Louquética

Incontinência verbal

sábado, 26 de maio de 2018

Todo cuidado...



De quantas ilusões um ser humano precisa para viver? Fantasia, sonhos, sim e sempre. Mas, ignorar a realidade é tarefa ingrata, com saldo preocupante e perigoso.
Não sei quanto as pessoas estão dispostas a pagar por um mundo colorido tecido por elas, com perfeições impossíveis e finais felizes improváveis, mas entendo não apenas que a realidade é dura, como também, que nem sempre a gente tem força para encarar o tamanho do monstro. Citei isso porque vi, com muito espanto, um lugar que eu mesma ocupei, querendo conquistar o amor de quem não me amava. Isso é impossível: no máximo, o outro (o ser amado) vai ter gratidão ou fazer cálculos morais que o leve a ficar conosco, por ser ‘o melhor negócio’. É tipo o cara ser casado e ter namoradas paralelamente, isto é, não querer largar o osso do que lhe parece um bom negócio...Aquela edificação do lar imaginariamente perfeito.
União matrimonial sem traição é uma das coisas mais improváveis do mundo. Pode não ser impossível, mas é improvável.
Digo mais: outro lugar em que já estive é justamente este: eu amava um homem, mas sexualmente não havia sintonia alguma.
Das coisas mais tristes que se pode viver, essa é uma das mais pesadas: amar alguém, mas não ter satisfação sexual com ele.
Os homens resolvem isso tendo amantes. No geral, não se importam se a mulher está feliz. Também, mulheres sublimam mais; e como vivemos num país machista, criou-se a ideia de que mulher não liga muito para sexo, passa muito bem sem isso, se ocupa do lar, tem satisfação em outras coisas, como no acompanhamento da criação dos filhos, numa casa arrumada e, mesmo, em poder fazer inveja às amigas por ter um casamento duradouro com um cara atencioso.
Afirmo, porém, que excedendo esse lugar-comum, o sofrimento é grande. Fugir do sexo do marido é um indício disso: afinal, aquela ‘dor-de-cabeça’ não existia antes. Talvez o sexo mudou, talvez o marido mudou, mas, talvez, ele continuou o mesmo, sem querer mudar.
Foi horrível quando meu coração estava com um homem, mas o resto de meu corpo era domínio de outro – domínio e soberania conquistados pelo sexo bom, pelas partilhas e cumplicidades...E como uma parte do corpo desmentia à outra, foi um dilema deixar quem eu amava.
Que fique bem claro, não foi com o Poeta, com quem prossigo e a quem não amo, mas gosto infinitamente.
Não apoio os que não criam expectativas porque têm medo da frustração. Sem expectativa, sem perspectiva...Sem expectativas eu nem saio da cama. Para quê, mesmo?
Também não entendo o povo apagado, que não vê razões para se arrumar direito ao colocar os pés na rua. Tenha dó! É parte do amor próprio ter uma boa apresentação pessoal: da higiene à aparência. Por mim, viva o batom! Viva a base! Viva o cabelo bem tratado! Feliz desodorante e próspero hidratante, amém!
Cuidado pessoal é muito importante, sim. 
Todo cuidado de si é importante.
Mania besta do povo desleixado é atribuir a terceiros a vontade de se arrumar. Para mim, tem sempre um pouco do bom orgulho, sim, isso de querer que os outros nos vejam sempre em bons trajes, bonitos, bem arrumados. Mas as coisas se retroalimentam: a gente gosta de ser notado em boa aparência e, para tanto, segue se cuidando.
Uns mais reacionários vão dizer que não se importam com o que os outros dizem, mas se importam, sim. E quando são cronicamente desleixados (entenda-se: os que se incomodam com os próprios pesos, mas preferem à preguiça e não vão à academia; os que não têm coragem para encarar o preço das mudanças, a responsabilidade com a saúde, com os estudos, com os empregos, com os casamentos fracassados e, claro, com a própria aparência física), procuram compensar esse déficit com aquisições materiais, tipo carros, celulares ou coisas ostensivas. Traição a si mesmo e falsidade ideológica da pior espécie.
Há muitas maneiras de ser feliz e há muitas maneiras de ser preguiçoso. Como a vida não se delega a terceiros, não há ginástica passiva para substituir nossos esforços particulares. Se o peso é nosso, o exercício cabe a cada um. 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

No mesmo barco?




