Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Positivo e (in)operante

 


Houve um tempo em que me acusavam de ser pessimista.

Houve um tempo em que alimentei uma particular raiva contra os seres humanos otimistas, aqueles bem esquisitinhos, que não admitem jamais a ideia de fracasso, que detonam qualquer um que levante a hipótese de que algo pode dar errado.

O pior, eu suponho, é aquele tipo de pessoa que acha que algo deu errado por que você pensou que poderia dar errado. Basta a pessoa ser prevenida, cautelosa, para ser chamada de pessimista.

Isso chegou a tal ponto que odeio até hoje, com todas as forças da antipatia, aquela música de Lulu Santos, chamada A cura. Quando eu ouvia:

“...Existirá
E toda raça então experimentará
Para todo mal, a cura.

Existirá, em todo porto se hasteará
A velha bandeira da vida
Acenderá, todo farol iluminará
Uma ponta de esperança...”

 Ah, eu, internamente dizia: “Mas, que música filha da puta, delirante, fora da realidade!”. Um banho de otimismo fora da rota da realidade que nos cerca, totalmente sem noção.

Sempre me pareceu loucura isso de ‘pensar positivo’ e ‘vai dar tudo certo,’ mas não por tendências pessimistas: é que para dar certo é preciso atender a muitos fatores.

Nesta semana acabei lendo sobre POSITIVIDADE TÓXICA e suspirei aliviada por ver, em teoria, o que eu sempre achei: não adianta pensar positivo, se você não contribuir para que as coisas deem certo.

A gente, fazendo tudo para dar certo, já se depara com situações fortuitas e fracassos, imagine sendo um ser inadvertido?

O resultado da positividade tóxica, além da fuga da realidade, é a negligência e a negação da responsabilidade individual nos processos pleiteados.

Aí, se tudo que você tem para um concurso ou uma entrevista de emprego, é o pensamento positivo, sinto muito, mas há grande probabilidade de não dar certo. Se você se preparar, aumentarão suas chances. O que há são chances!

Agora, pensa no contrário, por exemplo: pensei positivo e perdi ou não alcancei meu alvo. Muito provavelmente não terei fair-play, vou colocar a culpa nos outros ou, pior ainda, não vou saber superar a perda.

A positividade tóxica gera uma falsa sensação de segurança, porque delega a forças externas (algumas vezes, forças sobrenaturais) o desenrolar das situações.

E se sou confiante por causa das arrogâncias da fé, como fico quando não sou agraciada com o sucesso? Novamente, à mercê de conclusões absurdas e, claro, fragilizada.

Quem nunca ouviu ou leu: ‘LUTAMOS COMO NUNCA, PERDEMOS COMO SEMPRE’? Dou risada, mas é coisa que acontece. A pessoa faz a sua parte e mesmo assim, perde.

Não é pessimismo pensar que as coisas podem errado: é somente por esse senso de realidade, que a gente aprende a andar, por exemplo, com um band-aid na bolsa, ter água mineral no carro, criar dispositivos de prevenção.

Se pensar positivo me dispensar de estudar para a prova, acho que sairei no prejuízo, porque não estarei assumindo o que me cabe.

Para mim, pensar positivo é ser responsável. Então, isso supões planejamento, organização e método.

Olha, até para sair de casa eu calculo as rotas que farei – e dentre as rotas, penso nas alternativas, caso seja necessário escapar de engarrafamentos.

Acredito que a vida é cheia de imprevistos.

A gente tem tanto pavor de nossa falta de controle sobre as coisas, que vive catando previsão do tempo, previsão astrológica, cartomancia, tarot e todo tipo de oráculo simbólico. Então, a sua proteção é o seu cuidado consigo mesmo, com a sua parte na sua vida. Coisas que não estão sob nosso domínio vão sempre existir.

Pensamento positivo, sem as ações que reforçam os planos, não funciona sozinho.

Querer pode ser poder, à medida que a gente leva a sério o que quer – o famoso e citado ‘correr atrás’, que é a metáfora do esforço para alcançar algo. Eu acredito no esforço – seja no esforço mental do estudo  ou no esforço físico para o emagrecimento.


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