Louquética

Incontinência verbal

domingo, 5 de abril de 2020

De volta à caverna doméstica



Não escrevi antes por total falta de tempo.
Se me aparecia um pequeno intervalo, eu o dedicava a urgências acumuladas.
Como todas as outras pessoas, estranho os dias de confinamento. Gosto deles, decerto, seja porque não me sinto sozinha, seja porque não vejo problemas em me manter isolada. Solidão é um fato normal, comum, que nunca me assustou de verdade. Talvez, também por ainda não ter experimentado o ócio – nossa quarentena começou em torno do dia 20 – e exercer minha função de professora nas burocracias dos preenchimentos infinitos dos diários e atividades incorporadas anteriormente, como os cadernos de campo que trago para corrigir em casa, os trabalhos de conclusão de curso – não senti o peso real das coisas da vida urbana.
Tanta gente vive sem shopping, sem cinema, sem praia, em cidades minúsculas, em muitas das quais até já estive...não seria eu a sofrer exatamente por isso. Sofro e não nego, pela falta da academia. Por alguns poucos produtos de franquia de chocolates ou do lugar que vende meu queijo favorito e que não abrem agora, sim, sinto falta.
A atividade física já ultrapassou, em minha vida, a questão estética. Incorporei ao meu viver. Gosto de gastar energia e se não me apetece muito puxar ferro e levantar peso, me adaptei e gosto como hábito.
Tenho mais medo dos momentos furtivos em que saio de carro na rua deserta para ir ver o poeta – pouco, bem pouco, porque matamos a saudade em conversas virtuais ao longo da semana – porque se algo ocorrer, ficarei em reais apuros na cidade deserta. A cidade deserta nunca é esvaziada de perigos. Os maus não tiram férias nem respeitam quarentena.
Tenho livros e filmes para ver. Tenho declaração de imposto de renda para fazer. Serviço doméstico não falta.
Tenho muito livro espírita para ler, um jardim para cuidar, bichos para cuidar e brincar e no somatório das coisas, o que me deixou perplexa foi pensar que sexta era quinta-feira.
Também acho esquisito o povo sem noção, que quer desafiar verdadeiramente o perigo do vírus, mesmo com todos os exemplos, testemunhos e comprovações.
Será que pensam que os mortos não estão mortos?
Será que acham que há um complô mundial para uma ilusão coletiva?
Ultimamente o Brasil se mostrou um país de seres delirantes, no geral, incapazes de reconhecer a incoerência em suas próprias posições.
Brasil é um país de maus.
Inventam epítetos, hinos, louvores de enaltecimento, mas somos gente de pouca sensibilidade e nossos governantes refletem o que somos. Falo aqui da coletividade, da identidade coletiva, não dos indivíduos isoladamente, porque eles são mistos. Porém, a predominância é do perfil monstruoso, preconceituoso, hipócrita, corrupto... nossa pátria-mãe é aquela mãe hipócrita que diz ‘meu filho não mente’, enquanto sabe que o filho é dissimulado, mentiroso, desonesto.
Não creio que o isolamento vá durar. Mas, tem sido uma grande lição. Não achei ruim, achei disciplinador. Falo como passado, talvez porque no domingo da semana que vem seja meu aniversário e eu esteja a ver a vida passar, os anos correndo...no fundo, minha casa me diverte. Cada livro é como se eu tivesse um amigo inteligente para me contar uma história ou me ensinar alguma coisa – estou em boa companhia e ainda escolho a trilha sonora.
Durmo e durmo feliz – adoro dormir. Só meu relógio biológico está em modo preguiça.
Raramente como errado, mas hoje, que resolvi fazer uma receita de pão enviada por uma amiga, ah, exagerei.
Vou ver se pulo corda. Não quero que meus músculos diminuam...
No momento, o exercício é outro: parar em casa.



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