Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 31 de março de 2021

Muito Cuidado!

 


Para mim, a pessoa que não se cuida, que se dá ao desleixo, falta a si mesma. Não entendo o quanto possa faltar de amor por si, a ponto de a pessoa declinar da higiene pessoal, da aparência, dos cuidados que a gente tem até por uma planta – regando, retirando folhas mortas. E eu só estou falando do exterior.

Nunca me preocupei adequadamente com aqueles imbecis que dizem que ‘a gente se arruma para o outro’, porque estes devem pensar que o cuidado pessoal é futilidade. Geralmente, os invejosos, despeitados, preconceituosos e condoídos formam esse time. Para mim, aquele ditado que repetirei a seguir se aplica a tudo na vida: “Se não tens um palácio, enfeita a tua tenda”. Organização e limpeza são lindas e benvindas, na casa, na vida, no corpo. O resto é preguiça e acomodação a coisas que as pessoas nem sabem se pensam mesmo ou se foram coagidas a concordar.

Tanto faz a idade, o gênero, a classe social, o nível de escolaridade, fica bem em qualquer pessoa se cuidar. Agradecer a si, amando a si, reconhecendo o corpo que tem da forma que ele é, já não é a fórmula batida da autoestima. Mesmo porque, autoestima é outra coisa muito superior às balelas da autoajuda – ela diz respeito a um conjunto de coisas, à saúde mental, às nossas escolhas por nosso bem-estar, aos vícios de que nos desviamos, a convívios tóxicos de que nos desviamos...E neste último caso, a família pode se enquadrar. Não conheço veneno mais potente para derrubar moralmente uma pessoa do que um convívio tóxico.

É preciso escapar. Se não dá para fechar a porta ao parente manipulador, àqueles que se aproximam de nós para se aproveitar ou para tentar nos diminuir – quem disse que irmãos não fazem isso? Quem disse que pai e mãe não fazem isso? Quem disse que esposa, esposo, cunhado, não fazem isso? – podemos limitar o alcance dessas pessoas, podemos tomar consciência de onde vem o ataque.

Um dos benefícios da pandemia foi servir de pretexto para afastar esse tipo de gente. Mas, claro, muitos forçam o contato. Uma das peças fundamentais do cuidar de si é a manutenção da privacidade. Sim, você precisa ter segredos – mesmo que não haja razões para esconder nada, por que você precisa compartilhar ganhos, perdas, felicidades ou dores com gente que não tem apreço por você ou, se tem apreço, não tem respeito? Há coisas somente nossas. Inclusive vitórias. O que dá para partilhar socialmente é a superfície do bolo.

Lembro da posição de despeito que uma ex-amiga minha tinha contra TODAS as pessoas que adquiriam bens móveis e imóveis, pagando à vista: parecia uma ofensa pessoal, que alguém pudesse poupar para comprar, declinar de prestações, parcelamentos e outras emoções dos financiamentos. E se lhe parecer exagero, ela, que era avarenta, julgava avarentos os que conseguiam pagar à vista, como se aquilo fosse coisa depreciativa. Muito particularmente, louvo à capacidade de organização financeira, de cuidado, da protagonista da compra. Poupar é igual a regime: não é fácil, mas depois que você se adapta e vai vendo resultados, vai cobrindo e cumprindo a meta, e, finalmente, incorpora como parte constitutiva de seu cotidiano. Penso que quem assim procede, teme muito o dia de amanhã – sabe-se lá o que dará da economia? Sabe-se lá que intempérie de qualquer espécie pode assolar a nossa vida? Eu nunca me imaginei encarando uma pandemia, por exemplo...E olha aí, a gente nessa...Nunca imaginei que funcionários públicos pudessem ficar sem salário por conta de situações orçamentárias de Estados e municípios...mas, fui vendo acontecer com os outros.

Outro fato que a gente capta mal é a vida dos outros: ali são exemplos em que se mirar, para o bem e para o mal. Essa fragilidade remonta a uma velha quadrinha popular muito famosa por aqui, que diz: “Quando vir alguém chorando, não sorria, tenha dó, porque o Mal deste mundo não ficou para um só”, essa velha lição de empatia, serve de espelho para a gente saber que todos nós somos frágeis e suscetíveis.

Olhando também para a vida dos outros, a gente vê o desleixo, a falta de cuidado dos que têm intimidade entre si. Pavoroso a pessoa se permitir ser flagrada no dia-a-dia, como casal principalmente, sem zelo, sem cuidado...já não bastam as partilhas inevitáveis da cara inchada ao acordar, os desalinhos, cheiros, fluidos, tantas outras coisas, que tiram o brilho discreto da privacidade. Por mais que as pessoas saibam das secreções e excreções biológicas, humanas, cabe se preservar minimamente. Odeio, até com amigos, pautas escatológicas ou comentários a respeito...sim, eu me apavoro.

