Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Oi, sumida!

 


Quem nunca se deparou com um “oi, sumida!”? Sim, sabemos que o sumido, de fato, é o sujeito que nos interpela. Sabemos, também, que essa pessoa que sumiu, resolveu reaparecer por algum interesse próprio – seja para um sexo casual; para pedir um favor ou engrenar alguma conveniência (aquele tipo que diz que vai estar na cidade em que você mora dali a dias – certamente, quer sexo e hospedagem grátis. E sem querer decidir por ninguém, recomendo: se isso ocorrer, diga à tal pessoa que “aproveite a cidade”, feche sua porta e sua vida, a menos que você deseje entrar no jogo). Se o sumido for você, se ligue, porque as ações e situações já são previsíveis, portanto, dificilmente você vai lograr êxito.

Mas, bem: estando na sessão de psicanálise, posso dizer que situações do passado, quando ali convocadas, me parecem exatamente um grandessíssimo “oi, sumida!”

Pequeno adendo aleatório: peço a devida vênia para a licença poética de dizer: puta que o pariu! E não sei porque caralhos as pessoas escrevem os vocativos sem as vírgulas, o que piora oi, sumida! – preguiça ou ignorância? Provavelmente, é desleixo mesmo.

Coisas encobertas na memória dão o ar da graça e haja hematoma psíquico a se revelar.

Situações psíquicas inconscientes fazem verdadeiro strip-tease, tirando peça por peça, lentamente, num jogo de se mostrar e se esconder. Enfrento, no momento, um gigantesco calo psíquico. Faço até abdominal para poder ‘empurrar com a barriga’, mas, agora, o psicanalista resolveu que preciso resolver – sim optei por ser redundante aqui. O jogo com a linguagem é o que prevalece na psicanálise (em alguns casos, a linguagem corporal indica algumas coisas, mas não acredite piamente que ‘o corpo fala’ – o corpo pode ser treinado e controlado, como habilidoso ginasta, expressar suas artes e iludir a plateia, simulando seguranças e posturas, inclusive, fazendo certos contorcionismos sociais – ora, nossas carinhas de felicidade ao apertar a mão do desafeto ou nossa suposta altivez em ocasiões sociais desfavoráveis são exemplos disso. Por vezes, somos pavões, mostrando belezas temporárias e artificialmente conquistadas; ou somos gatos de pelos arrepiados para nos mostrarmos maiores ante nossos inimigos).

Também ao contrário do que ouvimos por aí, não temos o poder de fazer ninguém nos amar. O ódio é gratuito, facilmente aprendido, distribuído, aceito. Desde criança – e aqui, cito as filhas de minha madrasta, na época, tão crianças quanto eu, mas que aos sete anos já sabiam que o certo era me odiar, e odiavam com sádico capricho. Fazer alguém nos odiar é fácil e infalível. Fazer alguém nos amar é impossível.

Quem quer se arvorar a trazer um amor de volta em 3 dias, seja por meio de magia ou mandando uns capangas ir buscar o ser amado, pode trazer e amarrar, mas aquilo nunca será amor.

Se um sujeito, dentre o casal, se esforça sozinho para estar junto ao outro; se sempre é como se fosse necessário matar um dragão a cada vez que se quer estar com o príncipe ou com a princesa, não há chances disso ser amor.

Não me reporto a quem mora longe; aos que têm plantão e jornadas de trabalho específico (médico, músico, atores, etc) e cujos fatores são sempre impeditivos para certos planos do estar juntos. Trato de quem inventa desculpas ou, diante de um empecilho real, não constrói meios de estar com o par.

Ninguém quer ser rejeitado, nem mal-amado. A gente até esquece que já rejeitou algumas pessoas na vida e que amou insuficientemente – e aqui, cito isso porque é do ser humano viver os dois lados da questão.

Com quantos ‘nãos’ se faz um término? O quanto esperamos para constatar que o outro não quer nada conosco? E quando os afetos são de natureza diferente; e a gente não quer namoro, mas quer o amigo? Então, é preciso ter essa sensibilidade.

Minha amiga gasta horrores com ‘trabalhos rápidos e garantidos’ para manter um certo caso. Mesmo admitindo que houvesse alguma eficácia no trabalho sobrenatural, qual o sabor de estar com quem sabidamente não nos quer? Vale a pena forçar o Outro a querer o que ele não quer? Vale a pena estar com o Outro a qualquer custo, trazer para perto quem emocionalmente está distante?

Por discutir isso com sinceridade, minha amiga fica de cara amarrada comigo. Apesar de tudo, ela entende e sabe que eu tenho razão, mas não se esforça para processar o luto de um término e libertar a pobre pessoa do cativeiro das chantagens emocionais (até filho imaginário ela inventou). Não aceitar o fim de um relacionamento significa não aceitar a realidade, nem aceitar que o Outro tem vontade própria, desejos próprios e autonomia, porque também quem ama, mesmo amando, pode sair da relação se perceber que não está bom nem está saudável aquilo tudo. Amar não basta. Porém, sem amor, pior ainda.

O ódio pode ser manipulado, ensinado e facilmente se desenvolver. Amor, não. Quem me dera amar a pessoa certa, amar quem me ama – a vida seria bem fácil.


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