Louquética

Incontinência verbal

domingo, 22 de dezembro de 2019

Opinião (mal) formada


Dizem que há formadores de opinião e, claro, há. Eles não são apenas as celebridades do mundo televisivo, da intelectualidade letrada e dos que se intitulam digital influencer, mas os professores, os líderes espirituais e as diversas personalidades públicas de que se tem conhecimento. Como professora, fico com o pé atrás. Dentre os tais, a gente pode muito pouco. Mas, enfim, vamos ao pomo da discórdia mais diretamente: que sociedade fraca é esta, que não consegue formar uma opinião independente, particular?
Sei que somos expostos a mil influências (os digital influencers perceberam isso e se auto-intitularam formadores de opinião), que não somos ninguém sem nossas citações, sem a bagagem de leituras e o repertório cultural construído ao longo do tempo, mas, vamos admitir: não é difícil influenciar gente preguiçosa mentalmente, gente vulnerável psicologicamente e gente de personalidade fraca. Qualquer idiota que diga qualquer idiotice – as fake news confirma o que eu digo, porque as pessoas nem sequer param para pensar se a informação faz sentido, as lendas urbanas, reafirmam isso também – seja ouvir disco ao contrário para perceber a voz do Demônio, seja mil misérias de imbecilidades que vão de questionamentos à ciência, até aos que ainda acham que comer manga com leite é fatal. Temos uma sociedade fraca do juízo. Isso facilita para quem quer dominar.
E são muitos os ídolos imbecis.
É cada idiota de poucos neurônios que vão virando ídolos, exemplos, referências!
Nas universidades, o orientando é induzido a ser um reprodutor do pensamento do orientador, que, por seu turno, estimula ainda mais a inércia mental, a dependência do aluno, de modo que o infeliz sai da universidade como um seguidor do guru-professor-orientador. Nas brigas internas, confundem-se ambos como se fossem um só. A depender do orientador, esse seu aprendiz se tornará professor ali na mesma instituição, a fim de perpetuar a si.
O pensamento independente é difícil mesmo: requer autonomia. Gente autônoma é prejudicial à manutenção do status quo e não é à toa a necessidade de pregar para convertidos.
Também já fiz esta confusão, mas é que o coitadinho do orientando dos outros, realmente, não tinha uma ideia própria. Era tamanha a admiração pro sua orientadora, por ele endeusada, mitificada e idolatrada, que ele virou uma reprodução de sua matriz, sem personalidade alguma, sem nenhuma condição de criar nada que não fosse o espelho dela.
Filiação perigosa e ruim. Mas provavelmente é isso: a vida acadêmica se torna extensão da vida familiar – e também neste caso, há orientandos socando-se pelas cozinhas, catando intimidades, em velada chantagem, por saber demais sobre seu mentor.
Laços de dependência que se multiplica por gerações.
Os avulsos, os sem apadrinhamento algum, são desacreditados, mas é neste ponto que quero chegar: certos eventos cobram vínculos institucionais. Há uns anos vi raros inscritos em congressos assim designados: “pesquisador independente”. É muito similar a ser trabalhador autônomo, isto é, você faz tudo, não tem garantias nem segurança, nem um nome de instituição que te dê respaldo, mas você prova que faz pesquisa e textos sem o amparo de uma universidade, o que significa que quem está fora, sem emprego na universidade, sem cargo ou função de estudante, também deve ter seu espaço de produção científica reconhecido.

Isso, sim, é ciência marginal; é formação de opinião independente!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Bens da vida



Por aqui, pela Bahia, tem uma expressão peculiar que é ‘bem de vida’. Estar ‘bem de vida’ é não ser exatamente milionário, mas financeiramente estável, com fonte de renda, reservas, casa e carro.
Conheço várias pessoas bem de vida cuja vida não anda lá muito bem.
Desde que a sanidade e a saúde vieram a se tornar artigos de luxo, não passa um dia em que não haja a notícia ou o testemunho presencial da gente ante suicidas, a gente surtando – na universidade, o surto é seletivo: as pessoas escolhem bem com quem vão perder a cabeça.
E cada vez mais, “de perto, ninguém é normal”...lá se vão os filhos bem criados de nossos amigos e o frágil juízo daqueles coleguinhas problemáticos do nosso tempo de estudante, passando a impressão de que a vida piorou deveras.
Recentemente, recusei, educadamente, duas chances de ganhar um bruta dinheiro, dando aulas num fim de mundo que a Geografia não dá conta e em outro fim de mundo, num outro Continente.
Também quero ser e estar bem de vida, mas não a certos preços.
Parece soberba, orgulho, desvario, mas eu recuso, sim.
E se já fui fazer concurso em certos lugares, vislumbrei logo que não seria feliz ali.
Não posso me iludir: uma movimentação num cargo federal não sai a custas de qualquer alegação de parente doente ou depressão. Nem mesmo permuta.
Por isso, também, não faria concurso, jamais, para um estado pertinho daqui, que fica a 5 horas de minha cidade: não gosto de lá. Seria um ganho material que me traria angústia adoecimento mental, sofrimento psíquico.
Decerto, há quem fique na berlinda, entre morrer de fome, por estar sem emprego e sem dinheiro; e estar com emprego, num lugar afetivamente ruim.
O problema nem sempre é a distância.
Um emprego é um casamento litigioso: você quer a vaga, o emprego, a remuneração. Todavia, passando, você vai conviver compulsoriamente com seres não escolhidos, vai tolerar, ficar, morar...preços altos demais.
Onde eu trabalho, aluguei uma casa juntamente com dois colegas, a pedido deles.
Eles surtaram – eram usuários de remédios pesadíssimos, tarja-preta, com laudo psiquiátrico e tudo – cada um de uma vez, sendo o outro, hoje. Agora, vou ver como me desvencilho dos pepinos, porque entrei na empreitada desconhecendo o grau de alteração mental e comportamental de ambos.
São seres altamente delirantes, com mania de perseguição, distorção da realidade, megalomania e vícios igualmente pesados em cigarros.
Estou aqui gastando o meu restinho de sanidade para romper a sociedade da moradia, porque não sou pessoa de prolongar sofrimentos. Além disso, tenho uma paciência bem curtinha, que me poria em risco.
Eu não sabia que eles eram, literalmente, doentes mentais. Oferecem riscos, sim, à nossa paz, à nossa integridade física.
No caso dela, a colega de casa, o delírio foi feito de ofensas e xingamentos, em revide a imaginárias ofensas.
No caso dele, foi ódio por Maria Bethânia, a cantora baiana, devido à música “Ele falava nisso todo dia”, que o colega julgou ser indireta para ele.
Ele já estava irado por eu ter criticado o fato de Roberto Carlos ser apoiador de ditadores, a exemplo de Pinochet e dos cachorros loucos de setores da política brasileira atual, além de outros podres que justificam o temor do citado cantor, frente às biografias produzidas sobre ele.
Fé e hipocrisia, a dupla inseparável, constatadas diante de meu coleguinha, fez ele enlouquecer ainda mais: ele ama o Rei. Não estava preparado.
A fragilidade psíquica das pessoas faz de qualquer coisa um gatilho para crises. Daqui a pouco a gente será uma sociedade a dizer: “Fora do antidepressivo não há salvação”; “ sem tarja preta, sem vida”. E eu ainda acho pouco que alterações neuronais, que a química do lítio e sei mais do que, possam ser responsabilizadas por tudo.
Para estar bem de vida é preciso estar bem...bem longe de problemas.
Uma vida de bem, os bens da vida, na verdade, resume-se à paz.