Louquética

Incontinência verbal

domingo, 22 de outubro de 2023

Neste mundo

 


Nunca me causou tanto enjoo ouvir clichês como os de hoje em dia. Dá vontade de morrer só em ouvir “Crenças limitantes”, “personalidade narcisista”, “Transtorno de sei lá o quê”, uma profusão de repetições aleatórias de gente que se diagnostica pelo Google, se especializa em Tik tok, se pós-gradua em YouTube e faz pós-doutorado em livro de autoajuda e curso com picareta de todo tipo.

A propósito, takiupariu com esse povo carente a ponto de abraçar qualquer picareta que pareça com consolos vagos e promessas de prosperidade. Pior: qualquer um se diz terapeuta, num país que acha que terapia é sinônimo de psicologia ou psicanálise. Sinceramente, é sob este ponto que eu creio que quem cai nessas ondas está buscando um pai, uma autoridade de pai, uma reencenação do cuidado de uma família, recompensas de amor, cuidado e conselhos e, por isso, paga para obter as fórmulas milagrosas que possam sanar feridas.

Moro neste mundo aqui – provavelmente, é o mesmo em que você mora. Porém, tem muita gente que deve morar no mundo da lua. Não sei onde é que a gente compra paz, amor, felicidade, prosperidade e onde é que a pessoa vai para nunca mais ter sofrimentos, nem sentir angústias. Garanto, porém, que não faltarão os que queiram nos vender os mapas para achar esses caminhos. Os mais astutos, obviamente, vão logo estampar o nome de Jesus, puxar aquela credibilidade que os nomes sagrados subscrevem...e para quem está perdido, qualquer lugar é caminho. Os desencaminhados inventam até salvadores na política, os grandes pais severos e conservadores, que irão consertar tudo isso que está aí...velhas necessidades de punição para um povo com tendência à autoflagelação. Sofrimento e dor não ensinam nada. Se ensinassem, seríamos todos sábios, já que não existe quem não tenha passado por dores e sofrimentos.

Semana passada, brinquei com meus alunos, dizendo que na Mitologia está tudo bem, até o momento em que deuses e mortais se encontram. Claro, vai dar em tragédia. Exemplifiquei que um deus do Olimpo tem poderes, tem tudo. Mas, olha para os mortais e sente inveja de alguma coisa. Repliquei um meme de Zeus, em que ele, cercado de deusas lindas, estica os olhos para a Terra, desejoso: “Hum, mortais!!!Quero uma!”. Eu disse que mesmo tendo as deusas a seu alcance, ele nunca está satisfeito.

A brincadeira tem este tom de verdade: somos seres da falta. Todos nós. Ao conquistar o que se quer, passa pouco tempo e já criamos novos quereres. Faz parte. É o estar aqui, é o viver no mundo que faz com que, coletivamente, tenhamos angústias, desejos, anseios, sofrimentos, variando bem pouco conforme a cultura e as maneiras particulares de cada povo pensar e se expressar. Tarefa pessoal do existir. Clichê humano.


quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Palavrinhas e palavrão


 

Há várias situações que podem despertar interesses entre as pessoas, mas por essa eu não esperava: saí de um evento político reivindicatório e fui apresentada a um novo professor, de outro curso da mesma universidade em que trabalho. Somente este seria o fato novo dentro de um contexto sem maiores surpresas. Para mim, era ele uma pessoa comum, um filho de Deus como qualquer outro sobre a Terra. Ocorre que, numa dada explicação em mesa de bar, pedi licença para tacar um sincero palavrão, porque achei ser questão de honestidade me expressar para além de qualquer palavra educada sancionada por minha condição de pessoa letrada e com doutorado. Ora, sei muitas palavras, tenho educação formal. Isso não me isenta de descer a palavra chula que melhor represente minha indignação. Pluft!: falei o palavrão, com prévia licença. Acho que isso soou como palavra mágica, ao ouvido do dito professor.

