Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Ansiedade

 


De alguma forma a gente julga que raciocinar e racionalizar sobre as coisas nos ajuda a sair das situações-problema. Sim, é verdade. Mas, há coisas que a lógica não dá conta, porque a gente sabe o que seria o certo, o lógico, o adequado, mas segue na direção oposta.

Ficamos, e esse plural se refere a mim e a uma colega de trabalho, desesperadas com os relatos de três alunos (um homem, duas mulheres), jovens mal entrados nos 20 anos, com crises de ansiedade.

Ansiedade todo mundo tem e é bem necessária. É até excitante ficar contando as horas para que algo aconteça, para que aquela pessoa apareça, ou aquele resultado seja publicado, ou que cheguemos logo a um lugar ou que uma data chegue...Normal e bom, ainda que cause alterações na gente. O problema está quando todas essas sensações se convertem num mal-estar, num sentimento que evolui para sintomas físicos de sufocamento, coração acelerado, sensação de desmaio, de escurecimento da vista, de tontura ou de coisas que sequer a pessoa sabe dizer do que se trata, exceto de que pensa que vai morrer – e nessas horas, as mãos ficam geladas, as extremidades podem suar frio.

Aí, sim, se tem um quadro de ansiedade patológica.

O aluno, totalmente saudável, socialmente ajustado, excelente em popularidade, notas, desempenho, relacionamentos, queixou-se, em princípio, de sintomas de calor, sufocamento e mal-estar. E demorou até notar que era mais do que sintomas.

As moças já tinham um parecer médico após descreverem os mesmos sintomas.

De episódios isolados, passa-se a episódios recorrentes, precipitados pelo medo de sentir tudo de novo.

Vale racionalizar? Sim. É a melhor defesa. Saber que aquilo vai passar, porque já foi experimentado antes e passou: fundamental. 

Se estiver tonto, parar e sentar, respirando com controle, de modo a evitar a hiperventilação, ou seja, evitar ficar ofegante ou respirara celeradamente...E se a cabeça acelera, andar é a melhor saída: pisotear a ansiedade gastando energia. Naturalmente, tratamento psicanalítico é o que vai resolver posteriormente.

A ansiedade é um grito do psiquismo para que algo seja solucionado. Cada ‘algo’ é particular. Normalmente, a gente não tem noção clara da causa. Mas, até que se possa resolver, vale o anti-ansiolítico natural que é o chá ou um fitoterápico adequado, vale a higiene mental e um pouco de solidão para se ter repouso, vale o que lhe traga conforto (homeopatia, aromaterapia, o que for). E novamente, a racionalidade: pensar em QUANDO isso começou, a fim de descobrir POR QUÊ.

Sinto que meus alunos têm vergonha, como se fossem ser julgados ou inferiorizados. Imagine, nosso mundo dá motivos constantes para sofrimentos psíquicos e quem tem coração não tripudia das dores do existir. A razão não vai lhe poupar de sofrer, mas vai ajudar a encontrar saídas para os sofrimentos.


sábado, 24 de setembro de 2022

Em que espelho?

 


Há um conhecido verso de Cecília Meireles, repetido à exaustão – e válido para muitos tempos – que é “Em que espelho ficou perdida a minha face?”. Obviamente, se refere ao processo de envelhecimento. Não reclamamos de termos sido crianças quando já somos adolescentes, porque é parte do crescimento; estranhamos ser adultos quando deixamos de ser adolescentes, mas, tudo bem, também é parte do crescimento. Todavia, os primeiros sinais da velhice derrubam egos – que, para alguns é uma calvície, um cabelo branco, um pouco mais das gorduras advindas dos hormônios em mudança, uma girada no cronômetro etário e lá vem o fim do mundo. Crueldade da natureza, os primeiros sinais de velhice aparecem a partir dos 25 anos – aquele colágeno que nos dava um rosto bem contornado, um sorriso de bochechas brilhantes, uma pele sem opacidade e uma barriga comportada, cede lugar e aos poucos vai nos deixando...até os neurônios e os óvulos vão dando suaves adeuses.