Quando me dizem que certa pessoa está ‘toda largada’, eu penso que a pessoa parou de se amar, que está largada à própria sorte...

NOTA: Citação sobre ex-amiga, cabe um esclarecimento. É que, por exemplo, tem as pessoas que deixam de ser amigas porque não há o afeto, o apreço, a confiança, porque o convívio se mostrou tóxico, com frequentes desrespeitos, que resvalam para humilhações ou conflitos reiterados. Amigos não devem desrespeitar a dor do outro amigo. Amigo precisa fazer concessões. Se assim é, não há motivos para manter. Mas, há também, em meu caso particular, pessoas que eram amigas há anos, num contexto específico e que fazem parte de um tempo. Não gosto do convívio, não quero contato, apesar de nutrir carinho por elas, lhes desejar o Bem. E é algo que pode acontecer com gente da família, de cuja distância depende o bom andamento da relação.


domingo, 14 de março de 2021

Há mar

 


Na sexta-feira, 12 de março, combinei com meu namorado de irmos à praia no dia seguinte, depois de meus 14 meses sem colocar os pés no litoral. Planejamento que levou em conta ir bem longe mesmo, porque, sinceramente, não gosto de aglomeração em tempos normais e muito menos sob pandemia.
Naturalmente, iríamos mais por questões de saúde mental do que, necessariamente, pelo lazer.
Como um preso qualquer, estive e estou privada de coisas triviais para o bem-estar. Todavia, não foi o prefeito, nem o governador, nem autoridade eclesiástica, nem um super herói da Marvel que me impediu de viver a normalidade: foi a pandemia. E toda vez que recuo diante do que desejo, neste sentido, não o faço por obediência a decretos externos, mas por aquela lei interior, chamada Lei de Sobrevivência, que, a seu turno, me chama à responsabilidade sobre os meus atos e alerta sobre as consequências deles. Nem quando eu era adolescente tive esses arroubos doidos de querer desafiar e ser do contra.
Não conto quantas amigas minhas saíram da UTI, por COVID agravada, e foram direto para viagens, praias e festas. Não é exagero nem invenção: saem do estado grave mesmo, vão em casa e seguem feito loucas para Fortaleza, para a Chapada Diamantina, Ilha de Itaparica e etc., isso se eu excluir os amigos que, em geral forçam as visitas a mim.
No fim das contas, o litoral está interditado por conta da pandemia. Fiquei em casa. Sinto muita falta do mar, mas pior seria sentir falta de ar. Se posso evitar, evito.
Tem sempre um doido que diz que o governante que institui a redução do fluxo de pessoas nas ruas (lockdown, meus amigos, no Brasil, nunca houve) é um monstro, ditador, miserável. E eu só acho engraçado é o ser humano perder de vista que comércio aberto é lucro político para o governante, significa ganhar simpatias e afagos, é imposto que entra, é fazer a média justamente com esta maioria ruidosa, que comanda o país de verdade – os cargos, no geral, são figurativos. Governante, no Brasil, costuma ser um fantoche, é só um quadro na parede. Para chegar ao ponto de o governante decretar fechamentos, há de se crer que é uma decisão com contas muito bem feitas, porque no nosso país não se dá ponto sem nó, não se faz qualquer coisa sem antes traçar o cálculo dos impactos. Assim, quem quer que seja a ocupar uma cadeira no poder político, de qualquer partido, de qualquer religião, gênero, time ou facção, não opta por renunciar ao capital simbólico e ao capital real que seriam imensos se eles simplesmente deixassem o barco correr.
Poderia não pagar por tal escolha, tão impopular, e dizer que é de conhecimento de todos a pandemia e que todos façam o que bem entenderem, porque são cidadãos livres e conscientes, que respondem por si mesmos. Então, ele estaria de mão lavadas e cada um que assumisse suas escolhas.
Assim seria, se pudesse ser.
Às vezes, isso que nós enxergaríamos como plena liberdade, no fundo, não passaria de negligência política.
Presumo que eles poderiam fazer isso. Lucrariam muito em todos os sentidos. Mas, apesar de me contrariar a impossibilidade de ir e vir, eu sei que o que está em jogo é o bem-estar coletivo. Em sociedade, liberdade também é renúncia. Teoricamente, a gente é livre para fazer o que quer, mas há momentos em que todos precisam renunciar a parte das vontades, a fim de instituir a sobrevivência coletiva. Ainda que assim não fosse, minha causa primordial é não adoecer. Se for inevitável, que pelo menos eu não seja cúmplice de meu próprio sofrimento.