Louquética

Incontinência verbal

domingo, 28 de outubro de 2018

Fair play!



Talvez devêssemos mesmo guardar uma certa distância das pessoas, para evitar devassar as verdades de cada uma. O excesso de intimidade vaza as películas das verdades ocultas, das verdades encobertas...
Se agora reclamamos das inimizadas extra e intra-familiares, foi porque finalmente enxergamos aquele preconceito outrora abafado, louco para sair pela boca afora, mas impedido pela educação, pela vigilância do politicamente correto. Mas ele estava ali. Bastou uma eleição, uma identificação ideológica e o monstro saltou para fora da cela.
Também na vida a dois, seria preciso que não desejássemos saber de tudo, conhecer tudo sobre o outro...nossa curiosidade nos suborna, faz tirar a pele do cordeiro e encarar o lobo, o chacal devorador, que silenciado, dorme oculto nas sombras dos bons relacionamentos.
Já desfiz uma amizade tristemente, porque o amigo, do sexo masculino, interpretou minha educação e descontração como sendo uma declaração de amor. Tenho vergonha até de falar, mas só tive um amor na vida. A vida tem muitos amores, sim. Mas aquele amor que bate, modifica e transtorna o ser, só tive um.
Amor não anda livre pela esquina, aos montes...
Gostar do Poeta, eu gosto. Amar não anda fácil.
De repente vem o desconforto da má interpretação e, para evitar novas confusões, nem ‘bom dia’ eu dou mais ao amigo citado. Deus me livre! Ainda mais, que nada nele me atrairia como homem – ficou, pois, na admiração pela inteligência e criatividade, apesar dele não ser feio. Amigo é amigo, não flerte.
De outra amiga, fica a consideração em meu coração: gosto dela, vou gostar eternamente... Mas, hoje em dia é preciso bem pouco para que eu perceba o pouco-caso, a distância...Então, viajei para cidade em que ela mora, curti o que havia a curtir, mas não a procurei nem a procuraria jamais.
De outro modo, há também os laços desfeitos que te libertam das pessoas ‘pesadas’. São os amigos interesseiros, oportunistas, que estão mais interessados em terem alguém para dividir a gasolina do que partilhar a amizade real. São aquelas pessoas mofadas, que nunca fazem nada por nós, nunca saem, nunca partilham, exceto em causa própria, incluindo a gente nos programas e nas viagens apenas para reduzir o impacto financeiro dos gastos.
Meus amigos reais permanecem em minha vida. Pode ter a crise que for, eles estão comigo no desemprego ou na fartura, na alegria e no transtorno, dando força durante a fraqueza e dando porrada na hora em que não me emendo e insisto num erro. Estes são meus irmãos verdadeiros, a família real, fora da consanguinidade, não há distância que afaste ou derrube.
Acho que precisarei muito dos meus amigos, agora que o Brasil revela sua simpatia por um tirano. Serão quatro anos ainda mais difíceis para o cidadão comum, especialmente para os que não se deixam levar pelas parcialidades que atraem os incautos. Mas, enfim, estive do lado certo do front. Fair play!

sábado, 6 de outubro de 2018

Para quem precisa...




Andei em contato com ex-colegas de trabalho, do tempo em que fui militar. Encontro por acaso, num show da Legião Urbana, há uns quinze dias e me colocaram no grupo do povo.
Que o Brasil está dividido, todos sabem. Mas, o nível da lavagem cerebral a que a coisa chegou, é estupenda. Todos fascinados, comprando briga, abdicando do respeito, abrindo mão da racionalidade...
Claro está que o “Coiso” vencerá as eleições. Chamamos o candidato da extrema direita de “Coiso” para não promover o nome dele na internet.
Por mim, quem quiser que vote na sua própria avó. Para um país que suportou Michel Temer, nada mais surpreende. O caso é observar gente que estudou História, Geografia, Sociologia, votando no Coiso e afirmando os preceitos do programa de governo dele, que nega o mal da Ditadura, que defende o armamento da população (opa, devo dizer que, sim, isso é bastante inteligente: a segurança pública fica a cargo de cada um. Interessante isso, porque já resolve um problema para o Governo Assim, cada um que se defenda); que subestima as mulheres e os negros, os nordestinos, os pobres...
Desta vez, porém, apesar do citado aglomerado de gente cônscia que votará nele (no Coiso), finalmente nenhum FDP poderá colocar a culpa na classe média – porque, no Brasil, até desastres naturais são culpa da classe média, se o bolo não crescer, a culpa é da classe média, tudo na política é responsabilidade da classe média. Enfim, tem pobre, negro gay, nordestino, mulher, todo mundo declarando votos para o Coiso. É uma paixão daquelas bem cegas, é uma síndrome de Estocolmo coletiva.
Por outro lado, o que tem no outro ângulo do cardápio? Gente que teve a oportunidade de governar e perdeu o poder da noite para o dia; gente moderada e gente exasperada; gente clichê e gente delirante, de modo que fica mesmo difícil apostar em renovação.
Ainda que o Coiso não ganhasse, nada mudaria para melhor com um novo presidente. De fato, acho até que o resultado das eleições é um dado secundário, frente a um dado maior, expresso no quanto os brasileiros querem ter porte de armas, sim; querem liberdade para dizimar ladrões; querem declarar abertamente seus preconceitos (para eles é mera opinião) contra homossexuais, mulheres e negros; e os pobres concordam com isso, até endossam opiniões conservadoras. Este é o país real que o politicamente sufocou, achando que basta evitar palavras, basta vigiar declarações, que o racismo acaba, que a homofobia acaba. Este é o povo, que também anda cansado dos mesmos e pensa estar elegendo outros.
Embora eu não vá votar no Coiso, embora eu não pense assim, também sou povo. Minha família é povo (e que povo ruim), meus alunos são povo, meus amigos são povo...o povo é isso, essa massa rude e heterogênea de gente que pensa salvar o barco do naufrágio cuidando apenas do seu próprio lado. Tenho pena de nós... Tenho pavor os meus parentes e amigos fanáticos.
Confirmadas as expectativas, é tempo de aturar as trevas.