Há um conhecido verso de Cecília Meireles,
repetido à exaustão – e válido para muitos tempos – que é “Em que espelho
ficou perdida a minha face?”. Obviamente, se refere ao processo de envelhecimento.
Não reclamamos de termos sido crianças quando já somos adolescentes, porque é
parte do crescimento; estranhamos ser adultos quando deixamos de ser
adolescentes, mas, tudo bem, também é parte do crescimento. Todavia, os
primeiros sinais da velhice derrubam egos – que, para alguns é uma calvície, um cabelo
branco, um pouco mais das gorduras advindas dos hormônios em mudança, uma
girada no cronômetro etário e lá vem o fim do mundo. Crueldade da natureza, os
primeiros sinais de velhice aparecem a partir dos 25 anos – aquele colágeno que
nos dava um rosto bem contornado, um sorriso de bochechas brilhantes, uma pele
sem opacidade e uma barriga comportada, cede lugar e aos poucos vai nos
deixando...até os neurônios e os óvulos vão dando suaves adeuses.
Meu ex-namorado nunca me permitiu saber a
idade dele. Penso que era uns 56 ou 58 anos, bem escondidos num corpo sem
gorduras, musculoso, ao longo da excelente altura e dos raríssimos cabelos
brancos.
Como tem ocorrido a muitas pessoas, ele
coloca fotos de perfil no whatsApp e nas redes sociais de quando ele
tinha vinte e poucos anos: deve ter muitas saudades de si mesmo.
Uso filtros em minhas fotos, mas não dos
que anacronicamente retira a verdade de minha idade: queria apenas ter a pele
bonita, sem os poros abertos que me acompanharam a vida inteira.
O que a idade me deu de bom: cabelos.
Nunca tive cabelos grandes como agora. Também meus dentes estão mais bonitos,
porque passei pelo ortodentista sob uma disciplina que eu não teria antes (nem
tempo, nem dinheiro para tal); entrei na academia para nunca mais sair (desde
2013, nunca larguei – na pandemia, me exercitava em casa); a vida toda eu não fui sedentária, jogava handeball aos 13; fazia musculação desde os 22, mas largava; mudaram as formas de
meu corpo e talvez isso tenha significado uma resposta ou uma conversa com a
minha idade. Não sou infeliz por estar mais velha, provavelmente porque não
tive senão muitas angústias ao longo da vida. Ser feliz foi algo muito de depois
dos meus 35 anos – e não é felicidade idealizada de fim de novela, não. Aí
seria preciso ser alienada ou viver de positividade tóxica o tempo inteiro,
negando a realidade e achando que vou cocriar verdades adequadas à minha
satisfação. Felicidade é indescritível, não é ‘cesto de alegrias de quintal’ e,
aliás, é de graça e sem causa declarada.
Eu me sentia feia aos 18 anos. Eu era boba
aos 24 anos. Somente aos 33 eu amei pela primeira vez na vida. Então, não tenho
motivos para ser saudosista com a juventude.
O que vem antes do citado verso de Cecília
Meireles é “Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil”.
E as pessoas acham que nunca mudarão,
exceto na aparência. Também achei que nunca mudaria. Por
conseguinte, “Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil” e
aqui não me refiro a aspectos físicos. É que eu achava que não suportaria estar
completamente sozinha, no plano amoroso. Eu achava que estava amando pela
segunda vez e que acataria qualquer condição para estar com meu par. Mas, não
foi assim: coloquei minha viola no saco e nunca mais voltei à casa dele, nem
para ele, nem sequer procurei conversa. Logo eu, que adoro conversar, estranhei
não gastar palavras para resolver com diálogo as questões. Foi um basta e um ‘foda-se’
que eu jamais me imaginei capaz de dar.
Mudei em tanta coisa, inclusive, na
postura ao sair sozinha na noite: hoje eu me vejo como uma mulher adulta e
independente, que não precisa ter vergonha de estar só, dançando, curtindo, sem
querer beber álcool, sem hesitações. Mas, eu não vi isso acontecer, só notei
após o percurso estar concluído.
Já falei aqui algumas vezes o que eu penso
sobre algumas palavras da moda, tipo autoestima, por exemplo. Fundamental é
você saber que não precisa apertar para caber, nem tem que contrariar a si
mesmo para favorecer a paz com o outro. Este foi o ponto de meu término de
namoro: seria necessário sempre fazer a vontade dele; ter cuidado com a forma
como ele entendia as coisas; aceitar que não haveria diálogo, porque as
convicções dele, o parecer, o julgamento que ele fazia, eram irrevogáveis. Era
muito poder numa mão só. Era muito autocracia, para não dizer autoritarismo.
Dizem que há uma regra nos jogos, nas brincadeiras em par: quem ganha pode ganhar a maior parte das vezes, mas não pode ganhar todas as vezes (sempre), porque se não, o outro se retira do jogo, larga a brincadeira. Chamam isso de 60-40, ou seja, alguém ganha sessenta por cento das vezes; o outro, quarenta. Claro, você vai jogar para perder? Zero ganhos, zero satisfação? Quem quer? Isso significa que é preciso dar algo, proporcionar algum ganho secundário para manter o outro no jogo. Não vi nada em meu favor, caí fora, W.O.
Sem contrapartida não há partida.
Na foto desta postagem sou eu, na idade atual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário