Louquética

Incontinência verbal

domingo, 19 de março de 2023

Temos nosso próprio tempo

 


Dar um tempo. Quem nunca disse ou nunca ouviu isso de alguém? Porém, o tempo é nossa maior moeda e a gente não anda dando essa riqueza assim como pensamos, não. Principalmente, para nós mesmos. Somos econômicos em dar um tempo para nós.

Logicamente, a expressão ‘dar um tempo’ é mera desculpa para a gente se desembaraçar de alguém, de acabar discretamente um relacionamento – espera-se que o outro entenda isso; e é um modo de se desvencilhar de alguém, deixando-o em stand by, porque a gente dá um tempo para viver outras coisas com outras pessoas e, se der errado, teremos alguém à nossa espera. Porém, à parte minha ironia e sincericídio, dar um tempo para nós não é simplesmente reservar uma parte do dia para cuidar do cabelo ou ler um livro: é ter mesmo paciência consigo mesmo.

Quando a gente ama quem não deveria amar e, finalmente, se toca da necessidade de cortar o vínculo e esquecer, somos impacientes com nosso processo de luto e de esquecimento.

Não há cronogramas fixos, mas a gente sabe que é sempre proporcional ao tempo do relacionamento e à intensidade do que foi vivido. Mas, um ano é um bom tempo. Eu já disse, aqui, minha exceção: levei dois anos e sete meses para esquecer completamente o Ex-Grande Amor da minha Vida. Foi um esquecimento real, de um amor real. Durou demais o amor em mim.

Ficamos impacientes conosco mesmos por uma questão lógica: queremos acabar com o sofrimento, queremos seguir em frente, queremos que a angústia passe.

Por vezes, como não se sentir otário, um completo imbecil, por sabermos que deveríamos esquecer a pessoa, termos interesse em esquecer, mas nenhuma condição real de esquecer e somos surpreendidos, perdendo tempo ao pensar em quem sabidamente não deveríamos pensar?

Nos primeiros meses, normal é ser lento para esquecer: ainda há esperança de que o Outro reconheça nossas qualidades; que ele se modifique, que algo aconteça para regenerar o afeto e a relação...então, jogamos o esquecer-esperar.

Reforço: não seja besta de achar que amar a quem te ama, amar e ser correspondido, garante sucesso no amor, na relação. Pode acordar: amor é apenas um aspecto de um relacionamento – acrescento, ainda, que tem gente amiga que eu amo muito, mas não quero conta, não quero amizade, não quero perto de mim. E mais: tem parente que eu amo, amo bem de longe, porque de perto só dá briga. Portanto, peço desculpas em nome de quem te enganou e vendeu a receita errada. Amor, para dar certo, precisa mais do que amor (respeito, afinidades, reciprocidades, acordos, etc).

A hora de desistir depende de campo de visão, de esgotar dentro de si todas as esperanças, de se convencer de que basta, que nada mudará. Mas, é um percurso seu, particular. E dói muito deixar quem a gente ama e quem a gente quer. A meu tempo, doeu largar um emprego cujo salário eu amava. Tenho muitas saudades daqueles proventos, mas não me fazia bem. Há custos emocionais, custos do bem-estar psicológico, que não tem dinheiro que pague.

Não é fácil pedir exoneração, não é fácil terminar, não é fácil dizer um não, porém, muitas vezes, é o caminho da cura.

Tenha paciência consigo. Temos nosso próprio tempo. Não há como acelerar esquecimentos com áudios de hipnose, nem com remédios, nem com outras pessoas, nem com promessas. Mas, não está proibido tentar nenhum método. Às vezes,  a eficácia simbólica de fazer uma promessa ou de fazer qualquer coisa com o objetivo do esquecimento, ajudam. É uma ilusão ‘consciente’, como uma meta.

Remédio ajuda, caso a separação gere sintomas físicos, tipo perda severa de apetite ou insônia. É um recurso para manter a vida, mas tem tempo determinado para ser usado.

Sem querer repetir fórmula pronta, afirmo que atividade física ajuda mais do que se pode imaginar: se mexer é fundamental; ter uma rotina boa, de gasto de energia e de concentração, ainda que forçados, valem a pena. Incentivar a disciplina e incorporar um novo hábito ajuda a dar outra cor ao seu dia.

Não caia na loucura da autoajuda e nos delírios gratiluz: pensamento, sem ação, é sonho vago. Ninguém vai resolver a sua vida por você. Ela é sua. Ler vai ajudar, viajar vai ajudar, procurar outras fontes de prazer vai ajudar...a esquecer? Não, a sobreviver.

O pensamento vai girar e cair no mesmo ponto, fazendo você lembrar de quem deveria esquecer. Não se desespere. Aceite. Olhe para si e reconheça se ainda ama, se quer a pessoa, se tem desejos de vingança...olhe para si com sinceridade e reconheça seus afetos. Não precisa contar aos outros, precisa identificar o que sente.

Não sinta ódio por não conseguir atingir a meta do esquecimento. Quando você esquecer, mal perceberá: é como uma paisagem que vai ficando pequena conforme você se afasta. O outro vai ficando pequeno, diminuído, até desaparecer. E o afastamento não precisa ser material, físico, concreto: afastamento afetivo é o que faz, por exemplo, um casal viver juntos e não se gostar. Nem sempre o estar juntos significa amor; nem sempre o estar separado significa esquecimento, do mesmo modo que se pode estar sozinho numa relação a dois, em que o parceiro é distante. Geralmente, quem termina a relação já estava fora dela, já estava longe em sentimentos, a gente é que não viu. E assim, para nós, que já gostamos de outras pessoas e deixamos de gostar, sabemos que isso não dura a vida toda. Tudo passa. O que não vale é forçar a barra, porque você iria odiar ter que ficar ao lado de quem você não quer – seria o mesmo que manter na prisão aquele prisioneiro que já cumpriu a pena, num  castigo desnecessário e injusto, onde estar conosco é um recurso artificial para mandar na vontade do outro. Tenhamos dignidade.

Tenhamos paciência.