Louquética

Incontinência verbal

domingo, 14 de março de 2021

Há mar

 


Na sexta-feira, 12 de março, combinei com meu namorado de irmos à praia no dia seguinte, depois de meus 14 meses sem colocar os pés no litoral. Planejamento que levou em conta ir bem longe mesmo, porque, sinceramente, não gosto de aglomeração em tempos normais e muito menos sob pandemia.
Naturalmente, iríamos mais por questões de saúde mental do que, necessariamente, pelo lazer.
Como um preso qualquer, estive e estou privada de coisas triviais para o bem-estar. Todavia, não foi o prefeito, nem o governador, nem autoridade eclesiástica, nem um super herói da Marvel que me impediu de viver a normalidade: foi a pandemia. E toda vez que recuo diante do que desejo, neste sentido, não o faço por obediência a decretos externos, mas por aquela lei interior, chamada Lei de Sobrevivência, que, a seu turno, me chama à responsabilidade sobre os meus atos e alerta sobre as consequências deles. Nem quando eu era adolescente tive esses arroubos doidos de querer desafiar e ser do contra.
Não conto quantas amigas minhas saíram da UTI, por COVID agravada, e foram direto para viagens, praias e festas. Não é exagero nem invenção: saem do estado grave mesmo, vão em casa e seguem feito loucas para Fortaleza, para a Chapada Diamantina, Ilha de Itaparica e etc., isso se eu excluir os amigos que, em geral forçam as visitas a mim.
No fim das contas, o litoral está interditado por conta da pandemia. Fiquei em casa. Sinto muita falta do mar, mas pior seria sentir falta de ar. Se posso evitar, evito.
Tem sempre um doido que diz que o governante que institui a redução do fluxo de pessoas nas ruas (lockdown, meus amigos, no Brasil, nunca houve) é um monstro, ditador, miserável. E eu só acho engraçado é o ser humano perder de vista que comércio aberto é lucro político para o governante, significa ganhar simpatias e afagos, é imposto que entra, é fazer a média justamente com esta maioria ruidosa, que comanda o país de verdade – os cargos, no geral, são figurativos. Governante, no Brasil, costuma ser um fantoche, é só um quadro na parede. Para chegar ao ponto de o governante decretar fechamentos, há de se crer que é uma decisão com contas muito bem feitas, porque no nosso país não se dá ponto sem nó, não se faz qualquer coisa sem antes traçar o cálculo dos impactos. Assim, quem quer que seja a ocupar uma cadeira no poder político, de qualquer partido, de qualquer religião, gênero, time ou facção, não opta por renunciar ao capital simbólico e ao capital real que seriam imensos se eles simplesmente deixassem o barco correr.
Poderia não pagar por tal escolha, tão impopular, e dizer que é de conhecimento de todos a pandemia e que todos façam o que bem entenderem, porque são cidadãos livres e conscientes, que respondem por si mesmos. Então, ele estaria de mão lavadas e cada um que assumisse suas escolhas.
Assim seria, se pudesse ser.
Às vezes, isso que nós enxergaríamos como plena liberdade, no fundo, não passaria de negligência política.
Presumo que eles poderiam fazer isso. Lucrariam muito em todos os sentidos. Mas, apesar de me contrariar a impossibilidade de ir e vir, eu sei que o que está em jogo é o bem-estar coletivo. Em sociedade, liberdade também é renúncia. Teoricamente, a gente é livre para fazer o que quer, mas há momentos em que todos precisam renunciar a parte das vontades, a fim de instituir a sobrevivência coletiva. Ainda que assim não fosse, minha causa primordial é não adoecer. Se for inevitável, que pelo menos eu não seja cúmplice de meu próprio sofrimento.

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