A gente se sente
meio injustiçado pela vida quando vê certas pessoas sem qualificação ocupar
altos cargos ou posições de destaque. Lembram da velha metáfora do jabuti, que
diz que “jabuti não sobe em árvores”? “Se ele está lá, alguém o colocou: não
mexa nele!”. E não tem um ser humano que não conheça pelo menos um jabuti bem
colocado no topo que ele não alcançaria sozinho. Pois, bem, é muito difícil
lidar com isso: desarticula nosso fair play, porque a gente saca que houve
manobra e deslealdade para favorecer ao incompetente; gera o ataque moral
silencioso, porque julgamos que sexo é moeda de troca e esse pode ter sido o
preço do patamar alcançado pelo jabuti; acrescentando situações reais e
possíveis de parentesco, apadrinhamento e outras formas de trocas. Até aqui
sabemos tudo e admitimos ser possível.
Há, contudo, outro
fator: o jabuti pode ser um idiota de sorte ou um incompetente estratégico.
Sim, pode. Um idiota bem sucedido pode estar ao seu lado em qualquer canto do
planeta.
Os leitores de minha geração vão
se lembrar de Forest Gump; os do tempo presente hão de questionar como certas
pessoas, autoridades inclusive, passam em concursos difíceis tendo a
inteligência tão encolhida ou postura crítica abaixo de zero e nenhuma sombra
de capacidades ou habilidades específicas. Eu, entretanto, vos digo:
adestramento.
Associamos a palavra
ao treinamento de animais, mas não a empregamos aqui com subestima. O
adestramento mental inclui a memorização, a atenção a palavras chaves, o
treinamento reiterado sob forma de simulação e a codificação de fórmulas ou assuntos.
Está errado? De forma
alguma. É desleal? Muito menos. Só depende da disciplina, da memória, da
capacidade de decorar.
Como um crente sabe
os versículos de cada parte da bíblia, o advogado deve saber as leis, em seus
artigos e princípios; tal como um aluno de séries medianas pode decorar a
Tabela Periódica dos Elementos. Pode traçar cadeias associativas rasas, até
mesmo usando paródias lembradas do cursinho. Pode ter sagacidade e treinar
redação e respostas abertas.
A chance da pessoa
verdadeiramente inteligente é bem menor: ela não apenas leu, mas estudou. Por
isso, o conteúdo para ela, ultrapassa a memorização: precisa ter coerência,
ser transformador, apresentar coesão, sentido, a tal ponto que até a
maneira como a pergunta e as alternativas se apresentam, influenciam na
resposta e no resultado, porque a pessoa inteligente interpreta. Por conseguinte, perdem mais porque têm
honestidade intelectual e, portanto, mais dúvidas. Todavia, poderiam aprender
muito com os jabutis, no que toca à disciplina do aprendizado e dos simulados.
Simular é treinar,
antevendo a situação. Assim, quem faz simulados se familiariza com a linguagem das
provas e das fundações que as elaboram; treinam, se preparam, têm esperteza
para fazer eliminação, estão no jogo para ganhar. Estratégia vence jogo.
Estratégia e inteligência, portanto, duas aliadas para toda guerra. Por fim, as situações que perfazem provas e testes são bem distantes das práticas reais, o que ajuda o jabuti a se ajustar a uma rotina de trabalho que não compromete a incompetência dele, coisas que o comportamento repetitivo e burocrático vai dar conta.
Uma pessoa inteligente, porém, sempre terá mais angústias, por viver a dinâmica das coisas, assumindo angústias, fracassos, insuficiências e se reinventando para dar conta das demandas - quem ganha mais afinal?
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