forjou (um clássico do desespero) e lançou mão de todos os recursos disponíveis para prendê-lo a si. A julgar pelos recursos, já era a sanidade indo embora (e não critico por mal: ao meu tempo também fiz meus esforços para manter um relacionamento. Por sorte, percebi que aquilo não poderia ser amor, de forma alguma).
Disse eu à amiga, que não haveria porque se arrepender, pois que naquele momento ela estava como estava. Parabéns pela superação saudável.
Todos os dias há quem faça isso. De ambos os lados. Aquele que não quer manter a relação torna-se refém das armadilhas para adiar o fim. Do contrário, por que razão cartomantes, magos e similares  perderiam tempo com o clássico: “Trago a pessoa amada em três dias”?
O que eu digo é o contrário: pense em você, na sua agonia, na angústia e no seu desprazer em ser forçada ou forçado a permanecer com que você não quer estar!
Temos ego, sim. Ele, diante de uma ameaça de término, se ofende. 
Classicamente, nosso ego diz ao ser amado: “Quem você pensa que é, para poder viver sem mim? Como você pode não querer viver com uma pessoa maravilhosa como eu?”. Em alguns casos, o ego vira violência – se não dá em morte, dá em difamação, perseguição, mágoa e pragas.
Então, um amor próspero é também aquele que acaba bem. Não é indolor: separações doem, mesmo quando a iniciativa é nossa – é um outro caminho e os perigos normais junto aos imprevisíveis.
Geralmente, quem ama tem pressa e isso não é nada bom.
Para amar e para desamar, tudo é processual.
Particularmente, crio um certo enfado quando o amor acaba. Fujo um pouco, invento compromisso, viagens imaginárias...procuro criar o processamento para o bom entendedor. Antes, bastava pedir um tempo e o outro sacava que era o tiro de advertência. É como dar notícia ruim com eufemismo, aos poucos...
Até que o outro nos diga: ‘você mudou’ e entenda que você mudou para  muito longe, já anda emocionalmente distante.
Tem quem deixe para ser feliz nos intervalos – mantém casamento, namoro e é bastante feliz sempre que está sozinho ou sozinha... até tiram a aliança, em sinal de alforria. Há quem tire ao dormir, para ter a liberdade enquanto sonham.
Parâmetro bom: se essa ausência causou saudades...ou se deu alívio.
Muitas amigas minhas cataram na internet seus respectivos maridos. Por que queriam ter maridos a qualquer preço...Depois de obtido o troféu matrimonial, declararam o quanto era bom ser solteira.
Isso não ocorre por mal: querem companheiros, alguém com que contar, um esteio...mas, às vezes só conseguem o marido.
Hoje se apresentou a mim um candidato. Bastante apressado, deixou bem claro que ama estar casado, tanto que casou por duas vezes e que me achou bonita e inteligente, bem adequada aos sonhos dele.
Desesperou-se sobremaneira quando apresentei meus impeditivos, não somente porque namoro O poeta, como por meu pavor por casamento. E ainda disse isso tal a personagem de Chicó, no Auto da compadecida:
“- Casamento? Casamento é muito bom. Já fui a muitos. Adoro festas!”. Eu disse mesmo.
E eu sou a favor do casamento dos outros. Muito a favor.
A minha amiga louca para casar pela segunda vez oficialmente; e pela terceira, extraoficialmente, diz que não quer morrer sozinha. Penso em avisar que quem cuida da gente na velhice são enfermeiros e cuidadores profissionais e, ao morrer, estaremos sós, mesmo que morramos acompanhados. Não há essa garantia. Está aí algo que o amor não dá: garantias. Se acabar, só outro.


sexta-feira, 3 de maio de 2019

Cuide da sua vida!



