Eu acredito em crime
perfeito porque há crime perfeito, insolúvel, jamais descoberto. Isso depende
de astúcia. Estou falando dos premeditados, porque partem de planejamento
prévio, estudos, astúcia. Ao tratar dessa forma, provavelmente alguém pensará
que me refiro a assassinatos e roubos; outros pensarão que cometi algum (não,
nenhum, pode sossegar). Decerto, trato desses, porque quantos crimes cometemos
acidentalmente? Sejam os que nem sabemos ser crime – e um escroto sempre
argumentará que a ninguém é dado o direito de desconhecer à Lei. E eu vos
direi: Caro cara pálida, as leis variam com o tempo, a cultura e os costumes.
Aqui no Brasil, não temos acesso pleno aos códigos legais, sequer à
Constituição. Não temos dinheiro nem instrução. Não temos educação para isso.
Meta seu argumento na mochila! Logo, da mesma forma que há Leis que o próprio
Estado não cumpre (ou o salário mínimo provê o que está assegurado em Lei? Ou
você já leu “É dever do Estado...”blábláblá, sem que o Estado dê o que seria
sua obrigação?)?
Vamos piorar um
pouquinho? Há uma piada que fala o seguinte: “Dizem que quebrar um espelho dá
sete anos de má sorte. E se você tiver um bom advogado, a pena pode cair para
dois anos.” Boa defesa é boa defesa. Mas, voltemos aos crimes perfeitos.
Citei-os por acompanhar nosso cotidiano brasileiro, não apenas da política, mas
os de nossos mais próximos. Quem não conhece um infrator? É que a gente perdoa
muitos, conforme a classe. O orgulho que as pessoas expressam ao falar do
bisavô, rico fazendeiro detentor de 500 escravos; ou das origens italiana e
alemã, dos que depois prosperaram no comércio, no agronegócio brasileiro, esses
orgulhos de terem vindo de brancos; e não dos índios mortos por outros brancos
(que agora prosseguem matando índios, tomando a casa, a terra, destruindo o
ambiente natural deles), sempre tratando como intrusos quem já estava aqui
antes da vinda desses outros que, juntos, formam o ‘nós’ que somos hoje; isso
sempre me chocou. A sorte é que isso tudo é permitido. Não há vergonha de
escravizar um outro ser humano: há orgulho por isso. Há saudade. Preconceito racial
é expressão da saudade de ter escravo; de submeter um outro ser humano à
inferiorização social.
Os outros crimes, ‘são
tantas vezes gestos naturais’. Eu não vejo nada de errado nisso, não. A pessoa
tem seu preconceito, tem seu desejo de humilhar, de matar, de destruir, logo
está agindo de acordo com a sua vontade e seus interesses. Se fosse errado,
haveria punição real. Mas, com uma nota de retratação, se muito, tudo se
resolve. Os errados são os que se calam, aceitam, nada fazem...a parte
interessada não tem o menor interesse: ao contrário, quem nunca viu pobre
defendendo pauta de rico? Quem nunca viu o dono da mercearia do bairro afinar
seu pensamento com o do grande empresário do ramo de alimentação, produção e
exportação? Quem nunca viu a empregada doméstica da casa do médico desdenhar da
diarista ou da empregada doméstica da casa do professor? E a mulher, quando traída
pelo marido, que responsabiliza a outra pela traição (o coitado do marido
poderia se defender de uma mulher ‘oferecida’? ele poderia evitar, fechar o
zíper ou dizer não?); então, não somente há crimes perfeitos, insolúveis, bem
planejados, em escala macro; como os há em dimensões menores, repetitivos,
previsíveis, mas perdoados pelas próprias partes atingidas. O problema é a
qualidade de nosso júri.
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