Por aqui, pela
Bahia, tem uma expressão peculiar que é ‘bem de vida’. Estar ‘bem de vida’ é
não ser exatamente milionário, mas financeiramente estável, com fonte de renda,
reservas, casa e carro.
Conheço várias
pessoas bem de vida cuja vida não anda lá muito bem.
Desde que a sanidade
e a saúde vieram a se tornar artigos de luxo, não passa um dia em que não haja
a notícia ou o testemunho presencial da gente ante suicidas, a gente surtando –
na universidade, o surto é seletivo: as pessoas escolhem bem com quem vão
perder a cabeça.
E cada vez mais, “de
perto, ninguém é normal”...lá se vão os filhos bem criados de nossos amigos e o
frágil juízo daqueles coleguinhas problemáticos do nosso tempo de estudante,
passando a impressão de que a vida piorou deveras.
Recentemente,
recusei, educadamente, duas chances de ganhar um bruta dinheiro, dando aulas
num fim de mundo que a Geografia não dá conta e em outro fim de mundo, num
outro Continente.
Também quero ser e
estar bem de vida, mas não a certos preços.
Parece soberba,
orgulho, desvario, mas eu recuso, sim.
E se já fui fazer
concurso em certos lugares, vislumbrei logo que não seria feliz ali.
Não posso me iludir:
uma movimentação num cargo federal não sai a custas de qualquer alegação de
parente doente ou depressão. Nem mesmo permuta.
Por isso, também,
não faria concurso, jamais, para um estado pertinho daqui, que fica a 5 horas
de minha cidade: não gosto de lá. Seria um ganho material que me traria
angústia adoecimento mental, sofrimento psíquico.
Decerto, há quem
fique na berlinda, entre morrer de fome, por estar sem emprego e sem dinheiro;
e estar com emprego, num lugar afetivamente ruim.
O problema nem
sempre é a distância.
Um emprego é um
casamento litigioso: você quer a vaga, o emprego, a remuneração. Todavia,
passando, você vai conviver compulsoriamente com seres não escolhidos, vai
tolerar, ficar, morar...preços altos demais.
Onde eu trabalho,
aluguei uma casa juntamente com dois colegas, a pedido deles.
Eles surtaram – eram
usuários de remédios pesadíssimos, tarja-preta, com laudo psiquiátrico e tudo –
cada um de uma vez, sendo o outro, hoje. Agora, vou ver como me desvencilho dos
pepinos, porque entrei na empreitada desconhecendo o grau de alteração mental e
comportamental de ambos.
São seres altamente
delirantes, com mania de perseguição, distorção da realidade, megalomania e
vícios igualmente pesados em cigarros.
Estou aqui gastando
o meu restinho de sanidade para romper a sociedade da moradia, porque não sou
pessoa de prolongar sofrimentos. Além disso, tenho uma paciência bem curtinha,
que me poria em risco.
Eu não sabia que
eles eram, literalmente, doentes mentais. Oferecem riscos, sim, à nossa paz, à
nossa integridade física.
No caso dela, a
colega de casa, o delírio foi feito de ofensas e xingamentos, em revide a imaginárias
ofensas.
No caso dele, foi
ódio por Maria Bethânia, a cantora baiana, devido à música “Ele falava nisso
todo dia”, que o colega julgou ser indireta para ele.
Ele já estava irado
por eu ter criticado o fato de Roberto Carlos ser apoiador de ditadores, a
exemplo de Pinochet e dos cachorros loucos de setores da política brasileira
atual, além de outros podres que justificam o temor do citado cantor, frente às
biografias produzidas sobre ele.
Fé e hipocrisia, a
dupla inseparável, constatadas diante de meu coleguinha, fez ele enlouquecer
ainda mais: ele ama o Rei. Não estava preparado.
A fragilidade
psíquica das pessoas faz de qualquer coisa um gatilho para crises. Daqui a
pouco a gente será uma sociedade a dizer: “Fora do antidepressivo não há
salvação”; “ sem tarja preta, sem vida”. E eu ainda acho pouco que alterações
neuronais, que a química do lítio e sei mais do que, possam ser
responsabilizadas por tudo.
Para estar bem de
vida é preciso estar bem...bem longe de problemas.
Uma vida de bem, os bens da vida, na verdade, resume-se à paz.
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