Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 3 de março de 2022

Dando as cartas

 



Vejo algumas pessoas que se queixam de que a clientela do tarô se zanga e se revolta quando a leitura das cartas contradiz seus sonhos, seus planos, seus interesses. Entendo isso. Acho que quem recorre a oráculos está em busca de respostas e de clareza, mas que no fundo pagam para obter boas notícias e confirmações de suas premissas. Nem sempre isso vai ocorrer, aqui considerando crentes, charlatães e profissionais sérios do ramo – porque não me referi às cartomantes clássicas que agiam e agem mais por intuição e performance teatral, do que pelo poder intuitivo ou mediúnico. Mas, o preâmbulo não é para tratar de cartas, tarôs ou cartomantes e, sim, para os que reagem mal e de forma histriônica a conclusões, ilações e previsões que contrariam seus próprios interesses. É tipo essa gente que se revolta contra resultado de pesquisa eleitoral: desqualificam o instituto de pesquisa, caso o resultado não favoreça o candidato que ela profere. Pois, bem: a corrida eleitoral aqui no Estado da Bahia, seja por estatística, seja por leitura de contexto, desenha um cenário favorável à vitória de ACM Neto nas urnas. Eu não fico nem um pouco feliz por isso, todavia preciso encarar que a realidade projetada será essa, independentemente de meu gosto pessoal.

Ao colocar a análise na mesa, inclusive sublinhando que ACM Neto tem a seu favor o império das comunicações – herança de família, bem gerida, reprodutora da Globo, além de aparatos variados de marketing, dinheiro, estratégica e influência – as pessoas enlouquecem de revolta. Um aluno meu ficou estupefato. E eu achando engraçada a forma como as pessoas tratam o tema, como se fosse questão de torcida. E não é... Do outro lado, os bobos de sempre, defendendo que o resultado de eleições são sempre culpa das elites...Como se nós tivéssemos mesmo uma elite tão cheia de gente, uma parcela tão grande da sociedade tão cheia de dinheiro. Não: o povo vota com a elite porque se identifica com ela, com seus ideais, com seus sonhos.

Vendedores de lojas de grife se sentem ricos como seus próprios clientes; empregada doméstica de casa de profissional liberal, de empresário, se sente privilegiada, dá razão ao patrão, vota como ele vota porque é dali que vem seu emprego. Portanto, o pobre mesmo, o pobre raiz, louva o empresariado, porque acredita que um empresariado forte que tenha lucros pesados é o suficiente para garantir empregos e salários para as classes mais baixas. Posso apostar que pobre nem sabe que é pobre; da mesma forma que negros e pardos nem sabem que o são.

Pobre tem outros valores, ainda mais quando são vinculados a alguma instituição religiosa: querem mais é agenda moral, com vigilância de comportamentos sexuais e todo rigor da palavra bíblica. Isso importa mais que o pão ou o preço da gasolina! Acho que sociólogos de outrora devem ficar desolados com o perfil do povo brasileiro atual.

Em um ano sem carnaval, mas com futebol e eleição em lide, a cara que o Brasil vai mostrar em 2022, com ou sem pandemia, será uma máscara para  nunca mais a gente esquecer.