Tomei um susto dolorido com a morte de Júlio Ávila, do blog Eu existo – eu estou vivo.
Ocorreu em 14 de outubro do ano passado. Graças a Deus, eu soube há poucos dias – isso por que estranhei o tempo de ausência da escrita dele no blog.
Como ele atravessasse uma depressão verdadeira, até dei por respondida a ausência que, nem por isso, deixava de me incomodar. Sei que por intuição ou por bom anjo guardião protetor, só fui ver a vida dele no Facebook na semana passada.
Faço aniversário em 12 de abril. Ele era do dia 11 de abril. Éramos arianos, críticos, fãs de Fernando Pessoa, de Bukowski e do Radiohead, se é que alguém pode entender a complexidade das coisas que justificam isso.
Foi por causa de Creep que ele me encontrou. Ou por causa da epígrafe aqui do blog, quem sabe... Sei que aprendi muito com ele, especialmente pela generosidade que ele tinha em entender nossas diferenças culturais.
Um dia, no Messenger, após um argumento mal criado meu, que insinuava o lugar dele de ‘colonizador’, mui sabiamente ele me esfregou elegantemente à cara: “Mara, não estamos no tempo da colonização”. Ele era português, morador da Ilha Terceira (Biscoitos)...
 Em 2010, eu ia a Portugal, por conta de meu doutorado, que sendo aqui na UFBA (segundo o atual ministro da Educação, Universidade Federal da Balbúrdia), tinha convênio para bolsa-sanduíche no Porto. Era a oportunidade de ver meu amigo presencialmente. Depois, pelas perseguições internas que sofri na UFBA, acima de tudo, injustas, encurtei meu doutorado e acabei a tese três meses antes do previsto.
Acho que a gente se conhecia há pelo menos nove anos. E se fez diferença dividir um café ou partilhar um abraço, amizade e companheirismo foram uma constante. Ele era uma pessoa de verdade.
Li as últimas postagens dele, falando da depressão e vi o vídeo postado por ele, com um narrador mostrando modos de se fazer um nó de carrasco, próprio para suicídio, para enforcamentos.
Vi as mensagens de despedida dos familiares no Facebook e, confesso, fiquei tão mal, que senti asfixia, Por vários dias fiquei como que asmática, reaprendendo a respirar.
Hoje, finalmente, voltei à página dele no Facebook. Li tudo quanto eu pude para poder entender, saber e aceitar.
Fiquei surpresa com o carinho e presença da família dele. Não imaginava serem tantos os irmãos, nem tão presentes e amorosos os pais. Vê-se que a solidão é, também, uma ilha interna.
Nunca fui de julgamentos sobre o viver ou querer deixar de viver de ninguém. Viver nunca foi fácil: é desafio; é o que nos diz a Odisseia, ao nos mostrar a vida como jornada e como batalha. Mas, reitero, devemos ser teimosos – se a felicidade não é deste mundo, a gente a traz para cá, pelo menos para dentro de nós.
Alguns amigos meus driblaram seus impulsos suicidas casando e tendo filhos, de modo a se desviarem de suas próprias existências e focalizar outras. Acho um bom recurso.
Outros preferem um vício, qualquer desvio do peso de existir está valendo. Há os raros que são mais nobres e vivem para os outros, em trabalhos voluntários, em causas coletivas... E sempre me perguntam sobre isso de encarar a vida sem umas doses de nada, quanto e como acho coragem.
Como espírita sei da transitoriedade de tudo, mas isso não diminui a dor - entre quem crê e quem não crê; entre reencarnacionistas ou materialistas; entre católicos e protestantes; ateus ou budistas, tanto faz: dor é dor. Mudam apenas o escudo e a máscara.
Também aprendi com um amigo meu, Osmando, que a Terra tem muita coisa boa. Ele me mostrou que os espíritos têm saudades das coisas daqui. Assim também nós apreciamos coisas que há aqui – sim, mais próximos estamos de um estereótipo de Inferno que de um Paraíso (dois extremos, aliás, que não existem para o espírita – e se é difícil viver sem Deus, para muitos é bem pior viver sem a crença punitiva em um Demônio que lhes bote freio aos impulsos mais primitivos e baixos).
Bom, mas, enfim, escrevo isto aqui como se pudesse ser lido por Júlio, como despedida para ele – decerto, sei que minhas orações chegarão.
Acho que nunca eu declarei aqui com tamanha seriedade aquilo que vou repetir agora: cuide de sua vida!