Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 27 de março de 2019

Os lados do muro


Os limites do respeito podem ser estabelecidos por cada pessoa...Mas, ainda que não possamos enxergar as margens entre as coisas, não é difícil de perceber quando eles são ultrapassados. Nesse processo, a gente decide o que suporta, o que perdoa e o que é impossível passar em branco. 
Não são novidades as brigas político-partidárias no Brasil, as tendências, os extremismos...A novidade é o estado geral da ditadura interior, de um endurecimento moral, que todos nós sabemos ser o louvor da hipocrisia. Por outro lado, não deixa de ser interessante ver gente, na horizontalidade das relações, isto é, entre aqueles de nosso próprio convívio relacional, decepcionado e boquiaberto por ter descoberto que o Brasil é conservador e moralista. 
A nata da intelectualidade achava que bastava um “bom dia para todos e para todas”, para mostrar que tínhamos avançado em questões de igualdade. Ora, a troca semântica sempre foi vista como avanço, progresso, evolução. Então, se a pessoa deixa de ser chamada de ‘empregada doméstica” e passa a ser chamada de ‘secretária do lar’, ganha muito simbolicamente, porque se desvincula da carga pejorativa que acompanha o termo ‘doméstica’. O que rege o politicamente correto é o verniz do respeito. Isto assim era, até cair a máscara de nossa sociedade que, aliás, nunca largou suas posturas senhoriais, patriarcais, coloniais, 
Também se revelaram as vinculações ideológicas: seja para um lado, seja para um outro, as pessoas escolhem seus espelhos partidários, os candidatos e políticos mais alinhados com aquilo que elas pensam e que melhor reflete quem elas são. 
Meu caso singular de ficar embasbacada foi com uma amiga que não sabe que é negra (eu que não vou contar a ela isso) e com um parente que não sabe que é pobre ( também não vou contar, porque ele acha que é empresário, mesmo sem ter empresa alguma, mas por prestar serviços a uma empresa que o faz se sentir 'autônomo') e se sentem a elite da sociedade, agindo em defesa da elite. 
Mas, coitada da elite. Coitada da classe média. Sempre foram responsabilizadas por tudo nesse país... O problema é que não temos elite numericamente que justifique os panoramas políticos. A elite é percentualmente insignificante e, por maior que seja a sua influência e seus poderes, não conseguiria dar conta de todos os males que se atribui a ela. É a nossa defesa sociológica dos mais pobres, que colocamos como vítimas. Equívoco maluco: tantos nutrem simpatia pelo opressor – lugar que sonham ocupar, como aquelas vítimas vingativas, como o operário humilhado, que sonha em ser patrão para poder humilhar também... 
Aqui no Brasil, classe é um problema: a pessoinha financia um imóvel em 30 anos, num condominiozinho afastado, e se sente o tal; constroem um puxadinho a que chamam área gourmet e já se acham donos de mansões - pura ostentação! Aqui, se o vigilante da empresa de valores ganha 20 mil e o advogado da empresa estatal ganha 15 mil, instaura-se um caos, porque as pessoas confundem dinheiro, capital e capital simbólico - e só não cito aquelas duas categorias clássicas da Economia, porque não quero mimimi de gente tosca, que quer vir para a conversa para a qual não foi convidada. Não me isento de rir, mas dar minha opinião sincera me faria perder amigos caros, daqueles que acham que a pobreza se faz por quem não tem condições mínimas de sobrevivência. Não vou explicar a tais pessoas que somos pobres também - a pobreza não é homogênea. Que fique entre nós tais segredos. 
No Brasil nunca faltou quem dilapidasse os cofres públicos - Maluf existe há décadas, Sarney também, só para a gente citar e exemplificar. Logo, temos experiência histórica com esse assuntos correlatos ao tema.
Da mesma forma que poucos de nós podem afirmar que conhece alguém que resolveu se tornar médico para ajudar a melhorar a saúde no país, nem um jovem que queira ser soldado da polícia a fim de contribuir para um justiça eficaz e uma segurança humanizada ( se vocês foram sortudos em conhecer tais pessoas, hosana a Deus e muita glória!), um político não quer o cargo público para defender interesses do povo. 
Isso não quer dizer que não haja político digno. Muito menos quer dizer que articulação política é formação de quadrilha. É jogo de interesses, os mais variados. 
Mas, de repente, a paixão do brasileiro saltou do futebol para a política, com a mesma cegueira e com a mesma paixão. Nada pode ser discutido. Seja como for, o silêncio é o lugar mais seguro para todos – e se a gente reconhece erros de um lado e acertos de outros, vem alguém para dizer que estamos em cima do muro.  E pode ser, sim: de cima do muro se pode observar, concluir... E descer com segurança e equilíbrio, para não machucar o pé.