Já faz um tempo
que ninguém mais acredita em amor de graça. Não falo dos relacionamentos de
casal, nem da prostituição: falo de nosso trato diário com os semelhantes e com
os amigos. Há sempre alguém desconfiado, imaginando que um simples contato se
dá sempre por interesse, que mais dia, menos dia, a fatura chega e o outro irá
nos pedir favores.
Esses não são, por
certo, meu amigos próximos. Por isso mesmo, por serem ou estarem distantes, o
contato é pouco, mas a sincera saudade e interesse no bem-estar deles é
constante.
Acredito,
contudo, que não recebam meus gestos de amor com a gratuidade que eles têm.
Assim, falo pouco, procuro pouco, deixo a distância segura se perpetrar e os
saúdo em orações ou em gestos anônimos que os favoreçam. Tem dessas pessoas
que, realmente, mantém uma cerca de arame farpado em torno de si, com medo que
lhes ultrapassem o limite, a privacidade, a paciência.
Declaro outra
vez que não gosto de visitas: nem de fazer, nem de as receber. Acho que isso me
impôs outras formas de me fazer presente. Porém, poucas pessoas entenderiam que
é de graça. Deixo estar.
Há aqueles que sou eu
que tenho medo do contato, porque estes, sim, confundiriam com algum interesse
sexual, afetivo, financeiro. Ah, sim, há os parentes, tipo minha tia única, que
tão amada quanto venenosa, sempre dá um jeito de me causar mal-estar e o
arrependimento por minha aproximação.
Às vezes,
desisto.
Tem uma série de
amizades danosas de que desisti. Desisti sem ódio, mas com bastante
perplexidade, com reiterada lembrança das feridas e das dores que me causaram,
não porque não tivessem direito a falhas, mas porque eram pessoas por quem eu
tive amor. Uma nova aproximação, uma nova chance, seriam muito mais uma nova
chance de me machucar. Talvez a chance esteja mais para certeza.
Descobri, também
muita gente nova, diferente. A vida flui. É isso: outras correntezas.
Tenho uma dor
mais particularmente grave quando os que me ferem são pessoas caras ou amadas.
Do inimigo se espera tudo. Dos amados, não. Não consigo perdoar essas pessoas.
Falo do perdão que regenera o que feriu, que cola o que quebrou, que costura o
que rasgou, reintegra e reconstitui laços. Não! Eu nunca esqueço.
Perdoo defeitos
graves, tipo a falta de caridade, a usura, a futilidade, o egoísmo e algumas
doses de orgulho...Perdão que é desculpa, como se fosse por um tropeço.
Andei meio ferida
pelos próximos, a tal ponto que abdiquei de um direito, só para não vê-los à
espreita de meus ganhos – em todos os sentidos.
É preciso que eu
explique o que o tempo e a vida espirita me ensinaram: não se pode ter inveja
dos outros, ou desejar o destino deles para si. Esse “não se pode” não é por uma
moralidade vazia ou por um patrulhamento de atitudes: é que a vida de Maria é
de Maria. Esta é a vida dela. Por muitas circunstâncias, tudo foi construído
para que a vida de Maria fosse como é, embora muitas vezes nos julguemos mais
merecedores que ela, de tudo que ela tem.
A vida de João é
de João. Se creio num Deus soberanamente bom e justo, deve haver uma justiça que
escapa aos meus olhos e à minha compreensão. Sendo bom e justo, Deus não tem
preferidos, nem é tendencioso. Logo não dá, não concede nada gratuita e
aleatoriamente. Outrossim, a vida de João é dele. Preciso cuidar da minha.
Já invejei
coisas imateriais dos outros, de parentes...depois passou. Entendi. A cada um o
que lhe cabe.
Agora foi a
minha vez. Fiquei bastante perturbada por pessoas concorrentes estarem a
acionar recursos para tomar meu lugar; fiquei infeliz pelos parentes que se
arvoram em cálculos financeiros de minha vida e, mesmo, com os que anseiam, com
grandes olhos, ganhos que não lhes parecem justos. Isso é muito triste. Não
adianta dizer em quantas partes se consomem meus ganhos, pela justa lógica de
trabalhar longe de casa, prover passagens caras e demais despesas: eles só
enxergam o valor bruto. Na verdade, os valores deles são outros.
Quantas vezes
estive no polo oposto? Nesses momentos, que mão se estendeu para mim, a fim de
compensar os ganhos que eu não tinha, as minhas necessidades, ainda que por
gratuita solidariedade? Quantos se perguntaram de onde vinha meu dinheiro quando
eu não tinha renda? Ao contrário, foram omissos e distantes. O quanto duraram
perto de mim, foi por explícita revolta por eu ter juntado dinheiro,
considerado por eles como um ganho injusto, acima de meu merecimento. Sei é que
nas marés ruins, temos poucos amigos...Nas marés cheias, os marujos viram
piratas e, se a gente fica desatento, acaba saqueado.
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