Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 25 de outubro de 2022

A outra e a mesma - clichês

 



Breve adendo da vida real: conto, com a mais sincera solidariedade à minha amiga, que o caso citado como exemplo, sobre a mulher que descobre a traição conjugal e põe a culpa na outra mulher, considerada rival, acabou de acontecer mais uma vez.

Minha amiga, assim como eu, parte da desconfiança de que se o cara é casado, está tendo um caso com outra e depois de um tempo começa a deixar pistas, é porque deseja ser descoberto, ainda que seja este um processo inconsciente.

Há um barato na traição, que eu acho que não está no constante risco e, sim, na habilidade em escapar de flagrantes e revelações. É muito excitante dissimular, escapar, escamotear, cometer ‘crimes perfeitos’ no matrimônio. Mas, quando o cuidado é deixado de lado, significa um ato falho.

Então, nós achávamos que ele queria terminar o casamento, que queria provocar ciúmes, agitar os tédios...Após a mulher traída ter ido atrás da minha amiga – tentou pessoalmente, mas errou o alvo por pouco saber sobre ela e onde encontra-la;  e o fez por meio de rede social – dias depois, deixou por escrito a declaração de perdão ao marido, depreciou à Outra (e usou clichês pouco convincentes, se auto-elogiou também), concluímos o oposto: ele colocou a mulher dele para encerrar o relacionamento com a amante (minha amiga, Lídia). E deu certo: na outra ponta também estava uma mulher pouco interessada na manutenção entediante de um caso com um covarde. Sendo ainda mais sincera, acho que há uma extrema perda de glamour, de excitação, quando a pessoa se reconhece num triângulo comum e previsível...perde-se sabe-se lá mais o quê, porque não vi lágrimas nem lamentações da parte de  minha amiga. Só vi curiosidade, do tipo 'como isso acontece?'; 'para quê?'. Talvez porque não houvesse valorização do homem, nem disputa por parte da Outra...

Todavia, a esposa estava diante de uma rival; a amante só a viu a outra como outra mulher. Se ele se deu bem? Provavelmente, sim. Já esposa traída, alcançou a paz temporária, até que outra diferente venha e ela repita o ciclo.


Na balança

 


Eu acredito em crime perfeito porque há crime perfeito, insolúvel, jamais descoberto. Isso depende de astúcia. Estou falando dos premeditados, porque partem de planejamento prévio, estudos, astúcia. Ao tratar dessa forma, provavelmente alguém pensará que me refiro a assassinatos e roubos; outros pensarão que cometi algum (não, nenhum, pode sossegar). Decerto, trato desses, porque quantos crimes cometemos acidentalmente? Sejam os que nem sabemos ser crime – e um escroto sempre argumentará que a ninguém é dado o direito de desconhecer à Lei. E eu vos direi: Caro cara pálida, as leis variam com o tempo, a cultura e os costumes. Aqui no Brasil, não temos acesso pleno aos códigos legais, sequer à Constituição. Não temos dinheiro nem instrução. Não temos educação para isso. Meta seu argumento na mochila! Logo, da mesma forma que há Leis que o próprio Estado não cumpre (ou o salário mínimo provê o que está assegurado em Lei? Ou você já leu “É dever do Estado...”blábláblá, sem que o Estado dê o que seria sua obrigação?)?

Vamos piorar um pouquinho? Há uma piada que fala o seguinte: “Dizem que quebrar um espelho dá sete anos de má sorte. E se você tiver um bom advogado, a pena pode cair para dois anos.” Boa defesa é boa defesa. Mas, voltemos aos crimes perfeitos. Citei-os por acompanhar nosso cotidiano brasileiro, não apenas da política, mas os de nossos mais próximos. Quem não conhece um infrator? É que a gente perdoa muitos, conforme a classe. O orgulho que as pessoas expressam ao falar do bisavô, rico fazendeiro detentor de 500 escravos; ou das origens italiana e alemã, dos que depois prosperaram no comércio, no agronegócio brasileiro, esses orgulhos de terem vindo de brancos; e não dos índios mortos por outros brancos (que agora prosseguem matando índios, tomando a casa, a terra, destruindo o ambiente natural deles), sempre tratando como intrusos quem já estava aqui antes da vinda desses outros que, juntos, formam o ‘nós’ que somos hoje; isso sempre me chocou. A sorte é que isso tudo é permitido. Não há vergonha de escravizar um outro ser humano: há orgulho por isso. Há saudade. Preconceito racial é expressão da saudade de ter escravo; de submeter um outro ser humano à inferiorização social.

Os outros crimes, ‘são tantas vezes gestos naturais’. Eu não vejo nada de errado nisso, não. A pessoa tem seu preconceito, tem seu desejo de humilhar, de matar, de destruir, logo está agindo de acordo com a sua vontade e seus interesses. Se fosse errado, haveria punição real. Mas, com uma nota de retratação, se muito, tudo se resolve. Os errados são os que se calam, aceitam, nada fazem...a parte interessada não tem o menor interesse: ao contrário, quem nunca viu pobre defendendo pauta de rico? Quem nunca viu o dono da mercearia do bairro afinar seu pensamento com o do grande empresário do ramo de alimentação, produção e exportação? Quem nunca viu a empregada doméstica da casa do médico desdenhar da diarista ou da empregada doméstica da casa do professor? E a mulher, quando traída pelo marido, que responsabiliza a outra pela traição (o coitado do marido poderia se defender de uma mulher ‘oferecida’? ele poderia evitar, fechar o zíper ou dizer não?); então, não somente há crimes perfeitos, insolúveis, bem planejados, em escala macro; como os há em dimensões menores, repetitivos, previsíveis, mas perdoados pelas próprias partes atingidas. O problema é a qualidade de nosso júri.