Já faz um tempo que ninguém mais acredita em amor de graça. Não falo dos relacionamentos de casal, nem da prostituição: falo de nosso trato diário com os semelhantes e com os amigos. Há sempre alguém desconfiado, imaginando que um simples contato se dá sempre por interesse, que mais dia, menos dia, a fatura chega e o outro irá nos pedir favores.
Esses não são, por certo, meu amigos próximos. Por isso mesmo, por serem ou estarem distantes, o contato é pouco, mas a sincera saudade e interesse no bem-estar deles é constante.
Acredito, contudo, que não recebam meus gestos de amor com a gratuidade que eles têm. Assim, falo pouco, procuro pouco, deixo a distância segura se perpetrar e os saúdo em orações ou em gestos anônimos que os favoreçam. Tem dessas pessoas que, realmente, mantém uma cerca de arame farpado em torno de si, com medo que lhes ultrapassem o limite, a privacidade, a paciência.
Declaro outra vez que não gosto de visitas: nem de fazer, nem de as receber. Acho que isso me impôs outras formas de me fazer presente. Porém, poucas pessoas entenderiam que é de graça. Deixo estar.
Há aqueles que sou eu que tenho medo do contato, porque estes, sim, confundiriam com algum interesse sexual, afetivo, financeiro. Ah, sim, há os parentes, tipo minha tia única, que tão amada quanto venenosa, sempre dá um jeito de me causar mal-estar e o arrependimento por minha aproximação.
Às vezes, desisto.
Tem uma série de amizades danosas de que desisti. Desisti sem ódio, mas com bastante perplexidade, com reiterada lembrança das feridas e das dores que me causaram, não porque não tivessem direito a falhas, mas porque eram pessoas por quem eu tive amor. Uma nova aproximação, uma nova chance, seriam muito mais uma nova chance de me machucar. Talvez a chance esteja mais para certeza.
Descobri, também muita gente nova, diferente. A vida flui. É isso: outras correntezas.
Tenho uma dor mais particularmente grave quando os que me ferem são pessoas caras ou amadas. Do inimigo se espera tudo. Dos amados, não. Não consigo perdoar essas pessoas. Falo do perdão que regenera o que feriu, que cola o que quebrou, que costura o que rasgou, reintegra e reconstitui laços. Não! Eu nunca esqueço.
Perdoo defeitos graves, tipo a falta de caridade, a usura, a futilidade, o egoísmo e algumas doses de orgulho...Perdão que é desculpa, como se fosse por um tropeço.
Andei meio ferida pelos próximos, a tal ponto que abdiquei de um direito, só para não vê-los à espreita de meus ganhos – em todos os sentidos.
É preciso que eu explique o que o tempo e a vida espirita me ensinaram: não se pode ter inveja dos outros, ou desejar o destino deles para si. Esse “não se pode” não é por uma moralidade vazia ou por um patrulhamento de atitudes: é que a vida de Maria é de Maria. Esta é a vida dela. Por muitas circunstâncias, tudo foi construído para que a vida de Maria fosse como é, embora muitas vezes nos julguemos mais merecedores que ela, de tudo que ela tem.
A vida de João é de João. Se creio num Deus soberanamente bom e justo, deve haver uma justiça que escapa aos meus olhos e à minha compreensão. Sendo bom e justo, Deus não tem preferidos, nem é tendencioso. Logo não dá, não concede nada gratuita e aleatoriamente. Outrossim, a vida de João é dele. Preciso cuidar da minha.
Já invejei coisas imateriais dos outros, de parentes...depois passou. Entendi. A cada um o que lhe cabe.
Agora foi a minha vez. Fiquei bastante perturbada por pessoas concorrentes estarem a acionar recursos para tomar meu lugar; fiquei infeliz pelos parentes que se arvoram em cálculos financeiros de minha vida e, mesmo, com os que anseiam, com grandes olhos, ganhos que não lhes parecem justos. Isso é muito triste. Não adianta dizer em quantas partes se consomem meus ganhos, pela justa lógica de trabalhar longe de casa, prover passagens caras e demais despesas: eles só enxergam o valor bruto. Na verdade, os valores deles são outros.
Quantas vezes estive no polo oposto? Nesses momentos, que mão se estendeu para mim, a fim de compensar os ganhos que eu não tinha, as minhas necessidades, ainda que por gratuita solidariedade? Quantos se perguntaram de onde vinha meu dinheiro quando eu não tinha renda? Ao contrário, foram omissos e distantes. O quanto duraram perto de mim, foi por explícita revolta por eu ter juntado dinheiro, considerado por eles como um ganho injusto, acima de meu merecimento. Sei é que nas marés ruins, temos poucos amigos...Nas marés cheias, os marujos viram piratas e, se a gente fica desatento, acaba saqueado.