Louquética

Incontinência verbal

sábado, 29 de agosto de 2020

Tretas de terapias

 


Uma amiga me presenteou com uma sessão de tethahealing. Fui desarmada, sem sequer ir dar buscas, porque não queria ir com conceitos prévios, preconceitos.
Primeiro, aceitei de coração aberto o presente. Entendi a intenção.
Parece uma sessão de psicanálise, misturada a uma sessão mediúnica, com um pouco de umbanda e, como não poderia deixar de ser, constelação familiar.
Eis o que o mestre perguntou: “Você já fez constelação familiar?” Não pestanejei e dei minha resposta clássica: “minha família não tem estrelas” (por dentro, eu só pensava no meteoro e nas estrelas cadentes que tenho como parentes recém-descobertos).
Fui mais artificial do que todo o processo: fiz de conta que aceitei com surpresa, mas achei um verdadeiro mosaico, um patchwork de procedimentos religiosos.
O mestre olhou minha aura e constatou algo em minha garganta (acertou: eu somatizo os sapos engolidos, não é ironia); o mestre disse que eu tinha encostos espirituais – e aí, como espírita, eu disse logo que não há quem ande sozinho; que os espíritos se deixam atrair por similitude e todos os pormenores, conselhos e soluções que a doutrina espírita explica...
Houve um festival de lugares-comuns, do mais puro clichê (ou sou eu que já corri muitas estradas e vi repetição barata em tudo), cujo ápice foi: “Por que sua amiga se motivou a te presentear com esta sessão?”. Eu respondi a causa. Ele seguiu: “você reconhece que tem atitudes repetitivas?” Acontece que não, eu não repeti. A causa de agora é totalmente nova e desconectada de outras situações prévias.
O comportamento dele foi que pareceu ensaiado demais, roteirizado, parecendo querer induzir minhas respostas...
Não invalido a experiência porque, acima de tudo, tinha a postura amorosa da minha amiga. Sabe, eu penso que quando alguém me dá um presente qualquer, ali está a parte material, está o tempo da pessoa, na procura do objeto, está o dinheiro gasto, está ela mesma, ao se ocupar de mim. Então, valeu a tentativa de me dar alentos.
Se um ser humano treinador de toda espécie consegue adestrar a mente alheia, de modo a construir na pessoa as respostas de confiança de que ela precisa, para mim, está valendo.
Mesmo que seja mentira, está valendo. É tipo placebo: não tem nenhum princípio ativo ali, mas se você acredita, te cura.
De tudo isso eu acho o mesmo que da autoajuda: vivemos com medo, angústias, impotência, insuficiências, queremos consolos e respostas. As técnicas mais picaretas vão responder ao quadro, tanto quanto as técnicas mais sérias e científicas poderiam fazê-lo.
Crime seria fazer crer que se pode prescindir de psiquiatra, psicólogo, remédio, tratamento médico, por uma solução alternativa. Todo o resto é complementar. O exercício de falar de si, da família, dos problemas, em desabafos coordenados, ajudam a resolver os nós na garganta (os sapos engolidos).
Claro que o charlatanismo existe descaradamente. Se colocar um adjetivo científico ao lado, aí é que é sucesso: quântico, físio, neurocientífico, cerebral, psico... para dar credibilidade e chamar clientes.
Para mim, foi uma experiência nula, a tal ponto que não gerou a vontade de prosseguir. Foram duas horas de terapia ecumênica e aqui aproveito para dizer outra coisa: já topei com mil pessoas dizendo que iam à terapia e com duas mil que se diziam terapeutas. Sem a menor maldade, indaguei: e qual a sua terapia? A pessoa não sabia responder. Era terapia em terapia – ou seja, tanto poderia ser psicanálise quanto origami e artesanato. Nem as pessoas em terapia, nem os pretensos terapeutas sabiam o que era terapia.
A gente cuida da planta ou faz joguinhos e diz que é terapia (terapia, ocupação, não fazem o terapeuta ocupacional, viu? Aproveitando para brincar com a vulgarização do termo), mas é higiene mental.
Sinceramente, acho que a gente, como qualquer outro animal, pode ser adestrado, pode sofrer lavagem ou sujeira cerebral. E somos mais vulneráveis quando desesperados e fragilizados. Se estamos perdidos, qualquer farol é a luz do fim do túnel...o problema é a cegueira temporária do deslumbramento.
Os problemas humanos não são resolvidos como macarrão instantâneo. E se fosse, que gosto ruim tem aquilo...
Gostaria de dormir com angústias e acordar com felicidade, gostaria de tudo” do bem, do bom e do melhor” para ontem, mas não funciona assim.
Para quem estiver na dor e no desespero, o que funciona é parar, se lamentar, chorar se der vontade. Esta é a parte humana do desabafo. Depois que a cara inchou de choro, é hora de pensar em como resolver.
Se não houver modos imediatos de solução, resta pensar que a vida já lhe trouxe outros problemas e todos passaram e você continuou.
Se rezar te faz bem, reze. Tem em quem confiar? Converse. Não tem jeito? Simplesmente desista, viva seus lutos e invista em outras lutas.

