Louquética

Incontinência verbal

sábado, 28 de setembro de 2019

A cada um, o seu


Quando algum escrito do meu poeta sai em coletâneas, normalmente porque ele venceu concursos na área, a atitude dele é de um alheamento surpreendente.
Para ele, não conta. Não é um livro dele. É um poema entre os outros poemas dos outros.
Em princípio, achei isso muito ruim. Depois entendi: é algo muito relacionado com a autonomia, com os limites daquilo que lhe é próprio...sou assim também, em alguma medida: minha tia sempre fala que, desde criança, eu repetia que eu era dona do meu nariz. Ela, ao contrário, lamenta o que fez e o que deixou de fazer porque permitiu interferências.
O poeta e eu somos assim: a gente manda no que é nosso. Então, nunca coloquei olhos nas propriedades materiais ou subjetivas dos outros, porque são dos outros. Todavia, adoro meu carro velho, porque é meu e nele eu ponho as músicas que eu quero, os perfumes de que gosto e escolho as rotas que gosto.
Gosto do que é meu porque me pertence e posso exercer minha vontade, usar, ligar, desligar, colocar, retirar, ver, parar, arrumar, refazer, deixar num canto...
Amo minha vida porque é minha – e quem tem uma melhor, que a aproveite.

Há quem seja ávido pelo estereótipo de felicidade do próximo, da família feliz, dos risos permanentes, do amor perfeito e das outras perfeições impossíveis mas, a vida real tem muito mais graça em sua naturalidade, nas angústias que se supera, na forma como construímos vitórias ou crescemos lentamente mesmo em face da dor, nas boas ansiedades que antecedem a concretização dos planos, em tudo de bom e de ruim que perfaz a vida real.



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