Poderia ter sido um poema, poderia ter sido “abracadabra!”, poderia ter sido uma fórmula qualquer, um dito filosófico ou versículo da bíblia, mas o que me credenciou ao generoso olhar do outro foi um palavrão.

Só notei o contexto quando recebi um convite do Tal em uma rede social (não, não tenho Instagram, não tenho interesse, não sei usar, adoro não estar lá quando tentam fuçar meus passos). Aceitei o convite e só após notar a empolgação do Tal, dei por mim que aquilo tinha um contexto.

Conto outro caso, bem recente: Campeã que sou eu em pequenas gafes que consistem em achar que, a priori, todo homem que se aproxima de mim é gay e que se algum deles elogiar a minha roupa é porque desejaria me despir e sair usando meu vestido, incorri no mesmo deslize e me abri como jaca que cai do oitavo andar, presumindo estar de conversa de comadre e não em flerte com um outro cara. Só faltei pedir a ele dicas de como colar cílios postiços, até que ele me chamou para ver um por de sol, num panorama totalmente romântico. Agora, que fiquei muda, mais de surpresa do que por timidez, o coitado desse outro deve estar sem entender nada. Penso em, sinceramente explicar, mas vai que ele possa se ofender, não é?

Já vi quem se encante por palavras, mas por palavrão, foi a primeira vez...


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Quem vem com tudo não dança?

 



Até tentei escrever em setembro, mas não houve tempo. Refiro-me a tempo qualificado, não a essas migalhas de improviso cronológico.

Acumulam-se assuntos, acontecimentos, opiniões. Também foi um mês em que mudei muitas coisas em minha vida, tipo: topei um trabalho paralelo temporário, a ser pago em escambo direto, um serviço por outro serviço. Afirmo, contudo, que o meu é mais cansativo e demanda mais esforço, porque trabalho intelectual não existe sem o auxílio do corpo – sentar, pensar, escrever, organizar...

Outra coisa que fiz foi entrar num curso de dança do ventre. Nem era minha escolha, mas era o que havia de compatível com meu horário disponível. E daí começo esta postagem propriamente dita.

Sabemos que vivemos a ambiguidade de estarmos numa sociedade que prega a atividade física como questão saúde; mas que também oferece comodidades que acomodam e favorecem à preguiça.

Queremos fazer ginástica e congêneres (crossfit, musculação, treino funcional, etc.) para ficarmos bonitos, gostosos e sermos reconhecidos por isso. Não vale a pena mentir.

Nunca fui sedentária, mas só me dei conta disso durante uma conversa com o Homem de Capricórnio. Em especial, desde 2013 jamais larguei a academia. Durante a pandemia, eu treinava em casa como me era possível.

Nunca fui gorda, muito menos, preguiçosa. Porém, nunca vi refletidos em meu corpo os resultados de meus esforços. Acrescento que gosto de andar e ando; na academia, corro; em casa, percorro jardins com vários baldes de 12 litros cheios de água.

Como não gosto de ser mal agradecida com meu metabolismo, vou me conformar, dizendo que se a atividade física não melhora meu corpo, ajuda a não piorar. Mas, acho que entrego mais do que recebo. E eis a questão: vou reclamar onde? Já tenho a vantagem de não beber álcool; de não tomar refrigerantes nem ser louca por comidas gordurosas e clássicos como feijoada com cerveja.

Como outras coisas. Sou louca por pão e por café; por bolos e saladas de frutas cheias de caldinhas. Não sou da ortorexia alimentar. Ao contrário, morro de rir dessas histórias sobre reeducação alimentar e declaro que sou, portanto, mal educada.

Acho que vale a pena se movimentar.

Gosto de caminhar e nunca procurei atividades físicas com amigos e amigas. Odeio conversas paralelas. Gosto de estar só nessas ocasiões.

Agora que tenho que aprender a me contorcer com equilíbrio na dança do ventre, quero ver meu ventre livre.