Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Cuide da sua vida!



Tomei um susto dolorido com a morte de Júlio Ávila, do blog Eu existo – eu estou vivo.
Ocorreu em 14 de outubro do ano passado. Graças a Deus, eu soube há poucos dias – isso por que estranhei o tempo de ausência da escrita dele no blog.
Como ele atravessasse uma depressão verdadeira, até dei por respondida a ausência que, nem por isso, deixava de me incomodar. Sei que por intuição ou por bom anjo guardião protetor, só fui ver a vida dele no Facebook na semana passada.
Faço aniversário em 12 de abril. Ele era do dia 11 de abril. Éramos arianos, críticos, fãs de Fernando Pessoa, de Bukowski e do Radiohead, se é que alguém pode entender a complexidade das coisas que justificam isso.
Foi por causa de Creep que ele me encontrou. Ou por causa da epígrafe aqui do blog, quem sabe... Sei que aprendi muito com ele, especialmente pela generosidade que ele tinha em entender nossas diferenças culturais.
Um dia, no Messenger, após um argumento mal criado meu, que insinuava o lugar dele de ‘colonizador’, mui sabiamente ele me esfregou elegantemente à cara: “Mara, não estamos no tempo da colonização”. Ele era português, morador da Ilha Terceira (Biscoitos)...
 Em 2010, eu ia a Portugal, por conta de meu doutorado, que sendo aqui na UFBA (segundo o atual ministro da Educação, Universidade Federal da Balbúrdia), tinha convênio para bolsa-sanduíche no Porto. Era a oportunidade de ver meu amigo presencialmente. Depois, pelas perseguições internas que sofri na UFBA, acima de tudo, injustas, encurtei meu doutorado e acabei a tese três meses antes do previsto.
Acho que a gente se conhecia há pelo menos nove anos. E se fez diferença dividir um café ou partilhar um abraço, amizade e companheirismo foram uma constante. Ele era uma pessoa de verdade.
Li as últimas postagens dele, falando da depressão e vi o vídeo postado por ele, com um narrador mostrando modos de se fazer um nó de carrasco, próprio para suicídio, para enforcamentos.
Vi as mensagens de despedida dos familiares no Facebook e, confesso, fiquei tão mal, que senti asfixia, Por vários dias fiquei como que asmática, reaprendendo a respirar.
Hoje, finalmente, voltei à página dele no Facebook. Li tudo quanto eu pude para poder entender, saber e aceitar.
Fiquei surpresa com o carinho e presença da família dele. Não imaginava serem tantos os irmãos, nem tão presentes e amorosos os pais. Vê-se que a solidão é, também, uma ilha interna.
Nunca fui de julgamentos sobre o viver ou querer deixar de viver de ninguém. Viver nunca foi fácil: é desafio; é o que nos diz a Odisseia, ao nos mostrar a vida como jornada e como batalha. Mas, reitero, devemos ser teimosos – se a felicidade não é deste mundo, a gente a traz para cá, pelo menos para dentro de nós.
Alguns amigos meus driblaram seus impulsos suicidas casando e tendo filhos, de modo a se desviarem de suas próprias existências e focalizar outras. Acho um bom recurso.
Outros preferem um vício, qualquer desvio do peso de existir está valendo. Há os raros que são mais nobres e vivem para os outros, em trabalhos voluntários, em causas coletivas... E sempre me perguntam sobre isso de encarar a vida sem umas doses de nada, quanto e como acho coragem.
Como espírita sei da transitoriedade de tudo, mas isso não diminui a dor - entre quem crê e quem não crê; entre reencarnacionistas ou materialistas; entre católicos e protestantes; ateus ou budistas, tanto faz: dor é dor. Mudam apenas o escudo e a máscara.
Também aprendi com um amigo meu, Osmando, que a Terra tem muita coisa boa. Ele me mostrou que os espíritos têm saudades das coisas daqui. Assim também nós apreciamos coisas que há aqui – sim, mais próximos estamos de um estereótipo de Inferno que de um Paraíso (dois extremos, aliás, que não existem para o espírita – e se é difícil viver sem Deus, para muitos é bem pior viver sem a crença punitiva em um Demônio que lhes bote freio aos impulsos mais primitivos e baixos).
Bom, mas, enfim, escrevo isto aqui como se pudesse ser lido por Júlio, como despedida para ele – decerto, sei que minhas orações chegarão.
Acho que nunca eu declarei aqui com tamanha seriedade aquilo que vou repetir agora: cuide de sua vida!


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