Há aspectos que nos
lavam a alma, outros que nos limpam a mente – como bem dizem, há higiene mental
- e, entre um e outro, o campo privativo de estar-se consigo mesmo, sozinho.
Poucas pessoas
entendem a minha necessidade de ficar sozinha. Não entendo quem viva de grude
nos outros ad eternum, como não
entendo quem renuncia à privacidade, apenas por medo da solidão.
Gosto de abraços, de
carinhos, do riso dos amigos, da comida compartilhada, de ter com quem comentar
minhas impressões sobre um filme, de planejar sair, de planejar estar juntos,
mas, nunca achei interessante viver em família, viver em casal. A pandemia
mostrou o alívio que é, para um casal, precisar sair para trabalhar.
Finalmente, um tempo longe uns dos outros para, de noite, um reencontro; para,
num fim de semana, estar-se juntos.
Não acho justo nem
bonito que o nosso par nos veja depilando o buço, pintando o cabelo, com uma
touca de hidratação na cabeça, sem o glamour que a gente exibe ao se encontrar
com aquela pessoa. Aliás, é fonte de vida poder se arrumar para alguém...escolher
a roupa, o perfume, se apresentar da melhor forma possível e não com os odores
domésticos do cozinhar ou os suores das tarefas cotidianas.
Privacidade é
fundamental, assim como higiene pessoal.
O Homem de Capricórnio
odiava banho, mas sempre elogiava meus cheiros. Pegava em mim, feliz, por causa
de texturas e cheiros e, provavelmente, só no último dia em que a gente se viu,
ele percebeu o valor que eu dava à higiene. Nunca foi somente uma questão de
higiene: era o bem-estar. A higiene dá segurança e conforto para todo mundo –
cheiros repulsivos espantam; falta de banho é sujeira e porcaria mesmo, porque
o corpo produz gorduras, secreções que, com o tempo e o contato com a atmosfera
externa são repugnantes. Eu sei que no mundo dos fetiches há pessoas que gostam
até de pés suados e de suores em geral. Eu não.
O Homem de Capricórnio
me viu pegar um lenço umedecido e passar atrás da orelha dele, sob o pretexto
de retirar um pelinho solto que, entretanto, grudava na pele. Ele comentou sobre
minha diplomacia com a falta de banho dele, eu desconversei. No dia seguinte,
ele já me encontrou após ter tomado banho.
No começo de nossos
encontros, ele brincava e dizia que ‘ia tomar o banho da semana’ para me
encontrar. Eu achava que era brincadeira. Até ir notando que ele deixava de me
ver porque não queria ser compelido a tomar banho.
Eu fiquei muito
triste ao perceber.
Lembro de nossa primeira
viagem juntos, no inverno, com chuva, a uma praia. Tomei banho ao chegar, ao
descer do barco. Tomei banho ao sair para a praia. Tomei banho ao voltar da
praia naquele mesmo dia. Ele não se envolveu com a água do mar, muito menos com
o chuveiro. Foi esquisito, decepcionante, mas não foi conclusivo para mim,
porque, afinal, chovia e era inverno.
Certa vez, dei-lhe
um beijo no pescoço e fui embora. Ao encontra-lo, três dias depois, vi uma
marca de batom e comentei, enraivecida. Puxei o espelho e mostrei a ele, que não
me disse nada. Ora, era a mesma marca que eu deixei...ele simplesmente não
tomou banho por três dias.
Acredito que ele não
goste mesmo de banho e muito menos de obrigação. Em todos os comentários dele,
tipo: “não vou tomar banho para ir ao shopping porque quero contrariar a
burguesia”, eu via brincadeira, nunca achei crível ou sério aquilo. Ainda mais
em se tratando de um adulto, independente, elegante, doutor, culto...demorou
para eu compreender. Uma coisa é o hábito, outra coisa é a doença.
Já comentei aqui
sobre meu único tio paterno. Não é ficção, nem sensacionalismo, exagero ou
mentira: meu tio fica nove meses sem banho. Sem banho é zero banho. Ele passa
álcool nas mãos, ele lava apenas a cabeça, em caso extremo, por causa da
pintura/tintura. E o faz na torneira do jardim. Banho, nunca. É para ele, uma
tortura. Nem quando sai do hospital, nem quando está no hospital, meu tio JAMAIS
toma banho. Posso responder agora mesmo a data do último banho que ele tomou:
06 de janeiro deste ano, ao ser conduzido ao hospital por mim. Porque eu exigi,
pois eu não iria acompanhar um ser humano sujo, perfumado por colônias fortes
que não abafam o mau cheiro.
Difícil não achar patologias sob a repulsa e o medo do banho - para eles, um pavor.
Não tomo banho por
causa dos outros. É parte de um prazer, de estar sozinha, de um cuidado pessoal gostoso, de
cantar no chuveiro ou emudecer em pensamentos íntimos e livres, é a delícia de
escolher perfumes até para dormir...aliás, me dá muito conforto tomar banho
para dormir.
Tomar café de manhã
e tomar banho em seguida me desperta como que num ritual para me acordar para a
vida, como um batismo para cada dia.
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