Louquética

Incontinência verbal

sábado, 28 de setembro de 2019

A cada um, o seu


Quando algum escrito do meu poeta sai em coletâneas, normalmente porque ele venceu concursos na área, a atitude dele é de um alheamento surpreendente.
Para ele, não conta. Não é um livro dele. É um poema entre os outros poemas dos outros.
Em princípio, achei isso muito ruim. Depois entendi: é algo muito relacionado com a autonomia, com os limites daquilo que lhe é próprio...sou assim também, em alguma medida: minha tia sempre fala que, desde criança, eu repetia que eu era dona do meu nariz. Ela, ao contrário, lamenta o que fez e o que deixou de fazer porque permitiu interferências.
O poeta e eu somos assim: a gente manda no que é nosso. Então, nunca coloquei olhos nas propriedades materiais ou subjetivas dos outros, porque são dos outros. Todavia, adoro meu carro velho, porque é meu e nele eu ponho as músicas que eu quero, os perfumes de que gosto e escolho as rotas que gosto.
Gosto do que é meu porque me pertence e posso exercer minha vontade, usar, ligar, desligar, colocar, retirar, ver, parar, arrumar, refazer, deixar num canto...
Amo minha vida porque é minha – e quem tem uma melhor, que a aproveite.

Há quem seja ávido pelo estereótipo de felicidade do próximo, da família feliz, dos risos permanentes, do amor perfeito e das outras perfeições impossíveis mas, a vida real tem muito mais graça em sua naturalidade, nas angústias que se supera, na forma como construímos vitórias ou crescemos lentamente mesmo em face da dor, nas boas ansiedades que antecedem a concretização dos planos, em tudo de bom e de ruim que perfaz a vida real.



domingo, 8 de setembro de 2019

Hipnose coletiva



A gente não anda muito preparado, como país, para ter a justiça com que todos sonham...nem a igualdade com que poucos sonham...
No Brasil, a liberdade de um ameaça a paz do outro. Os sonhos alheios incomodam, e qualquer noção de Justiça revela hipocrisias, porque, para o brasileiro comum, Justiça é tudo que beneficia aos seus próprios interesses.
Também a noção de crime varia conforme quem o comete.
O que um político comete é crime, desde que ele não seja amado. Se for amado, nem se toca no assunto.
Amores cegos que deixam a gente a questionar a legitimidade de algumas opiniões dominantes.
hipnose coletiva que nem a famosa 'psicologia das massas' é capaz de explicar, porque é preciso entender porque o povo escolhe como escolhe. Não temos essa suposta classe dominante em superioridade numérica, não: os ricos, no Brasil, não formam nenhum percentual expressivo, não chegam a dez por cento da população;
A classe média, numericamente inexpressiva.
Já a pobreza...ah, a pobreza é tudo! É a maioria, é a cara do país!
Pior é constatar que as vítimas não se reconhecem como vítimas. Eu não deveria me assustar com isso: há pobres que não sabem que são pobres; negros que não sabem que são negros; homossexuais que não sabem que são homossexuais e várias distorções de imagem e de realidade que fazem com que tenhamos o panorama atual.
Como qualquer tempo ruim, a gente espera a tempestade passar.