Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Pobres e vagabundos



Vamos falar de pobreza e vagabundagem? Para muitos, os termos são homônimos. Há aqueles para os quais a pobreza é o resultado da preguiça. Estes últimos acham que os pobres preferem ser pobres a terem que trabalhar; acham que as pessoas preferem viver de Bolsa Família e que quem tem força de vontade prospera.
Podemos responder a tais absurdos começando de baixo: ainda que uma pessoa pobre seja dotada de aptidões profissionais e intelectuais, se não houver oportunidade os talentos que ela possui serão nulos.
O desempregado precisa de dinheiro para poder procurar emprego: precisa de higiene pessoal, de transporte, de alimentação e, em muitos casos, de investir em novas áreas da própria formação. Para tanto, precisa ter dinheiro. Assim, a gente nota que para ganhar dinheiro é preciso ter dinheiro – e isso é paradoxal tanto quanto é verdadeiro.
Seguindo na questão, é preciso criar condições de empregabilidade. As pessoas fora do mercado formal de trabalho ‘se viram’. Isso significa improvisos, bicos, informalidade (trabalho sem emprego); significa se meter a fazer coisas que aparentemente qualquer um faria (uma faxina, cuidar de idosos, guardar carros, vender coisas em sinaleiras) e uma infinidade de atividades.
Passemos aos vagabundos. Devo dizer que assim como nem todo pobre é vagabundo, a maioria dos vagabundos não são pobres – destaco, ainda, que assaltantes geralmente não são assaltantes por serem pobres, mas por desejarem consumir como ricos; e a regra se aplica a estelionatários e demais ladrões, de todos os tipos e escalas sociais.
Raro será encontrar um de nós que não conhece um vagabundo. Eles estão bem próximos: é aquele sobrinho que nunca termina o curso superior porque achou interessante ser estudante e contar com o dinheiro dos parentes, se amparando na suposta condição de estudante; é aquele nosso amigo irresponsável, que vive às custas da mãe ou de outro aposentado da casa e da família, sob a desculpa de que fica em casa para tomar conta dos mais velhos, de quem não quer se afastar; é a outra pessoa, eternamente jogada em concursos impossíveis, que também encontra alguém que financie sua internet e suas taxas de inscrição, sob a promessa de que será classificado algum dia; são as pessoas que, sendo inteligentes, nunca terminam nada do que começam – seja a autoescola, a universidade, o curso de qualquer coisa – porque se acham acima dos professores e instrutores; são os maridos bem casados com mulheres esforçadas, que acreditam que eles sejam autônomos que num dia têm dinheiro e, no outro, têm pouco e, por isso, não precisam pagar despesas de casas e, além de tipos variados e múltiplos, o vagabundo realmente inocente: o que foi convencido pelos parentes (geralmente os pais) de que não é apto para nada, que nunca passará em nada e que introjetou essas ilações como se fossem verdades absolutas, de modo que desenvolveu um complexo de inferioridade que o fez ter medo de tentar e, desta maneira, fica em casa contando com o pão de cada dia dos familiares, ainda que isso tenha o preço da humilhação.
Acho feio e continuarei achando condenável quem quer humilhar os outros por serem pobres.
A pobreza retira o acesso a bens materiais. Significa não ter. Às vezes significa não ter o que comer ou onde morar, mas não dá o direito de ninguém humilhar a pessoa ou acusá-la de ser responsável pela condição em que ela se encontra.
Se pensamento positivo resolvesse, seria ótimo, mas a pobreza é multifatorial – e nestes fatores múltiplos, há diversos que são responsabilidade de políticas governamentais mesmo; da Economia; da família; de situações anômalas (doença, falência, desequilíbrios e desajustes psicológicos, etc).
Às vezes falam que há ‘pobres metidos a besta’, porque esperam que todos os pobres tenham postura subserviente; que as necessidades fazem as pessoas dobrarem os joelhos junto com a dignidade perante quem tem mais...
Uma vez eu contei esse fato aqui no blog, sobre quando eu tinha 11 anos e veio um pedinte à casa de minha madrasta, querendo almoço. Ele advertiu: “não gosto de macarrão”. Eu achei um absurdo, mas a filha de minha madrasta, para a minha surpresa, foi anuente com o mendigo e me disse que era isso mesmo, que tem gente que não gosta de macarrão.
Na minha cabeça, naquela época, quem tem fome não faz escolhas – um absurdo que aprendi socialmente mas, ainda bem, modifiquei.
Interessante é que há os pobres que não sabem que são pobres – a pobreza tem muitas faces e níveis, mas o engraçado é ver um povo que compra uma casa que será quitada em 35 anos; vive do limite do banco; atrasa contas; conta os centavos, vive no aperto, tem um salário que não dura cinco dias, se achar classe média.
Isso significa que a consciência de classe anda em baixa, o que faz com que os pobres venham a aderir a modelos de exploração, de economia, de governo e de sociedade que prejudicam a eles mesmos, pois que não se reconhecem como pobres e acham que as decisões que afetam os pobres que estão abaixo da linha da pobreza(miseráveis) não os atingirão; e que o interesse dos ricos traduzem suas próprias necessidades.
A classe média existe, mas não pense que ‘média’ queira dizer ‘meio termo’, ou seja, nem exatamente pobre, nem exatamente rico – esse é o pensamento do pobre ignorante de si mesmo, acima citado; o pobrezinho que teme a chegada da fatura do cartão de crédito; que anseia por um troco a mais num restaurante, para seu benefício.
Classe média é economicamente abastada, não conta centavos, tem heranças, tem rendas (e não apenas salário) tem capital simbólico (educação formal; prestígio; influência; acesso a cultura imaterial, etc.) – sabe que não é exatamente rica porque trabalha mais que administra seus bens, mas não passa nem perto da pobreza, enquanto pode transitar por instâncias superiores.
Como não somos estúpidos, sabemos que classe ultrapassa questões financeiras – vai bem além.
Ah, sim, há ricos vagabundos? Muitos: pegam carona na fama alheia; fazem conchavos, participam da corrupção da esfera política, articulam, barganham, negociam, especulam...
Não vivemos em uma sociedade igualitária e ponto final.