Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 1 de outubro de 2019

As sombras das angústias



Aprendemos a lição de um modo errado: achamos um absurdo que uma pessoa que tenha tudo possa vir a ter angústias, depressão, transtornos psicológicos. Reafirmo que não é porque se tem tudo, que não se sente falta de nada.
Claro, as necessidades causam transtornos também. Fica difícil ser feliz quando há ordem de despejo, telefonema de credores, situações de humilhação, de necessidades materiais...
Às vezes, ter recursos materiais não poupará ninguém das dores da existência, mas já ajuda no suporte e na aquisição da ajuda profissional da psiquiatria, psicanálise, ou do que for.
Seja por uma questão física, quando a pessoa se sente fora dos padrões, se acha feio, gordo, etc., mesmo pelas poucas correspondências afetivas, amores ou vontades contrariadas, sentimentos de luto e tudo o mais que pode afetar um ser humano e fragilizá-lo, seja como for, a gente procura causas e motivos.
Quando a pessoa não tem a causa aparente, queremos tirar a legitimidade da dor daquela pessoa.
Hoje fui eu a sentir isso, quando mostraram o Xexéo, ex-vocalista da Timbalada, vivendo na penúria das ruas, por causa do vício em drogas.
Alguns dirão que Deus deu a ele todas as oportunidades. E deu mesmo. E isso não é antídoto para depressão, vícios, dores, angústias.
Deveríamos, sim partir daí: a pessoa teve tudo – dinheiro, aparência, fama, talento, afeto, fãs – mas há algo além do palpável e acima de imunidades.
A atitude interior conta. Se a pessoa foge, anestesiando a dor com álcool, sexo, drogas, compras ou toda sorte de ilusões, o bloqueio temporário da angústia fica cada vez mais curto.
Gosto de dar trabalho à tristeza. Infeliz de quem não luta e se acomoda.
Também tem quem faça marketing da depressão – nem Ricardo Boechat escapou, pois que até no dia da morte, tendo superado uma depressão real e pesada, capitalizou sua história e estava a serviço de uma empresa de fármacos antidepressivos quando houve o acidente fatal – há quem surfe no modismo do coitado/pobrezinho para ganhar uns afagos no ego; há quem se auto-diagnostique e há quem realmente imagina que qualquer tristeza é depressão.
Ah, sim: fracos como somos, em nossa condição humana, ainda estamos vulneráveis a hormônios, a oscilações neuronais e processos físicos que nos tornam propensos a tudo isso.
A estrada de cura ou de estabilização é bastante pessoal. Todavia, tem um ponto em comum: a pessoa precisa assumir as rédeas da vida e procurar a saída, querer sair do quadro em que se encontra. Precisa, ainda, saber que angústia não tem cura. Angústia é parte da vida, vai, vem, demora, sai, mas sempre volta.
Não há remédio que cure. Mas, há reações saudáveis para o que é inevitável.

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