Falo com conhecimento de causa, com relato pessoal: Eu amei por dois anos e sete meses o Ex-Grande Amor da Minha Vida, que, simplesmente, foi a experiência mais dolorosa que eu já tive. Dores que me laceravam, transformando a vida numa nuvem fria de uma noite eterna de angústia de perdas. Fui à analista, fui à Igreja (eu era católica, na época), fiz promessas, saí, viajei, namorei gente avulsa...me ocupei, para nem ter tempo de sofrer – mas, sofri e chorei. Até que passou.

Hoje, mal tenho lembranças - a lembrança virou um bloco compacto mesmo, não consigo lembrar de momentos a dois, de coisas pontuais ou singulares (graças a Deus).
Dos lugares em que trabalhei, especialmente da vida militar e da escola básica no interior, mal tenho lembrança de nomes de pessoas ou situações  – para ser sincera, nem de Aracaju eu me lembro, da universidade federal em que trabalhei... E assim é: tudo passa e a gente passará. Só não dá para existir e não ter problemas e angústias: elas vão, vem, se modificam, mas acompanham a vida.

Sempre que acabo um texto, perco meu tempo para explicar que eu não estou prescrevendo nada para ninguém, que cada um é livre para as suas escolhas e que coloco aqui coisas particulares, sem endereço certo, então, é da minha conta. Cada um que responda por sua vida.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Tristes trôpegos

 


Estamos todo tristes: nós, os de cá, os meus próximos e eu. Inclusive os meus mais próximos que moram longe – se tem uma coisa que a filosofia dos para-choques de caminhão ensina direito, é esse negócio de que a amizade supera distâncias. Assim, no afeto estamos juntos.

Por certo, não temos depressão patológica (até porque, ela é bastante singular, embora algumas pessoas gostem de se dizer depressivas, para ganhar afagos e atenção e, fundamentalmente, para capitalizar um suposto estado de angústias), mas notamos o peso da tristeza.

Voltei a fazer caminhadas sistemáticas, porque eu fiquei de março a julho em quarentena severa e, aos poucos, foi me dando pavor de não fazer o corpo se mexer. As academias abriram, mas, lá eu não vou. Só que parece que eu fiquei com energia acumulada mesmo: andar três quilômetros não dá para nada, para mim. Aí, tenho feito de 6 a 10km, geralmente, 3 vezes na semana. Alterno com exercícios em casa. Julgo que, se assim não fosse, eu estaria deprimida.

No período anterior, chovia mais, não dava para sair caminhando.

Como eu já declarei, nunca me faltou o que fazer durante a quarentena: reuniões, lives, TCC (tenho um para fechar domingo, que me foi entregue hoje), livros...E a casa? Excedendo o trabalho doméstico, que nunca falta, que nunca acaba e que sempre se renova, fizemos o jardim (tarefa que nunca acaba, porque implica no cultivo de bougainvilles, em pintar pneus, pallets, vasos, decoração, etc); fizemos um deck de madeira, que levou todos os meus vinténs e dentro de casa também sigo arrumando as coisas.

Junto agora todas as coisas que parecem dispersas: ao caminhar, vejo o mundo de outro jeito, como se fosse um outro lugar. Não há mídia que me faça acreditar em NOVO NORMAL. Não é normal caminhar de máscara, com a respiração reduzindo ou o ar ficando quente...E olhar as pessoas, em filas persistentes, tentando existir, tentando ser e durar...

Não volto à academia neste ano. O NORMAL não vem por decreto. Não é normal nada disso que vivemos agora. Estabelecimentos abertos e abarrotados de gente, não vão tornar as coisas normais – pelo menos para mim, ando com muita estranheza, cautela e distância e ai de quem ousar me visitar! Preciso de distância.

Estar em casa não me incomoda. Só não é normal. A praia não seria normal agora, por exemplo...

Tempo?  Não tenho, não. O fato de romper a rotina e a normalidade, não implicou em que eu tivesse tempo. Meu dia acaba logo. Meu dia não dura nada.

Achei que somente eu tinha essas angústias: vejo as pessoas agirem normalmente, naturalizarem tudo...aí vem meu amigo contar que vai ao psicólogo na terça, e um outro, a reclamar tristezas e, ao olhar, estamos aos montes, todos tristes. Vou fazer trocadilho com Claude Lévi-Strauss, na obra Tristes Trópicos, sem querer desmerecer o ensaio antropológico, mas apenas para dar um título condizente com nossa caminhada trôpega, vacilante, no terreno da tristeza.

Outro aprendizado, com velhos sentimentos em novas circunstâncias – está difícil ser normal.