Meu ex-namorado nunca me permitiu saber a idade dele. Penso que era uns 56 ou 58 anos, bem escondidos num corpo sem gorduras, musculoso, ao longo da excelente altura e dos raríssimos cabelos brancos.

Como tem ocorrido a muitas pessoas, ele coloca fotos de perfil no whatsApp e nas redes sociais de quando ele tinha vinte e poucos anos: deve ter muitas saudades de si mesmo.

Uso filtros em minhas fotos, mas não dos que anacronicamente retira a verdade de minha idade: queria apenas ter a pele bonita, sem os poros abertos que me acompanharam a vida inteira.

O que a idade me deu de bom: cabelos. Nunca tive cabelos grandes como agora. Também meus dentes estão mais bonitos, porque passei pelo ortodentista sob uma disciplina que eu não teria antes (nem tempo, nem dinheiro para tal); entrei na academia para nunca mais sair (desde 2013, nunca larguei – na pandemia, me exercitava em casa); a vida toda eu não fui sedentária, jogava handeball aos 13; fazia musculação desde os 22, mas largava; mudaram as formas de meu corpo e talvez isso tenha significado uma resposta ou uma conversa com a minha idade. Não sou infeliz por estar mais velha, provavelmente porque não tive senão muitas angústias ao longo da vida. Ser feliz foi algo muito de depois dos meus 35 anos – e não é felicidade idealizada de fim de novela, não. Aí seria preciso ser alienada ou viver de positividade tóxica o tempo inteiro, negando a realidade e achando que vou cocriar verdades adequadas à minha satisfação. Felicidade é indescritível, não é ‘cesto de alegrias de quintal’ e, aliás, é de graça e sem causa declarada.

Eu me sentia feia aos 18 anos. Eu era boba aos 24 anos. Somente aos 33 eu amei pela primeira vez na vida. Então, não tenho motivos para ser saudosista com a juventude.

O que vem antes do citado verso de Cecília Meireles é “Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil”.

E as pessoas acham que nunca mudarão, exceto na aparência. Também achei que nunca mudaria. Por conseguinte, “Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil” e aqui não me refiro a aspectos físicos. É que eu achava que não suportaria estar completamente sozinha, no plano amoroso. Eu achava que estava amando pela segunda vez e que acataria qualquer condição para estar com meu par. Mas, não foi assim: coloquei minha viola no saco e nunca mais voltei à casa dele, nem para ele, nem sequer procurei conversa. Logo eu, que adoro conversar, estranhei não gastar palavras para resolver com diálogo as questões. Foi um basta e um ‘foda-se’ que eu jamais me imaginei capaz de dar.

Mudei em tanta coisa, inclusive, na postura ao sair sozinha na noite: hoje eu me vejo como uma mulher adulta e independente, que não precisa ter vergonha de estar só, dançando, curtindo, sem querer beber álcool, sem hesitações. Mas, eu não vi isso acontecer, só notei após o percurso estar concluído.

Já falei aqui algumas vezes o que eu penso sobre algumas palavras da moda, tipo autoestima, por exemplo. Fundamental é você saber que não precisa apertar para caber, nem tem que contrariar a si mesmo para favorecer a paz com o outro. Este foi o ponto de meu término de namoro: seria necessário sempre fazer a vontade dele; ter cuidado com a forma como ele entendia as coisas; aceitar que não haveria diálogo, porque as convicções dele, o parecer, o julgamento que ele fazia, eram irrevogáveis. Era muito poder numa mão só. Era muito autocracia, para não dizer autoritarismo.

Dizem que há uma regra nos jogos, nas brincadeiras em par: quem ganha pode ganhar a maior parte das vezes, mas não pode ganhar todas as vezes (sempre), porque se não, o outro se retira do jogo, larga a brincadeira. Chamam isso de 60-40, ou seja,  alguém ganha sessenta por cento das vezes; o outro, quarenta. Claro, você vai jogar para perder? Zero ganhos, zero satisfação? Quem quer? Isso significa que é preciso dar algo, proporcionar algum ganho secundário para manter o outro no jogo. Não vi nada em meu favor, caí fora, W.O.

Sem contrapartida não há partida.

Na foto desta postagem sou eu, na idade atual.